Os
jornais estão entrando em uma encrenca cada vez maior.
Diz-se
que o jornalismo é o exercício do caráter. Especialmente no jornalismo
opinativo e na linha editorial dos jornais, o caráter é ponto central.
Constrói-se o caráter de cada publicação analisando seu apego aos fatos, sua
generosidade ou dureza de julgamento, sua capacidade de mediação ou
parcialidade gritante. E, principalmente, sua credibilidade, o respeito com que
trata a informação. Houve um bom período em que mesmo os adversários mais
ferrenhos do Estadão respeitavam a seriedade com que tratava os fatos.
Desde
que a mídia brasileira caiu de cabeça no pós-verdade e no jornalismo de guerra,
esse quadro mudou.
No
Olimpo da mídia de massa, há dois tipos de jornalistas e de celebridades: os
que seguem cegamente a linha criada pelos veículos; e os que já têm ou caminham
para ter personalidade própria, inclusive para se contrapor aos movimentos de
manada.
Nesse
grupo abrigado pela mídia, pequeno, mas influente, há um mal-estar crescente em
relação ao governo Temer, à parcialidade da Lava Jato e ao próprio esforço da
mídia em dourar a pílula do governo com um jornalismo eminentemente
chapa-branca.
Por
outro lado, após perder os leitores de esquerda, a velha mídia começa a perder
os de direita, que se agrupam em torno de outros veículos. E está diante de um
grave problema moral e jornalístico: qual a cara dos jornais? Que tipo de
pensamento eles representam? Qual é seu caráter?
A
imagem que passam é dúbia. E a aproximação com Temer agravou radicalmente esse
quadro:
1.
Eu sei, os jornais sabem, a torcida do Flamengo sabe que o governo Temer é
eminentemente corrupto.
2.
Mesmo assim, os jornais teimam em apoiá-lo, depois de justificar o impeachment
como combate à corrupção.
Como
pretendem se diferenciar dos blogs e sites jornalísticos sem tradição?
Publicando artigos sobre a pós-verdade e, ao mesmo tempo, continuando adeptos
incondicionais do jornalismo de guerra? E, agora, perdendo qualquer veleidade
de encenação de superioridade moral, apoiando uma plutocracia unanimemente
reconhecida como corrupta.
Peça 2 – o jornalismo chapa-branca
A
maneira como os jornais atuam, sempre de forma concatenada, é sinal indiscutível
de uma articulação, como a de um cartel combinando preços.
Analisem
os jornais de hoje. Todos batem em três teclas simultaneamente: a de melhoria
da economia e a leitura enviesada do depoimento de Marcelo Odebrecht, e a
repetição das denúncias contra o PT, todas buscando beneficiar o governo Temer.
A
crise está longe de ser vencida. Persiste a crise fiscal da União e dos
estados, os principais setores – como o automobilístico – amargam quedas
recordes, o pior bimestre nos últimos 11 anos, o desemprego avança de forma
avassaladora. E a cada dia que passa mais se escancara a natureza
fundamentalmente corrupta do governo Temer.
Como
gerar notícias positivas?
O Valor
Econômico, que já praticou um jornalismo mais objetivo, recorre a uma
entrevista com Michel Temer e transforma em manchete sua “previsão”: “Temer
aposta em alta do PIB acima de 3% em 2018” (https://goo.gl/tMvvs5).
Fantástico! Um deputado que jamais se interessou por temas econômicos, que não
tem nenhum histórico de previsões ou cenários, “aposta” em PIB acima de 3% e a
aposta merece manchete principal do jornal.
Já
a Folha prefere transformar a pessoa física de Temer em “gestão Temer”, e
coloca na manchete principal a extraordinária informação de que a gestão vê
retomada da economia e diminui corte orçamentário. E quais os indicadores? A
informação de que a arrecadação continua caindo, sim, mas em ritmo mais lento.
Ou seja, após 8% de queda do PINB, ainda não se chegou ao fundo do poço.
Em
outros cantos, o jogo de previsões sombrias de que a saída de Temer poderia
comprometer a salvação nacional, que são as reformas constitucionais empurradas
goela abaixo da população – e, por isso mesmo, extremamente vulneráveis a futuros
governos.
