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sexta-feira, 10 de agosto de 2018

XADREZ DA DITADURA DAS CORPORAÇÕES PÚBLICAS, POR LUIS NASSIF

Movimento 1 – o golpe
No começo, a elite civil prepara o campo para a desestabilização do sistema elegendo a figura do inimigo, o PT. Há o primeiro teste no mensalão. Depois, entra-se no jogo decisivo, adiado pelo bom momento da economia.
Quando a situação econômica piora, Judiciário e Ministério Público definem a melhor estratégia para tornar a Lava Jato uma operação irreversível. Consiste em investir sobre a linha de menor resistência, mirar um alvo que garanta a montagem de alianças com as estruturas de poder.
São varridos para baixo do tapete os indícios contra próceres tucanos, mercado financeiro, mídia e Ministros de tribunais superiores. O foco se concentra em Lula, no PT, em alguns peemedebistas mais notórios e no arco de alianças desenhado pelo projeto PT de poder, que tinha nas empreiteiras os maiores parceiros.
Movimento 2 – a falta de elite e de projetos
Monta-se uma verdadeira legião estrangeira em favor do golpe. Participam dela tropas das corporações públicas, do Judiciário, bilionários que saem às ruas como cidadãos comuns, cidadãos comuns que saem às ruas como linchadores habituais, e linchadores que saem às ruas armados de suas prerrogativas de magistrados e procuradores amparados por manchetes escandalosas. A bandeira única que os une é a eliminação definitiva dos inimigos.
A elite civil participa da conspiração, mas não assume a liderança, não conduz, é conduzida. Contenta-se com sua parte no butim, colocando na área econômica um gtupo de xiitas sem noção, disposto a mudar a realidade com a força da fé.
Conquistado o poder, o que fazer? Parte-se para o desmonte do modelo anterior sem nenhum projeto alternativo de país. Em vez de aprimoramentos necessários, liquida-se com a legislação trabalhista. Em vez de gestão fiscal responsável, monta-se o monstrengo inviável da Lei do Teto. Tenta-se a fórceps uma reforma da Previdência cuja conta recai inteiramente sobre os empregados do setor privado. Sufoca-se a economia com uma política fiscal irresponsável porque a guerra contra o inimigo não permite questionamentos intra-tropa e a fé não costuma falhar.
Mas e a ideia mobilizadora, e a voz de comando capaz de aglutinar a legião dos vencedores em torno de programas políticos viáveis, impondo um mínimo de ordem na bagunça? Nada. Porque a elite nacional é apenas um mito, desde os tempos mercantilistas aos anos da financeirização.
Movimento 3 – a Ditadura das corporações
Sem um general comandante, derrubada a cidadela adversária as tropas assumem o comando.
Sobre os escombros da economia, TCU, AGU, MPU, e todos os Us de Brasilia, negociam entre si a divisão do butim, quem pode punir, quem pode conceder, quem pode perdoar, quem negocia a delação, quem garante o acordo de leniência.
O Brasil improdutivo assume o controle do Brasil real, e tropas sem oficiais tomam as rédeas nos dentes enquanto um empresariado invertebrado, sem noção de projeto, paga a conta junto com seus trabalhadores.
O melhor exemplo desse comando difuso, aliás, é o Ministro Luís Roberto Barroso, do STF. Aliado do golpe, Barroso preencheu o universo midiático com chavões sobre o empreendedorismo, sobre um Estado menor. Em nome desse sonho neliberal, avalizou a Lei do Teto, com todas as implicações sobre as políticas sociais e os direitos básicos do cidadão. Não se gasta mais do que no ano anterior corrigido pela inflação.
Na hora de discutir o reajuste dos proventos de Ministros do STF, não vacilou: votou a favor dos 16% de reajuste, mesmo sabendo do impacto sobre toda a cadeia de benefícios do serviço público. O que significa? Que as figuras públicas que, tal como as birutas de aeroporto, seguem o caminho dos ventos, estão identificando um vento mais favorável aos seus projetos pessoais: em vez do mercado, o Partido do Judiciário.
Movimento 4 – histórias de promotores
E aí se ingressa na pior das ditaduras, que é a o dos centros difusos de arbitrariedade. Em qualquer cidade do país, um promotor pode se dizer investido do poder divino e providenciar Justiça com as próprias mãos. E esse poder está sendo utilizado sem nenhum discernimento, inclusive contra membros das próprias corporações que não se alinham com o golpe.
Em Recife, o promotor da Vara de Execuções Penais Marcellus Uglete, considerado um garantista (solicitou a interdição de vários presídios), foi denunciado por colegas com base em indícios frágeis - grampos em advogados em que seu nome foi apenas citado - e se tornou alvo de uma operação de busca e apreensão. Os invasores – policiais civis comandados por um colega de Marcellus – sequer esperaram que ele abrisse a porta. Teve a casa arrombada na presença de três netos, dois filhos, a esposa e o irmão.
Em Niterói, um comentário em rede social feito pelo Policial Federal Sandro Araújo, criticando a operação que levou ao suicídio o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) motivou uma denuncia da Associação Nacional dos Delegados da Policia Federal.
Disse o policial: “Minha prece hoje é por Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Reitor da UFSC que tirou a própria vida após ser preso de forma INJUSTA, ARBITRÁRIA e EQUIVOCADA pela Polícia Federal. A responsável pelo ERRO CRASSO não foi tocada e segue com sua carreira”.
No Paraná, uma parceria entre juízes federais e PFs impõe uma sucessão de condenações pecuniárias contra blogs que ousam questionar a atuação de policiais.
E não se para nisso.
Em Belo Horizonte, o dono de uma rede de supermercados foi intimado por um jovem promotor de direitos do consumidor a dar explicações para os critérios utilizados em um concurso que premiou a melhor frase sobre o aniversário da empresa. A intervenção do promotor foi motivada por um competidor, que se sentiu lesado na competição e apresentou, em sua defesa, um livro de poesias de rimas mancas de sua autoria.
Abusos como este estão pipocando por todo o país. E a única resistência visível reside no contraditório porém destemido Ministro Gilmar Mendes.
Movimento 5 – um ciclo sem prazo
Vai piorar antes de melhorar, porque se trata de um processo sem objetivos, de uma tropa sem comando, de um arquipélago de poderes individuais sem a ação coordenadora das chefias e lideranças, e de um poder sem projeto. O que os move é apenas o exercício do poder individual pelo poder e a defesa dos interesses corporativos.
Há um cenário possível para as próximas eleições: uma final entre o candidato do PT e Bolsonaro. Nessa hipótese, o risco Bolsonaro seria um fator catalisador maior do que o medo PT da classe média. Portanto, havendo essa composição no segundo turno, há a probabilidade concreta de vitória do candidato de Lula.
Aí, talvez, o mercado se dê conta de que a fonte de todos os males não são as migalhas distribuídas aos mais necessitados, mas o cheque em branco entregue às corporações de Estado.
Do GGN

sábado, 24 de março de 2018

Gilmar Mendes diz que PROCURADORES CHANTAGEIAM RÉUS para forçar delações

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, teceu duras críticas à forma com que o Ministério Público vem negociando delações premiadas. Especialmente na operação “lava jato”, diz o ministro, os procuradores vêm usando de métodos questionáveis em sua “estratégia de persuasão” para transformar investigados em delatores.
Supremo terá de rever poder de investigação do Ministério Público por causa de abusos cometidos por procuradores, diz Gilmar Mendes.
Durante sessão da 2ª turma do STF na terça-feira (20/3) que trancou o inquérito contra o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), o ministro classificou como severo e preocupante o desempenho de procuradores.
O inquérito contra o governador foi instaurado em março de 2016 para apurar delitos de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral, com base nas declarações do ex-auditor fiscal Luiz Antônio de Sousa, delator. Na delação, o colaborador apresentou uma nota que seria a prova de que recursos teriam sido repassados à campanha de Beto Richa.
“Vamos ter de rediscutir, talvez, no âmbito do tribunal a investigação feita pelo MP. Parece que, pelas notícias que correm, que os promotores se entusiasmaram em demasia com aquilo que se chama ‘investigação à brasileira’”, disse Gilmar. 
A investigação pelo MP sem a polícia foi declarada constitucional pelo Supremo em 2015. O ministro Gilmar foi o relator e autor do voto vencedor, responsável pela tese que definiu a questão no Plenário. Agora, ele considera que as práticas do MP demonstraram que procuradores vêm abusando desse novo poder.
De acordo com o ministro, advogados levaram a ele relatos de que procuradores do Rio de Janeiro teriam ameaçado o empresário Eike Batista de ser estuprado no presídio e de ser filmado nessas condições. “Quer dizer, se isto é minimamente verdade, é algo que repugna, repudia. A que ponto se pode chegar?”, disse.
Antes, Gilmar falou do ex-procurador da República Marcelo Miller, que negociou o acordo de leniência da JBS, e o chamou de "Massaranduba-Miller". Hoje advogado, o ex-procurador era conhecido por ser irredutível e rigoroso nas negociações. Massaranduba era o nome de um personagem do Casseta e Planeta que "se fingia de macho só para rolar com outro macho no chão", segundo  TV Globo. Miller deixou o Ministério Público Federal para negociar o acordo de leniência do Grupo J&F, dono da JBS.
“Este personagem de triste memória no MP e que fazia investigações —vamos chamar assim — atípicas, fazendo ameaças. ‘Não se comporte como uma moça virgem, querendo mostrar apenas os seios, tem que mostrar a vagina.’ Era essa a linguagem delicada que Miller usava nas suas investigações”, narrou Gilmar, que diz ainda que o MP “produziu gente” como o ex-procurador.
Corporações

Em nota, os procuradores da “lava jato” no Rio de Janeiro reclamaram da fala do ministro Gilmar. “O mínimo que se espera de um Ministro da mais alta Corte do país é que profira seus votos com base em elementos de convicção seguros e de preferência produzidos nos autos do caso a ser julgado, não em insinuações ou aleivosias lançadas a partir de versões por ‘ouvir dizer’.”
Os procuradores dizem ter falado com Eike Batista na prisão e não ter ouvido dele queixas de ameaça “por qualquer agente público”.

