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quinta-feira, 6 de junho de 2019

O MITO DA “DESTRUIÇÃO CRIADORA” E DO RENASCIMENTO POLÍTICO, POR LUIS NASSIF

Em artigo na Folha de S. Paulo, Fernando Schüller esbanja uma segurança invejável em relação ao que vem pela frente.
Em relação ao modelo político há duas certezas: esgotou-se o modelo político pós-redemocratização; e ninguém consegue garantir o que virá no vácuo que se formou.
No entanto, em artigo na Folha de S. Paulo, Fernando Schüller esbanja uma segurança invejável em relação ao que vem pela frente.
Constata ele que o presidencialismo de coalizão se tornou disfuncional. Antes disso, diz ele, vingou porque era ao gosto da tradição centralizadora brasileira, que só concebe a dinâmica política a partir do mando presidencial.
Atribui ao modelo uma espécie de fracasso total do país pós-redemocratização. Ignora os avanços ocorridos na área de direitos sociais, de inclusão social, em alguns setores da economia. Ignora a enorme renovação proporcionada pelas sucessivas mudanças de governo – da abertura de Fernando Collor, à desregulação de Fernando Henrique Cardoso ao desenvolvimentismo social e econômico de Lula.
E ignora, sobretudo, que a ausência de grandes reformas sociais não se devia ao poder do príncipe, mas justamente à falta de poder de um presidencialismo claudicante – que derrubou ou inviabilizou quase todos os presidentes eleitos pós-redemocratização.
O Brasil teve uma pequena experiência parlamentarista, na qual o poder do Congresso significou a imobilização ampla do governo. Sugiro a leitura da biografia de Walther Moreira Salles, no capítulo referente ao governo Jango.
Diz ele que, agora, ocorre a destruição criadora e crava as fichas no novo modelo que emergirá: o sistema de co-responsabilidade, no qual o poder do presidente será dividido com o Congresso.  
“O governo permanece como propulsor mais relevante da agenda política, mas abre mão da tutela e cede espaço a novos atores. Forma maiorias, mas o processo deixa de ser automático. É assim que caminha a reforma da Previdência”.
Aí se entra em um enorme desafio intelectual, de tomar como o novo normal o quadro político atual, com todas suas extravagâncias.  O quadro atual tem um conjunto de condicionantes específicos do momento atual:
Um presidente sem a menor noção econômica, política ou social. Como seria com um presidente articulado, com ideias claras?
Um parlamento sem partidos políticos. Ou a “corresponsabilidade” se fará sem partidos políticos, como agora, e com bancadas temáticas.
O debate político interditado, com a prisão do principal porta-voz da oposição, Lula.
O grupo hegemônico reunido em torno da bandeira única do antilulismo. Até quando resistirá?
Ora, tem-se uma realidade dinâmica, com um enorme conjunto de variáveis imprevisíveis. Mesmo assim, o autor teima em definir o que ele chama de “novo modelo”. Recorre a um truque retórico comum aos acadêmicos: cria a caricatura de dois opostos, o governo e a oposição, e coloca a sua hipótese como centro virtuoso.
O novo modelo se afasta de duas visões comuns em nosso debate. Uma delas, comum no governismo, aposta no chamado “going public”, na ideia algo mística de que o líder popular possa, com a pressão social, derrotar o sistema (seja isto o que for).
Outra, popular na oposição, profetiza o abismo a cada deslize do governo e sugere que estejamos sob o risco de um presidencialismo plebiscitário, autoritário e destinado ao fracasso.
Não se tem a menor ideia de como se comportaria o sistema político com outro tipo de presidente, nem se tem a menor ideia de como irá se refazer o sistema partidário, com o advento dos YouTube e a desmoralização dos partidos tradicionais.
Mesmo assim, Schüller preconiza que o novo modelo será o “sistema de corresponsabilidade”, embora confesse que é “um sistema cujos contornos ainda não conhecemos exatamente”.
No trecho seguinte, substitui a certeza inicial por um “por ora”.
“O que ele faz, por ora, é abrir espaço ao protagonismo compartilhado, que por certo reforça a autonomia do Parlamento. Algo bem expresso na reiteração de Paulo Guedes, no Congresso: o poder é dos senhores, assumam a responsabilidade”.
Depois de todas essas certezas, Schüller recorre a um recurso jurídico conhecido, o SMF, “salvo melhor juízo”. SMJ, ele recorre ao salva vidas de todo teórico: o “suponhamos que”.
No mundo ideal, nosso presidente poderia combinar o pragmatismo de Angela Merkel com o charme intelectual de Obama. E a oposição, quem sabe, poderia ser liderada por Lord Anthony Giddens, direto da sala de chá do palácio de Westminster. 
Não temos nada disso. O presidente é Bolsonaro e a oposição é o que sabemos que é. Não voltaremos ao passado e não veremos um rolo compressor governista no comando do Congresso. Se isso é ruim ou não, cada um pode julgar. Digo apenas que, para quem imaginou que nos tornaríamos uma autocracia, pode não ser má ideia que o país avance sob um sistema bem estabelecido de freios e contrapesos e compartilhamento de responsabilidades.
Logo, SMJ, desconsiderem-se todas as hipóteses anteriores sobre a nova era que surgirá da destruição criadora.
Assine e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
Do GGN

quinta-feira, 23 de maio de 2019

CORRUPÇÃO DO CLÃ DEVE SER “MUITO GRAVE” PARA BOLSONARO PROMOVER AUTOGOLPE, DIZ ELIANE BRUM

Para escritora e colunista do El País, Bolsonaro não governa para a Nação, mas para o próprio clã, formado por família e seguidores. E é para defender o clã que quer aumentar o próprio poder.
Deve ser “muito fundo e muito grave o que os investigadores poderão encontrar, caso não forem impedidos”, no inquérito contra Flávio Bolsonaro. É possível que a suposta corrupção do zeroum não tenha ficado restrita ao gabinete, estendendo-se a outros membros do clã Bolsonaro. É o que explica o “antipresidente” Jair querer colocar as tropas de “bolsocrentes” nas ruas. A avaliação é da jornalista e escritora Eliane Brum, em artigo no El País.
“Bolsonaro não é um presidente, mas sim um chefe de clã na presidência”, afirma a jornalista. “O que o domingo mostrará é quantos crentes o clã Bolsonaro conseguirá mover na tentativa de barrar as investigações do filho zeroum.”
Na visão da escritora, Bolsonaro pode até tentar argumentar que não consegue governar com instabilidades causadas pelas instituições, incluindo Congresso e Judiciário. Mas a verdade é que apenas Bolsonaro impede Bolsonaro de governar para a Nação. Em cinco meses no poder, fez gestos apenas em favor de seu clã, que envolve familiares e seguidores.
“O autogolpe está em andamento não porque o projeto de Bolsonaro para o país está ameaçado. E sim porque o projeto de Bolsonaro para o seu próprio clã está ameaçado. Primeiro pelas investigações que, se não forem barradas, possivelmente alcançarão outros membros do clã. Como impedir então que as investigações continuem? Pelo golpe. Botando os crentes na rua para, como eles próprios gritam nas redes sociais, fechar o Congresso e fechar o STF, a instância máxima do judiciário.”
“Não há ninguém impedindo Bolsonaro de governar para o país, além dele mesmo e de seu clã. A questão é que eles nunca quiseram governar para o país, porque a nação não lhes interessa. O que eles sempre quiseram foi governar para o clã e, assim, transformar o território da nação no território do clã. Agora o clã está ameaçado porque as instituições democráticas funcionam mal, mas ainda funcionam. Funcionam o suficiente para investigar se o filho zeroum cometeu os crimes dos quais é suspeito e apurar quem mais está envolvido”, complementou.
Do GGN

