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domingo, 11 de agosto de 2019

SUPREMO É PRESSIONADO A SOLTAR LULA POR JURISTAS E EX-MINISTROS DE 8 PAÍSES

Por causa das práticas ilegais e imorais da Lava Jato, diz a carta,a Justiça brasileira vive atualmente uma grave crise de credibilidade dentro da comunidade jurídica internacional.
Foto: Ricardo Stuckert
O Supremo Tribunal Federal é o alvo de uma carta assinada por 17 juristas, advogados, ex-ministros da Justiça e ex-magistrados de cortes superiores de 8 países, que pedem a libertação de Lula e criticam seu processo.
Eles afirmam, no texto, que as mensagens trocadas entre os procuradores de Curitiba e o ex-juiz Sergio Moro, detonando conluio na Lava Jato, “estarreceram todos os profissionais do direito.”
“Hoje, está claro que Lula não teve direito a um julgamento imparcial”, avaliaram. “Não foi julgado, foi vítima de uma perseguição política.”
“Num país onde a Justiça é a mesma para todos, um juiz não pode ser simultaneamente juiz e parte num processo”, defenderam.
“Ficamos chocados ao ver como as regras fundamentais do devido processo legal brasileiro foram violadas sem qualquer pudor”, afirmaram.
“Por causa dessas práticas ilegais e imorais, a Justiça brasileira vive atualmente uma grave crise de credibilidade dentro da comunidade jurídica internacional”, dispararam.
Os juristas que assinam o manifesto são de países como França, Espanha, Itália, Portugal, Bélgica, México, EUA e Colômbia.
“Entre os signatários está Susan Rose-Ackerman, professora de jurisprudência da Universidade de Yale, nos EUA. Ela é considerada uma das maiores especialistas do mundo em combate à corrupção.”
Dallagnol já recomendou leituras da professora. O marido dela, Bruce Ackerman, foi professor do ministro do STF Luis Roberto Barroso, em Yale.
“Outros nomes de peso que assinam a carta são o professor italiano Luigi Ferrajoli, referência do garantismo jurídico no mundo, o ex-juiz espanhol Baltasar Garzón, que condenou o ex-ditador chileno Augusto Pinochet por crimes contra a humanidade, Alberto Costa, ex-ministro da Justiça de Portugal, e Herta Daubler-Gmelin, ex-ministra da Justiça da Alemanha.”
As informações são da jornalista Monica Bergamo, na Folha deste domingo (11).
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Do GGN

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Caso Lula e Caso Dreyfus: qual a reação ao arbítrio?, por Jeferson Miola