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) também reclamou do ministro. “Informações ditas com base em “ouviu dizer”, com conjecturas teratológicas e irresponsáveis são incabíveis na voz de um ministro da Suprema Corte”, diz o texto assinado pelo presidente da entidade, José Robalinho Cavalcanti. A nota diz também que o ministro usa da posição que tem para, reiteradamente, atacar investigadores.
Do Conjur

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

O Ministério Público está se apequenando, um anão, por Afranio Silva Jardim para o GGN

Ministério Público está se apequenando. Eu previ e adverti que iríamos chegar a esta situação nefasta. Lamentável. Hoje encontramos textos, nos principais blogs e sites da internet, expondo alguns membros do Ministério Público Federal a críticas contundentes e mesmo ofensas antes inimagináveis.
 Como diz o ditado popular: "estão experimentando do próprio veneno". Buscaram os holofotes e a notoriedade fácil, usaram o processo penal como forma de autopromoção e correram freneticamente para as "famosas" entrevistas coletivas. Voluntarismos e vaidades expostos publicamente.
 Como se sabe, houve uma estratégia muito bem estruturada para convencer a opinião pública de que os fins justificam os meios, vale dizer, para combater a corrupção, temos de usar regras especiais, temos de flexibilizar alguns direitos fundamentais da cidadania. Foram feitos “acordos” com os principais meios de comunicação de massa para respaldo de suas atividades persecutórias, algumas de legalidade altamente questionáveis.
Na verdade, este sistema de publicidade saiu do controle e acabamos passando do chamado “processo penal do espetáculo” para o “processo penal da humilhação”, do qual foi vítima o saudoso reitor Luiz Carlos Cancellier, da Universidade Federal de Santa Catarina. A sede de poder levou alguns jovens Procuradores da República a tentar influenciar o nosso processo legislativo e até mesmo  julgamentos do STF. Deslumbramento total e ingênuo.
 Ademais, o Ministério Público Federal busca amplos poderes discricionários em nosso sistema de justiça criminal, chegando a aplicar, em nosso país, institutos processuais e teorias jurídicas norte americanas, totalmente incompatíveis com nosso sistema processual  (civil law), numa ousadia sem par.

Agora, quando as "coisas" começarem a ficar esclarecidas, estes Procuradores voltarão ao merecido anonimato, deixando sequelas indeléveis para a nossa Instituição. O Ministério Público virou um "monstro", amado por uns e odiado por muitos. Ele passou para um lado ideológico da nossa sociedade.
Chegamos ao ponto de o Conselho Superior do Ministério Público resolver legislar sobre o Direito Processual Penal, criando um sistema processual paralelo ao que está disciplinado no atual Código de Proc. Penal (veja a resolução 181/17). Através de uma mera resolução, procura-se introduzir, em nosso sistema processual, a insólita e temerária “plea bargaining”, própria do sistema da “common law”.
O voluntarismo juvenil de alguns membros do Ministério Público, resultante, um pouco, de falta de cultura e formação social e política, está "afundando" esta importante Instituição. Não vamos perdoá-los, pois dedicamos 31 anos para ajudar a consolidação de um Ministério Público verdadeiramente democrático.
 Lamentavelmente, o fanático corporativismo das entidades de classe impediu que este nefasto rumo fosse objeto de debate e crítica. Ao contrário, mal representado, o Ministério Público permaneceu cego a esta realidade. Faço expressa ressalva ao nosso “Coletivo Transforma Ministério Público", que jamais compactuou com este deletério estado de coisas. Eu avisei. Eu adverti. Até tivemos Procurador da República preso preventivamente e Procurador Geral da República em situações embaraçosas. Em breve, infelizmente, teremos sequelas no plano legislativo. Acho que, mudando o que pode ser mudado, o que dissemos sobre o Ministério Público vale também para o Poder Judiciário, que caiu em total descrédito da opinião pública, graças ao seu desmedido ativismo judicial. Afranio Silva Jardim, professor associado de Direito Processual Penal da Uerj. Mestre e Livre-Docente em Direito Proc. Penal pela Uerj. Procurador de Justiça (aposentado) do Ministério Público do E.R.J.
GGN

terça-feira, 28 de novembro de 2017

É de ter vergonha do Ministério Público, diz Eugênio Aragão

Sem mais, nem menos, eis que o programa "Fantástico" da Rede Globo exibe imagens de Sérgio Cabral e Garotinho, ex-governadores do Rio de Janeiro, na prisão em que se encontram. Presos estão, sem culpa formada, porque seriam, ao ver de juízes deformados pela tal "opinião pública", tão perigosos quanto Hannibal Lecter, o assassino serial engaiolado no filme "O silêncio dos inocentes".
As imagens dos políticos preventivamente presos teriam sido obtidas com apoio imprescindível de membros do Ministério Público do Rio de Janeiro, aquela mesma instituição que convidou Kim Kataguiri para palestrar sobre "bandidolatria". Desviaram-se criminosamente de sua função de fiscalizadores da execução penal para exporem a intimidade de pessoas presas preventivamente.
Há algo de muito doentio com nossas instituições persecutórias, aí incluído o judiciário com competência penal, porque há muito deixou de ser isento para comungar, com o ministério público e a polícia, a cosmovisão falso-moralista e punitivista. Hoje, quem cai nas garras dessa troika, que não espere justiça. Não espere imparcialidade. Saiba que corre o risco de ser exposto, junto com sua família, à execração pública, conduzido de baraço e pregão diante das câmeras de televisão. Pouco interessa se o caso contra si é frágil ou forte; a gravidade da acusação que pesa é medida pela audiência que possa ser atraída, composta de um público cúpido em se deleitar com a desgraça alheia. Se o suspeito exposto é uma personalidade pública, a audiência vai ao delírio, para regozijo da mídia e, sobretudo, dos meganhas travestidos de juízes, promotores e investigadores.
A Schadenfreude virou sentimento legítimo. Nunca, depois do iluminismo, se festejou tanto, nestas terras, o suplício exposto de alvejados pelo sistema persecutório, quanto nos dias atuais, em tempos de Lava-Jato. Falta só amarrá-los na roda e esquartejá-los em praça pública. E a massa celerada ovaciona o ministério público que lhe proporciona tamanho show. Pouco lhe interessa que o próximo a cair nas malhas dessa instituição sem freio e sem critério pode ser cada um daqueles que ali estão em espasmódico orgasmo de ira descontrolada. Porque, para virar alvo de promotores ou procuradores falso-moralistas e redentoristas, basta estar no lugar errado, na hora errada.
E, em tempos de Lava-Jato, os Dallagnóis da vida assumem abertamente que "sem exposição" não seria possível responsabilizar os alvos de sua sacrossanta operação. Na falta de provas, de argumento técnico, o delírio das massas legitima a repressão. Por isso anunciam, para sua audiência de sádicos psicopatas, que 2018 será o ano da "batalha final" da Lava-Jato, um clímax imperdível, a coincidir com as eleições gerais e, claro, com prometido potencial de influenciá-la em proveito de quem, por juizecos e promotorecos, são tidos como merecedores da confiança popular.
Não escondem que o teatro sórdido montado contra personagens de visibilidade tem finalidade política. Depois de terem virado heróis nacionais por força de midiática atuação à margem da Constituição e das leis processuais, querem se assenhorar do Estado como um todo, avalizando, ou não, quem se candidate a cargo eletivo. Cria-se, assim, o index personarum prohibitorum do ministério público.
Resta-nos prantear essa instituição, que traiu sua mui promissora missão constitucional de promotora dos valores democráticos e dos direitos fundamentais, para se tornar um cínico verdugo a buscar aplauso de uma gentalha embrutecida, sem escrúpulos. Tudo em nome de um primitivo conceito de moralidade que não se sustenta diante dos abusos cometidos, da ambição desmedida e da ganância por desproporcionais vantagens pela função mal e conspiratoriamente exercida.
Triste fim do ministério público a que pertenci em atividade com tanta honra. Vulgarizou-se. Amesquinhou-se. Tornou-se um trambolho, um estorvo para as forças democráticas deste país. Gordo e autossuficiente, deleita-se no seu bem-estar, sem preocupação com milhares de brasileiras e de brasileiros impactados pela baderna política e econômica que causaram; brasileiras e brasileiros que não moram no Lago Sul de Brasília, não moram em Ipanema ou no Leblon do Rio de Janeiro e nem nos Jardins de São Paulo. Não têm recursos para planos de saúde eficientes que nem o Plan-Assiste do Ministério Público da União e nem para colocar filhos em escola privada. Será que os promotorezinhos e os procuradorezinhos pensam que essa população se alimenta de blá-blá-blá moralista? Acabaram os empregos, acabaram-se os direitos — "MAS temos o combate à corrupção!" É esse discurso que vai encher a barriga dos que foram esmagados pelo golpe do "mercado" e de seus interesseiros lacaios? Não acredito...
Um ministério público que precisa de aplauso para trabalhar descarrilhou. A repressão penal, lembra Foucault, por tangenciar perigosamente os fundamentos do Estado democrático de Direito e toda nossa autocompreensão civilizatória, precisa ser levada a efeito, em nossos dias, com discrição e até certa vergonha. Porque se houve grave lesão a bem jurídico fundamental, foi todo o sistema de prevenção que falhou. Falhou a educação, falhou a vigilância, falharam os legisladores e falhou a própria justiça que não soube cumprir seu papel de exemplo.
Claro que é muito mais fácil apontar para um culpado e extirpá-lo para deleite de um público que se diz ofendido, do que perquirir as causas do comportamento desviante e propor medidas concretas para seu enfrentamento, que não seja mais repressão midiática. Mas, preguiçoso trabalha dobrado. A sociedade que se contenta com o atalho da persecução penal e festeja seus verdugos não superará seus vícios, mas afundará na barbaridade e na ignorância e, por isso, será o terreno fértil para aproveitadores inescrupulosos. A corrupção não diminuirá, apenas se organizará para driblar os falso-moralistas. E um dia inexoravelmente cairá a máscara desse ministério público que nada fez a não ser barulho e tanto nos envergonha. Trabalharemos dobrado para nos desvencilharmos desse trambolho e enfrentarmos seriamente a tal corrupção.
GGN