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

XADREZ DA TOLERÂNCIA ZERO COM O ESTADO DE EXCEÇÃO, POR LUIS NASSIF

Movimento 1 – as hipóteses de trabalho

Para tornar mais objetiva a análise vamos definir um conjunto de evidências prévias:
Evidência 1 – Jair Bolsonaro é um defensor do estado de exceção. Ponto. Havendo condições, implantará o Estado de Exceção em um país em que já se quebrou a mística da democracia estável que existia desde a Constituição de 1988.
Evidência 2 – Bolsonaro já apontou os movimentos populares como alvo de repressão. As mudanças em andamento na legislação, tentam enquadrar toda manifestação social na categoria de terrorismo.
Evidência 3 – antes mesmo de assumirem, os governadores eleitos de São Paulo e Rio de Janeiro já acenaram com um liberou geral para a violência policial em alta escala – com autorização para matar. Há perspectiva de massacres continuados e legalizados nas duas maiores cidades brasileiras.
Evidência 4 – o estado de exceção já está disseminado pela sociedade brasileira, na atuação concatenada de juízes e procuradores, na explosão de violência nas ruas e nas redes sociais, no avanço das milícias nas periferias das grandes cidades e favelas, nos abusos da Lava Jato. Ou seja, está fincada em uma base ampla da opinião pública.
Movimento 2 – a defesa inicial da democracia
Nos primeiros dias após as eleições, eclodiram abusos, mas, por outro lado, manifestações amplas em defesa da democracia. Advogados criminalistas organizaram comitês em defesa das futuras vítimas, a Procuradoria Geral da República tomou medidas contra as invasões de universidades, procuradores atuaram em vários estados contra tentativas de intimidação de professores, houve protestos generalizados contra as ameaças de Bolsonaro à Folha de São Paulo. E até o Ministro Luís Roberto Barroso anunciou que o STF estará coeso em defesa das minorias.
Democracia salva? Nem tanto.
Movimento 3 – como agem os ditadores
Sobre as estratégias de destruição das democracias, há um levantamento precioso no livro “Como as democracias morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblat.
Dizem eles:
A erosão da democracia acontece de maneira gradativa, muitas vezes em pequeníssimos passos. Tomado individualmente, cada passo parece insignificante – nenhum deles aparenta de fato ameaçar a democracia. Com efeito, as iniciativas governamentais para subverter a democracia costumam ter um verniz de legalidade. Elas são aprovadas pelo Parlamento ou julgadas constitucionais por supremas cortes. Muitas são adotadas sob o pretexto de diligenciar algum objetivo público legítimo – e mesmo elogiável –, como combater a corrupção, “limpar” as eleições, aperfeiçoar a qualidade da democracia.
O livro lista uma série de medidas possíveis de serem tomadas, de acordo com as regras democráticas.
A democracia tutelada
Segundo os autores, na maioria das autocracias contemporâneas, não se eliminam todos os traços de dissensão. A estratégia consiste em marginalizar jogadores importantes, como políticos de oposição, lideres empresariais simpáticos à oposição, meios de comunicação, figuras culturais que desfrutem de status moral público. Ou se impede sua participação ou se recorre a subornos, oferecendo cargos públicos favores e outras prerrogativas.
A compra dos “árbitros”
Para tanto, é relevante o que os autores chamam de “a compra dos árbitros”, no caso instituições jurídicas e policiais. Autoridades fazendárias podem ser acionadas para atacar políticos, empresas e meios de comunicações críticos. A polícia poderá reprimir violentamente manifestações de oposição ao governo, ao mesmo tempo em que tolerará violências perpetradas por assassinos pró-governo, dizem os autores.
(...) Enquanto ditadores da velha guarda costumavam prender, exilar ou até matar seus rivais, os autocratas contemporâneos tendem a esconder sua repressão debaixo de um verniz de legalidade. É por isso que capturar os árbitros é tão importante.
O suborno e da chantagem
Um dos casos relatados foi o do Peru, no período Alberto Fujimori, o presidente eleito em 1990 que, depois, se converteu em ditador.
Seu braço direito, Vladimiro Montesinos, do Serviço Nacional de Inteligência, se valeu de todos os expedientes para enquadrar recalcitrantes. Gravou vídeos de políticos, juízes, congressistas, empresários, jornalistas, pagando ou recebendo subornos. Antes da implantação da ditadura, filmou autoridades em bordéis e outras atividades ilegais. Em sua folha de pagamento mantinha três magistrados da Suprema Corte, dois membros do tribunal Constitucional e um número “inacreditável” de juízes e promotores públicos. No final dos anos 90, toda rede de televisão relevante, jornais diários e tabloides populares estavam na folha de pagamento do governo. Na superfície, o Peru parecia viver uma democracia.
No Brasil pré-impeachment, já havia suspeitas de tentativas de chantagem contra três Ministros do STF.
A perseguição aos adversários
Um resultado direto da “compra de árbitros” é o poder de condenar oposicionistas. A condenação e prisão de Lula não é um episódio isolado. No final dos anos 90, na Malásia, o primeiro-ministro Mahatir Moahamad usou força policial para prender e condenar o oposicionista mais relevante, Anawar Ibrahim, sob acusação de sodomia.
Na Venezuela, Leopoldo López, líder da oposição, foi preso e acusado de “incitação à violência” durante a onda de protestos contra o governo em 2014. Sem comprovação maior, alegou-se que a incitação havia sido “subliminar”.
As mudanças constitucionais
Outra maneira de implantar o estado de exceção é através de mudanças constitucionais, no sistema eleitoral ou nas cortes superiores.
Em 2002, na Malásia, para impedir a vitória da oposição, as autoridades redesenharam os distritos eleitorais, contrariando as tendências demográficas, reduzindo o número de cadeiras em regiões dominadas pela oposição.
Em 1999, o governo Hugo Chávez convocou eleições para uma Constituinte, concedendo a ela mesmo o direito de dissolver todas as demais instituições do Estado, incluindo a Suprema Corte. Ministros temerosos decretaram tentaram contemporizar a decretaram a iniciativa como constitucional. Dois meses depois, a Suprema Corte foi dissolvida e substituída por um novo Tribunal Supremo de Justiça.
A ação contra os carteis midiáticos
A parte mais vulnerável dos cartéis midiáticos são as ações fiscais. Gozando de plenos poderes no período que antecede as ditaduras, acabam se enrolando em manobras fiscais que, mais tarde, voltam-se contra eles próprios. É o caso das vulnerabilidades fiscais e penais (caso FIFA) das Organizações Globo.
