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Segundo Luiz Flávio Gomes
- LFG, o termômetro da crise brasileira aumenta a cada minuto.
Moro diz que
divulgou a interceptação onde foi captada fala de Dilma, por interesse público.
Dilma acaba de dizer (num discurso em Feira de Santana-BA) que Moro teria
praticado crime contra a segurança nacional; que em qualquer lugar do mundo
quem coloca em risco a pessoa do presidente vai preso; experimente fazer isso
nos EUA, ela disse; todo corrupto tem que ir para a cadeia, mas para combater o
crime não é preciso acabar com a democracia. Juridicamente, tudo isso faz
sentido ou não? Moro pode ser processado por crime contra a segurança nacional?
Vejamos, por etapas:
1) Ninguém mesmo, como
disse Moro, “está acima da lei” (estamos numa República): nem o Lula, nem ele,
nem ninguém; antes da posse do Lula, Moro tinha competência para
determinar a sua interceptação telefônica;
2) Durante as
interceptações foram ocorrendo “encontros fortuitos” (serendipidade), ou seja,
várias pessoas com foro especial falaram com ele (Jaques Wagner,
Dilma etc.); Dilma disse que não houve autorização do STF para captar sua fala.
Não era necessário. Moro não investigava Dilma, sim, Lula. O “encontro” de
Dilma foi “fortuito” (por acaso).
3) No curso de uma
investigação de 1º grau, quando aparece qualquer indício de crime ou
de desvio de função de uma autoridade com foro especial,
compete ao juiz prontamente remeter tudo ao Tribunal competente (STF, STJ
etc.);
4) Todos os juízes
do Brasil fazem isso (desde 2008, quando o STF firmou o entendimento de
que o Tribunal respectivo é também competente para a investigação, não só para
o processo);
5) Na própria Lava Jato o
juiz Moro fez isso várias vezes (contra Cunha, por exemplo);
6) No caso de Dilma e de
Jaques Wagner Moro inovou (quebrando uma praxe de anos);
7) Em lugar de mandar
tudo que os envolvia para o STF (que é competente para julgar e investigar tais
pessoas), deliberou divulgar tudo (hummmm!); quem é competente para interceptar (no
caso da Dilma, o STF) é também exclusivamente o único competente para
divulgar conteúdos captados por acaso;
8) Todos nós temos total
interesse em saber o que as autoridades que nos representariam andam fazendo de
errado (sobretudo com o dinheiro público) – queremos mesmo uma limpeza na
República Velhaca;
9) A interceptação do
Moro não foi ilegal, mas a divulgação sim (a captação vale, em
princípio, como prova contra Lula; mas a divulgação foi juridicamente
equivocada); somente o STF poderia divulgar, porque somente o STF tem
competência para interceptar conversas do presidente da república;
Mais:
10) É muito relevante
investigar Lula, Dilma, Aécio, Renan, Cunha etc. (todos!), mas também é muito
importante observar as “regras do jogo” (do Estado Democrático de Direito);
mais: essas regras devem ser observadas respeitando o princípio da igualdade;
11) Se Moro sempre mandou
para o STF (e nunca divulgou) o teor daquilo que ele capta contra uma
autoridade com foro especial, deveria ter seguido o que ele sempre fez;
12) Não seguindo a lei
(nesse ponto) e mudando sua própria praxe, deu margem para ser criticado por
falta de imparcialidade (seria antilulista ou antipetista etc.);
13) Várias representações
contra Moro já estão tramitando no CNJ e podem surgir inclusive algumas ações
penais, como anunciou o Ministro da Justiça (quebra do sigilo, art. 10 da Lei
9296/96; Dilma falou em crime contra a segurança nacional);
14) As críticas duras
também dizem respeito a ter divulgado tudo, sem “selecionar” o que era
pertinente para a investigação (conversas que não têm nada a ver com a investigação
não podem ser publicadas – é crime essa divulgação);
15) Por força do direito
vigente não pode ser quebrado o sigilo telefônico de advogado, enquanto advogado
(havendo suspeita contra ele, sim, pode haver interceptação);
16) Ponto que será
discutido é o seguinte: na hora da interceptação que captou a fala da Dilma
(13:32h) a autorização do Moro já não existia; nesse caso a prova pode ser
considerada ilegal pelo STF (por ter sido colhida no “diley”);
17) Moro não apontou em
sua decisão os artigos legais e constitucionais do seu ato de divulgação de
“tudo” (há déficit de fundamentação); invocar o interesse público não vale
quando o conteúdo, por lei, não pode ser divulgado (somente o STF poderia ter
divulgado, por razões de segurança nacional, diz Dilma);
18) Na Justiça nós temos
que confiar (desconfiando);
19) Nossa desconfiança
desaparece quando a fundamentação do juiz nos convence da razoabilidade e
legalidade da decisão;
20) Não queremos aqui nem
a desordem política e econômica da Venezuela nem a desordem jurídica que
lá prospera;
21) Rule of law: Estado
de Direito para todos;
22) A divulgação
(ilegítima) do áudio da Dilma pode interferir na convicção dos congressistas no
momento de votar o impeachment (mas se isso for juntado aos autos vai
gerar muita confusão jurídica por ter sido divulgado ilegitimamente);
E o crime contra a
segurança nacional?