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Juíza desconsidera aval do Ministério Público à condenação de blogueira que chamou Lula de "ladrão"

O Ministério Público que atua junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo havia se manifestado a favor de derrubar uma decisão de primeiro grau que absolveu a blogueira Joice Hasselmann dos crimes contra a honra e injúria em relação a Lula. Ela foi alvo de queixa-crime após publicar um vídeo chamando o ex-presidente de "ladrão" e "corrupto".
A manifestação favorável do MP foi ignorada pela juíza Maria Fernanda Belli, relatora do recurso de Lula e presidente da 2ª Turma Recursal Criminal do Colégio Recursal Central da Capital.
A magistrada anotou que "o Ministério Público atuante nesta instância pugnou pelo provimento do recurso, destacando que os comentários, de fato, superaram o direito de informar, esclarecendo que há indícios de prática criminosa, que autorizam o recebimento da queixa crime."
Mas, no entendimento da juíza, Joice tinha o direito de chamar Lula de ladrão e corrupto porque isso expressa a indignação da sociedade face às investigações da Operação Lava Jato, que teriam levantado "fortes indícios" de corrupção praticada pelo ex-presidente.
"É evidente que as investigações envolvendo o querelante, embora não sejam objeto desta ação, dela não estão totalmente divorciadas, justamente porque os comentários da apelada exprimem seus sentimentos de indignação e repulsa em relação a tais fatos, existindo fortes indícios da prática de crimes, sobretudo corrupção passiva e lavagem de dinheiro, não se olvidando que o apelante foi recentemente condenado."
"(...) a apelada pode exercer seu direito de crítica e de expressão, ainda que utilize expressões consideradas “ríspidas”, “ácidas” ou “mordazes”, sem que isso caracterize o crime contra a honra. Ao contrário, os comentários pungentes, categóricos apenas demonstram o intuito crítico da querelada, que externa seu inconformismo com os acontecimentos políticos", acrescentou.
A sentença em favor da blogueira foi proferida na segunda, 2 de outubro. Está em anexo.

Arquivo

acordao_apelacao_lils_x_joice_1.pdf

Do GGN

sábado, 22 de julho de 2017

Luís Nassif: A blindagem dos MPs a José Serra é antiga

Quando vazou os dados da agenda de Marcelo Odebrecht no seu celular, os policiais da Lava Jato trataram de colocar uma tarja sobre o nome de José Serra. Quando os arquivos se tornaram públicos, pelo vazamento, não foi difícil eliminar a tarja. O encontro se daria n escritório de Verônica Serra, filha de Serra.

Há mais de vinte anos se conhecem os modus operandos de Serra:
1. Através de contas no exterior, operadoras por Ronaldo César Coelho e Márcio Forte.

2. Através dos fundos de investimento de sua filha.

Se se avançar até seu início de carreira no serviço público se encontrará sinais exteriores de riqueza no imóvel que adquiriu, logo que se tornou Secretário do Planejamento de Franco Montoro e, como tal, o homem que controlava a fila dos precatórios e as aprovações para importações de equipamentos médicos.

Nos anos 90, envolveu-se diretamente com escândalos no Banespa, através de seu sócio Vladimir Rioli; depois, no Banco do Brasil, através de seu cunhado José Marin Preciado e do operador Ricardo Sérgio.

No episódio do buraco do Metrô, consta que Serra recebeu R$ 15 milhões das três empreiteiras, para permitir que cada qual indicasse o engenheiro responsável, em vez da responsabilidade recair sobre o presidente de cada empreiteira. Fontes com acesso aos dados da Operação Castelo de Areia contam que, entre os documentos, estavam as comprovações do acerto.

No final de sua gestão, no governo do Estado, entregou à Serasa-Experian todo o banco de dados do Cadin (Cadastro Informativo dos Créditos não Quitados de Órgãos e Entidades Estaduais), uma mina de ouro.

Pouco depois, Verônica Serra adquiriu um provedor de e-mail marketing, que deveria valer no máximo R$ 40 milhões e revendeu para a Experian por R$ 104 milhões. Apesar de listada na Bolsa da Inglaterra, a Experian tratou os valores como sigilosos.

É possível que a inexplicável compra de um site bancário, a Patagon, pelo Santander – pela inacreditável quantia de R$ 700 milhões – tenha sido um modo de lavagem de dinheiro, visando influenciar autoridades para permitir que, mesmo depois de privatizado, o Banespa permanecesse com as contas dos funcionários do estado. A assessora do grupo argentino Patagon era justamente Verônica Serra.

Além desses episódios, o livro “A privataria tucana” está repleto de levantamentos sobre outras operações de Serra. Os fundos administrados por Verônica são de capital próprio. Provavelmente ele deve dispor de um capital superior a US$ 200 milhões, com participação expressiva no Mercado Livre.
É o maior sistema de lavagem de dinheiro da atualidade.

No entanto, o mais suspeito dos políticos brasileiros é blindado pelo Ministério Público Federal e pelo Estadual. Quando a blindagem se torna muito explícita, há alguns movimentos lentos, que não tem sequência.

No caso do escândalo Alstom, por exemplo, foi nítido o trabalho de abafa do procurador Rodrigo de Grandis. Ele atrasou por anos a entrega de documentos solicitados pelo MP suíço. Sua alegação foi que trocou de pasta os papéis e, por isso, não se lembrou mais do caso. A alegação foi aceita pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) apesar das informações do Ministério da Justiça de que solicitara várias vezes a ele o encaminhamento dos documentos requeridos.

Agora, a montagem da ala paulista da Lava Jato não parece mudar muito o quadro.

Em Brasilia, não se tenha dúvida de que os processos contra Serra cairão com um Ministro amigo. A manipulação dos algoritmos do Supremo garantirá.

Vai se chegar ao final de uma onda supostamente moralista deixando intocável o mais rico e suspeito político brasileiro.

Do GGN

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Por Lenio Streck: O protagonismo judicial e a máxima “enquanto houver bambu, vai flecha”

Sabemos que uma lei (um texto legal-constitucional) não é uma coisa em si. Não se pode dizer que o sentido da lei se esgota em si mesmo. Isso é tão velho que Jonathan Swift já fez blague com isso em 1726, nas Viagens de Gulliver, quando conta que o “gigante” foi condenado à morte por ter salvado a rainha do incêndio. Como assim? Simples: para salvar sua majestade, ele urinou sobre o castelo. Havia uma lei, cuja pena era a morte, para quem urinasse em público. Bingo.

Mas, se não se pode interpretar assim, de forma burra e tola, também não se pode ignorar totalmente um texto legal ou interpretá-lo ao seu contrário. Se uma lei diz que é proibido carregar cães na plataforma do trem, isso não quer dizer que, no fiel cumprimento, seja possível levar um urso. E assim por diante.