Lula não está sendo julgado; ele está sendo condenado sem provas, num processo enviesado e carente de fundamentos jurídicos.
​A condenação arbitrária do ex-presidente no TRF4 são favas contadas. O regime de exceção perpetrará esta violência jurídica mesmo que a falsa acusação, forjada pela Lava Jato para condená-lo – a suposta propriedade de um apartamento triplex – tenha sido totalmente desmanchada em decisão recente da juíza Luciana Corrêa Tôrres de Oliveira, da 2ª Vara de Execução de Títulos Extrajudiciais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
A juíza determinou a penhora do imóvel para a empresa Macife S/A, credora da OAS que ajuizou a empreiteira para cobrar dívidas. A penhora comprova cabalmente que o apartamento pertence, de fato e de direito, à empreiteira OAS – e não ao Lula. Este fato soterra a acusação fraudulenta, e, portanto, o processo contra Lula deveria ir para a lixeira.
O Brasil e o mundo assistem não a um julgamento justo e legal do maior líder popular do país, mas sim a um processo kafkiano, no qual a condenação foi concebida de antemão, num quadro de guerra jurídica permanente [lawfare], perseguição midiática e emprego do direito penal do inimigo.
A narrativa da Rede Globo e da mídia hegemônica, que reverbera as vozes fascistas da Lava Jato e da oligarquia golpista, cinicamente busca confundir o direito do Lula a um julgamento justo e honesto com a defesa da sua impunidade.
Defender o direito de todo cidadão a um julgamento justo e legal – desde que existam, de fato, razões materiais para qualquer pessoa ser processada judicialmente – é o mínimo que se deve fazer para proteger a democracia e o devido processo legal.
Lula não está nem acima nem abaixo das leis e da Constituição do Brasil. Com este julgamento de exceção, porém, a classe dominante coloca Lula à margem das leis e da Constituição; subtrai dele o direito inerente a todo ser humano, de não ser condenado sem provas.
A farsa jurídica montada para condenar Lula é um passo em direção ao totalitarismo. Nos estudos sobre a gênese do nazismo, do anti-semitismo e dos processos totalitários, Hannah Arendt analisou o Caso Dreyfus, ocorrido no final do século 19 – que guarda semelhanças com o Caso Lula.
Alfred Dreyfus foi perseguido por ser o único oficial do exército francês de origem judaica, e foi acusado de alta traição por supostamente colaborar com os alemães durante a guerra franco-prussiana na disputa pelas terras da Alsásia-Lorena, ricas em carvão.
Num processo baseado em documentos falsos e provas forjadas, como ocorre com Lula, Dreyfus foi condenado, por unanimidade, à prisão perpétua. Para o autor William Shirer, a condenação de Dreyfus "convencera grande parte da população de que os judeus [no regime de exceção, Lula e os petistas são os estigmatizados]eram responsáveis não só pela chocante corrupção nos altos círculos políticos e financeiros, como também por traírem segredos militares em favor dos odiados alemães, solapando com isso a segurança da nação, que ainda sofria com a recuperação após a derrota que lhe fora infligida pela Prússia em 1870" [A Queda da França: o colapso da Terceira República].
No livro As origens do totalitarismo, Hannah Arendt disserta que, "como eram judeus, tornava-se possível transformá-los em bodes expiatórios quando fosse mister aplacar a indignação do público. Os antissemitas podiam imediatamente apontar para os parasitas judeus de uma sociedade corrupta para 'provar' que todos os judeus de toda parte não passavam de uma espécie de cupim que infestava o corpo do povo".
20 anos mais tarde, depois de verdadeiro e honesto julgamento, Dreyfus foi finalmente inocentado. Com Lula não será diferente. Em breve tempo esta farsa monstruosa, montada para impedir seu retorno à presidência do Brasil, também será escancarada.
Exigir o direito de um julgamento justo para o ex-presidente Lula não é sinônimo de privilégio e de impunidade; é uma dever para a defesa do Estado de Direito e da democracia.
Lula será vítima do arbítrio e de uma violência jurídica monumental. É preciso, por isso, se perguntar: qual a reação democrática e popular diante deste arbítrio anunciado de antemão?
Uma realidade é inescapável: as instituições, o judiciário e o congresso estão totalmente dominados pelas lógicas fascistas e golpistas.
A soberania popular, a desobediência civil e o direito à insurgência contra toda tirania e arbítrio são dispositivos democráticos do Estado de Direito que precisa ser urgentemente restaurado no Brasil.
GGN

sábado, 8 de julho de 2017

#SomosTodosJuízes ou a “pátria de toga”, por Rubens Casara

Linchamento ocorrido no Brasil em 2015 que vitimou Cleidenilson Pereira Silva. Foto: Biné Morais

 1 – Apresentação do Problema
Era uma vez, um tempo em que o brasileiro se orgulhava de conhecer como ninguém a beleza, as estratégias e os segredos do futebol. Esse tempo passou, talvez em razão da transformação dos campeonatos brasileiros em mercadoria (e de qualidade ruim), talvez diante da ferida narcísica provocada pela derrota para a Alemanha na última Copa do Mundo. Hoje, abandonada a sensação de que todo brasileiro entende de futebol, o Brasil tornou-se a pátria dos juízes. Os duzentos milhões de técnicos de futebol tornaram-se duzentos milhões de especialistas em direito, duzentos milhões de juízes prontos para julgar com celeridade fatos e pessoas. Todos se sentem habilitados a julgar e, enquanto isso, os juízes profissionais, aqueles concursados ou indicados para exercer a jurisdição estatal, tornaram-se protagonistas da vida política brasileira (alguns falam em efeito colateral do ativismo judicial, outros em hegemonia do “partido da justiça”).

