Não nos iludamos, esse não é um confronto judicial, é um
confronto político. Como se pode cortar as asas desses torturadores de novo
tipo, esse Doi-Codi da ‘democracia’? Uma outra ‘redemocratização’ é necessária
(Foto Charles Guerra/RBS)
Em meados de 2013, um ano antes do deslanche da Lava Jato, o
assim chamado juiz Moro julgou outro processo, ou melhor, um outro evento
político mal-travestido de judicial, a operação Agro-Fantasma. Sob alegação de
irregularidades no Programa de Aquisição Alimentar, um grande numero de
agricultores familiares foram presos. Mas foram declarados inocentes agora, em
2017. Fez-se a justiça, dirão alguns. Será? Afinal, com esses 4 anos de
martírio, o processo mambembe destruiu a vida deles e sabotou o próprio
programa.
É um padrão, não é um caso isolado. As ações do Sr. Moro não
são feitas para durar – elas são como o amor do Vinícius, infinitas enquanto
duram. Ou seja, são feitas para destruir algo. Se depois isso é revisto pela
justiça, tanto faz, o estrago programado já foi feito.
Nada de novo, porque é esse, rigorosamente, o modo operante
da Lava Jato. Para destruir o inimigo político vale tudo: prender até obter a
“delação adequada”, divulgar informação falsa ou vazar seletivamente para manchar
reputações e provocar julgamentos midiáticos- imediatos, o que for necessário
para abater o inimigo e prestar contas aos mandantes.
A tragédia do reitor da Universidade Federal de Santa
Catarina parece ser mais um desses episódios. Todos sabem o que ocorreu. Tosco,
brutal, chocante. Uma delegada midiática e deslumbrada, deslocada da Lava Jato
para chefiar outra operação, pede a uma juíza a prisão do reitor e professores,
sob alegação, genérica e vaga, de que eles poderiam (sim, poderiam!) obstruir a
justiça. Sempre se encontra um juiz que decida com base em vontades dessa
natureza. Os professores foram presos – mesmo antes de qualquer diligência,
antes de ouvi-los etc. A operação da delegada tem o nome engraçadinho (mais um)
de “Ouvidos Moucos”. O que diremos dos ouvidos dela?
O reitor e os demais professores não foram apenas detidos ou
chamados a alguma “condução coercitiva”. Bem mais do que isso, houve algo bem
mais grave. Com base nessa vaga alusão, eles foram conduzidos ao xadrez,
despidos e humilhados. No dia seguinte, uma juíza releu o processo e mandou
soltá-los, pela simples razão de que não havia nenhum motivo comprovado para
ter feito a prisão. A prisão sequer deveria ter ocorrido. Não importa, a prisão
já tinha provocado o efeito que a delegada parecia desejar: jogara na mídia e
na lama os detidos, independentemente de qualquer prova ou mesmo indício.
Requintes de falsidade – da delegada e da mídia,
aparentemente. Falou-se em um desvio de “até 80 milhões” ou algo assim. Depois
se noticia, com menos alarde, que esse era aproximadamente o valor total do
programa supostamente fraudado. Um orçamento de uns dez anos! A diferença
encontrada na contabilidade (desvio?) foi algo como 0,5% disso. É isso??? Bom,
então estamos falando de uns 40 mil reais por ano – menos do que o
salário mensal (acima do teto legal) que recebe o famoso juizinho de
Curitiba. Fico me perguntando em qual obra pública ou privada (ou até numa
simples administração de condomínio) um percentual desses não aparece? Fácil.
Todos esses episódios, muita gente já viu, compõem um quadro
muito mais grave. Um policialismo não apenas “moralista” ou “rigorista”. Uma
atribuição de poderes absolutos e absolutamente injustificados a gente que não
demonstra o menor equilíbrio para julgar sequer seus filhos adolescentes.
Delegados, procuradores, juízes, um sem numero de agentes públicos que passam
por cima de qualquer lei ou mesmo qualquer regra de bom senso quando lhes dá na
telha.
Pouco importa que nada disso se sustente do ponto de vista
legal e que, lá pelas calendas gregas, isto desabe como um castelo de cartas.
Nem processo se constitua, tantos os vícios. Pouco importa, porque no prazo
imediato os efeitos já se fizeram sentir. E no longo prazo, diz a frase célebre
de Keynes, no longo prazo estamos mortos. Neste caso, a frase soa macabra.
Porque o longo prazo chegou de imediato, num shopping center.
O mínimo que deveria ocorrer, em tais circunstâncias, é um
inquérito sobre delegada, juízes, procuradores que promoveram esse circo. Mas…
quem fará tal coisa? E quem irá cobrar, dessa imprensa marrom, a destruição que
já fez e que faz todo dia?
Não, não é um problema legal, não se resolverá em tribunais,
nem em qualquer “conselho” que “supervisione” o judiciário. Ou de um “puxador
de orelhas” para a polícia federal, que aliás, quer ser “independente”, sem
responder a superiores! Um poder soberano dentro do Estado.
Não nos iludamos, esse não é um confronto judicial, é um
confronto político. E se resolve na política, o espaço em que se combinam a
persuasão e a força, necessariamente as duas. Como se pode cortar as asas
desses torturadores de novo tipo, esse Doi-Codi da “democracia”? Uma outra
“redemocratização” é necessária, porque a anterior, transada e regateada, deu
no que deu, uma tutela que muda de farda, mas segue ativa.
Reginaldo Moraes - É professor da Unicamp, pesquisador
do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados
Unidos (INCT-Ineu) e colaborador da Fundação Perseu Abramo. É colunista do
Brasil Debate.
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