sábado, 7 de dezembro de 2013

Militar da ditadura em depoimento debocha de Comissão da Verdade

Álvaro de Souza Pinheiro fez uma inesperada revelação sobre o destino dos militantes do PCdoB desaparecidos: 'É um desperdício de tempo saber onde estão enterrados'.

Álvaro de Souza Pinheiro

Ideólogo das Forças Armadas e um dos principais combatentes da fase decisiva da Guerrilha do Araguaia, o general Álvaro de Souza Pinheiro fez uma inesperada revelação sobre o destino dos militantes do PCdoB desaparecidos na região entre 1972 e 1975:

“É uma guerra inglória tentar saber onde estão enterrados, um desperdício de tempo. Vai procurar eternamente e não vai encontrar coisa alguma”, disse ele a assessores da Comissão Nacional da Verdade, durante audiência realizada no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, no último dia 13, a cujo teor o IG teve acesso.

Pinheiro afirma, no entanto, que todos os mortos foram identificados e enterrados em locais conhecidos, como é praxe em operações das Forças Armadas. Mas se recusou a dar qualquer informação relevante alegando, num momento que as operações eram compartimentadas e, em outro, simplesmente se negando a falar sobre eventos, datas e pessoas envolvidas nos episódios. Disse que o resgate de mortos e feridos era papel da equipe de logística.

“Tô rindo"
O depoimento inédito de Pinheiro durou 92 minutos. No final, ele acabou, involuntariamente, deixando pistas sobre o que o governo e a CNV já suspeitavam, ou seja, que há um pacto de silêncio entre os oficiais para manter em segredo as violações aos direitos humanos durante os anos de chumbo.

“Não vou confirmar nada a comissão nenhuma. Nem o papa me obrigaria”, disse o general, colocando a estratégia do silêncio acima das questões de estado. “Tô rindo. Não tenho nenhum interesse nisso. O que me interessa é que o exército resolveu o problema grave de um foco terrorista num ambiente de selva”, respondeu.

Pinheiro acha que como as operações militares no Araguaia eram sigilosas, não dará detalhes. E respondeu com evasivas às perguntas sobre a hipótese de destruição formal de documentos e restos mortais de guerrilheiros. “Quem garante que não tem termo de destruição? O problema é que nenhuma instituição quer alimentar a canalha e inescrupulosa indústria das indenizações”, disse.

Ele ainda ironizou a decisão do governo em determinar as buscas dos desaparecidos, afirmando que a CNV “é uma farsa, que carece de legitimidade e de credibilidade”. Disse que as investigações deveriam abordar os dois lados do conflito, apurando os casos de sequestro, assassinatos, assaltos e atentados cometidos pela esquerda armada.

“Acho difícil encontrar (restos mortais)”, disse ele, sem confirmar se em 1985, preocupados com o deslocamento de caravanas de familiares à região, os mesmos militares coordenaram uma “operação limpeza” para desenterrar e dar fim aos restos mortais dos 67 guerrilheiros desaparecidos.

A ofensiva final ao Araguaia, levada a cabo por integrantes das Forças Especiais de Exército, Marinha e Aeronáutica, a partir meados de 1973, resultou na eliminação completa do foco guerrilheiro.

Em nome da pátria
Álvaro Pinheiro afirmou que desconhece uma suposta ordem do comando segundo a qual nenhum guerrilheiro deveria sair vivo das matas do Araguaia. Num ato falho, no entanto, acabou confirmando que alguns foram capturados com vida.

“Às vezes se rendiam, se entregavam. Chegavam às bases dizendo ‘não quero mais’. Mas não explicou se foi na fase em que ainda se fazia prisioneiros ou, na etapa final, em que os militares partiram para o extermínio. Pelas estimativas da CNV, 41 militantes do PC do B vistos com vida por camponeses em poder dos militares foram executados friamente.

No mesmo dia, foram ouvidos também o ex-secretário de segurança do Rio de Janeiro, general Nilton Cerqueira, o comandante da operação que dizimou a guerrilha, e vários coronéis. Com exceção de Álvaro Pinheiro, todos responderam às perguntas relevantes sobre os desaparecidos com um “nada a declarar”.

Pinheiro só não economiza palavras quando é para falar mal da guerrilha. Diz que era “uma célula terrorista perigosa, terrível para a nação”, trata o episódio como uma guerra vencida pelos militares, diz que a missão das forças especiais era a neutralização do foco e sustenta que o que estava em jogo era a defesa da pátria. Mas faz uma ressalva para explicar a missão em casos de conflito: “Morrer pela pátria é amadorismo. Matamos pela pátria!”, disse. “O exército tinha a obrigação de neutralizar rápido e completo (o foco)”.

Ferido em confronto
Na época da guerrilha, Álvaro de Souza Pinheiro era primeiro tenente do exército e teve seu batismo de fogo em maio de 1972 num confronto em que, por pouco, não foi eliminado. Um tiro na clavícula, disparado pelo guerrilheiro Bergson Gurjão Faria o tirou de circulação. Meses depois, Pinheiro voltaria ao Araguaia, participaria das operações decisivas e, no final, entre idas e vindas, completaria um total de 247 dias na região.

“É a história da minha vida”, disse ele, se recusando, mais uma vez, a entrar em detalhes sobre o confronto. Bergson, cujos restos foram reconhecidos em 2009, foi morto pelos outros integrantes da equipe de Pinheiro.

Mesmo afirmando que não tem nada a esconder ou temer, o general disse que os militares estão expostos física e moralmente. E reagiu com cautela e desafio: “Não falta radical tresloucado que queira acertar contas do passado. Mas não é qualquer vagabundo que vai me pegar, nem a investida de policiais do governo”.

Do IG

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