A lei que cuida desse
assunto é a 7.170/83. É uma lei com expressões e termos extremamente vagos (tal
como a nova lei antiterrorismo, publicada em 17/03/16). Todo tipo de
interpretação é possível. A desgraça dessas leis é o uso político delas. Cabe
praticamente “tudo” dentro delas. Se o governo quiser enquadrar o Moro na lei
(ou qualquer um de nós, que criticamos duramente os presidentes) não é difícil.
Vejam o que diz a lei:
Art. 1º – Esta Lei prevê
os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão: I – a integridade territorial
e a soberania nacional; Il – o regime representativo e democrático, a Federação
e o Estado de Direito; III – a pessoa dos chefes dos Poderes da União [o
governo dirá que a pessoa da presidenta foi atingida numa divulgação
indevida; não é a interceptação, sim, a divulgação indevida é que vai ser
questionada];
Art. 2º – Quando o fato
estiver também previsto como crime no Código Penal, no Código Penal Militar ou
em leis especiais, levar-se-ão em conta, para a aplicação desta Lei: I – a
motivação e os objetivos do agente; II – a lesão real ou potencial aos bens jurídicos
mencionados no artigo anterior [a lei tem um critério subjetivo – motivação – e
outro objetivo – lesão ou potencial lesão aos bens jurídicos mencionados];
Art. 26 – Caluniar ou
difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos
Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido
como crime ou fato ofensivo à reputação – Pena: reclusão, de 1 a 4 anos;
(grifei).
Parágrafo único – Na
mesma pena incorre quem, conhecendo o caráter ilícito da imputação, a propala
ou divulga.
Art. 23 – Incitar: I – à
subversão da ordem política ou social; II – à animosidade entre as Forças
Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; III – à
luta com violência entre as classes sociais; IV – à prática de qualquer
dos crimes previstos nesta Lei – Pena: reclusão, de 1 a 4 anos [expressões
vagas, abertas, cabe tudo dentro, se não foi feita uma interpretação prudente];
Art. 22 – Fazer, em
público, propaganda: I – de processos violentos ou ilegais para alteração da
ordem política ou social; II – de discriminação racial, de luta pela violência
entre as classes sociais, de perseguição religiosa; III – de guerra; IV – de
qualquer dos crimes previstos nesta Lei – Pena: detenção, de 1 a 4 anos.
A competência para investigar
crime contra a segurança nacional é da Polícia Federal e a competência para
julgar é da Justiça Militar.
O termômetro das crises
brasileiras está subindo. Está alcançando octanagem extrema. O impeachment está
correndo aceleradamente. Moro, por ter divulgado incorretamente, ilegalmente,
um conteúdo interceptado (licitamente, repita-se), pode ser processado pelo
governo por crime contra a segurança nacional (a lei é extremamente vaga,
repito). Se a prudência e o equilíbrio não prosperarem, de fato nossa democracia
vai embora.
Do DCM
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