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quinta-feira, 20 de julho de 2017

Moro usa insultos para justificar sentença, Jânio de Freitas

É certo que para aquela parcela imbecilizada da opinião pública, que de tanto veneno e ódio que lhes subiu à cabeça, argumentos não fazem efeito.

Aliás, imbecilidade que tomou conta, como se vê, de boa parte até de quem, pela gravidade de suas funções, deveria conservar equilíbrio, mas está dedicado a trazer à ribalta protofascistas medíocres, como faz o Ministério Público com Kim Kataguiri, um bobalhão que posa de arma de paintball, para discutir segurança pública.

Ainda assim, é indispensável a leitura do que escreve Janio de Freitas, hoje, na Folha, mostrando que a temporada de substituição de argumentos por insultos estendeu-se para além do twitter e do faceboook e invadiu, sem cerimônias, até mesmo o campo das sentenças judiciais.

Sua Excelência, Sérgio Moro, despreza Sua Majestade, o Fato e os adapta ao que deseja sentenciar e, contra quem o contesta, sente-se livre para fazer as mais esdrúxulas comparações. Esdrúxulas, imotivadas e politiqueiras, como a comparação entre os casos de Eduardo Cunha e o de Lula, que se dividem, antes de qualquer análise de mérito, por um fato: o primeiro tinha contas milionárias no exterior, com sua assinatura e suas ordens, com admissão, inclusive, que o dinheiro lhe pertencia, ontem e amanhã, como “usufrutuário”, enquanto do ex-presidente nada, nem mesmo para confiscar, nada se achou que não fosse legítimo.

Mas, nestes tempos em que vivermos, basta a convicção de que “Lula é o chefe da maior organização de propinas do Brasil”, simplesmente por ter nomeado diretores na Petrobras que se meteram em negociatas com políticos, aliás, coisa nada rara ou inédita neste país, onde Judas virou o Cristo de tanta gente e a delação, que se premia com muito mais de trinta dinheiros, é o caminho do perdão e da vida feliz.


Novidade destes tempos indefiníveis, sentenças judiciais substituem a objetividade sóbria, de pretensões clássicas como se elas próprias vestissem a toga, e caem no debate rasgado. Lançamento de verão do juiz Sergio Moro, nas suas decisões iniciais em nome da Lava Jato, o “new look” expande-se nas centenas de folhas invernosas da condenação e, agora, de respostas a Lula e sua defesa. Tem de tudo, desde os milhares de palavras sobre o próprio autor, a opiniões pessoais sobre a situação nacional, e até sobre a sentença e sua alegada razão de ser. Dizem mais do juiz que do acusado. O que não é de todo mal, porque contribui para as impressões e as convicções sobre origens, percurso e propósitos deste e dos tantos episódios correlatos.

A resposta do juiz ao primeiro recurso contra a sentença é mais do que continuidade da peça contestada. É um novo avanço: lança a inclusão do insulto. Contrariado com as críticas à condenação carente de provas, Moro argumenta que não pode prender-se à formalidade da ação julgada. Não é, de fato, um argumento desprezível. Se o fizesse, diz ele, caberia absolver Eduardo Cunha, “pois ele também afirmava que não era titular das contas no exterior” que guardavam “vantagem indevida”.

A igualdade das condutas de Cunha e Lula não existe. Moro apela ao que não procede. E permite a dedução de que o faça de modo consciente: tanto diz que Eduardo Cunha negava a posse das contas, como em seguida relembra que ele se dizia “usufrutuário em vida” do dinheiro. Se podia desfrutá-lo (“em vida”, não quando morto), estava dizendo ser dinheiro seu ou também seu. Simples questão de pudor, talvez, comum nos recatados em questões de vis milhões. Moro não indica, porém, uma só ocasião em que Lula tenha admitido, mesmo por tabela, o que o juiz lhe atribui e condena.

Diferença a mais, os procuradores e o juiz receberam comprovação documental de contas de Eduardo Cunha. O insucesso na busca de documento ou outra prova que contrarie Lula, apesar dos esforços legítimos ou não para obtê-la, é o que leva os procuradores e Moro ao descontrole das argumentações. E a priorizar o desejado contra a confiabilidade. Vêm as críticas, e eles redobram as ansiedades.

É o próprio Moro a escrever: “Em casos de lavagem, o que importa é a realidade dos fatos, segundo as provas e não a mera aparência”. Pois é. Estamos todos de acordo com tal conceituação. Nós outros, cá de fora, em grande medida vamos ainda mais longe, aplicando a mesma regra não só a lavagens, sejam do que forem, mas a uma infinidade de coisas. E muitos pudemos concluir que, se o importante para Moro é a realidade “segundo as provas e não a mera aparência”, então, lá no fundo, está absolvendo Lula. Porque o apartamento pode até ser de Lula, mas ainda não há provas. A Lava Jato e o juiz só dispõem da “mera aparência”, o que Moro diz não prestar.

Já está muito repisado que delações servem para dar pistas, não como prova. Apesar disso, Moro dá valor especial a escapatório de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, de que o apartamento saiu de uma conta-corrente da empreiteira com o PT. Convém lembrar, a propósito, que Pinheiro negou, mais de ano, a posse do apartamento por Lula. Em meado do ano passado, Pinheiro e Marcelo Odebrecht foram postos sob a ameaça, feita publicamente pela Lava Jato, de ficarem fora das delações premiadas, que em breve se encerrariam. Ambos sabiam o que era desejado. E começaram as negociações. Odebrecht apressou-se. Pinheiro resistiu até há pouco. A ameaça de passar a velhice na cadeia o vendeu.

Infundada, a igualdade de Eduardo Cunha e Lula passou de argumento a insulto. A rigor, assim era desde o início. E juiz que insulta uma das partes infringe a imparcialidade. Mostra-se parte também. 

GGN