Na Turquia, o conglomerado Doğan Yayin controlava 50% do mercado de mídia, o jornal mais lido do país, o Hurriyat, e vários canais de televisão. Em 2009, o governo o multou em quase 2,5 bilhões de dólares – mais do que o patrimônio líquido da empresa – por evasão fiscal. O grupo foi obrigado a vender grande parte de seus veículos, comprados por empresários favoráveis ao governo.
Na Rússia, Putin mandou prender Vladimir Gusinsky, dono de uma rede de TV independente, por “apropriação financeira indébita”. Foi-lhe oferecido a liberdade, em troca de abrir mão de sua rede, a NTV.
O mesmo ocorreu com o bilionário Boris Berezovsky, acionista controlador da emissora de televisão ORT. Quando passou a incomodar Putin, foi desenterrado um caso antigo de fraude e Berezovski foi preso, exilado, deixando o grupo nas mãos de um sócio minoritário, que “gentilmente os pôs à disposição de Putin”.
Na Venezuela, Chávez investigou as irregularidades financeiras cometidas por Guilhermo Zuloaga, dono da Globovisión. Precisou fugir do país para não ser preso e acabou vendendo a emissora a um empresário simpático ao governo.
Na Turquia de Erdoğan, as autoridades financeiras confiscaram o império industrial de Cem Uzan, o maior do país, por suas pretensões de lançar o Partido Jovem (PJ) e concorrer às eleições. Uzan fugiu para a França e seus grupo entrou em colpaso.
A segurança nacional
Há vários gatilhos que podem ser acionados para legitimar momentos de exceção. Em 1969, depois de reeleito presidente das Filipinas, Ferdinand Marcos passou a estudar situações que seriam propícias para prorrogar seu mandato. Em julho de 1972, Manila foi sacudida por uma série de atentados a bomba sem autoria definida.
Em seguida, houve uma aparente tentativa de assassinar o Secretário de Defesa, sendo responsabilizados “terroristas comunistas”. Implantou a lei marcial com palavras vãs: “Meus compatriotas … [isto] não é uma tomada militar do poder.” Garantiu 14 anos de ditadura.
Depois do 11 de setembro, dos atentados às torres Gêmeas, 93,55% dos norte-americanos aceitavam abrir mão de algumas liberdades civis para conter o terrorismo. Da mesma maneira que, na Segunda Guerra, o ataque contra Pearl Harbor levou a opinião pública a apoiar o confinamento de nipo-americanos em campos de concentração internos.
Depois que seu partido, o AKP, perdeu maioria parlamentar em junho de 2015, uma série de ataques terroristas do Estado islâmico permitiu a Erdoğan antecipar as eleições e retomar o controle do Parlamento, expurgando 100 mil juízes e funcionários públicos, fechando vários jornais e ordenando mais de 50 mil prisões.
Movimento 4 – as ameaças imediatas
Como se viu, um Presidente antidemocrático tem inúmeras possibilidades de atacar a democracia. E a estratégia usual é o desgaste diário, a soma de pequenas medidas, aparentemente irrelevantes, que acabam levando a desfechos autoritários.
Há alguns movimentos nítidos em direção ao arbítrio.
O Decreto nº 9.527, de 15 de outubro de 2018, assinado por Michel Temer, foi o passo mais ousado em direção à criminalização dos oposicionistas. Ele passa a tratar o crime organizado como uma questão de segurança nacional. E constitui uma força presidida pelo general Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional, constituída pelos serviços de inteligência da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, com o apoio da COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda), Receita, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Segurança Pública; Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Segurança Pública.
Entre causas relevantes, como os crimes cibernéticos e o terrorismo, o PNI (Plano Nacional de Inteligência) relaciona as seguintes ameaças à segurança nacional:
Interferência externa, que é a atuação deliberada de governos, grupos de interesse, pessoas físicas ou jurídicas que possam influenciar os rumos políticos do País com o objetivo de favorecer interesses estrangeiros em detrimento dos nacionais;
Ações contrárias à soberania nacional, que atentam contra a autodeterminação, a não-ingerência nos assuntos internos e o respeito incondicional à Constituição e às leis.
Utilizar essas definições para enfrentar ameaças externas reais ou criminalizar movimentos populares, ou manifestações de críticos, dependerá apenas dos limites que forem impostos pelo STF.
Esta semana, o senador Magno Malta (não reeleito) apresentou proposta para ampliar a Lei Antiterrorismo, incluindo na definição de crimes “coagir governo” a “fazer ou deixar de fazer alguma coisa, por motivação política, ideológica ou social”.
O superministério de Moro
O juiz Sérgio Moro é um ativista político que já demonstrou várias vezes pretender ultrapassar os limites da legalidade – como ocorreu com o vazamento das conversas de Dilma Rousseff e Lula, a detenção de jornalista crítico e liberando depoimentos de Antônio Palocci nas vésperas das eleições. E, agora, aceitando o convite para ser Ministro do candidato beneficiado por suas ações.
Indicado Ministro, terá sob sua supervisão a Segurança Pública (e a Polícia Federal), a Secretaria de Transparência e Combate à Corrupção, a Controladoria-Geral da União (CGU) e Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). 
Se, de fato, acredita poder mudar o mundo com o direito penal, em pouco tempo terá embates grandiosos com Bolsonaro.
Se, ao contrário, embarcou no projeto de poder de Bolsonaro, se verá investido de um formidável poder intimidatório, valendo-se do poder do Executivo para disseminar denúncias contra críticos, ações contra Universidades (escudados nos pareces da CGU), investidas contra movimentos sociais.
Movimento 5 – a tolerância zero contra o arbítrio
Nas últimas semanas, três instituições acordaram para os riscos da escalada do arbítrio: a Procuradoria Geral da República e o Ministério Público Federal, o Supremo Tribunal Federal e a mídia mainstream. Há sinais de que o Alto Comando das Forças Armadas tem preocupação em relação aos riscos para a disciplina militar desse liberou geral de Bolsonaro, que tem muita ressonância nos escalões de baixo.
STF e PGR poderão agir apenas nos temas coletivos. Na base, haverá uma escalada de violência, em denúncias judiciais ou, pior, em violência explícita contra movimentos populares e contra pobres e negros de periferia.
Mais que nunca, a informação passa a ter uma função civilizatória, alertando não apenas a opinião pública informada, mas os organismos internacionais, a imprensa internacional, os tribunais superiores.
É hora de ver se o jornalismo e os tribunais se mostram, finalmente, à altura de suas responsabilidades.
GGN