Portanto, em termos de paradigmas filosóficos, nem a lei tem um sentido objetivado-emsimesmado (uma verdade de cunho adequacionista), nem a lei tem o sentido que possa ser produto de livre atribuição de sentido, tipo “livre convencimento” ou “dou às palavras o sentido que quero”, como é o caso do personagem niilista Humpty Dumpty, de Alice Através do Espelho.

Preocupado com isso, meu Grupo de Pesquisa Dasein, da Unisinos (em comandita com meu grupo de estudos da Estácio de Sá), organizou simpósio para discutir os limites da atribuição de sentido. Título do evento: II Colóquio de Critica Hermenêutica do Direito — Às voltas com o positivismo jurídico contemporâneo (todas as conferências estão neste link, inclusive as discussões que se seguiram; congresso diferente e diferenciado: depois de cada dupla de palestrantes, uma hora inteirinha para debate; diferente dos congressos em que o sujeito fala e sai correndo para o aeroporto, sem que os participantes possam fazer perguntas ou contestar o que foi dito — bingo para a organização, modéstia às favas).

Hermeneutas, dworquinianos, positivistas exclusivos, inclusivos e normativos, sistêmicos, jusnaturalistas: uma coisa em comum — oferecer soluções para limitar o protagonismo na interpretação-aplicação do Direito. Enfim, como evitar decisionismos, ativismos e realismos retrôs que dominam as práticas jurídicas no país, pelas quais não temos qualquer grau de previsibilidade (o mais engraçado — e essa crítica foi lugar comum no simpósio — é que o Brasil é o único lugar do mundo em que os realistas se pretendem normativos, transformando a teoria jurídica em uma jabuticaba retrô).

Todos acordamos em um ponto: na democracia, o cumprimento das leis e da Constituição é, além de uma obviedade, uma obrigação, mormente quando se tem uma Constituição normativa. Não é possível que uma pessoa ou um grupo de pessoas possa, para além dos limites impostos pela Constituição, legislar por intermédio de decisões judiciais e/ou construção prévia de “precedentes de Cortes de Vértice” (deve ser algo como “diverte-se e os demais sofrem”).

“Enquanto houver bambu, vai flecha” (?): o papel do MP é esse?

A propósito de protagonismos, ativismos e realismos tratados no simpósio, a Folha de S.Paulo do dia 1.7.2017 produziu um “bom” exemplo de como não deve ser a discussão sobre o direito no Brasil. Trata-se do “debate” produzido pelo advogado de Temer e um Promotor de Justiça de São Paulo. A pergunta era: Denúncia contra o presidente Temer é sólida?. O advogado do presidente está absolutamente no seu papel. Advogado faz discurso estratégico. É sua obrigação.

Já o promotor respondeu à pergunta como parte, sim, como se fora a parte ex-adversa e não como um agente do Estado que deve ter imparcialidade e atuar no plano da impessoalidade. Aliás, o membro do MP nem poderia opinar sobre a matéria. Não conhece os autos. E não é o promotor da causa. Como ser tão peremptório? E que história é essa de que um conjunto de indícios apontando para a mesma direção correspondem a prova de um fato? O promotor, juntamente com os que defendem o baiesianismo e explanacionismo (sic) estariam reescrevendo a teoria da prova? Como assim? Ah, mas o promotor deu opinião como professor e mestre em Direito. Ah, bom. Só que isso torna a questão mais complexa ainda, na medida em que, no caso, os dois corpos do membro do MP ali estão geminados, incindíveis.

Quero dizer com isso é que, na linha da agora já famosa frase de Janot “enquanto houver bambu, vai flecha”, a discussão proposta pela Folha nada acrescentou. Uma coisa é o advogado colocar suas teses; outra é o agente do MP simplesmente, com parcialidade (o que um membro do MP não deve ser: parcial), opinar em um complexo caso em menos de 3 mil caracteres. Para o promotor, a denúncia é perfeita. Claro: examinada sob o ponto de vista estratégico, a denúncia é péssima na opinião do advogado e perfeitíssima na opinião do promotor. Mas, exceção feita ao advogado — o qual, insisto, está no seu papel — é esse tipo de coisa que enfraquece o Ministério Público. Fragiliza. Desgasta. Transformou-se em parte. Em acusador sistemático. Em torcedor.

Sigo. A infeliz frase “enquanto houver bambu, vai flecha” bem denota o ponto em que chegamos. Quando entrei no MP há 31 anos atrás, no meu discurso de posse recitei um mantra que levei comigo durante mais de 28 anos: a de que o MP era uma coisa diferente, que devia atuar como magistrado, que não tinha lado, o seu lado era a lei e a Constituição, doa a quem doer. Pena que isso venha sendo esquecido. Da judicialização da política chegamos a politização da Justiça. Hoje, imitando agir estratégico, até se distorcem teorias para justificar que “prova é igual a fé ou crença” ou “mesmo não tendo prova, a probabilidade estatística é suficiente para obter a condenação” ou “um conjunto de indícios consubstanciam uma prova do fato imputado”. Vem a calhar o editorial do Estadão de 5.7.2017, quando alerta:

“Seria um equívoco não pequeno se o desejo de combater a corrupção e a impunidade levasse a um descarte paulatino da lógica e das garantias do processo. A delação premiada deve ser instrumento de auxílio à Justiça, e não uma obsessão que faz inverter o ônus da prova, excluir a presunção de inocência e transigir com as condições para a prisão”.

No fundo, a coisa se coloca do seguinte modo, já que estamos falando de bambus e flechas: o “fator Target”[1] é sempre perigoso. De novo o editorial do Estadão: “Atirar antes e perguntar depois não é uma boa forma de conduzir processo penal”. Atirar a fecha e depois pintar o alvo, pode até em um primeiro momento significar vitória. Afinal, o atirador nunca erra. O problema é quando o alvo não mais pode ser pintado à vontade. Então a disputa voltará a ser equilibrada.

Paro por aqui. Meu receio, como ex-procurador de Justiça — sei do que estou falando; já estive lá e participei anos e anos dos órgãos colegiados e na linha de frente — é que venhamos a apanhar bambus muito apressadamente. Afinal, do bambu saem as flechas; e do couro saem as correias. A politização da justiça é o primeiro passo para a decadência.

O que quero dizer — e aqui praticamente escrevo uma carta ao MP — é muito simples e é absolutamente a favor da preservação da instituição: há (ou deveria) haver uma diferença entre o agir de um membro do MP e o de um advogado. Se não há diferença — isto é, se, à semelhança do advogado, MP faz agir estratégico (ou seja, simplesmente disputa e quer ganhar) — , qual seria a razão de o MP ter garantias?

Peço que, antes de me apontarem as flechas (enquanto ainda existir bambu), reflitam sobre o que estou dizendo. Despacito.



1 O Target effect é uma criação minha e que consta no livro Hermenêutica e Jurisdição – Diálogos com Lenio Streck (livraria do Advogado, 2017). Quer dizer: pelo “efeito alvo”, o atirador nunca erra. E sabem por que? Porque primeiro atira a flecha e depois pinta o alvo em torno da flecha. 100% de acerto.

DCM

sexta-feira, 30 de junho de 2017

O "feijão com arroz" do Ministério Público é condenar sem provas, diz Rogério Dultra

Foto: Agência EFE

"A operação Lava Jato não é necessariamente um ponto fora da curva do processo penal brasileiro. Ela, na verdade, comprova a completa falta de fundamento probatório no trabalho das instituições na persecução penal"

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Contra Lula vale tudo: por que Sérgio Moro violou a lei ao negociar a delação de Renato Duque

Naquela mesma Curitiba que anda espancando servidores públicos e protegendo militantes do MBL, o juiz Sergio Moro deu mais uma mostra de sua imparcialidade. Como se fosse preciso mais alguma.

Ontem, Moro tentou seduzir Renato Duque concedendo-lhe o benefício de redução de pena. Desde que, claro, o ex-diretor da Petrobras ‘colabore’. Em português atual: delate.

Renato Duque tem 13 processos nas costas e se somadas todas as suas condenações totalizam 62 anos e 11 meses de prisão. O juiz Sergio Moro concedeu que Duque possa sair após cumprir cinco anos em regime fechado e devolver € 20,6 milhões (aproximadamente R$ 75 milhões).

Tudo muito bonito, afinal de contas se Joesley Batista saiu completamente livre de qualquer condenação por ‘colaborar’ com a Justiça, fazer alguém pagar pelo menos 5 anos é melhor que nada, certo?

Errado.

Moro não pode fazer isso. Juiz nenhum pode negociar delações, elas são responsabilidade do Ministério Público. “Ao juiz cabe apenas aferir se o acordo não violou nenhuma lei”, afirma Gustavo Badaró, professor de direito da USP.

Nesse caso especificamente, quem violou a lei, foi Sergio Moro.

“A lei veda que o juiz tome qualquer parte no acordo de colaboração. Ao oferecer um incentivo, ele violou esse vedação legal”, completou o professor. Renato Duque ainda não fechou o acordo de delação com o MP. Isso vem se arrastando há meses.

Moro mais um vez agiu de forma nebulosa sobre suas intenções. Mas agradou a defesa de Renato de Duque que agora acredita poder reduzir ainda mais a pena.

