Tal acordo vem causando problemas para o Brasil. E não são problemas menores.
Testemunhas brasileiras estão prestando depoimentos sigilosos às autoridades
norte-americanas, sem o conhecimento de advogados de defesa envolvidos nos
processos. Empresas brasileiras estão sendo processadas nos EUA, por supostos
ilícitos cometidos no Brasil, e obrigadas a pagar multas bilionárias.
Petrobras, Odebrecht e várias outras empresas nacionais estão perdendo todo o
acesso a um mercado externo vital para seus interesses e os interesses do
Estado brasileiro, que agora será ocupado por empresas estrangeiras, inclusive
norte-americanas.
Há casos em que, por
acordos mal negociados e pela assimetria entre as partes, a cooperação pode se
transformar em instrumento de dominação de um país sobre outro. Nesses casos,
atende-se aos interesses do país hegemônico, em detrimento dos interesses do
outro país.
Esse parece ser o caso da
cooperação que hoje se desenvolve entre o Brasil e os EUA, no plano do combate
a ilícitos transnacionais.
Tal cooperação está
baseada, essencialmente, no “Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal
entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados
Unidos da América”, firmado em 1997.
Já naquela época, a análise do texto do acordo firmado com os
EUA mostrava claramente que ele encerrava perigos à soberania nacional. Ao
contrário do que ocorria com outros acordos bilaterais da mesma natureza
firmados pelo Brasil, como o celebrado com a França, por exemplo, o acordo
assinado com os norte-americanos continha algumas cláusulas potencialmente
perigosas.
Assim, o Acordo com os EUA prevê, em seu
parágrafo 3 do art. 1, que a assistência será prestada ainda que o fato sujeito
a investigação, inquérito, ou ação penal não seja punível na legislação de
ambos os Estados. Ou seja, mesmo que o
fato investigado não constitua ilícito no Brasil, o nosso país está obrigado a
cooperar com os EUA. Mais ainda, o acordo com os EUA impõe o envio de documentos de qualquer natureza
e permite que eles sejam usados e divulgados em quaisquer ações, em território
americano. Não bastasse, o acordo bilateral com os EUA não prevê
explicitamente a proteção dos direitos humanos de acusados e testemunhas, como
outros preveem.
Temia-se, sobretudo, que
o Brasil, por esse acordo, acabasse se submetendo à legislação norte-americana,
pois os EUA têm como política aplicar suas leis extraterritorialmente.
Por tudo isso, a oposição
à época, liderada pelo PT, se opôs ao acordo e sugeriu que ele fosse
renegociado com base nos parâmetros do acordo com a França. Nada feito. A
pressão foi muito grande e o acordo foi aprovado tal qual. Mesmo assim, a
liderança do PT na Câmara apresentou uma declaração de voto advertindo que o acordo
poderia acarretar problemas para o Brasil, no futuro.
Dito
e feito.
O
acordo vem causando problemas para o Brasil. E não são
problemas menores. Testemunhas
brasileiras estão prestando depoimentos sigilosos às autoridades
norte-americanas, sem o conhecimento de advogados de defesa envolvidos nos
processos. Empresas brasileiras
estão sendo processadas nos EUA, por supostos ilícitos cometidos no Brasil, e
obrigadas a pagar multas bilionárias. Petrobras, Odebrecht e várias outras
empresas nacionais estão perdendo todo o acesso a um mercado externo vital para
seus interesses e os interesses do Estado brasileiro, que agora será ocupado
por empresas estrangeiras, inclusive norte-americanas. A cadeia de petróleo e
gás, fundamental para o Brasil, vem sendo destruída. A cadeia da construção
civil pesada, que emprega milhões, também. A própria indústria de defesa e
projetos estratégicos extremamente sensíveis, como o do submarino nuclear,
estão em cheque por causa dessa “cooperação”.
Recentemente, a Petrobras abriu convite para a disputa da
licitação de sua maior obra nos próximos anos – a construção da Unidade de
Processamento de Gás Natural (UPGN), que vai receber o gás natural produzido a
partir de 2020 no pré-sal da Bacia de Santos, uma obra de U$ 1,5 bilhão.
Pois bem, as empresas brasileiras, proibidas agora pela justiça de contratar
com a Petrobras, não puderam participar. Só foram convidadas empresas
estrangeiras. O detalhe é que das 30 que
querem participar, a grande maioria (23) e as mais importantes têm problemas
sérios de corrupção. Ou seja, corrupção, desde que seja estrangeira, pode.