domingo, 29 de julho de 2018

O AUTOENGANO DO CARTESIANO ORTELLADO, POR WAGNER ROMÃO

O texto de Pablo Ortellado publicado na Folha de S. Paulo no último sábado busca desvendar a “narrativa” do golpe, pela qual o PT teria cooptado a militância de esquerda em defesa do legado lulista. Por esta “narrativa”, segundo Ortellado, se tenta “interpretar todo o processo político recente como uma orquestração conservadora contra os avanços sociais dos governos de esquerda”. 
O álibi de Ortellado é a crítica ao programa apresentado nesta semana, “gasto e limitado (…) muito aquém da urgência social imposta pela desigualdade brasileira”, “muito parecido com o que praticou (o PT) nos anos 2000
No texto, nenhuma palavra sobre o conteúdo do programa do PT. Nada sobre a necessidade expressa de um programa emergencial para sairmos da crise econômica e voltarmos a buscar o pleno emprego. Nada sobre a reforma tributária com olhos para justiça social e distribuição de renda e riqueza. Nada sobre a necessidade de se aumentar o crédito barato às famílias. Nada sobre o resgate da soberania nacional e uma política externa altiva e ativa. Nada sobre a democratização dos meios de comunicação de massa. Nada sobre o combate aos privilégios. Nada sobre a necessidade de um processo Constituinte que possa fazer o Brasil avançar, não andar para trás. Nada, enfim, sobre a revogação das medidas do governo golpista.
A narrativa de Ortellado não faz concessões à disputa política a sangue quente. Sua racionalidade é plana, cartesiana, pretensamente ingênua em sua busca da verdade e denúncia de “narrativas” enganadoras e que falseiam os fatos.
A Lava Jato apenas teria cumprido seu papel de desvelar a corrupção na Petrobrás, e não se transformara em um instrumento de perseguição política com suas suspeitas delações e sua heterodoxia judicial.
Dilma teria sofrido um impeachment por ter um “movimento de massas” em seu encalço, como se as massas trajadas com as caras camisas da CBF fossem justiceiras com todos os corruptos, de maneira apartidária e apolítica.
Dilma teria perdido o controle do Congresso por pura incapacidade política, sem que haja uma única frase que considere as circunstâncias do processo político no Congresso pós 2013 e sobretudo em 2015, com a eleição de Eduardo Cunha. Como se Dilma pudesse ter “cooptado” o Congresso, assim como Ortellado acusa o PT de o fazer com a militância de esquerda.
É como se o PT jogasse sozinho. Como se não houvessem outros atores no jogo. Como se estes agentes não percebessem a janela de oportunidade aberta - a real fraqueza política do governo em 2015 - e provocassem o golpe. Como se Aécio e o PSDB não tivessem atuado, desde as primeiras horas após a derrota eleitoral para vencer no tapetão. Como se Temer e Jucá não tivessem atuado deliberadamente pela solução golpista.
A narrativa do “combate à corrupção” tem sido utilizada pelos adversários políticos do PT para dizima-lo e mesmo que diversas figuras públicas petistas tenham reconhecido que, sim, houve erro e má conduta com o dinheiro público nos governos petistas, permanece a sanha por vincular corrupção ao petismo. Essa é a “narrativa”, caro Pablo, que venceu até aqui. 
A ação desencadeada pelo PT em meio ao golpe foi e é uma estratégia política de sobrevivência em um meio e uma conjuntura absolutamente hostil. Se não houvesse algum fundamento na “narrativa” petista, Lula não seria campeão de intenções de voto e com risco a vencer as eleições no primeiro turno. 
Os limites, os equívocos e as vitórias do petismo ao longo dos governos Lula e Dilma se devem ao próprio petismo, mas não só. Devem-se também ao modo como funcionam as instituições políticas do país e ao modo como reagiram seus adversários e seus aliados de ocasião, algo próprio do mundo da política realmente existente.
Ortellado expressa uma visão que faz a crítica da “narrativa” petista sem que se pesem os retrocessos ocorridos após a destituição de Dilma. Hoje, os grupos que mandam no país não mais têm que lidar com o PT à frente do poder executivo federal. Pode ser pouco para Ortellado, que elabora sua crítica sob o manto de um pseudo-descortinamento da realidade que não considera os percalços e aprendizados do experimentar a política. Mas o povo pé-no-chão que quer Lula e o PT de novo no poder sabe muito bem o que está em jogo nestas eleições.
Wagner Romão é professor de ciência política da Unicamp
Do GGN

