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sábado, 17 de março de 2018

Intervenção não é SOLUÇÃO, por Marielle Franco*

Em artigo enviado ao JB horas antes de sua morte, Marielle diz que intervenção não é solução.
Reforma Trabalhista, PEC dos Gastos, Reforma da Previdência. O impacto dessas profundas mudanças, inspiradas em um projeto político retrógrado, alinhado com interesses que servem ao capital internacional e a setores do empresariado, arremessa um contingente de cidadãos e cidadãs para uma espiral de pobreza. 
É neste contexto que tentamos ampliar o olhar sobre a Intervenção Federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro e avaliar sua real intenção, já que o estado está em décimo lugar nos índices de violência, atrás de Sergipe, Goiás e Maranhão — para citarmos como exemplos apontados no Anuário de Segurança Pública. 
Sendo assim, a Intervenção Federal busca se alicerçar numa justificativa que não tem assento na realidade. Nossa pergunta que não quer calar: por que o Rio de Janeiro?
As últimas experiências mostram que a ocupação das Forças Armadas não resolveu o problema de insegurança. Inclusive, é importante que observemos os anos em que o Exército é levado às ruas para “solucionar” uma situação emergencial. O que há em comum não é um episódio alarmante na segurança, mas o fato de que são todos anos eleitorais. O que tivemos como resultado desta política? 
O interventor federal General Braga Netto declarou que “o Rio de Janeiro é laboratório para o Brasil”. E o que vemos é que neste “laboratório” as cobaias são os negros e negras, periféricos, favelados, trabalhadores. A vida das pessoas não pode ser experimento de modelos de segurança. O apontamento das favelas, como lugar do perigo, do medo que se espraia para a cidade, desperta o mito das classes perigosas, como bem ressalta a psicóloga Cecília Coimbra, colocando a favela como objeto principal e inimiga pública. 
No último fim de semana, pelo menos cinco pessoas morreram e quatro ficaram feridas na Região Metropolitana do Rio. Delas, quatro eram mulheres. Alba Valéria Machado morreu ao tentar proteger o filho, em Nova Iguaçu. Natalina da Conceição foi atingida durante confronto entre PMs e traficantes na Praça Seca. Janaína da Silva Oliveira morreu em tentativa de assalto em Ricardo de Albuquerque.  Tainá dos Santos foi atingida por um tiro de fuzil na comunidade Vila Aliança. São as mulheres negras e periféricas que perdem seus filhos para a letalidade. Essa estatística assustadora demonstra que mesmo às vésperas de completar um mês do início da Intervenção, a tão falada sensação de segurança não passa de um discurso político-midiático. E as mortes têm cor, classe social e território. Definitivamente a segurança pública não se faz com mais armas. Mas com políticas públicas em todos os âmbitos. Na Saúde, Educação, Cultura e geração de emprego e renda. 
É premente a necessidade de monitorarmos esse processo, tendo o cuidado de lutar para que os direitos individuais e coletivos sejam assegurados, para que as instituições democráticas sejam preservadas e sigam autônomas. O contrário disso se revelaria algo bem perigoso em uma sociedade que tem uma tradição patrimonialista, pouco afeita ao trato democrático e que tem uma relação histórica violenta com sua população mais vulnerável. 
* Marielle Franco era vereadora da cidade do Rio (PSOL) e relatora da Comissão da Câmara Municipal de Acompanhamento da Intervenção Federal.
Jornal do Brasil

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Governo GOLPISTA ACABOU e as ESQUERDAS nem PERCEBERAM. Por Aldo Fornazieri