De
acordo com a OCDE, o setor de extração mineral, que inclui as petroleiras,
concentra quase 20% das denúncias de corrupção no mundo.
Nesse setor, há muitas empresas que têm
níveis de corrupção muito maiores do que o da Petrobras, mas elas continuam
operando sem problemas. Quase todas fornecem muito petróleo para os EUA e
aliados.
A Lava Jato causou, por baixo, um
prejuízo de R$ 140 bilhões ao país, conforme avaliações independentes. Perto disso, a recuperação de R$ 2 bilhões
pelos procuradores não é nada. Ademais, há imensos prejuízos geopolíticos, pois essas empresas eram
essenciais para a conquista de novos mercados para produtos brasileiros,
mediante a exportação de serviços. São danos que levarão décadas para serem
revertidos, se é que o serão.
O
pior de tudo isso é que tal “cooperação” está sendo conduzida, de forma
autônoma, por juízes e procuradores, à revelia do que prevê o Acordo Brasil/EUA
e ao arrepio do que determina a Constituição Federal.
De fato, o acordo firmado com os EUA determina que a
“autoridade central” brasileira, que
conduzirá e supervisionará todo o processo de cooperação, é o Ministro da
Justiça. Ademais, a CF estipula que é prerrogativa constitucional exclusiva
do Presidente da República celebrar tratados internacionais e conduzir as
relações externas do país. Trata-se de
princípio comezinho das relações internacionais, que exige que a voz do país no
exterior seja uma só. Não se admite que
um país tenha vários órgãos independentes que determinem sua política externa.
Por tal razão, qualquer atividade de
cooperação tem de ser ao menos comunicada ao Itamaraty e por ele
supervisionada.
Contudo, nossos juízes e procuradores,
principalmente os da Lava Jato, não prestam contas a ninguém. Ignoram a norma
do Acordo com os EUA e a própria Constituição do Brasil. Atuam conforme suas
idiossincrasias pessoais e ideológicas e, pior, submetem-se aos interesses e às
leis dos EUA.
Alguns argumentam que os
processos nos EUA contra empresas brasileiras (EMBRAER, Petrobras, etc.)
decorrem do fato de que essas firmas abriram seu capital nas bolsas daquele
país, submetendo-se, automaticamente, à legislação de mercado de capitais
operada pela Securities and Exchange Commission.
Mas
isso é apenas uma meia verdade. As multas geradas pelos norte-americanos às
empresas brasileiras somam até agora a cerca de R$ 7 bilhões. As maiores da
história. Trata-se de multas por delitos cometidos no Brasil por pessoas e
empresas brasileiras. Como agravante, o Tesouro é o principal acionista da
empresa mais demandada, a Petrobras.
Portanto, estamos lidando
com recursos que estão ou poderiam estar na administração pública brasileira,
mas que estão sendo transferidos para um governo estrangeiro. A
título de quê? Quais os critérios para fazer esse asset sharing, que nunca foi
prática no Brasil? Como se chegou a esses valores? O Ministério da Justiça,
“autoridade central” do Brasil, aprovou? O Ministério do Planejamento previu
esse gasto esdrúxulo no orçamento? O Itamaraty concordou?
Mais ainda. Cabe ao
Senado Federal, privativamente ao Senado Federal, pela CF (artigo 52, inciso
V), autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União,
dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios. Ora, é óbvio que essas operações financeiras
são de interesse da União, pois tangem a recursos do Tesouro ou potencialmente
do Tesouro.
Entretanto,
o Senado só tomou conhecimento do tema pela imprensa.
Embora
a CF assegure ao Ministério Público autonomia, essa autonomia não lhe dá a
prerrogativa de usurpar competências constitucionais privativas do Senado
Federal e do Presidente da República. Também não lhe dá o direito de
desrespeitar regras de acordos internacionais e a legislação interna do Brasil.
Porém, a questão de fundo é: porque os nossos procuradores e juízes não defendem os interesses de
nossas empresas e do Estado brasileiro?
Por que contribuem com a ruína da nossa cadeia de petróleo, da nossa
indústria naval, da nossa construção civil pesada e da nossa estratégica
indústria de defesa? Sem falar da nossa economia como um todo, a qual, conforme
avaliações independentes, encolheu, em 2015, ao menos 2,5% do PIB, em função
exclusivamente da Lava Jato.