“Foi muito bom para ele, mas queremos mais e seguimos lutando”, disse Antônio Figueiredo Basto, advogado de Renato Duque.

O Ministério Público Federal informou que vai recorrer da concessão do benefício sentenciada por Sergio Moro feita conjuntamente com a condenação de Antonio Palocci.

No mesmo dia, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviou mensagem a colegas do Ministério Público Federal:

“Num regime democrático, ninguém está acima da lei ou fora de seu alcance, cuja transgressão requer o pleno funcionamento das instituições para buscar as devidas responsabilidades”, escreveu Janot em razão de ter oferecido denuncia no Supremo Tribunal Federal contra Michel Temer, pelo crime de corrupção passiva praticado em pleno exercício do mandato (segundo Janot os R$ 500 mil da famosa mala eram de Temer).

O recado, no entanto, bem que poderia ser destinado ao juiz Sergio Moro que anda conseguindo a proeza de perder até admiradores por conta de suas atitudes não condizentes com o cargo.

“O juiz não tem que se meter em delação. O acordo é uma negociação entre o Ministério Público ou a polícia e o investigado”, declarou Gilson Dipp, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, e que já foi da legião de apoiadores de Moro.

Mas Sergio Moro não era o destinatário da mensagem de Janot e continua achando-se acima das leis e cometendo transgressões como grampear conversas sem autorização ou seduzir um acusado para que faça a delação. No mês passado, em depoimento, Renato Duque disse a Moro que Lula ‘conhecia e comandava tudo’. Lula é o objetivo máximo de Moro e ele não poupa esforços.

Num país tropical em que alguém como Jair Bolsonaro aparece em segundo lugar nas pesquisas para presidente, não espanta que um juiz fique acima das nuvens.

Sergio Moro não é juiz. É um cabo eleitoral que trabalha para ver Lula fora da disputa no ano que vem.

DCM

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Des. Favreto TRF4: É necessária uma autocrítica do Judiciário

Desembargador do TRF4, Rogerio Favreto, avalia o custo da desordem institucional motivada pelo avanço do judiciário sobre demais poderes.

Vale a pena enfrentar a corrupção na política a qualquer custo, abrindo exceções que podem ferir o Direito Penal e Constitucional? Para a maioria dos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) sim, segundo uma decisão tomada em setembro do ano passado quando 13 dos 14 magistrados que integram a corte afirmaram que os processos da "lava jato" não precisavam cumprir as regras do processo comum.

O único magistrado contrário foi o desembargador Rogério Favreto que também é ouvidor do mesmo tribunal. Em entrevista por Skype para o jornalista Luis Nassif, Favreto ponderou que abrir exceções no direito é "muito preocupante" e que nada deve justificar a abertura de ações que sustentem um Estado de Exceção.

"Nós devemos isso a um Estado Democrático de Direito com valores fundamentais do princípio da inocência, da ampla defesa, do contraditório que são instituições fundamentais e devem ser preservados e não é porque determinado processo tem uma importância maior ou menor que ele tenha que descumprir as regras tanto processuais como esses valores Constitucionais que garantem a preservação dos direitos da pessoa humana. Ou seja, nós hoje invertemos as questões iniciando o anúncio de um inquérito policial com uma coletiva, que é extremamente preocupante, quando deveria haver uma investigação serena", argumenta.

O magistrado não deixa de lado a devesa do papel da mídia na divulgação de informações que colaborem com a transparência de processos, entretanto, o uso indiscriminado dos meios de comunicação pode trazer consequências negativas ao processo, acrescentando que a divulgação indiscriminada de determinados personagens políticos que "rendem mais notícia" pode levar a um prejulgamento e consequentemente danos irreparáveis a vida do indivíduo.

Favreto aponta que, apensar de ainda tímida, já existe um movimento de autocrítica dentro do Judiciário das consequências negativas dos excessos ocorridos na condução da Lava Jato, tanto por parte do judiciário quanto do Ministério Público, incluindo o uso da delação premiada, excesso de vazamentos e abertura de inquéritos a partir de indícios, além da organização de coletivas de imprensa para informar a abertura de investigações.

"Esses dias promovemos um debate aqui em Porto Alegra muito significativo, pela Associação Juízes pela Democracia, a AJD, justamente preocupados [com isso]. A sensibilização do julgador e dos demais agentes é com o que acontece com a sociedade de forma concreta, com os movimentos sociais, com as questões dos direitos que envolvem compreender a sociedade. Há um viés de estar às vezes seduzidos um pouco por essas questões mais midiáticas, de alguns setores. Então a preocupação hoje é crescente, estamos sentindo que isso está tendo já alguns efeitos".

Acompanhe a seguir a entrevista completa
00:13 - Sobre a desordem institucional envolvendo Justiça, Ministério Público, Supremo e imprensa.
01:41 - Vale enfrentar a corrupção a qualquer custo, abrindo exceções no direito?
03:19 - Delação Premiada
05:29 - A abertura de inquéritos a partir de indícios e não de provas.
07:18 - A relação entre mídia e Ministério Público. Quem induz a quem?
09:20 - Por que os órgãos de regulação do Judiciário não agem contra os excessos do Ministério Público e da magistratura?
11:31 - Passada à Lava Jato os poderes democráticos voltarão a atuar no limite determinado pela Constituição?
14:58 - Existe uma autocrítica do Judiciário sobre as consequências negativas da Lava Jato, quando resultou no atropelamento das normas Constitucionais?
18:28 - A questão da cooperação internacional para a investigação de crimes.

GGN

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Auler: PF investiga temer no que STF e PGR fizeram vista grossa

Foto: Beto Barata/PR 
Parte das dúvidas e questionamentos que a Polícia Federal demonstrou nas 82 perguntas encaminhadas ao presidente Michel Temer já poderiam estar esclarecidas, desde o início deste século XXI, não fosse a omissão de dois Procuradores-gerais da República – Geraldo Brindeiro, mais conhecido como “engavetador-geral da República”, e Roberto Gurgel – e do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Os três, em um espaço de dez anos – 2001 e 2011 – não permitiram que fossem investigadas as denúncias de que Temer, como deputado e presidente da Câmara dos Deputados (1997-1998) recebeu propinas pagas por empresas que atuavam no Porto de Santos, desde 1995. A partir daquele ano, na gestão de Fernando Henrique Cardoso na presidência da República (1995/2002), e nos períodos em que o PMDB (1983/1994) e o PSDB (de 1995 aos dias atuais) governaram São Paulo, foi Temer quem indicou os presidentes da Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP). E dela se beneficiou.

Das caixinhas pagas pelas empresas que atuavam no porto, segundo denunciou a então estudante de psicologia, Erika Santos, na Vara de Família, já em 2000, início do século, metade dos recursos eram destinados ao então deputado/presidente da Câmara Temer. A outra metade era dividida em duas partes entre o seu então companheiro, Marcelo de Azeredo. Este sempre ocupou cargos públicos, desde 1987, culminando com a presidência da CODESP (1995/1998) por indicação de Temer, prócer do PMDB. Os outros 25% iam para o então desconhecido “Lima”, mais tarde identificado como o coronel reformado da PM-SP, João Baptista de Lima. Sua identificação. segundo revelou a revista Época – Operador ligado a Temer admite ter recebido R$ 1 milhão da Engevix – surgiu na delação de  José Antônio Sobrinho, dono da Engevix. 
Em 2011, o delegado Cássio Luiz Guimarães Nogueira, pediu investigação de duas empresas sobre as quais hoje a Polícia Federal investiga. Mas o pedido dele jamais foi atendido. O texto acima foi editado da copia da representação que conseguimos da representação cuja íntegra é publicada abaixo.

A denúncia da gorda caixinha abastecida por operadores do Porto de Santos, bem como sua divisão em três partes, estão relatadas na Ação de Reconhecimento e Dissolução Estável, Cumulada com Partilha e Pedido de Alimentos, ajuizada na 2ª Vara de Família, Órfãos e Sucessão, de São Paulo, em 2000. Já em 2001, Brindeiro recebeu cópia das mesmas, mas justificando seu codinome – “engavetador-geral da República” – não levou o caso adiante. Como sempre, alegou “inexistência de suporte mínimo de indícios a justificarem a persecução penal, tampouco a prática de qualquer crime por parte do deputado federal Michel Temer”.

Em 2011, quando a Vara Federal de Santos encaminhou ao STF um pedido do então delegado federal, Cássio Luiz Guimarães Nogueira, de aprofundamento das investigações em torno das denúncias de Érika, foi a vez de Gurgel omitir-se. Segundo seu despacho, as provas colhidas no inquérito 3105/SP, “não trouxeram elementos novos que autorizem a reabertura da investigação, já arquivada, contra Michel Temer”. O parecer de Gurgel foi prontamente acatado pelo ministro Marco Aurélio Mello. Tudo como divulgamos na série de reportagem que publicamos em conjunto no site Diário do Centro do Mundo – DCM – Temer ignorou pedidos da PF para se explicar no caso da propina no Porto de Santos, – e aqui no Blog: A PGR omitiu-se na denúncia da caixinha do Porto de Santos para Michel Temer.

