Fantásticas,
em muitos sentidos, as “Alegações” noticiadas e reproduzidas em bombásticas manchetes: “MPF pede condenação de Lula e multa de R$ 87
milhões”.
Lembre-se
que se trata de processo notavelmente midiático, em juízo de discutível
competência absoluta, onde se misturam, em fantástica simbiose, roteiros
e atores (processuais e globais, acusadores e julgadores, politicos,
editorialistas e comentaristas de todos os tipos), excepcionalidades,
misteriosos e oportunos vazamentos de “sigilosos” documentos, além de inúmeras
peripécias de fazerem inveja aos melhores ficcionistas da literatura.
Nesse
contexto, as “Alegações” aparecem na sequência lógica de anunciado roteiro de
ficção e proclamadas convicções – lembre-se um famoso “power point”
e incontáveis declarações e publicações no mesmo sentido. Deixam
muito a desejar, porém, quanto ao devido exame do direito e dos fatos. Diante
de sua fantástica extensão (334 páginas), tais “Alegações”, de fastidiosa
leitura, sacrificam o leitor e a dificultam a defesa.
Quanto ao
juiz, o acusador não terá que se preocupar, se ele já tiver se revelado, no
processo ou fora dele, alguém “condenado a condenar”, sob o estímulo da “vox
populi”, mídia, “apoiadores” e áulicos; ou se for dos que se apresentam
circulando e sendo louvados com entusiasmo entre os maiores interessados na
destruição politica e pessoal do réu. Ou, ainda, daqueles que nada opõem
à difusão da falsa idéia de que o processo é uma cruzada do bem contra o mal,
sendo o julgador a personificação do primeiro e o réu o demônio a ser esmagado.
A sentença de tal julgador – se existisse - não causaria surpresa. E não lhe
faltariam aplausos.
Contudo, a
prolixidade esconde o nada jurídico. Sabe disso qualquer bom estudante do
Direito. E o bom professor facilmente percebe que a falta de substancial e
pertinente fundamentação não é suprida pelo artifício do “recorta e cola”, com
que se foge das questões e são feitas – sob a falsa aparência de erudição –
genéricas citações, de pouca ou nenhuma pertinência ao caso.
Peculiares,
nesse aspecto, “Alegações” onde não se encontra concreta, individual e
especificamente enunciada e comprovada a acusação. Para quem procura nelas o
único conteúdo juridicamente relevante – fatos e provas lógica e juridicamente
estruturados em indispensável e válida fundamentação -, o resultado é
frustrante.
Seguindo o
roteiro de uma denúncia inepta e de um notório e constrangedor “power point”,
investem elas contra um “exemplar e poderoso culpado” a ser exibido no
desfile dos vencidos na “cruzada contra a corrupção”. Onde foram considerados
os princípios da presunção da inocência, do contraditório e da ampla defesa?
Explícitas
normas legais parecem igualmente esquecidas: “a prova da alegação incumbirá a
quem a fizer” (Art.156 do CPP); “o juiz formará sua convicção pela livre
apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo
fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na
investigação (…)”(Art. 155 do CPP).
Encontra-se
porém nas “Alegações” a colagem de abstratas citações doutrinárias e
jurisprudenciais, extraídas em quantidade e sem melhor exame até de
sistemas jurídicos alheios ao brasileiro (por exemplo, alusivos a crimes
complexos , técnicas de análise de evidências, “standards” de prova etc…).
Socorrem-se
também as “Alegações” de esotéricas teorias de diversas origens (inclusive
alienígenas) que um de seus subscritores, “modéstia às favas”, propaga ( do
“probabilismo, na vertente do bayesianismo” e do “explacionismo”), onde o caso
concreto e suas peculiaridades não se ajustam.
Tais
“pressupostos teóricos” e considerações genéricas, todavia, nada têm a
ver com fatos e provas que deveriam estar especificamente individualizados em
relação às acusações lançadas contra o ex-Presidente da República e não
suprem sua ausência. Tanto é assim, que as “Alegações” chegam ao cúmulo
de invocar, em reforço de argumentação e como se fosse pertinente, um caso de
estupro (!) (pag. 53).