O que interessa neste texto é analisar a “pátria de toga” à luz da formação cultural desses milhões de julgadores. Em uma sociedade de “juízes” forjados em uma tradição autoritária, os julgamentos serão sempre marcados pelo autoritarismo. E o Brasil, até agora, fracassou na missão de construir uma cultura democrática e isso repercute no teor dos julgamentos.

Os brasileiros, de um modo geral, acreditam no uso da violência para resolver os mais variados problemas sociais e, em consequência, apostam e apresentam respostas violentas como a solução para qualquer situação problemática. Não há que se estranhar, pois, o aumento do número de agressões a pretexto de fazer “justiça”, com especial destaque para os linchamentos tanto físicos quanto virtuais, tanto nas ruas das cidades quanto nas redes sociais. Em uma sociedade de milhões de juízes que foram levados a acreditar que os direitos e garantias fundamentais são obstáculos transponíveis à eficiência repressiva do Estado ou aos lucros dos empreendedores (e até os explorados, hoje, acreditam ser empreendedores), os julgamentos tendem a desconsiderar os limites civilizatórios.

Em apertada síntese, pode-se afirmar que uma cultura autoritária produz julgamentos autoritários, nos quais se verifica não só forte aderência aos valores da classe média (valores produzidos – vale frisar – em favor da elite econômica), mesmo quando esses valores estão em oposição à normatividade constitucional, como também o recurso à simplificação da realidade e ao pensamento estereotipado. Nos julgamentos do dia-a-dia cresce a tendência a explicações hipersimplistas de eventos humanos hipercomplexos; a reflexão é demonizada em tempo de anti-intelectualismo, típico de momentos autoritários. No país de duzentos e oito milhões de juízes verifica-se uma preocupação em afirmar desproporcionalmente os valores “força” e “dureza”, em manifestações de hostilidade generalizada, com muito cinismo e a desconsideração dos valores atrelados à dignidade da pessoa humana.

Mas, para além da tradição autoritária que condiciona os julgamentos do dia-a-dia, o problema é ainda mais grave. Basta lembrar que, não raro, esses julgamentos que se dão nas ruas, sem informação suficiente e por pessoas sem formação jurídica ou mesmo democrática, passaram a influenciar os julgamentos dos juízes profissionais (dos funcionários públicos a que se reserva o exercício da jurisdição estatal), inclusive nos tribunais superiores. Muitos juízes passaram a justificar suas decisões a partir da necessidade de “ouvir as ruas”, de ouvir a opinião dos milhões de juízes sem toga em seus sofás. Com isso, progressivamente o caráter contramajoritário da função jurisdicional, necessário ao modelo de democracia constitucional, passou a ser abandonado.

Nas democracias constitucionais, marcadas por limites rígidos ao exercício do poder, a “voz das ruas”, a “opinião pública” e as “maiorias de ocasião” não são suficientes para afastar os diretos e garantias fundamentais de qualquer pessoa concreta, culpado ou inocente, amado ou odiado. Em outras palavras, na democracia constitucional o principio da maioria (ou a percepção do juiz acerca da “voz das ruas” ou do “clamor popular”) não se sobrepõe à normatividade extraída da Constituição da República, dos tratados e das convenções internacionais que reconhecem direitos humanos.

Neste pequeno artigo, a proposta é analisar a mudança que parece ocorrer na atuação do juiz brasileiro, que estaria a abandonar o modelo racional e eticamente regrado de apuração dos fatos para aderir à lógica de uma espécie de “cognição mística radicada nas vísceras comunitárias” (Cordero). A hipótese assumida aqui é a de que o recurso às “vísceras comunitárias” estaria a serviço de justificar decisões a partir das convicções dos atores jurídicos (muitas vezes, certezas delirantes do julgador), ainda que essa convicção se revele afastada do acervo probatório ou em desatenção aos limites constitucionais, éticos ou epistêmicos.