quarta-feira, 11 de julho de 2018

FAVRETO FOI QUEM MENOS ERROU, EM TERMOS DE COMPETÊNCIA, DIZ EX-MINISTRO DIPP

Antônio Cruz/Agência Brasil
Para o ex-corregedor nacional de Justiça Gilson Dipp, sucessão de decisões não deve ser tema para o CNJ.
“A cena mais patética que eu jamais vi em todo o Judiciário”. Esta é a avaliação do ex-ministro Gilson Dipp, que foi vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e corregedor nacional de justiça no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sobre o imbróglio causado pela sucessão de decisões envolvendo um pedido de habeas corpus apresentado por deputados petistas para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em entrevista ao JOTA, Dipp – que foi presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, centro do episódio deste domingo (08/7) – se disse “chocado”. “Sem apontar qualquer culpa de ninguém, mas foi um processo altamente politizado. E agora a gente sabe quem é quem”.
Na avaliação do ministro aposentado, “quem menos errou, em termos de competência”, foi o desembargador federal Rogério Favreto, que cumpria o plantão judiciário. “Apesar de eu não concordar no conteúdo com a tese dele, porque não havia urgência, ele resolveu e estava no direito, tinha competência para tanto.”
Para ele, contudo, não cabe ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entrar no mérito do episódio. “O CNJ não é um órgão judicial, é um órgão administrativo disciplinar do judiciário. Aqui se tratam de várias decisões judiciais, mesmo que quase todas formuladas de modo irregular”, explicou.
Dipp afirma que “o precedente básico é que o CNJ não pode rever decisões judiciais”.
Leia a íntegra da entrevista concedida ao JOTA:
JOTA: Como o senhor avalia a confusão de decisões envolvendo o pedido de habeas corpus em favor do ex-presidente Lula?
Gilson Dipp: Confusão não, foi a cena mais patética que eu jamais vi na minha vida em todo o Judiciário. Tudo isso me choca muito porque esse imbróglio foi feito no tribunal de onde sou egresso e do qual fui presidente. Sem apontar qualquer culpa de ninguém, mas foi um processo altamente politizado. E agora a gente sabe quem é quem. Eu sou amigo dos quatro [Favreto, Moro, Gebran Neto e Thompson Flores].
JOTA: O desembargador Favreto tinha competência para conceder o habeas corpus a Lula?
Dipp: O ato do desembargador Favreto tinha competência? Claro. Todo mundo sabe que no plantão os advogados, e isso faz parte do jogo, escolhem um plantonista. Agora mesmo há a discussão se a Cármen Lúcia vai ser presidente [do STF] ou não durante o recesso. É isso aí. Escolheram um sujeito que tinha maior possibilidade ideológica. Ele estava na sua plena competência. Era o juiz plantonista indicado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Naquele momento ele representava o tribunal.
JOTA: O desembargador Favreto poderia examinar a liminar?
Dipp: Poderia, e fez isso. Eu posso não concordar com o teor, o conteúdo da decisão judicial. Basicamente porque não há nenhuma urgência ou nenhum fato novo que implique em um exame da matéria num domingo, sendo que no dia seguinte o relator da apelação originária já estaria trabalhando. Então a decisão do Favreto foi uma decisão fundamentada de acordo com a sua convicção, com seu entendimento. E isso faz parte do livre convencimento do juiz. Queiram-se, concorde-se ou não. Eu não daria no mérito essa decisão, mas ela é legítima, o desembargador tem competência e é uma decisão judicial. Plantonista é instrumento do tribunal.
JOTA: Como o senhor avalia a atuação do juiz Sérgio Moro, que estava em férias?
Dipp: Ele se manifestou em um momento inapropriado. Porque no caso da liminar ele seria ouvido. Pela lei, tanto a autoridade coatora quanto o MPF são ouvidos em um prazo de cinco dias. Ele, no entanto, atravessou um despacho questionando a competência de um superior hierárquico seu. Afirmou falta de competência, afirmou que falou com o presidente do tribunal, afirmou que teria que ouvir o relator. Nada disso poderia ter sido feito.
JOTA: O relator originário da apelação, desembargador Gebran Neto, agiu corretamente?
Dipp: Quem tinha jurisdição naquele momento era o desembargador plantonista. Ele [Gebran Neto] num domingo, tendo alguém representando o tribunal-  e quem representava era o Favreto – convoca para si o processo e manda suspender o alvará de soltura do Lula. Juiz de igual hierarquia. Ambos desembargadores do TRF4. Um determina o contrário do outro. Isso não poderia haver.
Decisão judicial ruim, errada ou teratológica se reforma segundo a lei e a Constituição pelos recursos cabíveis e pela autoridade hierarquicamente cabível.
JOTA: E a decisão do presidente do tribunal, desembargador Thompson Flores?
Dipp: A meu ver, apesar de ter resolvido a questão que deixou todo mundo em polvorosa, a competência para dirimir matéria jurisdicional em conflito não é do presidente do tribunal. Presidente do tribunal administra, assina orçamento, presidente sessões, decide suspensão em segurança – o que diz respeito à ordem pública, economia, saúde pública, o que não era o caso, já que aqui é matéria penal. Então, ele suprimiu também ou o plenário do TRF ou a competência do STJ. Foram erros e irregularidades seguidos.
JOTA: A decisão do desembargador Favreto estava errada?
Dipp: Quem menos errou aí, em termos de competência, em termos de processo penal, foi o desembargador Favreto, apesar de eu não concordar no conteúdo com a tese dele, porque não tinha urgência. E a questão está sendo examinada pelas instâncias superiores. Não dá para decidir isso num domingo. Mas ele resolveu, e ele estava no direito, tinha competência para tanto, resolveu enfrentar a questão. E no caso do HC o recurso não se confunde totalmente com a apelação no mérito, aquela que está sendo julgada pelo tribunal, e que tem recursos no STF e no STJ. O HC tem particularidades, é uma medida constitucional que tem particularidades, que foram desenvolvidas ali naquele HC. Certo ou errado, não interessa.
JOTA: O que as decisões conflitantes a respeito do habeas corpus impetrado por deputados a favor do ex-presidente Lula mostram?
Dipp: Tudo isso deixa ver uma politização escancarada do Judiciário. Um imbróglio que veio a acontecer num momento inadequado, nas eleições. Tudo aconteceu porque existe um nome na capa do processo: Luiz Inácio Lula da Silva.
O tribunal não está fazendo mais do que receber uma educação inadequada do STF, onde esses conflitos são diários entre ministros, entre turmas
Cada um com uma decisão disparatada. É que nem pai. Pai dá exemplo para o filho, e isso aconteceu por erro de avaliação do filho sobre aquilo que é certo ou não no pai.
JOTA: Desde domingo, o CNJ recebeu seis pedidos de providência para que seja apurada a conduta de Rogério Favreto de conceder habeas corpus e mandar soltar o ex-presidente Lula durante o plantão judicial do TRF4. Outras três representações têm como alvo o juiz federal Sérgio Moro. O CNJ deve analisar estes pedidos?
Dipp: Para mim, todas essas decisões foram decisões jurisdicionais. Certas ou erradas. E sendo decisões jurisdicionais podem ser atacadas pelo recurso cabível em matéria processual penal da legislação. Não se trata de infração disciplinar que mereça a atenção do CNJ. Houve um fundamento na decisão. O CNJ não é um órgão judicial, é um órgão administrativo disciplinar do Judiciário. Aqui se tratam de várias decisões judiciais, mesmo que quase todas formuladas de modo irregular.
JOTA: Um dos pedidos foi assinado por 100 procuradores e promotores que requerem o “afastamento liminar do citado Desembargador Federal [Favreto], haja vista a ordem ilegal decretada em afronta à decisão unânime do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, referendado pelo Plenário do STF”.
Dipp: Tudo isso é falta de conhecimento da atribuição do CNJ, da sua competência. O precedente básico é que o CNJ não pode rever decisões judiciais. Os dois fatos que mais chamam atenção são a atitude do Sérgio Moro e do relator de atravessar, num domingo, um processo em que ele tem competência, mas não naquele momento. Isso é teratológico, irregular, mas eles bem ou mal fundamentaram juridicamente suas posições. Veja que o próprio desembargador Thompson Flores usou fundamentos basicamente externados pelo Gebran. São sim decisões judiciais extemporâneas, erradas. Mas tudo se reforma através dos recursos cabíveis, e pela autoridade competente hierarquicamente para modificar ou manter a decisão. O CNJ não tem atribuição para tanto, salvo se, e aí de maneira grosseira, toda decisão judicial reclamar uma providência disciplinar, o que termina com o sistema e faz com que o CNJ acabe não sendo mais o órgão criado para zelar pelas suas atribuições. Existem muitas decisões dizendo que o CNJ não pode rever decisão judicial.
Mariana Muniz – Repórter em Brasília
Do Jota/GGN