O pedido, porém, não se resumia a Temer. Seu nome e seu CPF sequer constavam da representação apresentada pelo delegado Cássio Luiz. Até então a investigação girava em torno dos demais denunciados na ação da Vara de Família – notadamente Azeredo e sua irmã Carla de Azeredo, cujas quebras de sigilos foram pedidas. Ao justificá-las, o delegado expôs seu objetivo: 
Na ação na Vara de família já se falava da caixinha distribuída entre Michel Temer (MT), Marcelo Azeredo (MA) e Lima (L) e se citava propinas pagas pela Rodrimar, hoje alvo da investigação da Polícia Federal, assim como o coronel João Baptista de Lima, o “L”.

“a) descobrir as supostas fontes de recursos financeiros utilizados no esquema criminoso (empresas concessionárias no Porto de Santos e seus representantes legais que tenham obtido qualquer tipo de vantagem fraudulenta mediante a participação em licitação, aditivos em contratos vigentes, acrescidos de áreas concedidas, etc.);

b) identificação dos membros que orbitavam na suposta Organização Criminosa – “VANDER”, “LIMA”, “RA”, “DM”, “AG”, “MA” e “MT” (vide fls.339/346) com o levantamento das ações e das vantagens que cada um tenha percebido com as ações ilícitas, identificação do destino dos recursos obtidos para sua apreensão ou sequestro com o fim de recuperar eventual“. (grifo do original)
A planilha onde aparecem estas siglas e valores pagos pelas empresas constava da ação na Vara de Família. Sua revelação gerou controvérsias. Desde o início falou-se que os dados foram retirados por Érika de um computador do ex-companheiro. Esta versão foi endossada pelos dois advogados que prepararam o pedido de reconhecimento e dissolução de união estável, ao deporem na Polícia Federal de São Paulo: Martinico Izidoro Livovschi (já falecido) e Sérgio Paulo Livovschi, respectivamente pai e filho. Ao Blog, Sérgio Paulo afirmou que a ação foi revista e emendada por Érika, antes de ajuizada.

A ex-companheira de Azeredo, porém, desautorizou os dois, trocou de advogado e, através do novo patrono, José Manuel Paredes, retirou a ação e se entendeu com o ex-companheiro. Consta que ela teria alegado que não pretendia fazer uma “queixa-crime”, como acabou se transformando a ação na Vara de Família.
Aliás, graças a esta improvisada “queixa-crime” é que foi possível descobrir o esquema da caixinha do Porto de Santos. Faltou apenas interesse político e público em aprofundar suas denúncias. Mesmo sem saber, prestou um serviço à comunidade com essas denúncias. Continue lendo aqui.

GGN, Marcelo Auler

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Ségio Guedes Reis: Corrupção não se combate com moralismo

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Corrupção se combate com redução da desigualdade e não com moralismo

Talvez seja possível afirmar que o debate sobre corrupção no Brasil jamais tenha ganho tanta repercussão como agora. A Operação Lava Jato parece ter feito emergir um latente sentimento punitivista em parte da sociedade brasileira, o qual se conecta, de forma inexorável, à noção de que a corrupção se apresenta como um problema de índole comportamental ou postural, a ser corrigido a partir de sanções rígidas, capazes de reprimirem a prática desse crime a partir do “exemplo”. Não é por acaso que, na página das chamadas “Dez Medidas Contra a Corrupção”, encampada por agentes do Ministério Público que compõem a Força Tarefa dessa operação, diagnostica-se que é a “impunidade” a causa fundamental desse mal.

Quando observamos outras manifestações recentes sobre como lidar com a corrupção, vemos que essa interpretação punitivista tem força e histórico: se olharmos para o chamado “pacote anticorrupção” lançado pela então Presidenta Dilma Rousseff quando ainda parecia ter alguma margem de manobra, observaremos a predominância de medidas voltadas a tipificar novos crimes relacionados à corrupção ou a ampliar a punição para práticas ilícitas já tipificadas.

Segmentos da sociedade civil organizada parecem corroborar esse entendimento: se formos analisar as propostas vencedoras no âmbito da primeira Conferência Nacional sobre Controle Social (a CONSOCIAL, realizada em 2012), notaremos a presença de várias diretivas voltadas a tornar mais duros os crimes relacionados a corrupção. Há ideias no sentido de se transformá-los em crimes hediondos, ou mesmo de aumentar a pena máxima possível para o limite de 50 anos (acima, portanto, dos limites máximos previstos em lei para quaisquer crimes). A força da rejeição social à corrupção também aparece em pesquisas de opinião recentes, que apontam para essa questão como o principal problema do Brasil. Como entender esse aparente paradoxo entre a ojeriza à corrupção e a sua persistência como questão e como prático? Esse é um dos debates clássicos sobre a condição brasileira. Pretendo apresentar algumas proposições para apoiar o debate, a partir de uma leitura que se quer progressista.

A hipótese básica que apresento é a de que a República é um projeto nacional bastante incompleto, na melhor das hipóteses

Seu melhor momento também foi aquele em que sua fraqueza constitutiva se tornou mais explícita: a Constituição de 1988, hoje sob risco de implosão. No mesmo documento em que se inserem algumas das mais ousadas tentativas de instituição de um Estado de Bem-Estar Social no Brasil estão manifestações e pontos de partida para a consolidação de corporativismos decisivos para explicar o nosso tempo – e a resiliência da corrupção.

Um componente intrínseco a uma República é a ideia da igualdade entre os sujeitos. Em uma cultura política republicana, não só a igualdade existe, mas ela é desejada pelos atores sociais. Nesse sentido, os espaços públicos – institucionais ou não – são aí marcados por uma pretensão de eticidade na qual os cidadãos avaliam suas pretensões com relação ao público a partir de apreensões individualizadas sobre o universal: o certo e o errado, o justo e o injusto, o tolerado e o não-tolerado. A ação política (em sentido amplo) é balizada nessa experiência (por vezes conflituosa) de como realizar o público a partir das sensibilidades particulares sobre esse público.

Entendo que esse tipo de encaminhamento sobre o público no Brasil se constitui como algo extremamente limitado. No lugar de uma eticidade produzida a partir das tensões concretas que encerram o processo de construção de uma sociedade igualitária (que depende de condições materiais e simbólicas de reconhecimento da alteridade para tanto), aqui vige outra lógica: a moralidade é um substituto pobre da ética, com suas máximas e seus juízos particulares. Por meio dela (ancorada em dogmatismos religiosos, mas também em sintagmas laicos, mas imateriais, como adágios e aforismos), o indivíduo julga os outros a partir de elementos absolutos e metafísicos. Como o “público” é pobre – mera negatividade do “meu” particular – eu não me insiro nesse juízo.

Nesse mecanismo, que separa a potência do ato, eu cindo a minha prática ilegal do meu próprio juízo, mas não faço a mesma operação com outras pessoas. Abre-se espaço para a incoerência, para a indignação seletiva – ou, se quiserem, para a hipocrisia. Não é difícil perceber como o punitivismo encontra guarida no interior desse raciocínio: é impossível a partir dele tratar o problema de forma sistêmica – o desvio é individual, comportamental, postural, de natureza humana, e precisa ser reprimido como tal.

No bojo desse processo está o que mais importa nesta hipótese: a aceitação popular da injustiça. Se no espaço público ético a justiça se consubstancia no desejo (e na busca pela produção de) igualdade, no espaço moral não há um universal concreto contra o qual a minha ação particular possa ser cotejada, a não ser o meu próprio juízo metafísico. Se cada um faz o mesmo, então temos infinitos juízos particulares os quais, ao fim, realizam um público sem métrica de equidade (ainda que haja leis). A desigualdade se torna modus operandi de realização do público. E a justiça possível nesse cenário é o justiçamento, que nada mais significa do que a introjeção ao juízo público dos valores morais de ocasião como critérios de deliberação.

Fundamentalmente, a desigualdade (em sentido amplo) é causa basilar da corrupção

E esse é, provavelmente, o fator mais negligenciado no debate sobre a questão, seja normativamente, seja como prática de política pública. Esse lapso é surpreendente se levarmos em conta que a desigualdade é, provavelmente, a preocupação normativa mais relevante em qualquer questão pública abordada por um prisma progressista. Lamentavelmente, em face de toda a crise política nacional montada a partir da publicização de escândalos de propina envolvendo a Petrobrás – fundamentais para derrubar Dilma Rousseff, ainda que formalmente sua queda tenha ocorrido a partir do sofrível argumento das “pedaladas” – há pensadores importantes que ainda concebem que a corrupção seja mero “discurso da direita” para enfraquecer a esquerda, sendo a desigualdade um fator muito mais relevante a ser considerado no debate público. Aqui, no entanto, consideramos que a conexão entre ambos é intrínseca – e é fundamental que a esquerda seja capaz de apresentar uma interpretação própria sobre a corrupção, sob pena de emular soluções conservadoras se estiver no governo, ou de não ser levada a sério por se abster de debater criticamente a questão.