2 – Dos Ordálios à “voz do povo”
Com as invasões bárbaras, tornou-se comum no Ocidente um instrumento usado para resolver controvérsias de todo o tipo: o ordálio. Pode-se, em certo sentido, afirmar que os ordálios constituíram uma espécie de sistema probatório composto de uma variedade de técnicas (duelo judicial, prova d`água, caldeirão fervente, etc.) que poderiam ser utilizadas em cada situação, a depender das tradições locais e, em alguns casos, da vontade das partes ou mesmo do juiz.

Alguns afirmam que os ordálios eram meios de prova irracionais. Isso não parece estar correto, como percebeu Taruffo. Os ordálios obedeciam a uma lógica racional, funcional e amplamente aceita no contexto (dominado pelo enchantment) em que eles eram utilizados: o divino podia e diria a verdade para solucionar um conflito. Na realidade, pode-se afirmar que o ordálio era tido como a liturgie d`um miracle judiciaire (Jacob).

Em um contexto de profunda fé religiosa, os ordálios eram a prova de que Deus estava presente nas disputas judiciais, sempre que outros meios se revelavam insuficientes para por fim à controvérsia. O ordálio caracterizava-se por ser decisivo e o seu resultado, as consequências positivas ou negativas da prova (então, mais um desafio do que um elemento de cognição), sempre claro e incontrastável (como duvidar da resposta fornecida por Deus?). Após o órdálio, não havia mais dúvida possível, Deus definia a parte vencedora.

O declínio do recurso aos ordálios, ao que parece, coincide com profundas mudanças na sociedade, e em especial nas práticas judiciárias. Passou-se a acreditar que a verdade dos fatos, a solução justa para uma determinada controvérsia, podia e devia ser apresentada a partir de condutas humanas e não mais por revelações divinas. Do ponto de vista teológico, aderiu-se à tese, já presente em São Tomás de Aquino, de que não se deveria desafiar Deus a resolver matérias que a razão humana poderia dar conta.

Michele Taruffo aponta o surgimento de “caminhos divergentes” após o declínio dos ordálios. Na Inglaterra e no Continente Europeu, o fim dos ordálios produziu consequências diferentes. Na Inglaterra, esse declínio guarda conexão com a consolidação do jury trial. Enquanto isso, na Europa Continental, a probatio substituiu a divinatio, com o aparecimento de novos meios de prova (apresentados como “racionais”), voltados a descoberta da verdade dos fatos (a principal técnica era a inquisitio), que passaram a ser geridos, no mais das vezes, por juízes profissionais.

Na Inglaterra (e de lá para o mundo anglo-saxão), o Júri se consolidou como o principal método à resolução dos conflitos postos à apreciação judicial. Os jurados, antes “testemunhas dos fatos” e depois “juízes do fato”, tornam-se autores de um veredicto imperscrutável (e nesse particular, se assemelha à solução alcançada pela via dos ordálios). É importante lembrar que o juramento solene dos jurados, que ainda hoje se faz presente, invoca a intervenção de Deus no julgamento. Pode-se afirmar que o jury trial, construído como uma garantia individual contra a opressão do poder, busca nas “vísceras comunitárias” a legitimidade dos julgamentos (o que no sistema dos ordálios era obtido mediante a evocação divina).

No modelo originado na Europa Continental, e em princípio adotado no Brasil, procurou-se abandonar os ordálios em uma tentativa de “racionalizar” a busca pela verdade como condição para a realização do valor justiça. O “mito de Deus” acabou substituído pelos mitos da “razão” e da “ciência”. Nesse modelo, os julgamentos têm por base a reconstrução dos fatos através de meios probatórios admitidos na legislação, razão pela qual tanto a “divindade” quanto a “voz das ruas” ou as “vísceras comunitárias” mostram-se estranhas à solução justa dos casos postos à apreciação do Sistema de Justiça. A “verdade” é elevada à condição de legitimidade dos julgamentos e, ao mesmo tempo, as garantias processuais e demais direitos fundamentais, limites jurídicos e éticos ao exercício do poder, passam a funcionar como condições de legitimidade da busca da verdade.