sábado, 14 de abril de 2018

XADREZ de como, COM JEITINHO, Barroso BENEFICIOU o ITAU

Começa a ficar mais clara a intenção do Ministro Gilmar Mendes quando, no bate-boca com o colega Luis Roberto Barroso, acusou-o de beneficiar seu antigo escritório de advocacia.
Barroso era titular do escritório Luis Roberto Barroso & Associados. Quando assumiu o STF (Supremo Tribunal Federal) em 2013, o sucessor do escritório foi Barroso, Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados, do seu sobrinho Rafael Barroso Fontelles.
Cena 1 – Barroso se declara vítima de distração
No dia 14 de março passado, três órgãos da imprensa procuraram o gabinete do Ministro Luís Roberto Barroso, com a informação de que teria favorecido o Banco Itaú em uma ação cujos advogados eram do escritório de seu sobrinho, sucessor do seu próprio escritório.
A ação visava excluir o ICMS/ISS do PIS/COFINS, reduzindo a dívida do banco.
Para o site “O Antagonista”, Barroso declarou o seguinte:
A área técnica do seu gabinete, “sem que ele soubesse”, deu aval a essa ação.
“Jamais atuei em qualquer processo que fosse patrocinado por meu antigo escritório. Não chego nem perto e até saio do Plenário quando algum processo entra em pauta”.
Mesmo antes do novo Código de Processo Civil, havia no meu gabinete a orientação, por motivo de foro íntimo e não por impedimento legal, de não atuar em casos do Banco Itaú e do Google, por terem sido meus clientes antes de me tornar ministro.
Apesar da solicitação feita à presidência de que não me fossem distribuídos processos dessas partes e do próprio controle interno do meu gabinete, o Gabinete atuou em alguns poucos casos dessas duas empresas, que escaparam ao filtro, em recursos apresentados antes de 2016.
Lembro que o Gabinete recebe a média de 7 mil processos por ano. Nunca, porém, atuei em casos dessas empresas levados ao Plenário ou à Turma. Só houve atuação do Gabinete, em raríssimos casos, em decisões padrão produzidas pela Assessoria.”
O assunto não entrou nas pautas dos jornais, nem acompanhado dos esclarecimentos de Barroso. A história é bem mais que um mero caso de distração de Barroso.
Guardem bem o que disse, para confrontarmos mais adiante com os fatos.
Cena 2 - a 1ª rodada do RE (Recurso Extraordinário) do Itaú
Em 2015, depois de ter seu pedido negado no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o Banco Itaú ingressou com um Recurso Extraordinário no STF.
No dia 22.06.2015 o RE foi distribuído para o Ministro Barroso. No dia 05.08.2015, Barroso deu parcial provimento ao recurso extraordinário. Decretou como indevida a cobrança majorada do PIS na redação da Emenda Constitucional no.17.1997, antes de decorridos 90 dias contados da publicação da emenda.
Disse ele:
“A pretensão merece ser parcialmente acolhida. De início, cumpre registrar que o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência de ambas as Turmas desta Corte no sentido de que a Medida Provisória no 517/1994 apenas dispôs sobre deduções e exclusões da base de cálculo da contribuição ao PIS, não dispondo sobre o Fundo Social de Emergência”.
Na sequência, Barroso declarou a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n. 17/1997 na sua forma original, garantindo o êxito dos interesses do Banco Itaú, sem submeter à avaliação da Turma ou do Plenário do STF.
Não há a menor condição de uma sentença questionando uma Emenda Constitucional tenha saído da área técnica do gabinete de um Ministro do Supremo.
Releia suas explicações acima:
“Mesmo antes do novo Código de Processo Civil, havia no meu gabinete a orientação, por motivo de foro íntimo e não por impedimento legal, de não atuar em casos do Banco Itaú e do Google, por terem sido meus clientes antes de me tornar ministro”.
Por que a menção ao novo Código de Processo Civil? Porque este estabelece impedimento do juiz, “quando a parte é cliente do escritório de advocacia de parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório”.
Vamos conferir o que ocorreu depois que o novo Código de Processo Civil entrou em vigor.
Cena 3 – Barroso após o novo Código de Processo Civil
O Itaú apresentou  um agravo regimental, recurso que obriga a apreciação da matéria pela Turma, a não ser nos casos em que o Ministro relator reconsidere o voto dado.
No dia 11.05.2016, em decisão monocrática (sem consultar o plenário), Barroso não apenas reconsiderou, como ampliou a decisão anterior, conferindo integral provimento ao recurso do Banco Itaú.
Conforme disse no voto, “reconsidero a decisão agravada para modificar a parte dispositiva reconhecendo o provimento integral do recurso extraordinário”.
O novo Código de Processo Civil já estava em vigor.
Anda que fosse legalmente obrigado a se declarar impedido, o Ministro Roberto Barroso optou por ampliar, de forma monocrática, sua decisão anterior
No Relatório da Administração do Banco Itaú BBA S.A. de 19 de agosto de 2015, há a informação de que o Recurso Especial analisado por Barroso representava R$ 29.864.000,00, aproximadamente 75% de todos os depósitos em garantia de obrigação legal pelo banco.
