Quando
começou a ganhar significado, a Lava Jato assumiu o discurso de que iria passar
o país a limpo e dar cabo da corrupção. Apoiada pela mídia e por vazamentos
sensacionais a operação ganhou, num país efetivamente muito marcado pela
corrupção, uma popularidade inédita, alcançando cifras para além de 90% de
aprovação.
Esse
verdadeiro patrimônio de credibilidades e esperanças de milhões brasileiros
deveria ter produzido por parte dos seus protagonistas um cuidado redobrado no
sentido de que tais expectativas não fossem frustradas, o que geraria um efeito
perverso de descrédito no país e em suas instituições. Seria o mínimo a
esperar, em termos de respeito ao povo brasileiro e às instituições, que a Lava
Jato, dada a importância que ela própria se deu, devolvesse aos brasileiros um
Estado menos vulnerável aos males de uma corrupção endêmica que desde sempre o
assolou. Uma obrigação, considerando os custos estratosféricos da própria
operação, os milhares de empregos perdidos e a quebra de setores estratégicos
da economia nacional, além dos efeitos colaterais relativos à desnacionalização
do pré-sal, dentre outras incontáveis mazelas produzidas por um governo que é
também um legado seu.
Então,
à luz da História, destino último da Lava Jato, o que temos dessa operação que
almejava ostensivamente passar o Brasil a limpo? Qual o seu legado? Como
comparecerá perante o futuro quando objetivos e resultados poderão ser
cotejados? Que expectativas tem hoje o brasileiro comum, nesse já pós Lava
Jato, em relação ao seu país e às suas instituições? Que governo vige hoje
quando a operação começa a sair de cena e a tornar-se história?
Consideraremos
cinco indicadores, um de eficiência e quatro de eficácia, numa análise objetiva
do papel da Lava Jato para o Brasil de hoje assim como perante os objetivos
públicos que a própria operação se deu e que funcionaram no plano do discurso
como nortes de sua atuação.
Abordaremos
os indicadores de forma qualitativa, sem desejar ser exaustivos, tomando apenas
fatos emblemáticos que os marcaram. Iniciaremos pelos aspectos metodológicos da
operação que utilizaremos como um indicador de eficiência, e abordaremos de
forma sumária o Impacto Financeiro, a natureza do Governo pós
operação, o Clima Político e o Ambiente de Negócios, que
assumiremos como indicadores de eficácia.
Cada
indicador será precedido da descrição de um cenário alvo esperado considerando
a operação como efetivamente voltada para o atendimento dos objetivos que se
auto atribuiu no discurso, qual seja, o de constituir-se como a Borduna
histórica contra a corrupção no Brasil.
Ao
término concluiremos, à luz de cada um desses aspectos analisados, em que
medida a operação atingiu ou não os indicadores alvo e a que está destinada
perante a História .
Da
metodologia da Lava Jato: Delatores e delatados
Cenário alvo
Considerando
os seus objetivos aparentes, a Lava Jato deveria ser inatacável do ponto de
vista metodológico para que o propósito alardeado de varrer o país da corrupção
estabelecesse coerência entre os seus objetivos e os seus métodos, sem o que
perderia credibilidade. Transparência, isenção e imparcialidade não poderiam
ser secundarizadas. Nesse contexto, os fins da operação deveriam coincidir com
os seus meios, ou seja, tudo que pudesse ser compreendido como corrupção, ou ilegalidade,
deveria ter sido, desde o início, extirpado do leque metodológico.
O que aconteceu
Do
ponto de vista da própria operação a sua metodologia não cumpriu a
transparência que deveria ter tido pela natureza do seu objeto. É ilustrativo o
fato de que nunca veio a público a explicação da métrica utilizada para a
redução das penas dos delatores em decorrência da sua delação premiada. A
delação do doleiro Youssef, por exemplo, como atesta O
Globo, permitiu uma redução de pena de 122 para apenas três anos.