Em apertada síntese: enquanto no modelo europeu-continental (civil law) a verdade dos fatos é tida como um dos principais escopos do processo, no modelo de common law a confiança na correção e na justiça do veredito dos jurados baseia-se no fato dele ser formulado por pessoas que retratam a vox populi (nesse sentido, por todos, Taruffo).

Costuma-se aproximar a “voz do povo” do princípio majoritário. Este, por sua vez, costuma ser apontado com uma manifestação necessariamente democrática. Trata-se de uma concepção que identifica a vontade da maioria (ou, ao menos, a “voz do povo”) com a democracia. Não faltam exemplos históricos de que essa visão é equivocada. Basta pensar na maioria alemã que levou Hitler ao poder e apoiou o projeto nazista ou na maioria dos estadunidenses que apoiava a segregação racial. A democracia e a justiça, coo se percebe, não guardam relação com a opinião das maiorias.

Em princípio, decisões que buscam legitimidade a partir da “voz do povo”, isso é, a partir da opinião (algo da ordem da doxa) dos milhões que se consideram aptos a fazer julgamentos no Brasil, não se mostram sensíveis a limites, sempre que os limites se revelem incompatíveis com o princípio majoritário. Em outras palavras: levar em consideração a “voz do povo” nas decisões judiciais, muitas vezes, vai significar a violação dos limites jurídicos, éticos e epistêmicos (e aqui não se esta problematizando a questão do significado da expressão “voz do povo”). Nada assegura que a “voz do povo” retrate a verdade ou produza justiça.

Registre-se que nos Estados Unidos da América, o trial by jury, pensado como uma garantia contra o poder (a voz Populi em defesa das garantias individuais), vem sendo substituído por técnicas da chamada “justiça negocial” (bargain), adequadas à razão neoliberal, que faz com que todos os valores (verdade, liberdade, etc.) sejam tratados como meras mercadorias (negociáveis, portanto).

III – O Brasil da voz autoritária
No Brasil, apesar da adesão inicial ao modelo europeu-continental, verifica-se, nos últimos anos, a incorporação de institutos, práticas e modos de ver o Sistema de Justiça cunhados para o modelo anglo-saxão. Esse fenômeno, todavia, ocorreu sem a incorporação dos correlatos limites à atividade das partes, à produção e à valoração das provas. Com isso, a vox populi foi elevada a fator decisório, mas sem a dimensão de garantia que existia no modelo do Júri. Mas, qual é a “voz das ruas” que passou a justificar as decisões no Brasil? Uma vox populi selvagem, sem limites, desconstituinte e autoritária.

No Brasil, para satisfazer “as vísceras comunitárias” e atender à “voz das ruas”, atores jurídicos passaram a desconsiderar direitos e garantias fundamentais, vistos não como conquistas civilizatórias, mas como obstáculos à eficiência do Estado. No lugar da busca pela verdade (respeitados os limites jurídicos e éticos), surgem construções narrativas adequadas ao que o julgador afirma ser a “voz das ruas”, mas que muitas vezes não passa de uma estratégia discursiva para decidir contra a lei ou a doutrina.

Muitas sentenças passaram a assumir como “verdade” o que é uma mera possibilidade. São acolhidas as versões que vão ao encontro das convicções dos atores jurídicos (e dos milhões de julgadores), mesmo que os fatos afirmados não encontrem respaldo nas provas produzidas ao longo do processo. Aliás, se verifica uma mutação na valoração da prova: a prova vista como positividade (a “boa prova”, a informação útil, etc.) é apenas aquela que confirma a hipótese já assumida como verdadeira pelo julgador ou pela “voz das ruas”. A verdade judicial passa a ser aquilo que o juiz afirma ser “verdade” a partir de “convicções” prévias (leia-se: preconceitos e pré-compreensões), mesmo que inexista prova nesse sentido (ressuscitou-se a máxima de viés autoritário: auctoritas facit veritas).

