"Incendiar fóruns
e caçar juízes não é novidade em terras maranhenses"
Sob o título “Je suis
Jorge“, o artigo a seguir é de autoria de Marcelo Silva Moreira, Juiz de
Direito e Vice-presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão.
Buriti, fruto
avermelhado, doce qual melado, saboroso e muito apreciado nesse Brasil
multifacetado.
Buriti, município
maranhense, pequenino e acanhado, de gente simples e sofrida, que do fruto
herdou o nome, mas que agora será lembrado, tal como a majestosa Paris, não
como cidade luz ou berço da liberdade, mas como palco triste e sem paz, da
barbárie dos incautos.
O terror na invasão do
Fórum da Comarca de Buriti, onde o seu juiz titular teve que lutar contra um
dos agressores por sua vida, guarda, na essência, o mesmo ódio, a mesma
intolerância do massacre aos cartunistas do “Charlie Hebdo”, em Paris.
Na terra de Gonçalves
Dias, além das “palmeiras onde canta o sabiá”, degolam-se presos em
penitenciárias, tal como o fazem os terroristas do ISIS. É nesse cenário de
horror, que os magistrados maranhenses exercem seu mister.
A docilidade da pacata
Buriti esvaiu-se na fúria de marginais, que tal qual black blocs, encontram na
violência não uma forma de protestar, mas a sua própria razão de ser, afinal,
terroristas não viram homens bomba pela simples promessa de passar a sua
existência pós-morte no paraíso em companhia de 72 virgens, do mesmo modo que
correligionários políticos não invadem a machadadas e incendeiam o fórum de uma
comarca porque buscam fazer justiça ao candidato que apoiavam, não beneficiado
pela sentença proferida. Há algo além disso.
Se até um cartunista
deve ter o direito de manifestar seu pensamento através de uma charge, ainda
que de muito mau gosto, que se dirá de um juiz, de proferir sua decisão, sob o
crivo do contraditório, num País que se intitula democrático?
E se de democracia e
liberdade estamos falando, como se admitir que o atentado sofrido por Jorge
Leite, juiz de direito no Maranhão, tenha sido apenas mais um na história
recente do Estado? Incendiar fóruns e caçar magistrados não é novidade em
terras maranhenses.
Não creio serem
políticas ou religiosas, as razões fundamentais das ações de terroristas e dos
marginais de Buriti. Se a essência da política deve ser a busca do bem comum, e
da religião a aproximação do modelo da divindade, como se admitir que as
manifestações dos bárbaros se justifiquem em quaisquer de tais premissas?
Neste Brasil
esquizofrênico, onde esquemas nunca antes vistos de corrupção envolvendo as
maiores autoridades do país não são capazes de impedir sua vitória nas
eleições, o cidadão que confere o voto ao corrupto é o mesmo que, em suposta
ação contra o mau gestor, destrói logradouros públicos, incendeia ônibus e
bloqueia estradas.
O que estamos
constatando, ante a sistematização da violência, é um verdadeiro processo de
fragmentação do mal. É como se, de uma hora para outra, a violência tenha sido
alçada ao estágio de panacéia para todos os problemas. Se os políticos não são
bons, depredam-se os parlamentos; se a sentença não agradou, incendeia-se o
fórum; se alguma condição social não é satisfatoriamente atendida, bloqueia-se
a estrada impedindo o livre exercício do direito de ir e vir das pessoas.
E nesse movimento
contínuo de mobilização cada vez maior em torno da violência, o que se vê é que
parcela não desprezível da população seria se não capaz de agir tal qual os
invasores de Buriti, mas de apoiar tais ações ou de não repudiá-las com a
ênfase que merecem. Basta ver o que se diz no mundo paralelo das redes sociais,
onde vítimas são comumente transmudadas em carrascos. No caso de Buriti,
pasmem, não faltaram asseclas a apoiar o atentado ao Juiz em seu local de
trabalho.
O que mais importa, no
entanto, é discutirmos acerca dos motivos que levam pessoas, de uma hora para
outra, a comportarem-se tal qual animais predadores. Haveria algo em comum na
cooptação de jovens ocidentais às frentes de batalha de grupos terroristas com
a arregimentação de manifestantes para destruir fóruns e caçar juízes no
Maranhão?
Esse verdadeiro
fetichismo à violência encontra na banalização das relações sociais, na falta
de oportunidades de emprego, na ausência de educação e na intolerância à
liberdade de expressão e pensamento, terreno fértil à proliferação de radicais
de toda ordem.
De outro lado, não se
pode desconsiderar, no caso de Buriti, um contínuo processo de enfraquecimento
do Poder Judiciário, ante a equivocada generalização dos raros casos de má
conduta por parte de alguns juízes e da populista campanha contra prerrogativas
da magistratura, como se elas representassem simples privilégios e não
salvaguardas da própria sociedade para garantia de um Judiciário livre de
quaisquer pressões políticas, sociais ou ideológicas.
O que se espera, tanto
na guerra contra o terror, quanto no caso de Buriti é que,
para além da responsabilização dos culpados e
do incremento da necessária prevenção em face de novas agressões, se busque
investir na contenção das verdadeiras causas da violência e isso, certamente,
não se alcançará na aplicação da máxima de Talião – olho por olho, dente por
dente – mas sim na diminuição dos abismos sócio-econômicos e culturais, o que
só se conquista com educação e respeito às diferenças[1].
Enquanto isso,
magistrados, sigamos resignados trabalhando, tal qual o colega Jorge Leite,
fazendo de nossa honradez e amor a profissão, armas contra a covardia e
intolerância, inspirados nos versos da magistral La Marseillaise:
“Avante,
filhos da Pátria, O dia da Glória chegou.
Contra
nós, da tirania
O
estandarte ensangüentado se ergueu.
O
estandarte ensangüentado se ergueu.
Ouvis
nos campos
Rugirem
esses ferozes soldados?
Vêm
eles até aos nossos braços
Degolar
nossos filhos, nossas mulheres.
Às
armas cidadãos!”
Fonte: Folha Uol, Frederido Vasconcelos.
[1]
Registre-se que esta é a parte mais importante deste artigo, em que, se resume
tudo e aponta a as saídas.