domingo, 19 de julho de 2015

O precoce fim da vergonhosa era Cunha

Imagem de divulgação

O fim da saga de Eduardo Cunha coloca um ponto final em um dos mais constrangedores episódios políticos da história da República, desde a redemocratização.

O vácuo político produzido pelos erros da presidente Dilma Rousseff promoveram uma abertura inédita da porteira e abriram espaço para oportunistas da pior espécie.

A crise colocou Cunha no papel de touro conduzindo o estouro da boiada. E, atrás dele, a malta do congresso, o universo dos pequenos políticos sem expressão, o chamado baixo clero, cuja atuação, em outros tempos, era moderada por lideranças de maior fôlego.

A cada eleição, os grandes políticos - à esquerda e à direita - foram se afastando do Congresso, permitindo que políticos de grande habilidade e nenhum escrúpulo - como Cunha - assumissem a liderança, bancados por contribuições milionárias de campanha garantidas pelo negocismo amplo que se implantou no Congresso.
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A queda de Cunha era questão de tempo. Figuras como ele são eficientes para agir nas sombras, não na linha de frente. Ainda mais com a megalomania que sempre o acompanhou, acima de qualquer limite de prudência.

Em ambiente democrático, não há espaço para os superpoderosos. Tanto assim, que um dos truques históricos da mídia, quando quer marcar um inimigo, é superestimar seus poderes. O sujeito entra na marca de tiro, torna-se alvo não só de jornais como de outros poderes.
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No início adulado pela mídia, Cunha não precisou de nenhum empurrão para expor sua falta de limites. As demonstrações inúteis e abusivas de músculos incumbiram-se de quebrar a blindagem e transformá-lo em uma ameaça às instituições, ainda mais liderando um exército de parlamentares que parecia emergia das profundezas do preconceito.
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Com o fim de Cunha, o PMDB volta às mãos de figuras moderadas e responsáveis, como o vice presidente Michel Temer, e de figuras polêmicas mas cautelosas, como Renan Calheiros, até que seja colhido pela Lava Jato. Pacifica-se, assim, uma das frentes que impedia a volta à normalidade política.

No plano Jurídico, com a parte mais relevante da Lava Jato sendo assumida pelo STF (Supremo Tribunal Federal), e com os conflitos internos na Polícia Federal, haverá menos espaço para o show midiático.
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Na outra ponta, caiu a ficha do PSDB quanto à irresponsabilidade política de Aécio e a loucura que seria o impeachment da presidente. Não interessa nem a José Serra nem a Geraldo Alckmin, em suas pretensões presidenciais, nem a quem tem um mínimo de vislumbre do caos que se instalaria no país, caso o golpe fosse bem sucedido.
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Para retomar a normalidade, falta Dilma começar a governar.
Nos últimos dias, a Fazenda passou a desovar projetos mais consistentes, de simplificação tributária. Há boas iniciativas na Agricultura e no MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior). Ainda há o risco de um Banco Central descontrolado, praticando uma taxa de juros que poderá criar uma dinâmica insustentável na dívida pública. E Dilma, que ainda não pegou a batuta de maestrina para articular um plano de ação integrado do segundo governo.

Por Luis Nassif dp GGN

domingo, 5 de julho de 2015

O juiz Moro e os processos de Moscou


Os Processos de Moscou, o Juiz (?) Moro e a mídia brasileira: traços totalitários de uma empreitada golpista.
Por Ignacio Godinho Delgado

A leitura recente de O homem que amava os cachorros, magnífico romance do cubano Leonardo Padura, trouxe-me de volta à mente as farsas judiciais montadas por Stalin na antiga URSS. Através do isolamento, chantagens, torturas físicas e psicológicas, dirigentes comunistas, militares, chefes de polícia, cientistas…, todos que representassem obstáculos ao processo de concentração do poder nas mãos de Stalin, confessavam crimes espetaculares e delatavam antigos companheiros por atividades anti-soviéticas. Antes e depois, o opróbio, a execração pública, por via de orquestrada campanha na imprensa e nos meios de comunicação.

Naturalmente que não vivemos estes tempos, embora certa direita, por ignorância ou má fé, pretenda ver riscos de comunização e bolivarianismo (seja lá o que isso for) em governos que, desde 2003, a par de promoverem medidas singelas, mas efetivas, de inclusão social, colocaram sempre em posições chave do Executivo representantes do agronegócio, do empresariado urbano e do capital financeiro, além de conduzirem uma política macroeconômica rigorosamente conservadora.

