terça-feira, 30 de maio de 2017

Luís Roberto Barroso faz mea-culpa mas não assume que o STF apoiou deliberadamente o GOLPE

Impeachment de Dilma “gerou uma sociedade que guarda cicatriz e ainda está dividida”, diz Barroso.

Tímido ensaio para uma autocrítica do Supremo

O Supremo Tribunal Federal tem uma dívida para com a democracia brasileira: não impediu, com argumentos jurídicos e com sua autoridade de guardião da Constituição, que fosse politicamente consumado pelo Congresso um golpe contra a presidente eleita Dilma Rousseff, deixando ir em frente um processo de impeachment viciado. Da composição que homologou o golpe, talvez nenhum dos 11 ministros venha a reconhecer isso em vida, mas a História cobrará. Nesta segunda-feira 29, o ministro Luís Roberto Barroso fez um tímido ensaio de autocrítica: admitiu que a remoção de Dilma deixou uma cicatriz na vida política brasileira, dizendo que o STF não interferiu no processo por  acreditar que não devia fazer uma opção política numa sociedade divida. Desculpe o ministro, mas esta é uma explicação errada para uma atitude errada. O Supremo poderia ter barrado o golpe com fundamentos jurídicos, apontando as inconsistências do processo, o que não significaria uma opção política pelo governo eleito em 2014. Hoje, o Brasil seria muito agradecido ao STF e seus ministros.

Falando em um seminário nesta segunda-feira, 29, Barroso parece ter reconhecido, ainda que forma muito tímida e evasiva, que tudo poderia estar sendo diferente para o Brasil se o STF não tivesse lavado as mãos na bacia de Pilato. Se a Suprema Corte, baseando-se apenas na Constituição e na lei, como era possível e desejável, tivesse impedido o golpe que feriu a democracia brasileira, hoje o país não teria um presidente apodrecendo no cargo, juntamente com seu grupo político, à espera de que o próprio Judiciário encontre meios de removê-los, apesar dos crimes espantosamente claros cometidos por Temer e parte de seus auxiliares. Não tendo impedido o golpe, agora o mesmo Judiciário terá que resolver a crise política, afastando Temer pelo TSE ou pelo próprio STF, quando ele se tornar réu no inquérito em que é investigado com base na delação da JBS. Mas o TSE deve antecipar-se nesta tarefa urgente. Vale a pena ler as linhas e entrelinhas de Barroso, referindo-se ao impeachment.

“Independente de qualquer juízo de mérito sobre justiça ou não da decisão parlamentar, o STF não interveio nessa deliberação um pouco pela crença de que, num país dividido politicamente, não caberia a ele fazer escolhas políticas. Esse foi o processo que tivemos aqui e que gerou, como qualquer observador atento perceberá, uma sociedade que guarda essa cicatriz e ainda está dividida em torno desse procedimento.

O Supremo teve muitas oportunidades para barrar o golpe. Logo que Eduardo Cunha acolheu o pedido de  impeachment apresentado por Janaina Paschoal, Helio Bicudo e Reale Junior, a defesa de Dilma recorreu  ao STF apontando o vício original da decisão de Cunha, que agiu por vingança contra o PT. Ele havia  engavetado outros pedidos mas acolheu este horas depois de o PT decidir votar pela abertura do processo de sua cassação no Conselho de Ética. Há poucos dias,  o próprio Temer afirmou, numa entrevista de televisão, que Dilma não teria caído se o PT tivesse votado a favor de Cunha.

Em dezembro de 2015, o STF fixou o rito do impeachment, corrigindo algumas das regras baixadas por Eduardo Cunha. Ou seja, abençoou o processo. Depois, seu presidente, Ricardo Lewandowski, ainda presidiu as sessões de julgamento do Senado, em uma segunda e notável legitimação do golpe.

No curso do julgamento propriamente dito, o defensor de Dilma, José Eduardo Cardoso, recorreu algumas vezes ao STF contra o entendimento de que as tais pedaladas fiscais – uma prática corrente em todos os governos nas últimas décadas – e a edição de um decreto sem autorização parlamentar (após demonstrar que os outros linham lastro orçamentário), representassem o cometimento de crime de responsabilidade, tal como definido em lei e na Carta. O Supremo novamente lavou as mãos. 

Hoje, reclamam os golpistas do fato de, no julgamento final no Senado, ter havido um arranjo para preservar os direitos políticos da presidente que estava sendo deposta. Foi deveras um arranjo revelador da culpa que ali atacou os algozes. Renan Calheiros foi um dos articuladores e Lewandoswski teve atuação decisiva a favor desta “indulgência”. Mas ela também é uma prova de que o processo foi “heterodoxo”, pois se levado ao pé da letra da Constituição e da lei 1070/50, se Dilma tivesse mesmo cometido os crimes de que era acusada, teria que ter sido punida também com a perda dos direitos políticos. Foi como se, na hora da decola, STF e Congresso combinassem:  vamos usar uma espada menos afiada. Talvez o derrame de sangue seja menor e menos escandaloso.

Agora, por ironia, Dilma possivelmente  os perderá, caso o TSE resolva, para nos livrar de Temer, cassar a chapa presidencial vitoriosa em 2014 e punir exemplarmente seu dois integrantes. Temer será cassado e ambos perderão os direitos políticos.  Para ela, será uma dupla injustiça na correção de um erro cometido lá atrás pelo STF, quando não quis impedir o golpe para não parecer que estava tomando partido político. Ministro Barroso, se  o STF tivesse feito o contrário, em vez de cicatriz, hoje haveria gratidão na sociedade brasileira à sua Suprema Corte.

247, Tereza Cruvinel

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