Em nome da “voz das ruas”, a natureza contramajoritária da função jurisdicional acaba por desaparecer, o que representa risco concreto aos direitos das minorias e facilita a opressão estatal. Como já se disse no início deste texto: sociedades autoritárias, produzem decisões autoritárias. Escutar a vox populi em um contexto autoritário equivale a abandonar não só o modelo de democracia constitucional como também qualquer pretensão de verdade e justiça.
     
Rubens Casara é Doutor em Direito, Mestre em Ciências Penais, Juiz de Direito do TJ/RJ e escreve a Coluna ContraCorrentes, aos sábados, com Giane Alvares, Marcelo Semer, Marcio Sotelo Felippe e Patrick Mariano.

GGN

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Ao depor Lula denuncia sua condenação antecipada pela mídia

Lula denuncia condenação pela mídia: 55 capas de revistas, 1.146 manchetes e o equivalente a 12 partidas de futebol contra ele no JN.
Foto montagem
O depoimento de Lula em Curitiba, seis trechos que considerados os mais relevantes. No total, são cerca de 27 minutos do total de 5 horas.

Do ponto-de-vista da defesa, o mais importante foi a denúncia final do ex-presidente de que sofreu um verdadeiro justiçamento antecipado pela mídia, o que significa que Moro não terá como absolvê-lo.

Pelas perguntas que fez — mas não foram respondidas — , Moro trabalha na linha do power point do procurador Deltan Dallagnol, inclusive na tentativa de alinhavar o mensalão ao petrolão tendo Lula como o poderoso capo de todo o esquema.

Sugerimos que o leitor assista à íntegra do depoimento, aqui, para fazer sua própria avaliação.

Pontos altos de Moro:
Passou ao público a ideia de que está dando amplo direito de defesa ao ex-presidente;

Explorou contradição entre depoimento anterior de Lula, quando o ex-presidente afirmou que sabia da reforma feita no triplex do Guarujá, e as afirmações atuais do ex-presidente de que não tinha conhecimento de que haveria uma reforma para tentar adequar o apartamento às suas necessidades.

Pontos altos do Ministério Público:
Lula fez uma retirada de R$ 7 milhões da sua empresa de palestras, porém não se preocupou em cobrir os custos de R$ 20 mil reais mensais com a guarda do acervo presidencial, mantido em depósito pela empreiteira OAS na Granero.

O estabelecimento, por conta de reuniões periódicas confirmadas pelo ex-presidente, de uma relação relativamente próxima entre Lula e o delator Léo Pinheiro, da OAS.

Pontos altos de Lula:
A demonstração de que vive em um apartamento com escada há anos e que, se tivesse de pedir um elevador de favor à OAS, o faria onde vive atualmente em São Bernardo do Campo.

A insistência na apresentação de provas materiais — um documento, qualquer documento — de que ele seja efetivamente dono do triplex, sem as quais a acusação fica num disse-me-disse.

A declaração de que Moro, como alguém que soltou e mandou grampear Alberto Youseff, poderia saber tanto quanto ele, Lula, sobre corrupção no interior da Petrobras.

O argumento de que os presos preventivamente, réus confessos, usam o nome de Lula como forma de garantir liberdade enquanto assistem a outros delatores, já soltos, viver uma vida boa com o dinheiro dos negócios escusos que promoveram.

O argumento de que ele, Lula, sofre um massacre midiático, um justiçamento nas emissoras de rádio e TV e nas manchetes de jornais que torna irreversível sua condenação. Lula relembrou que o uso da imprensa foi citado como ferramenta importante pelo próprio juiz Moro, em artigo que escreveu sobre a Operação Mãos Limpas, da Itália.

Veja também:

Do Vi o Mundo