Como causa explicativa, a desigualdade naturalizada (não apenas de classe, mas étnica, de gênero, religiosa, de poder, entre tantas outras clivagens) cria o caldo para a aceitação da injustiça e, portanto, para a estruturação de práticas sociais que adotem a ilegalidade ou para compensar a desigualdade, ou para reforçá-la – daí a ambiguidade, por exemplo, do chamado “jeitinho”, por tantas vezes compreendido como a razão da corrupção (e aqui admitido como possível sintoma dele). Se as instituições reproduzem essa falta de tratamento equânime, então não há porque acreditar na equidade como um caminho, e no público como um espaço desejável. Pelo contrário, o privado é aí o porto seguro das virtudes – repete-se aí o mesmo mecanismo de julgamento moral comentado antes: o público não é também “meu” ou de todos, mas simplesmente de “ninguém”. Na literatura internacional, são reiterados os estudos que apontam para o quanto a desigualdade impacta severamente a descrença social no governo e, mais amplamente, nas instituições, e o quanto ela estimula a racionalização da corrupção como uma prática legítima. O ímpeto que a desigualdade causa para a corrupção extravasa classes sociais: como cita Gunnar Stetler, ex-diretor da agência anticorrupção sueca em entrevista para a jornalista Claudia Wallin, “chega um momento em que o cidadão não se contenta com um Volvo e deseja um Porsche”.

Uma hipótese a ser testada é a de que a desigualdade no Brasil adquiriu força considerável o bastante para se constituir como uma espécie de valor ou direito, algo a ser desejado. Em sendo o caso, estaríamos no exato caminho contrário daquele a ser perseguido para a constituição de uma República, como mencionado no início deste ensaio. A pesquisa “Perigos da Percepção”, feita pela Ipsos Mori (2015) com cidadãos de 33 países traz dados que podem jogar luz sobre a questão, conotando a ela a devida complexidade: os brasileiros, integrantes da quarta nação mais desigual do grupo, foram um dos seis conjuntos de cidadãos que subestimaram o nível de desigualdade existente no país. Ao mesmo tempo, nossos nacionais foram aqueles que defenderam que o 1% mais rico deveria concentrar o maior percentual da riqueza nacional dentre todos os segmentos consultados: 33%. Por curiosidade, em países como Israel, Noruega e Holanda, esse range variou entre 14 e 16%. E mesmo em países mais desiguais do que o Brasil, como Índia, Turquia e Rússia, as opiniões sobre o quanto deveria ser essa fatia oscilaram entre 21 e 30%.

Se a desigualdade é questão profunda na narrativa brasileira, o privilégio é a representação mais eloquente de sua articulação com a corrupção. Como ponto de partida para repensarmos como lidar com esse problema, por sinal, precisaríamos efetivamente redefinir a noção de corrupção, para fazer com que ela comporte em si o privilégio.

Hoje, boa parte dos privilégios são assegurados legalmente, inclusive por alguns dos atores que são responsáveis por dizer o Direito, garantir a justiça e proteger o patrimônio público. Em meio a uma sociedade que ainda luta para lidar com a miséria, a presença de salários astronômicos (muito acima do teto constitucional, já extremamente elevado), a percepção de dezenas de penduricalhos (auxílio-moradia, auxílio-creche, adicional por tempo de serviço, adicional de comarca, auxílio-educação e tantos outros) e o acesso a mordomias (no Judiciário, 60 dias de recesso, motoristas particulares, automóveis públicos luxuosos, imóveis funcionais de primeira linha, pensões para filhas solteiras, etc) constituiriam nada menos do que um insulto à dignidade. São vistos por vários de seus beneficiários e por parte da sociedade, contudo, como expressões do mérito e como medidas necessárias “para se evitar a corrupção”.

No mundo privado, por óbvio, a situação não é diferente. Ela pode ser particularmente percebida a partir do sistema tributário: lucros e dividendos, que compõem a maioria da renda dos mais ricos, são pouco ou nada taxados; iates, helicópteros e aviões não sofrem incidência do IPVA; o percentual do PIB recolhido a partir de tributações ao patrimônio é cerca de dez vezes inferior ao observado em países desenvolvidos; o imposto sobre grandes fortunas ainda é uma ficção, e aquele cobrado sobre heranças possui uma das menores tarifas do mundo. Na mesma linha, vale citar o financiamento altamente subsidiado feito pelo BNDES ao empresariado – estratégia problemática não em si mesma, mas sim diante da escolha dos beneficiários em aplicar o dinheiro no mercado financeiro em vez de torná-lo produtivo. Não seria essa prática uma forma de corrupção? 

O grande ponto é que as gestões consideradas progressistas no Brasil atuaram, na melhor das hipóteses, de modo extremamente tímido no enfrentamento da desigualdade. Parece claro hoje que Dilma – e, principalmente, Lula – encararam como desafio nacional a eliminação da pobreza, jamais a mitigação da olímpica desigualdade. Se dados mais recentes (como as pesquisas de Marcelo Medeiros) apontam que a disparidade de renda no Brasil tem sido consideravelmente subestimada (e em patamar “estável”, e não em queda), há estudos (como os de Gubetti e Orair) que mostram como o Estado brasileiro tem contribuído para o aumento da desigualdade, dada a manutenção da distinção entre a previdência pública e a privada e, principalmente, a política de salários desenvolvida nos últimos anos a médios e altos funcionários do governo (não apenas os percebidos pela Magistratura e pela própria classe política, mas também para a assim chamada elite burocrática do Poder Executivo).

Para se ter uma ideia, enquanto a inflação acumulada entre 2002 e 2016 foi da ordem de 162%, a remuneração de carreiras como a de Especialista em Políticas Públicas e Auditor de Finanças e Controle subiu 393% (inicial de R$ 17 mil); a de Delegado da Polícia Federal, 187% (inicial de R$ 21,7 mil); a de Auditor da Receita Federal, de 547% (inicial de R$ 19,2 mil mais “bônus de produtividade” estimado em R$ 5 mil mensais, aprovado em Dezembro/2016). Há diversos outros exemplos. Os dados levantados pelos autores supracitados mostram que essa política salarial acaba por mais do que compensar o redistributivismo contido nas políticas assistenciais (Programa Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, etc). Em outras palavras, o Estado tem acentuado a já rampante desigualdade, e isso a partir de uma consciente política de valorização salarial de segmentos do funcionalismo – justamente em um dos únicos momentos da história política brasileira em que fomos governados por forças progressistas. 

Se houve algum caminho preventivo à corrupção que foi adotado como solução de política pública pelos governos progressistas no Brasil, pode-se defini-lo como o da promoção da transparência e do controle social 

Há que se dizer que essas medidas corresponderam ao estado da arte internacional no enfrentamento a esse problema – em boa medida Lula e Dilma implementaram parte substancial das convenções internacionais de combate à corrupção. Não há dúvida de que tais aspectos contribuem para que contornemos um pesado histórico autoritário por meio de medidas que aproximem Estado e Sociedade e, com isso, potencializem a geração de um “público”. Mas como tornar esse processo efetivamente sistêmico – capaz, portanto, de gerar mudança cultural – em vista da precariedade monumental de serviços públicos e de infraestrutura (inclusive Internet) que nos assola, apesar dos avanços institucionais das últimas décadas? Como também comenta Gunnar Stetler, “Se uma pessoa tem que lutar diariamente por sua sobrevivência para ter acesso à alimentação, à escola e a hospitais, a questão do combate à corrupção na sociedade certamente não estará entre seus principais interesses. Mas quando uma pessoa se sente parte da sociedade à qual pertence, passa a não aceitar os abusos do poder”. Por evidente, não se defende aqui que os hackatons, a Lei de Acesso a Informação ou os Conselhos de Políticas Públicas sejam “perfumarias”, apenas que são suportes – e não razões de ser – para uma política efetivamente sistêmica de combate à corrupção.

Há, no entanto, alguns cânones os quais, por intocados, obstaculizam o avanço do debate, particularmente a partir de uma perspectiva progressista. Um deles é o de que um caminho fundamental para o combate à corrupção no Brasil passa pela autonomização dos órgãos e agentes que praticam a justiça e defendem o patrimônio público. Qualquer questionamento que ataque esse lugar comum é naturalmente visto como uma defesa do patrimonialismo, do clientelismo ou de outras gramáticas políticas as quais, historicamente, foram empregadas para interpretar o país.

A questão é que esse caminho da meritocracia, da profissionalização do burocrata e da sua defesa como ator neutro no processo político (um dever ser ao longo do tempo convertido em análise factual) nem sempre foi o único concebível. Por um bom tempo, particularmente nos Estados Unidos, a chamada burocracia representativa vigeu como método para a ocupação dos cargos públicos do governo. Por trás desse paradigma se encontravam pressupostos como a ideia de que os postos deveriam ser preenchidos por cidadãos comuns, e que a composição da máquina pública com base nos diferentes interesses sociais que representavam a agenda do governante eleito exprimiria uma tecnologia gerencial ao mesmo tempo justa e coerente. Essa prática não era sinônima do “toma lá, dá cá”, simplesmente porque não se tratavam de negociatas ou de interesses divergentes a serem pactuados a partir de um cargo: o político e o funcionário não eram partes contrárias, mas agentes vetorizados à realização de um mesmo fim público. Por evidente, esse princípio operativo não afastava a corrupção, mas não era visto como sinônimo dela. Na verdade, esse sistema de espólio se inseria como o mecanismo de convergência possível entre burocracia e democracia à época, em meados do século XIX.