Diz o relatório:
“PIS – Anterioridade Nonagesimal e Irretroatividade – R$ 29.864: Pleiteamos o afastamento das Emendas Constitucionais 10/96 e 17/97, dado o princípio da anterioridade e irretroatividade, visando recolhimento pela Lei Complementar 07/70. O saldo do depósito em garantia correspondente totaliza R$ 29.864”.
O escritório Barroso Fontelles Barcellos Mendonça & Associados foi criado em 2013 como sucessor do escritório Luís Roberto Barroso & Associados. Possui diversas ações do grupo Itaú.
Cena 4 – outras distrações de Barroso
No dia 28.03.2018, o Jornal GGN noticiou que o Ministro Barroso iria receber pagamento de R$ 46,9 mil do Tribunal de Contas de Rondônia, por palestra de uma hora de duração.
Para a coluna de Mônica Bérgamo, Barroso deu as seguintes explicações:
"Não tenho a menor ideia de que valor é este. É um valor completamente fora do padrão, fora do que eu cobro."
Segundo Barroso, ele foi convidado para dar uma aula em Rondônia pela editora Fórum, responsável pelo lançamento de seus livros e por organizar eventos de divulgação aos quais ele às vezes comparece.
"Eu não tinha a menor ideia de que poderia haver o envolvimento de algum órgão público, do tribunal de contas ou de qualquer outro. E, se tivesse, não aceitaria", afirma ele. "Meu contrato é com a editora."
No dia 04.04.2018, o GGN trouxe informações sobre uma palestra anterior de Barroso, para o mesmo TCE-RO, no mesmo evento, edição 2017, sendo intermediado pela mesma empresa contratante e pago o mesmo cachê de R$ 46,8 mil. O tema da palestra foi “combate à corrupção”. A assessoria do Ministro não explicou esse caso de distração reiterada do Ministro.
As palestras e os temas confirmam o que o GGN vem dizendo há tempos: as declarações midiáticas permanentes do Ministro contra a corrupção, como forma de investir no mercado de palestras.
Como o Ministro Barroso vem sendo vítima de distrações sucessivas, para que não pairassem dúvidas sobre sua idoneidade, seria relevante que abrisse mão espontaneamente do sigilo bancário tanto do seu escritório quanto do sucessor. Mesmo porque, foi em cima do mote da luta contra a corrupção e o jeitinho que o MInistro se tornou um campeão do mercado de palestras.
Cena 5 – o pensamento muito vivo de Barroso 
Um breve apanhado dos escritos sociológicos de Barroso, depois que se tornou Ministro do STF:
Vive-se aqui a crença equivocada de que tudo se ajeitará na última hora, com um sorriso, um gatilho e a atribuição de culpa a alguma fatalidade (falsamente) inevitável, e não à imprevidência
Eu cheguei ao Supremo Tribunal Federal vindo da advocacia. Mais de uma vez chegou a mim a queixa de que eu “virei as costas aos amigos” e que sou um juiz muito duro. Não sou. Mas sou sério, e isso frustrou a expectativa de quem esperava acesso privilegiado e favorecimentos
No que diz respeito à ética pública, a verdade é que criamos um país devastado pela corrupção. Não foram falhas pontuais, individuais, pequenos deslizes ou acidentes. Foi um modelo institucionalizado, que envolve servidores públicos, empresas privadas, partidos políticos e parlamentares. Eram organizações criminosas, que captavam recursos ilícitos, pagavam propinas e distribuíam dinheiro público para campanhas eleitorais ou para o bolso. Isto é, para fraudar o processo democrático ou para fins de enriquecimento ilegítimo. É impossível não sentir vergonha pelo que aconteceu no Brasil.
O jeitinho brasileiro contribui para esse estado de coisas. Em primeiro lugar, o hábito de olhar para o outro lado para não ver o que está acontecendo.
Immanuel Kant enunciou a mesma ideia em uma frase memorável: “Aja de tal forma que a máxima que inspira a sua conduta possa se transformar em uma lei .
O jeitinho oscila em uma escala que vai do favor legítimo à corrupção mais escancarada. E é precisamente porque algumas de suas manifestações não são condenáveis, que ele termina sendo aceito de forma generalizada, sem que se distinga adequadamente entre o certo e o errado, o bem e o mal.
A ética pública, de que tanto nos queixamos, é em grande medida espelho da ética privada
Improviso, relações familiares e pessoais acima do dever e a cultura da desigualdade contribuem para o atraso social, econômico e político do país. Mais grave, ainda, o jeitinho importa, com frequência, em passar os outros para trás, em quebrar normas éticas e sociais ou em aberta violação da lei.
E fechando com chave de ouro sua filosofia sobre o brasileiro padrão, da lavra de um Ministro argentário:
Em uma reunião social, ouvi um interlocutor queixar-se contra as mazelas do país, sobretudo a corrupção. Em seguida, narrou que a empregada que contratara não queria assinar a carteira, de modo a não perder o valor que recebia como bolsa-família. Naturalmente, isto é errado.
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terça-feira, 6 de março de 2018

