O
discurso de Lula no congresso nacional do Partido dos Trabalhadores, na quinta
passada, foi mais curto e errático do que costuma ser. A verdade é que o
ex-presidente sente o peso que hoje tem, como única figura de esquerda capaz de
barrar o avanço conservador. O partido tenta dar-lhe ao mesmo tempo apoio e
abrigo. Não é pouco o que Lula enfrenta. Afora uma caçada midiática diuturna, Lula
ainda lida com o lawfare da República de Curitiba e seus experts em Powerpoint,
pedalinhos e documentos sem assinatura. A perda de dona Marisa Letícia
(homenageada no Congresso) e o constante assédio aos familiares do
ex-presidente completam um quadro nefasto que o líder, de 70 anos, impressiona
ao enfrentar de forma tão aguerrida.
Não
há outra alternativa, dirão alguns. Eu discordo. Existem outras alternativas
para Lula, talvez não para a esquerda brasileira neste momento. Para piorar as
coisas, Guilherme Boulos escreve afirmando que Lula não unificará as esquerdas
“fazendo mais do mesmo”. Permita-me discordar meu caro Boulos, diante da atual
situação, mais do mesmo de Lula estaria já de muito bom tamanho. Tentam incitar
o ex-presidente a um caminho de maior acirramento, de maior enfrentamento.
Tentam fazer do Lula de 70 anos um lutador por reformas de base que lula não
foi com 50 ou 60.
Lula,
em parte, aceita o desafio. Parte do discurso na noite da quinta-feira passada
foi dirigido a ataques à Rede Globo. É compreensível que o ex-presidente esteja
magoado. As vilanias da Globo são conhecidas desde a destruição de Assis
Chateaubriand e a consolidação do império dos Marinho durante a ditadura. Mas
parece que a Globo perdeu a finesse com a morte do seu fundador. Os atuais
donos perderam o senso de tempo e oportunidade e estão gastando seu capital
político de forma muito acelerada. O custo dos ataques a Lula tem subido
vertiginosamente e pode ser visto nas pesquisas eleitorais e na má vontade de
vários anunciantes da Globo que já percebem prejuízos aos seus produtos por
conta da postura política da emissora.
Lula
tem sido cobrado a fazer as reformas estruturais que a esquerda há muito pede.
Na última noite, Lula lembrou que presidente com sessenta parlamentares não faz
reforma. Com 70 anos, Lula ainda tem que dar aula de política para uma parte da
esquerda que parece viver no Sítio do Pica Pau Amarelo (ou vermelho, se
preferirem). Um lugar onde o chefe do executivo tem o pó de pirlimpimpim e é
capaz de realizar tudo o que pensa. Sozinho. Se faz aliança é por puro
interesse, e se a aliança é com políticos de duvidosa moral então a aliança é
fisiológica, nefasta. Lula lembra que se faz aliança não com quem se quer, mas
com quem ganha eleição. Partidos que nunca ganharam nada no executivo costumam
esquecer-se disto.
Sem
um parlamento capaz de fazer mudanças, Lula não poderá fazer muita coisa.
Enquanto as bancadas de latifundiários, banqueiros e industriais forem
imensamente maiores que as de trabalhadores, professores e camponeses Lula só
fará algo se propuser o “mais do mesmo”. Colocando na mesa seu imenso poder de
negociação e chamando as forças políticas para um grande pacto nacional. De
novo. E não me entendam mal, isto, hoje, já seria excepcional. O problema é que
a esquerda ferida pensa que a eleição de Lula seria uma reversão de forças.
Teria a capacidade de devolver todo o mal que tem sido infligido a ela. Fala-se
em “punir os golpistas”, num misto de devaneio com esquizofrenia.
Lula
não pode tudo. Nunca pode, a bem da verdade. Governar não é um exercício
solitário da vontade. Tivemos algumas vezes presidentes eleitos com minoria no
congresso. E congresso hostil ainda. Vargas em seu último mandato é um exemplo
claro. A guinada à esquerda de Vargas não surtiu efeito. As pressões eram
demasiadas. Terminou como sabemos. Um tiro no peito, o levante do povo e a continuidade
do modelo populista por mais dez anos.
A
verdade é que a esquerda brasileira é profundamente incompetente. Não conseguiu
construir alternativas eleitorais factíveis durante todo o período que esteve
no poder. E não falo apenas do PT, mas de toda a esquerda. Quem bate no peito e
exige “autocrítica” não é capaz de fazer a sua e perceber que sem Lula e sem o
PT não existe esquerda brasileira hoje. E o pior é que sequer esta avaliação
realista são capazes de fazer. Continuam com discursos agressivos, rompantes
revolucionários sem sentido e cobranças anacrônicas.
Lula,
se puder concorrer e se ganhar a próxima eleição, terá o maior desafio que um
presidente brasileiro já teve. Reorganizar um país que está quase tão destruído
quanto uma guerra civil deixaria. E sem base legislativa temo que Lula pouco ou
nada possa fazer. Alguns dirão que é culpa do próprio Lula e que ele tem a
obrigação de fazer a reforma A ou B. Eu me recordo de Churchill, durante a
Segunda Guerra, informando a Roosevelt e Stalin que o Papa exigia que se
libertasse Roma primeiro e que se protegesse todo o local da Santa Sé. Stalin
perguntou: “Quantas divisões comanda o Pontífice?”
Quantas
cadeiras no congresso comanda esta esquerda que está a exigir tantas “reformas”
do ex-presidente?
No GGN
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