Foi principalmente com Woodrow Wilson que esses entendimentos foram transformados em nome da ideia de que política e burocracia precisam ser separados – questão que ensejou uma importante reforma administrativa nos EUA do século XIX e em praticamente todo o mundo desde então. Em vez de representação, o que informava esse novo modelo burocrático era a superioridade técnica, a meritocracia. Em paralelo, na medida em que não representavam interesses populares – pois não eram cidadãos comuns, mas sim experts – esses novos burocratas seriam neutros. Ao longo do tempo, essa neutralidade foi sendo associada ao republicanismo, sem se questionar a viabilidade em si de uma ação axiologicamente neutra, nem a real identidade entre um comportamento apolítico e uma práxis republicana. Por sinal, como comenta Cecília Olivieri em artigo sobre os controles políticos sobre a burocracia, no Brasil a relação entre política e burocracia sempre foi abordada pela literatura como sendo conflitante – nesse sentido, a autonomia dos burocratas aparece como um devir, uma estratégia a ser perseguida para se evitar a captura do Estado por interesses econômicos (ou políticos).

Foi justamente esse o encaminhamento dado pelas gestões Lula e Dilma aos setores burocráticos críticos do Estado brasileiro, notadamente aqueles voltados a combater a corrupção: prestígio e autonomização. Vimos anteriormente a extensão da política de valorização salarial adotada nos últimos anos; vale mencionar a realização de diversos concursos públicos – em oposição ao período FHC.

Outras marcas de valorização, como a nomeação de técnicos para postos-chave de Direção e Assessoramento Superior (até mesmo com a instituição de cotas mínimas de cargos a serem ocupados por servidores efetivos), a aprovação de denominações específicas como símbolos de distinção (“autoridade tributária” para Auditores Fiscais, “excelências” para Delegados da Polícia Federal, etc), também foram sancionadas nesse período. A autonomização, demanda constante dessas carreiras de Estado, também veio a cabo: listas tríplices para a seleção de Procuradores-Gerais do Ministério Público, de Diretores Gerais da Polícia Federal, entre outros cargos importantes; a desvinculação institucional da Defensoria Pública da estrutura do Poder Executivo Federal; a alocação prioritária de recursos para o desempenho de Operações Especiais, etc.

Por outro lado, essas medidas jamais foram acompanhadas por um eventual incremento do controle social sobre a burocracia. Ainda que nos governos do Partido dos Trabalhadores tenham sido desenvolvidas mais de uma centena de conferências e tenham sido criados dezenas de conselhos de políticas públicas, há que se observar que os esforços jamais estiveram direcionados para realizar accountability sobre os agentes públicos, especificamente. A alta burocracia permaneceu francamente autônoma e crescentemente empoderada. Por sinal, a disfunção entre as expectativas da literatura nacional e a realidade material atingiu seu auge quando o próprio Ministério Público, por meio de seus agentes, passou a liderar uma campanha nacional pela aprovação das supracitadas “10 medidas contra a corrupção”. O lobby pela aprovação de uma agenda que restringia direitos individuais em nome do aumento da capacidade discricionária dos próprios burocratas (uma forma de autonomização) converteu-se em “advocacy” legítimo aos olhos da mídia e de parte da sociedade.

De forma mais concreta, vimos na Operação Lava Jato o Judiciário, o Ministério Público e agentes da Polícia Federal, dentre outros, atuarem à margem da lei e em rechaço à Constituição – a qual os alçou, em sua origem, como alguns dos segmentos mais importantes a defendê-la (o que percebemos agora como um ímpeto corporativista, em face das prerrogativas e exclusividades a eles conferidas). Como razão para esses arbítrios, o “bem maior” do combate à corrupção. Sem respostas proativas, a esquerda apenas reforçou sua defesa da autonomia dos órgãos de defesa do Estado, do “apure-se o que tiver de ser apurado”, da integridade pessoal e moral da Presidenta da República (até hoje incontestável, frise-se). Ou seja, apenas seguiu adiante no caminho que acabou por levá-la à derrocada diante de uma direita muito mais articulada em evocar na esfera pública a moralidade particular como juízo.

Hoje, o Presidente da República, citado nominalmente em delações de executivos da Odebrecht, nomeia seu próprio Ministro como Ministro do STF – a julgar casos em que o próprio Chefe de Governo constará como réu –, e simplesmente não há freios e contrapesos institucionais ou “morais” para barrar essa agenda.

Talvez essa seja uma das marcas da fragilidade do legado das administrações petistas no combate à corrupção, justamente em virtude das crenças e das escolhas feitas: não reformar nevralgicamente as institucionalidades e as formas de produção dos espaços públicos, mas sim levar “ao limite” a agenda wilsoniana de profissionalização de certa burocracia.

Até encontrar, dada a inação na frente das reformas eleitorais e na frente da governabilidade, o paroxismo essencial: desenvolver e insular uma burocracia não-responsabilizável e corporativista para fiscalizar agentes políticos tão fundamentais à sustentação da base de apoio quanto versados na operacionalização da máquina “à moda antiga”. Não há legado possível aí porque nem a burocracia é neutra, nem qualquer administração mais “realista” virá a conceder o mesmo nível de independência funcional.

Quando se leva em conta a hipótese da fragilidade do republicanismo e da força constitutiva da desigualdade na formação da nossa sociedade, compreende-se quão perniciosa para o combate à corrupção é a ideia de se fortalecer e insular agentes e instituições. Se dar autonomia e salários astronômicos constituem formas de privilégio social, se os privilégios expressam o casamento entre desigualdade e corrupção, se a desigualdade brasileira é fator crucial para explicar a fragilidade dos espaços públicos, e se essa fragilidade cria obstáculos fundamentais para a produção de um desejo mínimo de equidade entre cidadãos, então transformar certos segmentos em “castas meritocráticas” parece ser a solução mais inadequada possível.

Pensar o combate à corrupção a partir de um ataque transversal à desigualdade e à injustiça tem o potencial de se constituir como um programa de governo e uma agenda de Estado possíveis para que os progressistas disputem a política institucional no contexto mais conservador das últimas décadas. Para tanto, a esquerda precisa de fato disputar o significado da corrupção, da ética e da justiça na realidade brasileira. Ela tem muito a dizer e a propor, mas precisa revisar seus conceitos e sua abordagem.

No fundo, o PT dos anos 80 e o PSOL de hoje, dentre outras forças relevantes, contiveram em seu ideário alguns elementos que dialogam com o proposto aqui. A declamação ética de agentes políticos desses partidos, contudo, é pontual, sem constituir uma agenda sistêmica: tratam de posturas individuais, de mandamentos, de comportamentos idealizados. Estão presas, na verdade, às moralidades mencionadas no início desse ensaio, ainda que eventualmente virtuosas.

É preciso ir além, propondo sistêmica e institucionalmente formas de transformação dos espaços públicos, nos domínios mais localizados (vizinhanças, parques, praças, igrejas, ônibus/metrôs, etc) e mais amplos (a grande política, as decisões judiciais, as políticas públicas, a produção da cidadania ativa etc). Trata-se de reverter com força o processo de abandono do público promovido pelo Estado ao longo dos últimos 30 anos – que deu vazão, como comentou Christian Dunker em entrevista recente para a BBC, a vazios ocupados pelo privatismo – favelas, condomínios fechados, prisões – ou meras zonas de passagem, marcadas por experiências vazias de sentido. É preciso, para isso, acreditar que a gestão pública um campo privilegiado para a produção, viabilização e potencialização de experiências de dignidade, de realização das capacidades humanas, de civismo. Algo que, lamentavelmente, boa parte da esquerda também se furtou de elaborar, preservando as velhas crenças positivistas sobre a neutralidade da técnica.

Não há como não desempenhar tais tarefas históricas sem disputar profundamente o significado da corrupção no Brasil, sem deixar de afirmar e comprovar que a corrupção é uma manifestação da desigualdade, e que a desigualdade é, sim, uma manifestação da corrupção – e isso não é uma tautologia, mas sim um círculo vicioso, que nos aponta para a profundidade do nó górdio em questão. Acreditar nessa conexão é permitir ao campo progressista ir além na crítica à meritocracia como um fim em si mesmo – ninguém pode ser bom o bastante para ser socialmente tão mais prestigiado do que os demais – e na compreensão de que o compromisso com a equidade e com a isonomia devem ser inegociáveis – meia-justiça, afinal de contas, nunca significou menos do que uma injustiça em dobro.

Sérgio Roberto Guedes Reis é mestre em Políticas públicas pela FGV e bacharel em Relações Internacionais pela USP. Atua no serviço público federal brasileiro desde 2012, como Auditor de Finanças e Controle.

GGN/Justificando, por Sérgio Guedes Reis