Há
um pensamento corrente na sociedade brasileira de que a Lava a Jato poderá
“limpar o Brasil”. Claro que alguns usam o termo “limpar” com o sentido de
retirar qualquer forma de governo de esquerda e antiliberal da possibilidade de
governar novamente o país. Mas há sim uma boa parcela da população brasileira
que julga que o que está acontecendo pode ter o condão de transformar a práxis
política brasileira e criar um “novo Brasil” daqui para a frente.
Infelizmente,
este é um pensamento mágico que não encontra respaldo em qualquer estudo sério
sobre corrupção. Punição não é solução para o crime. Armas não conferem a
ninguém uma maior segurança. Não se acaba com uma infestação de ratos caçando
um por um. Não se acaba com a “corrupção” criando um justiceiro e um estado de
exceção.
É
preciso que se entenda que as relações sociais são muito mais complexas e
profundas do que qualquer um de nós pode imaginar. As sociedades, por exemplo,
coíbem o homicídio há mais de 2000 anos e eles continuam a existir.
Justificados, apoiados, escondidos, transformados, ignorados, massificados,
idolatrados; cometidos por homens, por empresas, por Estados e etc. A punição
não é forma de resolver um problema sistêmico ou estrutural, simplesmente
porque não há sociedade que consiga oferecer a mesma punição sempre e todas as
vezes que o delito ocorre.
Dado
que as individualidades são os efetivos tomadores de decisão, o poder
coercitivo exercido sobre uma delas (ou uma dezena ou centena) não tem o condão
de evitar que qualquer outro volte a incorrer na mesma ação punida. Tanto
porque a informação não corre sobre o tecido social de forma homogênea, quanto
pelo fato de que cada incurso de um indivíduo contra uma regra socialmente
estabelecida é cercado de condições próprias e singulares. E tanto a autoria da
ação, quanto as condições em que ela foi feita tornam os delitos singulares.
Não importa o quanto o Direito tente estabelecer normas em caráter conceitual
para enclausurar determinadas condutas, cada crime é único.
Corrupção
é um termo muito difícil de definir. Tanto é que as pesquisas que “medem”
corrupção nunca o fazem de forma indutiva, ou seja, determinando e selecionando
o ato da “corrupção”. Qualquer índice sobre corrupção é sempre baseado em uma
sensação, um sentimento de alguém. Normalmente se pergunta a empresários e
agentes públicos para colocarem determinados países em uma lista de “mais
corruptos” até “menos corruptos” e ... voilá! Se tem a “corrupção” quantificada.
Mas é a corrupção ou o sentimento de uma parcela de agentes sobre ela, e em
determinados contextos? Qual a significação real deste dado? Ele é livre de
viés político?
É
claro que do ponto de vista econômico são diferentes o ato de faltar ao trabalho
e apresentar um atestado falso ou o ato de apropriar-se de parte de um
sobrevalor contratado para uma empresa vender petróleo para a África. Do ponto
de vista conceitual, entretanto, fica muito complicado diferenciar. Os liberais
costumam usar uma regra (não dita) que afirma que “não há corrupção entre
interesses privados”. Quando uma empresa está tratando com outra e que –
supostamente – não há interesse público, qualquer incongruência entre o
imaginado, o contratado e o efetivamente realizado fica no campo da
incompetência dos agentes de realização e fiscalização contratual. Um assunto
“deles”.
É
uma forma bastante eficiente de escamotear a corrupção privada e reforçar, por
um contorcionismo lógico, a supremacia do privado sobre o público.
A
corrupção que interessa para a maioria dos “índices” e pesquisas sobre o tema é
aquela que ocorre no âmbito do interesse público. E daí, novamente, temos o
problema da Lava a Jato. Se você se propõe a punir apenas uma parte das ações
humanas, ainda que semelhantes, em função do resultado delas, não se consegue
criar um espaço de reconhecimento social de que esta prática não é aceita. Se
você só mata o rato que enxerga, você não está acabando com a infestação. Na
realidade, está a tornando ainda mais forte. Para cada rato adulto que você
matar, restará comida suficiente para criar muitos filhotes. O resultado, ao
contrário do que poderia afirmar o senso comum, são mais ratos.
A
verdade é que a corrupção no Brasil tinha criado uma série de defesas,
utilizando-se tanto das garantias e imunidades dadas (e necessárias) a agentes
públicos, quanto da nossa centenária prática do uso privado das coisas públicas
por uma pequena parcela social, normalmente embalada por laços de nascimento ou
de clientela política. Um país onde figuras tão mal preparadas como Geddel,
Cabral e Maia participavam do “butim” é um país onde a corrupção atingiu nível
endêmico e estrutural.
Chego
a dizer que não há cidade no país que não haja desvio ou superfaturamento na
compra de papel, lápis, merenda, material de limpeza e por aí vai. Não há
quartel, ou instituição que passe por um pente fino destes também.
A
questão é perguntar se caçando e punindo “por amostragem” pode-se acabar com a
corrupção. Não. O que teremos é uma leva de corruptos muito melhor preparados,
muito mais capazes em dissimular seus atos e com raízes e defesas muito mais
sólidas. O veneno que um rato come não é consumido pelos outros se este
primeiro morre. Ainda que disséssemos que a Lava a Jato tem o objetivo de
atacar a corrupção (o que não tem) os métodos e a lógica dela são falhos,
pensados por pessoas sem conhecimento sobre o problema que pretendem resolver.
Os
historiadores dizem que a corrupção na Itália AUMENTOU após a Mani Pulite de
lá. O que diminuiu foi o interesse da população na política, sua participação e
seu controle. Isto permitiu Silvio Berlusconi como primeiro ministro por quase
dez anos. Nos EUA, incapazes de resolver o problema, eles tornaram a coisa
legal. Político receber dinheiro conforme defende os interesses de empresas ou
segmentos econômicos é algo normal e legal. O lobby é atividade socialmente
aceita. Já quando eles tentaram criminalizar práticas sociais baseados (opa!)
num moralismo religioso, tiveram aumento da corrupção e da violência. Basta
lembrar dos anos da Lei Seca.
Há,
pois, inúmeras formas de se lidar com a corrupção. Nenhuma delas, entretanto,
propõe racionalmente a punição espalhafatosa como forma de contenção da ação
delituosa. Não é espancando em praça pública que se acabam com os ladrões. Não
é matando que se acaba com o homicídio. Não é cortando o pênis que evitamos o
estupro. Não é armando a população que coibimos a criminalidade.
Preparemo-nos,
assim, para uma leva de corruptos cada vez mais preparados e mais inteligentes,
com sistemas mais complexos e com relações em ainda mais alto nível no Estado.
E, claro, a corrupção vai aumentar bastante seu preço. O resultado da Lava a
Jato vai ser a alienação da população para a política (como já acontece), o
descrédito da coisa pública como capaz de exercer a função para a qual foi
pensada e – o mais perigoso de tudo – uma desconfiança nos processos
democráticos.
Sem
falar da corrupção moral de juízes e promotores ao se acharem super-heróis ...
tornam-se exatamente o que julgam perseguir.
Do GGn
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