O próprio acordo com os
EUA permitiria essa defesa. Seu artigo III, b), permite que o Estado Requerido
se negue a cooperar se o “atendimento à solicitação prejudicar a segurança ou
interesses essenciais do Estado Requerido”. Por que essa cláusula não é usada?
E,
por favor, não venham a usar o argumento francamente beócio de que os nossos procuradores
estão defendendo os interesses do Brasil, ao combater a corrupção. Muitos
países combatem a corrupção, mas nem por isso arruínam suas economias e suas
empresas. Nem por isso desempregam seus trabalhadores. Nem por isso se submetem
aos interesses de outros países.
Até mesmo empresas
envolvidas em crimes de guerra são poupadas. A Thyssen Krupp, que financiou e fabricou armas para Hitler, e a
Siemens, que produziu o gás Zyklon-B , usado nos campos de concentração, estão
hoje entre as principais firmas da Alemanha e do mundo.
Agora, vamos imaginar o
contrário. Vamos supor que o Brasil,
baseado no acordo, queira extrair multas de empresas americanas que tenham
cometido crimes nos EUA. Ou ainda que exigisse punições que vão inviabilizar
essas empresas e desempregar centenas de milhares de trabalhadores
norte-americanos. Pior até, que ajudassem a comprometer projetos estratégicos
da defesa militar dos EUA. O que aconteceria?
Fácil. Nossos bravos procuradores, muito corajosos
quando se trata de lidar com empresas nacionais, seriam escorraçados de lá a
pontapés como cães vira-latas. E, se os procuradores norte-americanos
“cooperassem” nesse sentido, seriam sumariamente demitidos, pois lá eles
obedecem ao Departamento de Justiça. Provavelmente, seriam submetidos também
aos rigores do Patriot Act, enquadrados como traidores.
Os
EUA gostam de aplicar suas leis em outros países, mas não admitem, em hipótese
nenhuma, que outros países interfiram em seus assuntos.
Não admitem que outros países imponham suas legislações as suas empresas e a
seus cidadãos. Por isso, obrigam os
países que recebem suas bases militares a assinar acordos que conferem
imunidade absoluta ao pessoal que opera essas
instalações militares.
Fazem bem. Nós é que
fazemos mal, ao nos curvarmos a seus interesses e a não defender os nossos.
Procuradores
e juízes tupiniquins, talvez por messianismo, parecem acreditar que a
sacrossanta luta contra a corrupção permitirá que as “más empresas” sejam
afastadas para que surjam, como cogumelos após a chuva, empresas virtuosas que
reerguerão a nossa economia. Se acreditam nisso,
demonstram uma ignorância abissal sobre o funcionamento da economia nacional e
internacional e uma visão obtusa da geopolítica mundial. Se não acreditam
realmente nisso, então a coisa é pior, muito pior.
Talvez seja. Recentemente, a nossa Procuradoria-Geral
firmou, junto com países latino-americanos, uma inacreditável “Declaração de
Brasília”, pela qual se compromete “com a mais ampla, célere e eficaz
cooperação jurídica internacional no caso Odebrecht e no caso Lava Jato, em
geral”. Desse modo, sem a concorrência do Itamaraty ou do Ministério da
Justiça, e sem a aprovação do Congresso Nacional, o Ministério Público
internacionalizou a Lava Jato, buscando provas de que a Odebrecht teria pagado
propinas no estrangeiro.
Se tiverem êxito,
dificilmente a Odebrecht voltará a atuar nesses países, o que causará dano
irreparável a nossa exportação de serviços, setor que mais cresce no mundo.
Cabe também a questão: será que essa “cooperação” não interferirá seletivamente
na sucessão eleitoral em países vizinhos, como interferiu (e como!) no processo
político brasileiro, tendo sido decisiva para o golpe? Quem tem interesse nessa
interferência?
O
fato concreto é que essa “cooperação” estabelecida com os EUA vem agredindo a
soberania nacional, usurpando prerrogativas constitucionais exclusivas,
submetendo o Brasil aos desígnios e à legislação de outro país e, sobretudo,
contribuindo para causar danos graves, talvez irreparáveis, a nossa economia e
às nossas empresas.
“Cooperando” com os EUA,
eles estão destruindo o Brasil. Igualzinho ao golpe.
Do GGN, por Lindbergh Farias e Marcelo Zero
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