Pierpaolo Cruz Bottini explica PORQUE MORO ERROU ao condenar Lula por lavagem do triplex

O advogado Pierpaolo Cruz Bottini, professor de Direito da USP e membro do escritório que defende empresários da JBS, publicou artigo no Conjur, no último dia 5, mostrando, com base em teses de diversos autores, que "não parece haver lavagem de dinheiro no caso Lula". 
Segundo Bottini, a sentença do ex-presidente no caso triplex, dada pelo juiz Sergio Moro, é motivo de "controversa" no meio acadêmico e jurídico.  
Ao analisar a condenação, ele destacou que o conceito de lavagem de dinheiro está atrelado à dissimulação do produto do crime, justamente porque os envolvidos tentam se afastar do bem. 
E, no caso do triplex, não há nenhuma tentativa nesse sentido. O apartamento pertence à OAS e mesmo que tenha sido destinado a Lula, não poderia haver lavagem de dinheiro sem dissimulação. Isso, hipotéticamente. Porque a realidade dos fatos é outra: o imóvel nunca foi transferido ao ex-presidente, mas Moro usou a "não-transferência" para sustentar o crime de lavagem. 
No artigo de Bottini só não ficou esclarecido que em nenhum momento o ex-presidente Lula fez uso do imóvel considerado objeto de lavagem.
A suposta lavagem de dinheiro no caso triplex*
A confirmação da condenação do ex-presidente Lula, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro tem sido objeto de intensos debates em todos os fóruns jurídicos ou leigos, no país e no exterior. Discute-se a competência do juiz, a insuficiência de provas da corrupção, a necessidade de demonstração do “ato de ofício”, o momento da execução da pena, dentre outros temas relevantes. 
O presente artigo tem por objeto analisar um ponto específico da sentença condenatória mantida pelo TRF: a lavagem de dinheiro. Lula foi condenado por corrupção por supostamente receber um apartamento tríplex no Guarujá de uma construtora. 
Também foi condenado por lavagem de dinheiro porque a transferência do apartamento teria ocorrido de maneira sub-reptícia, com a manutenção da titularidade formal do bem em nome da construtora, com o objetivo de ocultar e dissimular o ilícito (sentença condenatória, item 305). 
A questão é controversa. Lula foi condenado pela modalidade de lavagem de dinheiro prevista no art. 1º, caput, da Lei 9.613/98: “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal.” 
A infração penal antecedente, que gera o produto a ser lavado, no caso Lula, é a corrupção passiva. Segundo o Código Penal, tal crime se caracteriza por “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem” (CP, art.317). Ou seja, é necessário solicitar ou receber algum benefício ilegítimo – no caso Lula, um apartamento no Guarujá, segundo a acusação. 
Não se discute aqui a existência ou não de provas das imputações. Esse não é o objeto das presentes reflexões. Partamos da premissa da acusação, de que o apartamento foi recebido pelo ex-presidente, para que a análise jurídica não seja tomada pela disputa a respeito do conceito de prova, indício ou dos critérios de sua valoração. 
A punição à lavagem de dinheiro supõe a ocultação da origem ilícita do bem, ou seja, o distanciamento entre o produto e o crime que lhe deu origem. Em estudo específico sobre o tema com BADARÓ, apontamos que “a primeira fase da lavagem de dinheiro é a ocultação (placment/ colocação/ conversão). Trata-se do movimento inicial para distanciar o valor de sua origem criminosa, com a alteração qualitativa dos bens, seu afastamento do local da prática antecedente, ou outras condutas similares”. [1] 
O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) explica que, “para disfarçar os lucros ilícitos sem comprometer os envolvidos, a lavagem de dinheiro realiza-se por meio de um processo dinâmico que requer: primeiro, o distanciamento dos fundos de sua origem, evitando uma associação direta deles com o crime; segundo, o disfarce de suas várias movimentações para dificultar o rastreamento desses recursos; e terceiro, a disponibilização do dinheiro novamente para os criminosos depois de ter sido suficientemente movimentado no ciclo de lavagem e poder ser considerado "limpo".”[2] 
Na mesma linha, BALTAZAR JR.: “a criação desse tipo penal (lavagem de dinheiro) parte da ideia de que o agente que busca proveito econômico na prática criminosa precisa disfarçar a origem dos valores, ou seja, desvincular o dinheiro de sua procedência delituosa e conferir-lhe uma aparência lícita, a fim de poder aproveitar os ganhos ilícitos, considerado que o móvel de tais crimes é justamente a acumulação material” (BALTAZAR, José Paulo, Crimes federais, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012). 
Se o crime antecedente é descrito como corrupção de uma empreiteira para beneficiar Lula, a lavagem de dinheiro implicaria a prática atos para distanciar a titularidade do imóvel tanto da empreiteira como do beneficiário da vantagem, a fim de ocultar qualquer relação entre o político e a empresa que possa levantar suspeitas sobre a origem ou a natureza da transação que resultou na transferência do imóvel. 
Nesse contexto, a manutenção do apartamento em nome da empresa acusada de corrupção, enquanto o político supostamente corrompido usufrui dele não parece ser um ato de ocultação ou dissimulação. 
Não existe um distanciamento do bem em relação aos agentes do crime. Ao contrário, a permanência do imóvel em nome da empresa enquanto o agente político o utiliza é ato que evidencia a prática do delito, que faz transparecer a proximidade entre corruptor e corrompido, que revela a existência de uma relação de fato que demandaria explicações. 
Assim, se o delito de lavagem na modalidade ocultação “requiere um estado de oscuridad o confusión tal, que haga difícil el estabelecimiento de lazos entre los bienes y su raiz delictiva”[3], não parece ser possível classificar como ocultação o fato de um funcionário público usufruir de um imóvel em nome do corruptor. 
A retenção do bem no patrimônio do último enquanto o beneficiário da corrupção o utiliza e dele dispõe seria prova da corrupção e não ato de dissimulação capaz de mascarar a prática delitiva. 
CARLA DE CARLI, em estudo sobre o tema, aponta como “exemplo de lavagem de dinheiro na modalidade ocultação é o simples depósito de valores recebidos em paga de corrupção em conta de terceiro – oculta-se a origem, a localização e a propriedade dos valores ilicitamente havidos. A chave, aqui, é ser a conta bancária de terceiro. Caso estivesse em nome do autor do delito de corrupção não haveria lavagem, porque ele não estaria ocultando a verdadeira propriedade desses valores” (Lavagem de dinheiro, Prevenção e controle penal, p. 240). 
É possível que a autora tivesse em mente afastar a lavagem de dinheiro apenas no caso em que os bens estiverem em nome do corruptor passivo, destinatário das vantagens indevidas. Mas o mesmo raciocínio parece possível nos casos em que o corruptor ativo mantém o bem em seu nome, enquanto o corrompido dele usufrui. 
Não existe aqui a figura do laranja, do testa de ferro, porque aquele que oferece a vantagem indevida é parte no crime, de forma que não presta a dissimular nada. Seu contato com o bem o contamina, dificultando – e não facilitando – o distanciamento deste de sua origem criminosa. 
GÁLVEZ BRAVO apresenta, em sua obra “Los modus operandi em las operaciones de blanqueo de capitales” uma vasta tipologia das técnicas de lavagem de dinheiro, que inclui jogos de azar, contratos fictícios, uso das mais diversas operações financeiras, atividades simuladas no mercado de valores mobiliários, manejo de meios de pagamento pela internet, de seguro e inúmeros outros. Nenhuma delas consiste no ato de retardar a transferência de um bem por parte do corruptor ativo para o corruptor passivo. 
Considerar a ausência da transferência do imóvel um ato de ocultação significa reconhecer que todos os casos de corrupção passiva em que o corruptor não transfere a vantagem indevida ao corrompido por qualquer motivo deveriam ser punidos em concurso com lavagem de dinheiro. Não parece correto sob o aspecto da tipicidade, nem sob uma perspectiva politico-criminal. 
Por isso, não parece haver lavagem de dinheiro no caso Lula. 
[1] BOTTINI, Pierpaolo e BADARO, Gustavo. Lavagem de dinheiro. 3ª ed., p.32. Blanco Cordero, El delito de blanqueo de capitales, 3. ed. Cap. I, 3, Caparrós, Eduardo A Fabián, El delito de blanqueo de capitales, p. 50, Callegari, Lavagem de dinheiro, 45.
[3] GÁLVEZ BRAVO, Rafael. Los modus operandi em la operaciones de blanqueo de capitales, 2ª ed., Barcelona: Bosch, 2017, p.46 
Pierpaolo Cruz Bottini é advogado, sócio do escritório Bottini e Tamasauskas e professor livre-docente de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP.
GGN