Além
disso, a assimetria foi de tal magnitude na definição das penas dos supostos
criminosos que dificilmente a interpretação da dosimetria pode ser feita sem
considerar quem é cada réu no plano da política partidária. O Senador José
Serra do PSDB, por exemplo, apesar de ter recebido em contas no exterior,
conforme delação da própria Odebrecht, o equivalente a 23 milhões de
reais, (Folha
de São Paulo), jamais sofreu sequer uma únca condução coercitiva para
interrogatório. A sra. Cláudia Cruz, esposa de Eduardo Cunha, igualmente
titular de contas milionárias no exterior, foi sumariamente absolvida com
argumento equivalente ao que levou Lula à condenação, conforme informa a Revista
Forum. No caso do presidente Lula, porém, por um tríplex que nunca esteve
em seu nome, foi vítima de uma condução coercitiva espetacular, teve áudios
vazados, advogados grampeados e finalmente foi condenado a 9 anos de prisão
pelo juiz Sérgio Moro. Na instância recursal, o TRF4, a tramitação do seu
processo bateu todos os recordes de celeridade, passando na frente de sete
outros processos, a maioria dos quais com acusações mais graves do que as que
pesam contra ele. Finalmente, a sua defesa, ao requerer ao Ministério Público a
oitiva de Tacla Durán, cujo testemunho foi negado pelo juiz Moro, personagem
que trazia informações e provas que poderiam mais uma vez demonstrar a sua
inocência esse, em lugar de assegurar o seu direito de ter a sua testemunha
ouvida, incrivelmente o negou. Finalmente a Chefe de Gabinete do TRF4,
funcionária pública do Poder Judiciário, em cargo de confiança do presidente do
Tribunal, foi autorizada por ele próprio a fazer militância política nas redes
sociais pela condenação de Lula. A operação que pretendia acabar com a
corrupção no Brasil trata cada réu de forma diferente e parece funcionar como
uma casa de mãe Joana.
Impacto
financeiro
Cenário Alvo
Estabelecido
o objetivo de varrer a corrupção do Brasil, a operação deveria ter agido no
sentido de proteger ativos nacionais e empregos posto que, em sendo esse
objetivo verdadeiro, a própria economia nacional é que deveria ser protegida
contemporaneamente à operação e beneficiada depois.
O que aconteceu
Do
ponto de vista dos empregos perdidos pela empresas alvo da Lava Jato, a Revista
Exame os calcula em cerca de 600.000, números que falam por si mesmos
e criam dificuldade para interpretar os objetivos reais da operação.
A
perda de ativos pelas empresas nacionais, alcançou segundo o G1 cifras
da ordem de 100 bilhões de Reais em vendas. Reconheçamos que é também legítima
a análise do quanto em recursos públicos desviados retornaram aos cofres
públicos em virtude da operação, variável sempre lembrada pelos agentes da Lava
Jato. Nesse caso o HuffPost
BR calcula em 10 bilhões de reais o volume de recursos que voltaram ao
Poder Público em decorrência dos trabalhos realizados pela operação.
Embora
não se possa reduzir o impacto financeiro de uma operação que se deu o
grandioso objetivo de varrer a corrupção do Brasil, aos valores numéricos
expostos acima, pois haveria, fosse a operação saudável, ganhos econômicos exponenciais
no médio prazo em decorrência do saneamento da economia, é justo reconhecer que
tais números são inteiramente desfavoráveis à Lava Jato e parecem exprimir,
para dizer o mínimo, uma gravíssima miopia levando em conta que empregos e
patrimônio nacionais foram completamente negligenciados no que toca à forma
pela qual a operação transcorreu.
Vale
lembrar que a Bayer que fez experimentos em humanos em campos de extermínio na
segunda guerra mundial foi preservada pelo governo alemão do pós guerra, ou que
a Renault envolvida em colaboração com os nazistas na França foi estatizada
pelo governo francês, o que significa que mesmo em condições de delito de
gravidade incomparavelmente maior que a corrupção, os países não consentiram em
perder seus ativos nacionais e seus empregos. No caso da Lava Jato, o
patrimônio nacional foi totalmente desprezado. Esse fato, que hoje pertence à
história, emerge como o absurdo dos absurdos, porque ao banir a corrupção de um
país, em sendo esse o objetivo verdadeiro, uma das preocupações de maior relevo
teria absolutamente que ter sido, em todas as etapas da operação, a de proteger
os empregos e o patrimônio nacionais, que deveriam ter sido encarados como
verdadeiros prisioneiros dessas práticas criminosas e não como alvos a abater.
O
Governo pós operação
Cenário Alvo
Um
governo com alta credibilidade e autoridade moral capaz de aplicar
politicamente os ganhos institucionais da operação que deveriam funcionar como
ativos de alta relevância política.
O que aconteceu
Malas
e caixas de dinheiro em apartamentos de ministros, familiaridade com homicídios
“tem que ser um que a gente mata”, e por último a crise Cristiane Brasil,
indicada por Roberto Jefferson, personagem envolvido e condenado no julgamento
do mensalão, tornam dispensável qualquer aprofundamento desse item. Trata-se do
governo mais escandalosamente envolvido em ilícitos desde o escândalo da Ilha
Fsical. Esse cenário governamental, entretanto, responsabiliza a Lava Jato que
teve papel crucial na instabilização do governo Dilma, ajudando a viabilizar um
golpe de Estado, movido a dinheiro, conforme delação dos Batista. Finalmente, a
tentativa explícita da compra de deputados para dar vida a uma Reforma da
Previdência que contraria a maioria dos brasileiros é a pedra de toque de uma
prática abertamente corrupta contra a qual sequer a PGR se insurge.
