Afago. José Sarney
beija mão da então ministra Dilma, no governo Lula – Agência O Globo / Roberto
Stuckert Filho/12-10-2010
A facilidade com que
muda de matizes e se adapta a novas correntes ideológicas para manter a
hegemonia de seu grupo político no poder deu a José Sarney o apelido de
“camaleão”. No comando de uma das mais poderosas oligarquias que sobrevive no
Brasil, o maranhense José Ribamar Ferreira Araújo da Costa Sarney sempre tirou
proveito de todas as benesses do poder, transitando do regime militar ao
governo popular dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Na política desde 1954,
Sarney passou pelo antigo PSD, por UDN, Arena, PDS e PMDB; foi deputado duas
vezes, senador três, governador, presidente da República: o filho, Zequinha
Sarney, é deputado pelo PV, e a filha, Roseana Sarney, governadora do Maranhão.
Mas o clã, segundo seus adversários, que não são poucos, governa para poucos: o
Maranhão tem o segundo menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país,
segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Em seis décadas no
centro do poder em Brasília, Maranhão e, desde 1990, no Amapá, para onde
transferiu seu título e se elegeu senador três vezes, o imortal da Academia
Brasileira de Letras sempre renega suas raízes e ligações com o golpe de 1964,
que apoiou e aderiu, com a Arena e o PDS. A partir de 1985, com a abertura
democrática e a ascensão à Presidência da República, com a morte prematura do
presidente eleito Tancredo Neves, quis forjar para si a imagem do democrata.
Gosta de se comparar a Rui Barbosa, um dos políticos brasileiros de vida mais
longa, como ele.
Sarney nasceu dentro do
grupo político de outra oligarquia maranhense, de Vitorino Freire. A partir do
golpe de 1964 (já fora do PSD e da UDN), criou seu próprio grupo, como aliado
das Forças Armadas. Com o bipartidarismo, seu grupo obteve hegemonia na Arena
e, depois, no PDS, pilares do regime militar. Veio a abertura democrática, mas,
com a derrota das Diretas Já, em 1984, mudou-se para o PMDB para ser o vice de
Tancredo, que derrotou Paulo Maluf, do PDS, no Colégio Eleitoral. Já
presidente, apoiou a realização da Constituinte, na qual aumentou seu mandato
para cinco anos.
O fim do seu mandato
foi melancólico. Na biografia autorizada, de autoria da jornalista Regina
Echeverria, Sarney se revela uma pessoa atormentada pela depressão crônica:
considera que foi um presidente fraco, que fez um governo marcado por erros e
fracassos, e que, na maioria do tempo, não sabia o que estava se passando. A
maior fonte de pesquisa de Regina foi o diário em que Sarney faz suas catarses.
Em depoimentos na
primeira pessoa, ele relembra que entrou em pânico quando foi informado de que
assumiria a Presidência no lugar de Tancredo, em 1985. Sabia que não tinha
legitimidade política, sequer tinha sido consultado sobre o Ministério que
Tancredo anunciara na véspera de ser internado.
O que mais crescia era
a depressão, doença que Sarney tentava dominar desde 1982 e era mantida em
segredo. “Era uma solidão que não passava, uma dor insidiosa na alma que me
levava a pensar recorrentemente na morte e nas fontes da vida”, diz na
biografia.
Com sustentação política
frágil, o grande fiador de seu mandato era o presidente da Câmara e da
Constituinte, Ulysses Guimarães, também presidente do PMDB. Em seu diário,
pouco antes de entregar o governo a Fernando Collor, Sarney fez um desabafo
contra Ulysses: “Não tem grandeza nem espírito público. É o responsável pela
situação que vivemos”.
Aprovados os cinco anos
de mandato, a primeira eleição direta para presidente ocorreu em outubro de
1989. Sarney foi atacado pelos 21 candidatos. Apesar de ter se reconciliado com
todos os inimigos, Sarney, em sua biografia, pesou a pena nos escritos sobre
Lula também. Disse que em 1989, votou em branco no segundo turno entre Collor e
o petista. Collor, porque “era um capitalista de Arapiraca”. Lula, porque era
“a velharia ideológica, um marxista caribenho sem ideias próprias e sem base
filosófica”.
Foi eleito senador pelo
Amapá três vezes. Sobre a crise no Senado em 2009 (atos secretos e nepotismo),
após assumir mais uma vez o comando da Casa, apresentou sua versão dos fatos.
Quanto às centenas de atos secretos, muitos editados com nomeações de parentes,
diz no livro: “Fui alvo de uma grande injustiça”.
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