O velho
jornalista, quando menino, sonhou servir a igreja do Cristo. No seminário,
ensinaram-lhe latim, mas cobraram-lhe o cumprimento de três votos: obediência,
castidade e pobreza.
Feito rapaz,
percebeu só ter forças e vontade para atender a um desses três votos. Conservou
para si o latim e abandonou o seminário.
Seguindo a
vocação dos que têm latim, mas não têm dinheiro, tornou-se jornalista.
O voto de
castidade abandonou na primeira oportunidade que surgiu, o de pobreza cumpriu
por contingência, não por obrigação moral. Abandonaria-o assim que oportunidade
surgisse; e ela surgiu. O de obediência manteve por toda a vida.
Logo,
obediente à sua consciência, opôs-se à Ditadura de 64. Foi preso e teve sua
família sujeitada a sérios constrangimentos. Outros colegas seus foram mortos a
pauladas antes de terem o cadáver abandonado pendurado pelo pescoço.
A estadia na
prisão e suas atribulações, no entanto, lhe reforçou os votos de obediência.
Dali para frente, obedeceria sempre ao poderoso de plantão.
A sorte no
amor e na política é vária. E eis que, finda a ditadura, os antigos
prisioneiros tornaram-se os mandatários do país – democraticamente eleitos.
Apressou-se
a apresentar-se a eles – eram seus companheiros de lutas - e a lembrar-lhes
todos os seus sofrimentos. Fazia jus a uma reparação. Pleiteou e obteve
vultuosa indenização do Estado Democrático pelos crimes da Ditadura– tornou-se
um milionário.
Mandou à
merda os antigos companheiros que lhe lembraram que a luta era ideologia, não
investimento, e embolsou o dinheiro. “Às favas os pruridos da consciência”. Não
fora ele quem criara essa frase, mas fez dela suas palavras.
Agora rico,
foi viver entre os ricos. Proprietário de bela morada em frente a lagos e mares
da melhor cidade da América do Sul.
A sorte no
amor e na política é vária. E eis que um novo golpe se implanta no país e os
antigos companheiros voltam à prisão. Mas, agora, o velho jornalista, além de
velho, já era puta-velha. Mudou de lado, sempre fiel aos seus votos depravados
de obediência, tratou de ficar bem com os novos donos do poder. Aprendera:
manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Passou a
acusar os antigos companheiros que haviam lhe proporcionado fortuna de serem
eles venais. De terem se vendido e recebido em troca castelos feitos de litros
de tinta e muito bafo quente.
Aos que lhe
afirmavam que tal construção ilusória nada mais era que uma mentira, retorquia
que não; que era, antes, uma verdade ainda não provada. Mas plenamente aceita
como verdadeira, já que, a mentira que agrada o poderoso, verdade é.
E assim, vez
por outra, o velho jornalista publica textos em que reafirma sua autoridade em
julgar aos outros, pois ainda que ainda que pecador seja, pecou apenas pela
carne; sua integridade moral conserva-se tão virginal quanto era o menino recém
entrado no seminário.
Por malandro
que é, o velho jornalista não revela a ninguém um segredo íntimo de tal pureza:
sua moral foi abençoada com um hímen complacente.
OBS.: Oficina de Concertos Gerais e
Poesia: na arquibancada para a qualquer momento ver emergir o monstro da
Lagoa.
GGN
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