Centro
supõe mediação. Se há a esquerda e a direita, o centro seria o mediador, aquele
que levanta os pontos em comum dos dois lados, as melhores propostas,
independentemente do lado, e monta a síntese.
O
Brasil é um país ideologicamente tão capenga, tão pré-histórico, que por essas
plagas desenvolveu-se um tipo político único: os radicais de centro, um grupo
de intelectuais que se autonomearam porta-vozes do centrismo e, nesse papel,
decidem radicalizar por julgar que, nesses tempos de polarização, vence quem
grita mais, ou quem polariza mais – mesmo se autodenominando porta-vozes do
centro.
É
o caso do jovem Joel Pinheiro da Fonseca, que valoriza tanto a própria opinião
que ela se torna a manchete de seus próprios artigos: “No
confronto entre união e polarização, prevejo que vai dar união”.
Lembra,
em muito, os jogos retóricos das redes sociais, ou mesmo nos comentários de TV
e rádio, em que o argumento de autoridade está no modo de entoar o pronome EU
taxativamente, independentemente de desenvolver argumentos que embasem a
conclusão.
E
o que é a tal da “união”? É deixar de fora todos os que sustentam que houve
golpe, que Lula está sendo perseguido. “E segundo porque cansamos de tanta
briga; está na hora de trabalhar juntos”. Trabalhar juntos significa aceitar as
reformas de Michel Temer, se integrar ao mercado global, escolher outras prioridades
para o gasto público”. Lembra a história dos centristas portugueses quando
começaram a linchar os radicais da Revolução dos Cravos. Tipo, nós não somos
radicais, o outro lado é que é um bando de fdp.
Joel,
mais dois ou três economistas conhecidos, interpretando papel de uma espécie de
Marco Antônio Villa do centro. Todo seu exercício intelectual consiste em
descobrir argumentos que fortaleçam suas próprias posições. Não se trata do
exercício intelectual de definir objetivos, pensar alternativas, burilar
argumentos. Trata-se de vencer a discussão.
Dia
desses, almocei com um deles, amigo, ótimo papo, economista brilhante. No
entanto, o almoço todo foi um esgrimir de interpretações estatísticas visando
testar os argumentos, como se estivesse em um coliseu intelectual.
Faz
parte desse jogo propagandístico a ideia de colocar Lula e Bolsonaro no mesmo
campo do populismo autoritário. Ninguém que conheça minimamente Lula engole
esse argumento. O governo Lula foi fundamentalmente socialdemocrata e, no campo
econômico, um híbrido de desenvolvimentismo com liberalismo de mercado.
Aliás,
esse hibridismo pode e deve ser criticado como um dos erros centrais. Mas dai a
considera-lo um populista vai uma distância estelar. Como pode ser populista se
reduziu substancialmente a dívida pública em todo seu período? Se jamais
colocou qualquer obstáculo ao livre fluxo de capitais?
A
crise do período Dilma se deveu a uma mudança substancial do ambiente
econômico, que não foi enfrentada com a estratégia econômica correta.
A
ideia da eficiência do gasto público não considera, por exemplo, que o Bolsa
Família foi o programa social mais bem administrado do país; que o banco de
dados serviu de base para o grande salto do Brasil Carinhoso, a maior obra de
Dilma; que a integração entre Luz Pra Todos, Bolsa Família, hortas comunitárias
serviu para a criação de uma rede socioeconômica que complementou o Bolsa
Família.
Antes
de Lula, a tecnologia social era prerrogativa dos liberais, a partir dos
trabalhos exemplares de Ricardo Paes de Barros. O próprio Marcos Lisboa era um
de seus arautos. Hoje em dia, não há nada parecido no campo liberal, apenas o
discurso do anti, anti-gastos sociais, anti-políticas públicas, sem apresentar
um projeto alternativo claro, minimamente viável. A ideia da Bolsa Família, os
estudos de focalização, foram assimilados pelo grupo de Lula, e completamente
esquecidos por esses liberais.
E
porque não incluem o BF em seu projeto de país? Porque significaria fazer a
mediação efetiva, verdadeira, honesta, de levantar projetos bem-sucedidos
independentemente do rótulo dado pela mídia. E esse trabalho tiraria a pureza
radical dos nossos centristas e, consequentemente, seu posto de porta-vozes do
radicalismo de centro.
Mesmo
Marcos Lisboa, autor de um excelente trabalho de melhoria microeconômica, como
Secretário Executivo da Fazenda, conformou-se com o papel de mero propagandista
político.
Já
disseram e se confirma na quadra atual: o subdesenvolvimento é um trabalho de
gerações.
O
centro democrático vingará não quando o modesto Joel quiser, mas quando houver
um grupo crítico de técnicos, de lado a lado, com clareza e coragem suficiente
para fazer a síntese, com coragem para denunciar os abusos do mercadismo e da
estatização excessiva, os erros da falta de regulação e da regulação excessiva,
entender a participação social como um primado das modernas democracias, e o
uso dos mercados como instrumentos das economias modernas.
A
radicalização, de lado a lado, serve apenas de instrumento de promoção dos
porta-vozes do radicalismo. De lado a lado.
GGN
GGN
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