Foto: Beto Barata PR
O abandono da reforma da Previdência e a intervenção federal no Rio de Janeiro representaram o fim antecipado do governo Temer. O governo já havia acabado em duas frentes. Primeiro: soçobrou no lodo da imoralidade. Fruto de um movimento que queria moralidade na política, que levou ao golpe, logo a sociedade percebeu que aquele movimento fora comandado por moralistas sem moral, desde o corrupto e fascistóide MBL, passando por Aécio Neves e outros tucanos de alta plumagem, chegando  à cúpula inteira do PMDB e findando nos líderes dos partidos do centrão. Quase todos os principais protagonistas do golpe viram-se envoltos em graves denúncias de corrupção. Até juízes e membros do Ministério Público, que pousavam como paladinos do combate à corrupção, perderam a credibilidade ao se revelarem moralistas sem moral, beneficiários de privilégios inescrupulosos e criminosos. Em suma: o que se produziu foi um governo formado por uma quadrilha, chefiado por um presidente denunciado duas vezes como chefe de quadrilha.
O governo já havia se transformado também em pó político. As suas investidas contra direitos e contra o sentido civilizador do país afogaram as possibilidades de Temer e do governo de se tornarem um centro gravitacional significativo em termos de alternativa para as eleições de 2018. As pesquisas indicam qualquer candidato que se apresente ligado a Temer será inviável. Outro aspecto da derrota política do governo consistiu na demora para a retomada da economia, o que impôs elevados sacrifícios à sociedade, particularmente na destruição de postos de trabalho.
O abandono da reforma da Previdência representa uma derrota programática do golpe, pois esta era o principal ponto do seu programa, visando atender os interesses do mercado financeiro. O impacto foi imediato nas agências de classificação de risco. Só não houve uma oscilação no mercado de ações e de câmbio porque os seus operadores operam embebedados pela crença de que Lula está fora das eleições e de que surgirá uma alternativa de centro, orientada para as exigências do mercado e que ela será vencedora nas eleições.
O governo não tem mais nada a oferecer. Acabou. Temer não tem mais tempo, não tem mais poder de barganha e nem poder de chantagem. As 15 medidas econômicas apresentadas pelo Planalto não passam de uma marmita azeda, mofada e agora requentada. A intervenção no Rio paralisou o avanço de qualquer proposta de reforma constitucional no Congresso e a caminhada para as eleições vai esvaziando a Câmara e o Senado, com tendência de crescente fricção nas hordas da base aliada que, de aliada, terá pouca coisa.
A intervenção no Rio de Janeiro foi um ato de desespero, uma jogada de toalha, uma cortina de fumaça para esconder  fim e o fracasso do governo ilegítimo. O aspecto mais evidente deste ato é a sua crueldade na guerra contra os pobres, que se traduz em violações recorrentes dos direitos individuais e civis consagrados no artigo quinto da Constituição. Revistar crianças, fichar idosos e inocentes, querer viabilizar os mandatos coletivos de busca, prática inconstitucional e de regimes de exceção, é a face mais grotesca desse ato de desespero, pensado e executo na irresponsabilidade do improviso e da total falta de planejamento.
Os militares sensatos sabem que se trata de uma tentativa de auferir dividendos políticos em face da credibilidade de que gozam as Forças  Armadas; sabem que esta credibilidade, construída pelo legalismo pós-redemocratização, pela profissionalização e não sem sacrifícios de projetos importantes, está em risco pela aventura desesperada e irresponsável de um governo que vive o seu ocaso. Sabem também que nada de muito importante poderão fazer para solucionar os problemas estruturais da violência. A sua ação será performática: tropas aqui, tanques ali e solução nenhuma.
Talvez, o mais significativo que os militares possam fazer seja reestruturar as polícias. Mas é preciso manter os interventores sob vigilância firme: qualquer violação dos direitos humanos e das garantias constitucional deve ser objeto de ampla denúncia nos fóruns nacionais e internacionais e de adoção de medidas judiciais cabíveis. Retrocessos e violações não poderão passar impunes.
A desorientação das esquerdas
As esquerdas, viciadas em operar na defensiva, sobressaltadas nas suas vacilações e indecisões, amedrontadas na sua falta de coragem – com exceções em tudo isso, claro – sequer perceberam o fim do governo Temer e não conseguem avançar em um momento que lhes é favorável. Os editoriais do Estadão e da Folha perceberam o que as esquerdas não viram: Temer mergulhou no momento do desgoverno.
Analistas de esquerda produziram formulações desastradas. Uns, viram uma “jogada de mestre” de Temer. Outros, anteviram “intervenções” em vários estados e generais tomando conta do país. Terceiros, perceberam Temer apostando alto e as esquerdas em dificuldade. Quartos, sustentaram que a intervenção criaria uma narrativa salvacionista, que deslocaria Bolsonaro e que abriria espaço para o surgimento de uma candidatura defensora da lei e da ordem, dura, mas num plano legalista. Nada disso é plausível. Se Bolsonaro cair, cairá porque cavalga uma candidatura insustentável desde o início.
As direções dos partidos de esquerda não são capazes de executar a sua função precípua: dirigir, imprimir rumo e sentido aos movimentos, às lutas e às causas. De modo geral, as direções são burocráticas, fracas e desconhecidas, não só das massas, mas de boa parte dos ativistas sociais. Essas direções fracas carecem de reconhecimento para dirigir. O que há é uma enorme crise de direção, pois o país passa por um momento crítico, existem muitas causas, existe ânimo de luta no ativismo social, mas tudo isto está emaranhado pela falta de rumo, de orientação, de compreensão e de sentido.
Não por acaso, as manifestações políticas no Carnaval – Paraíso da Tuiuti, invasão do Aeroporto Santos Dumont, o apoio a Lula etc., – produziram um efeito catártico nas esquerdas, nos progressistas e democratas. Elas preencheram um vazio deixado pelos partidos, confortaram e animaram sentimentos carentes de rumo e sentido. A rigor, as direções partidárias, estão sendo ultrapassadas pelo espontaneísmo das massas, incapazes que são de colocar-se em sintonia com as exigências do momento e de apontar caminhos promissores para o futuro.
É preciso ver, também, na existência de um governo medíocre, falido, inescrupuloso, ilegítimo, anti-social, anti-cultural e anticivilizatório como é o governo Temer, a fragilidade e a incompetência das esquerdas. O presente período histórico é cinza e será retratado de cinza pela historiografia do futuro.  Contra um governo que veio para eternizar a tragédia dos pobres, nada de valorosamente combativo e virtuoso se ergueu. Nada que tivesse no horizonte as veredas dos pináculos da glória se anunciou, pois não se vê um lutar com valentia em defesa do povo e dos despossuídos. As esquerdas vivem um momento triste. Se limitam ao autoelogio, querendo fazer crer que suas derrotas são vitórias.
DCM