Ver um carro se espatifar todo
após uma batida é sempre chocante, mesmo quando o impacto é realizado em
laboratório. Pior ainda se este modelo for um dos veículos mais populares do
País. Em 2010, o Latin NCAP, organização que realiza crash-tests com veículos
vendidos na América Latina, estreou com uma bateria de arrepiar (no mau
sentido). Fiat Palio e Peugeot 207 “bombaram” no teste, obtendo apenas uma
estrela em cinco.
A partir dalí a segurança dos
carros comercializados no Brasil ficou em xeque. Novoss ensaios foram feitos em
2011, 2012 e este ano, com resultados surpreendentemente catastróficos. Na
última edição, há poucos meses, Chevrolet Agile e Renault Clio zeraram a
avaliação, ficando sem sequer uma estrela em cinco possíveis. O resultado,
claro, deixou muitos consumidores brasileiros perplexos. Como pode um carro
oferecer zero proteção?
Para encontrar respostas, o site
R7 Carros entrevistou o engenheiro Alejandro Furas, diretor técnico dos testes
de impacto do Latin NCAP. Sincero, Furas não poupou críticas especialmente aos
veículos produzidos no Brasil, os quais o engenheiro uruguaio caracterizou
frágeis por terem carrocerias construídas com materiais “de baixa qualidade”.
Confira abaixo a entrevista completa com diretor técnico de testes do Latin NCAP.
Para Furas, equipar os carros com airbag não é o suficiente
para proteger os seus ocupantes
As montadoras no Brasil afirmam
que seus carros são seguros e seguem a lei do País. Mas testes realizados pela
Latin NCAP revelaram o contrário. Qual o erro?
— Em primeiro lugar, é claro que
os carros atendem às exigências do governo, caso contrário não poderiam ser
comercializados. Mas isso não significa que ofereçam níveis satisfatórios de
segurança. Depende muito de qual o nível de segurança que você considera
“seguro”. Também depende das condições em que os testes são realizados.
Nossos testes de impacto ocorrem
a 64 km/h. Há outros que atingem 56 km/h. De toda forma, em qualquer dos casos
as velocidades não são tão altas — na verdade, são baixas em comparação com a
velocidade de avenidas de várias cidades da América Latina. Por isso,
entendemos que um carro que vai bem em nossos testes é seguro.
Você entrou no mérito da
velocidade de ensaio do Latin NCAP. Nos primeiros testes houve críticas ao
padrão adotado. O que pensa a respeito?
— Nossa velocidade de colisão é
bem conhecida por todos os fabricantes, que podem atingir excelentes níveis de
segurança sob esse mesmo teste em outros mercados com carros que são muito mais
baratos e muito mais seguros do que aqueles que estão sendo oferecidos para os
consumidores latino-americanos.
Sendo assim, uma ou zero estrelas
indicam carros inseguros. O critério é o mesmo do Euro NCAP. Não devemos ser
mais brandos que eles, porque os passageiros são igualmente humanos e enfrentam
as mesmas leis da física em todo o mundo.
Você acredita que os carros
brasileiros são frágeis por causa da estrutura do chassis? Ou seria por causa
da falta de equipamentos de segurança?
— Ambos. O teste que realizamos
não exige que o carro tenha airbags, como no Euro NCAP. Nós só exigimos que os
ferimentos nos passageiros fiquem abaixo de um certo nível, não importa como o
carro fique após a colisão. Descobrimos que os airbags estão em falta sim, mas
também as estruturas são instáveis durante o ensaio. Há modelos que, mesmo com
airbags, não protegem os passageiros adequadamente porque a estrutura é
instável.
Essas estruturas mais frágeis
usam materiais de baixa qualidade, têm menos pontos de solda e, em alguns
casos, são carentes de reforços estruturais. E é muito difícil alterar ou
corrigir quando o carro está em produção. Sendo assim, tanto a falta de aibags
quanto as estruturas instáveis são um problema na maioria dos modelos testados.
A partir de janeiro de 2014,
todos os veículos no Brasil serão obrigados a sair da fábrica com ABS e airbags
frontais. É um passo importante, mas é suficiente?
— Não, não é suficiente. Como
mencionei antes, com o fraco desempenho estrutural dos carros que testamos, os
itens não serão suficiente. O melhor exemplo é o JAC J3 testado em 2012. Mesmo
tendo airbags frontais, o modelo chinês só obteve uma estrela.
É possível aumentar o nível de
segurança dos automóveis sem aumentar o custo de produção destes?
— Sim, absolutamente. Veja por
exemplo o Etios. Trata-se de um carro compacto acessível que classificamos com
quatro estrelas na segurança de ocupantes adultos. Se verificarmos os carros no
mercado europeu, a maioria recebe cinco estrelas no Euro NCAP e custam menos de
carros similares com níveis de segurança muito inferiores vendidos no Brasil.
O Ford Fiesta custa 9.000 Euros
na Alemanha e ganhou cinco estrelas. Por que não podemos obter resultado
semelhante com outro carro de mesmo preço na América Latina? São os impostos?
Os fabricantes estão vendendo a preços muito caros? É evidente que no Brasil se
paga muito mais caro por modelos com qualidade muito inferior.
Quanto tempo você acha que vai
demorar para carros brasileiros e globais de baixo custo terem um nível
satisfatório de segurança?
Vai levar o tempo que o governo
determinar, exatamente como foi indicado por muitos fabricantes ao alegarem que
“atendem o que é exigido “. Acredito que o governo dos países latinoamericanos
aumentará as exigências, mas as montadoras não devem colocar pressão para
atrasar a implementação desses regulamentos ou torná-los flexíveis e menos
exigentes.