 Os elementos totalitários da situação brasileira não estão do lado do espectro político que tem o PT como principal expressão. Delações derivadas de isolamento e chantagem, antecipadas e seguidas de espetacular campanha para execração pública das pessoas supostamente atingidas (desde que ligadas ao PT e aos governos que lidera), partem sabidamente da articulação que reúne segmentos golpistas da oposição e a nossa velha mídia, sob controle das mesmas famílias que cumpriram triste papel em episódios cruciais da história brasileira, a exemplo de 1954, com a ação contra Vargas, e em 1964, com o apoio ao golpe. 

Moro não é Stalin, nem Youssef, Roberto Costa e Ricardo Pessoa têm qualquer semelhança com Bukharin, Kamenev e Yagoda, para nomear alguns delatores nas duas situações apontadas acima.

Stalin era o dirigente máximo de um regime totalitário. Moro é um apenas um peão no jogo da oposição. Seus métodos, contudo, obviamente em escala e intensidade infinitamente menor, são os mesmos, para propósitos diversos. Para Stálin, a preservação, a ferro e a fogo, de uma situação tirânica.

Para Moro, o desgaste de um governo eleito legitimamente. Nos dois casos, contudo, procedimentos insustentáveis para qualquer abordagem jurídica civilizada, como o atesta o insuspeito Marco Aurélio Melo. Nos dois casos, a instrumentalização do Estado (para usar uma expressão cara à oposição), com organismos de investigação e personagens do Ministério Público (no Brasil alguns jovens e intocáveis procuradores, que não se constrangem de revelar simpatias oposicionistas), cumprindo um papel descaradamente político.  

Os elementos totalitários da situação brasileira complementam-se com a identificação do inimigo do povo, que reuniria em si a capacidade de produzir todo o mal existente na sociedade. É o petista. Ele é o trotskista da URSS stalinista; o comunista, o judeu, o cigano, da Alemanha nazi. A corrupção é apontada como inerente à condição petista e só pode ser extirpada se seu hospedeiro também o for.

Não importa que nos últimos anos tenha sido criado o Portal da Transparência, a Controladoria Geral da União, reequipada a Polícia Federal e acentuada sua autonomia e a do Ministério Público. Não importa que os delatores assinalem que alguns esquemas investigados tenham nascido antes da ascensão do PT ao governo federal (quando finalmente começam a ser investigados) e que um empresário tucano, relatando suas desventuras em licitações desde a ditadura militar, alerte que nunca se roubou tão pouco no Brasil, porque finalmente a corrupção está sendo investigada e punida (http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/11/1551226-ricardo-semler-nunca-se-roubou-tao-pouco.shtml). Não interessa debater as raízes institucionais da corrupção e fazer as reformas que possam debelá-las. Importa é execrar, submeter o petista ao opróbio, ensejando as manifestações fascistas que têm atingido diversos personagens ligados ao partido. Quando virá a primeira morte? 

A direita brasileira sempre se valeu das denúncias de corrupção para atacar seus adversários trabalhistas, do PTB ao PT, dada a dificuldade de obter êxito eleitoral com suas propostas reais. Imaculados Aloysio Nunes, Aécio Neves, Ronaldo Caiado… Apenas com FHC, por conta do êxito do Plano Real na contenção da hiperinflação, as forças políticas cuja linhagem remonta à velha UDN venceram diretamente as eleições presidenciais. Jânio e Collor eram outsiders e nuclearam seu discurso eleitoral na abordagem moralista do tema da corrupção.

Nenhum dos três enfatizou as disposições de acentuação da subordinação externa da economia brasileira e de dissolução do legado trabalhista, centrais à visão de mundo udenista e peessedebista. Nos últimos tempos, após três derrotas seguidas, tais forças têm dado vezo a atitudes intolerantes, o ovo da serpente do totalitarismo, estimuladas por uma mídia, cujos elos com o capital financeiro foram desvendados por estudo seminal de Francisco Fonseca (2005), e que, hoje, precisa mais que nunca do golpe, para salvar-se da insolvência anunciada, através de contratos polpudos com o governo, a exemplo do que ocorre em São Paulo (http://www.viomundo.com.br/denuncias/namarianews-governo-paulista-desova-mais-de-r-155-mi-na-abril-folha-estadao-istoe-epoca-e-panini.html).

O acirramento da última campanha eleitoral, o atropelo na condução da política de ajuste fiscal e a tragédia que é a comunicação do governo Dilma favoreceram o cenário de intolerância que hoje vivemos. Todavia, nos próximos meses não há coisa mais importante a fazer do que resistir ao golpe. Vitorioso, vai-se o Pré-Sal, o que nos resta de soberania nacional e parecerão suaves as dificuldades que hoje atingem o mundo do trabalho.  

FONSECA, F. (2005) O Consenso Forjado – a grande imprensa e a formação da agenda ultraliberal no Brasil. São Paulo: Hucitec

Ignacio Godinho Delgado é professor de História e Ciência Política na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.

Do GGN