Clima
político
Cenário Alvo
Uma
nação alinhada a novos consensos cívicos que permitiriam que a necessária
polarização direita/esquerda, que dinamiza e funda o Estado de direito, viesse
a dar-se em novos níveis de civilidade.
O que aconteceu
O
clima de ódios provocado pelos vazamentos seletivos advindos da Lava Jato e
divulgados pela grande mídia de forma descontextualizada foram, nesse campo, o
maior legado da operação. Ainda hoje não se sabe ao certo a que ponto nos
levarão ou quando começarão a declinar. Por último, ilustra esse ódio
guerreiro, a decisão do prefeito Dória de cancelar a cerimônia de inauguração
de um viaduto com nome de Dona Marisa Letícia, decisão que não somente
demonstra uma falta total de apego aos valores de respeito à institucionalidade
republicana, como também demonstra que sequer os valores cristãos
sobreviveram. Poderíamos multiplicar os exemplos desse ódio com fatos ainda
mais brutais, mas é dispensável.
Ambiente
de negócios
Cenário Alvo
Banida
ou muito enfraquecida a corrupção, o ambiente de negócios deveria ser
imensamente beneficiado, atraindo investimentos para o Brasil e gerando clima
de confiança na economia e no mercado consumidor.
O
que aconteceu?
O Jornal
o Estado de São Paulo em editorial de março de 2017 reconhece que a
forma com que a Lava Jato estava tratando a corrupção afetava negativamente o
ambiente de negócios no país. Por sua vez, num artigo publicado na Folha,
o diretor presidente do Conselho de Administração do Banco Mundial, Octaviano
Canutto, reconheceu, muito recentemente, em novembro de 2017, como “horrível” o
ambiente de negócios do Brasil. Ele não atribui esse clima à Lava Jato, mas em
sendo a operação a variável mais pesada a influenciar grande parte das cadeias
produtivas de maior peso da economia nacional, essa, queira-se ou não está
profundamente implicada nessa deterioração do ambiente de negócios, tendo
produzido, portanto, o oposto do que deveria.
Conclusões
A
análise objetiva, fundamentada em fontes da grande mídia nos autorizam a
concluir que:
Do
ponto de vista metodológico a Lava Jato traiu a confiança dos brasileiros com
uma abordagem parcial, assimétrica e opaca que em lugar de fazer dela um oásis
de espírito público a reduziu a mais uma ação típica de um Estado autoritário e
subdesenvolvido no qual as autoridades se comprazem em fazer o que bem entendem
aos olhos de todos, como príncipes medievais, em lugar de orgulhar-se da
prestação de contas dos seus atos à luz do dia;
Do
ponto de vista do impacto financeiro a Lava Jato recuperou 10 bilhões de reais
para os cofres públicos ao custo inexplicável de 600.000 empregos e de 100
bilhões de reais em ativos do patrimônio nacional;
Do
ponto de vista da natureza do governo pós operação, em lugar de um governo
rejuvenescido pela ação supostamente saneadora da Lava Jato temos um governo
envolvido com tudo o que há de pior;
Do
ponto de vista do clima político, em lugar de termos galgado níveis mais
elevados de civilidade e de aprofundamento do Estado de direito, o que temos
hoje é um país mergulhado num ódio que verdadeiramente envenena a sociedade;
Finalmente
do ponto de vista do ambiente de negócios, tanto a imprensa, como altas
autoridades do próprio mercado reconhecem que nunca esteve tão ruim.
Ora,
se a Lava Jato não atingiu nenhum dos objetivos que deveria ter atingido se
quisesse extirpar a corrupção do Brasil isso significa que, e a conclusão se
impõe, esse era um objetivo cosmético. A Lava Jato se exaure não pelo
atingimento do seu fim alardeado de extirpar a corrupção do Brasil, mas pela
condenação de Lula.
Porém,
aí também, como já vimos noutros artigos, a operação está derrotada, pois não
conseguiu alcançar o intento de criminalizá-lo. Condenará, pois, um inocente e,
ao fazer isso adentrará nos tribunais da História onde ela é que será julgada.
O
prédio da História tem uma frase no seu frontispício para a Lava Jato e ela já
pode começar a ser decifrada.
É
uma frase de Dante e ela diz: Deixai toda esperança, vós que entrais!
Do
GGN