Aliás, o
caráter abstrato daqueles “pressupostos” é reconhecido nas próprias
“Alegações”, quando afirmam ter apoio em teorias adotadas em obra de autoria
exatamente de quem as subscreve em primeiro lugar (v. pag. 52, nota de rodapé
no. 1). A propósito, são inúmeras as vezes em que o mencionado subscritor das
“Alegações” invoca como fundamentos das mesmas a “autoridade doutrinária” que a
si próprio atribui. Pouco elogiável, porém, é pretender valer-se de si mesmo
como fundamento suficiente para condenação de alguém na ausência de provas.
Inaceitável
também é livrar-se o Ministério Público do ônus da prova,
alegando que “os crimes perpetrados” “são de difícil prova” e "a
solução mais razoável é reconhecer a dificuldade probatória" (pág. 53).
Ora, se é difícil a prova, caberia ao acusador buscá-la, se existisse.
Nunca, porém, inverter o ônus que é seu, como se ao acusado coubesse
provar o oposto do que desconhece.
As
“Alegações” traduzem, desse modo, confissão implícita da ausência de
provas verdadeiras e válidas. Quem tem fatos e provas não precisa de teorias.
Dispensáveis,
a prolixidade e as generalidades presentes nas “Alegações”. Não
precisavam ir tão longe. Sem perderem de vista a definição constitucional do
Ministério Público como instituição defensora da ordem juridica e dos
princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (Art.
127 da CF), não poderiam ter esquecido o que diz o art. 239 do CPP:
Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação
com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras
circunstâncias.“
Portanto, o
conceito de evidências – que as “Alegações” invocam no direito
estrangeiro - em nada se confunde com o de indícios definidos no art. 239
do CPP. Para o Direito brasileiro, “circunstância” não é sinônimo de
”indício”. São conceitos distintos. Para que algo seja válido como “indício” é
indispensável que preencha as condições legalmente fixadas. Por isso, não é
cabível – como se faz nas “Alegações” – valer-se de um amontoado de
circunstâncias e teorias, bem como de confusões conceituais, para daí
afirmar-se a ocorrência de um conjunto de indícios que seriam o fundamento do
que chamam de “juízo de convicção” .
Para
cumprirem a lei, as “Alegações” deveriam ter indicado, quanto ao
ex-Presidente da República, concreta, individualizada e
especificamente: 1) fato criminoso específica e individualizadamente a ele
atribuível (tal como descrito no tipo penal), com todas as circunstâncias de
tempo, lugar e modo; 2) circunstâncias conhecidas e provadas; 3) as
relações entre tais circunstâncias e o fato delituoso; 3) a natureza de tais
relações (de causalidade ou de consequência) com o fato delituoso; 4) o
raciocínio indutivo (lógica e juridicamente válido) que pudesse autorizar a
conclusão sobre a existência de outra ou outras circunstâncias.
Cumprir tais
exigências é impossível, porém, quando o que se tem são meras ficções, teorias
ou convicções orientadas por pressupostos e objetivos previamente estabelecidos
e proclamados (vide o “Power Point” e outras entrevistas, declarações,
publicações etc…).
Em suma,
quanto ao ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva, as “Alegações” deixam claro
o reconhecimento da ausência de fundamento para condenação. A rigor,
pretendem transformar ficções em fatos, teorias em provas e convicções
subjetivas em veredito condenatório.
Existirá
julgador que chegue a tanto? Se existir, o jogo estará feito (desde
quando?). A notícia–sentença virá como exigida e previamente anunciada pela
mídia selecionada. Enfim, explodirá em manchetes, enquanto os
“vencedores” do “Big Game” e a turba “aglobalhada” pelo ódio e o preconceito
aplaudirão freneticamente os herois do momento.
E a justiça?
Onde fica nisso tudo? Ora, “Veja” ! Isso talvez seja querer demais!
Alvaro
Augusto Ribeiro Costa - Sub-procurador Geral da República (aposentado),
ex-Advogado Geral da União e ex-Presidente da Associação Nacional dos
Procuradores da República.
Do GGN
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