Na Folha de hoje, em reportagem de Ricardo
Balthazar, mostra-se que os juízes Sérgio Moro e Marcelo Brêtas foram
buscar uma doutrina “moderníssima”, da Inglaterra do século 19 – Deus salve-nos
da Rainha Vitória – para condenar réus sem prova de que tenham praticados atos
dolosos. Chamada de “chegueira deliberada”, ela permite a ambos condenar alguém
por ter “movimentado dinheiro sujo sem ter conhecimento da natureza ilícita dos
recursos, punindo-a com o mesmo rigor aplicado a quem comete esse crime
conscientemente.”
Entendeu bem? Se a pessoa não sabe que o dinheiro é sujo e
encosta nele é tão culpada quanto quem o desviou! Não acredita?
A legislação brasileira pune a lavagem de dinheiro quando o
acusado sabe que o dinheiro é sujo e age com intenção de escondê-lo. Mas muitas
situações não são claras assim, como no caso de alguém que aceita transportar
uma mala de dinheiro roubado sem saber o conteúdo. (se não sabe o conteúdo é
criminoso?)
Nesses casos, a lei prevê punição quando se demonstra que o
acusado tinha consciência do risco que corria, mesmo sem intenção de praticar
um crime. Mas isso também é difícil de provar muitas vezes, e por essa razão os
juízes têm recorrido à doutrina da cegueira deliberada.
O primor jurídico parte do princípio de que o sujeito é
culpado e vai gramar cadeia porque não perguntou de onde vinha o dinheiro. Da
próxima vez que você fizer um contrato, deve pergunta ao contratante se ele vai
pagar com dinheiro limpinho ou sujo, é isso? E se ele disse que o dinheiro foi
herança da mãe, você deve pedir cópia do inventário?
Balthazar destaca um trecho de uma sentença de Moro:
“A postura de não querer saber e a de não querer perguntar
caracterizam ignorância deliberada e revelam a representação da elevada
probabilidade de que os valores tinham origem criminosa e a vontade de realizar
a conduta de ocultação e dissimulação a despeito disso”, disse Moro.
É de fechar os cursos de Direito Penal no Brasil, que recusa
o “direito penal do autor”, onde a responsabilidade penal é objetiva, e
dispensa avaliação da culpa : não importa o que o sujeito fez, importa o que o
sujeito é. Aqui o direito penal sempre foi subjetivo, ou seja, o dolo e a
culpa dependem da conduta do indivíduo.
A condenação, antes destes luminares do Direito, dependia da
demonstração da culpa. Agora depende do “eu acho”, do “deveria”, do “é
impossível que não soubesse” ou, como magistralmente escreve Moro, do “deveria
ter perguntado”.
A fábula do lobo e do cordeiro foi atualizada para o século
21 com os juízes de peruca da Londres dos anos 1800.
Do GGN
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