Assim,
o jornalismo econômico e político na velha mídia fica dependendo de alguns
raros praticantes de jornalismo efetivo, como José Paulo Kupfer, do Globo, e
Vinicius Torres, da Folha. Ou ainda de analistas políticos escondidos pelo
jornal, como José Roberto Toledo, do Estadão, ou, menos escondida, Maria
Cristina Fernandes, do Valor e Bernardo Mello Franco, da Folha, Kennedy
Alencar, da CBN. E os referenciais de sempre, como Jânio de Freitas.
Peça 3 – a desinformação de quem
informa
Esses
contrapontos são utilizados pelos jornais não como elementos de análise, mas
como exemplo restritíssimo de biodiversidade política. No fundo, a inteligência
interna, a visão estratégica dos veículos é tão rasa quanto a do público que
cultivam, tal o desleixo com que trabalham as notícias, tal a mesmice das
análises econômicas e políticas, sem nenhum controle de qualidade, nenhuma
punição aos grandes erros factuais, e nenhuma visão de futuro.
Foi
esse mesmo espírito que levou, no início de 1999, as empresas jornalísticas à
maior crise da história porque acreditaram em suas fontes do mercado financeiro
– e, muitas delas, em seus colunistas financeiros – de que não haveria
desvalorização do real.
Agora,
incorrem na mesma falta de visão estratégica, no simplismo de quem não consegue
analisar os múltiplos desdobramentos do quadro econômico e político e,
especialmente, as resultantes da própria ação midiática.
Mesmo
estando em jogo o futuro do jornalismo e deles, como empresas, são incapazes de
montar um conselho diversificado, capaz de traçar cenários minimamente
complexos para orientar as estratégias editoriais. Subordinam-se à
cartelização, provavelmente montada dentro do fórum do Instituto Millenium, que
é a melhor maneira de minimizar responsabilidades: afinal, se houver erros,
será coletivo. Para quem não sabe o que fazer, não deixa de ser um consolo.
Se
não houver uma correção de rumos, se terá o seguinte quadro pela frente:
1.
A velha mídia vai continuar bancando um plano econômico sem nenhuma condição de
superar a crise. O plano não tem nenhum componente anticíclico. Vai apenas
prolongar a recessão e aprofundar as tensões sociais e políticas.
2.
Passar o desmonte da Previdência e do fim dos direitos sociais, sem nenhuma
espécie de negociação, em um quadro de ampla recessão, é jogar gasolina na
fogueira.
3.
Como intermediária e avalista da Lava Jato e, agora, de Temer perante a classe
média, conseguirá se desmoralizar cada vez mais perante seu público, a exemplo
do que está acontecendo com seus candidatos do PSDB, nenhum deles em condição
competitiva para 2018. Apesar de merecer esse fim, não é bom para o país. Será
o fracasso definitivo da sociedade civil, uma das últimas formas de articulação
da institucionalidade, embora profundamente corroída por anos de discursos de
ódio.
Peça 4 – o desafio das delações da
Odebrecht
É
assim, sem nenhuma visão, que a mídia entrará agora na cobertura das delações
da Odebrecht.
Já
está delineada uma estratégia para impedir que a Lava Jato chegue nos seus.
1
A denúncia dos abusos cometidos no período anterior, no qual as vítimas foram
Lula e o PT. O destaque dado pelo Estadão à entrevista do ex-Ministro Nelson
Jobim – no qual ele desanca as ilegalidades da Lava Jato e reclama da falta de
punição aos abusos mais ostensivos – com mais de um ano de atraso.
2
A parceria renovada de Jobim com Gilmar Mendes.
3
Os inquéritos internos contra os delegados da Lava Jato, pela colocação de
escuta clandestina na cela de Alberto Yousseff e outros. Até agora empurrou-se
com a barriga o inquérito. Bastará trata-lo com seriedade para se enquadrar os
dois principais delegados da Lava Jato. Que, assim como José Serra, decidiram
abdicar de seus cargos em Curitiba e buscar paragens mais amenas.
4
O jogo de postergações de inquéritos envolvendo os parceiros da mídia e da
Procuradoria Geral da República (PGR).
Todos
esses movimentos são carne fresca a alimentar o leão das ruas, que vem
embalando os sonhos de Bolsonaro, ou os sonhos com o general Villas Boas.
Do GGN, por Nassif.
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