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sábado, 5 de maio de 2018

LER MARX continua sendo ESSENCIAL para entender O MUNDO, por Luis Felipe Miguel

O aniversariante de hoje continua incrivelmente atual, na flor de seus 200 anos. Não acertou várias de suas previsões, é bem verdade. Afinal, ele foi um pensador, não um vidente. Também não escapou de ser um homem de sua época, com sua fé no desenvolvimento científico, às vezes caindo até num certo determinismo. Mas ninguém foi tão preciso, tão certeiro, na compreensão e na interpretação da sociedade capitalista. Muita coisa mudou de sua época para cá.
Escrevi um esboço deste texto dentro de um avião, num tablet - aposto que ele iria curtir tanto um quanto o outro. Mas o domínio da forma mercadoria estrutura o nosso mundo ainda mais do que estruturava o dele. Exploração, alienação e fetichismo são o nosso dia a dia. Nossa história é movida pela luta entre os que dominam e os que são dominados. O que ele descreveu em suas obras, ensinando-nos a ir além das aparências para apreender o significado mais profundo dos fenômenos sociais, permanece presente, e por isso lê-las continua sendo essencial para entender o mundo. E também, como ele disse num aforismo famoso, para tentar transformá-lo.
O futuro com que ele sonhou (ou, para usar uma palavra que ele rejeitaria, a utopia que ele abraçou) parece inalcançável. Creio que poucos apostariam hoje na abolição do Estado, na superação definitiva de qualquer escassez, na harmonia perfeita entre indivíduo e coletividade. Mas os valores que organizam seu projeto - fim da exploração, ampliação da autonomia de todos e de cada um, humanização das relações sociais - continuam no centro de qualquer projeto emancipatório.
Marx foi a referência central de minha formação intelectual. Outras influências vieram depois, mas ele nunca deixou de estar presente. Em especial, sempre permaneceu como o ideal, inalcançável, de combinação entre rigor teórico, clareza de expressão, riqueza de estilo e erudição. A cada página de seus textos - na ironia feroz que dirige a seus adversários, nas referências literárias que encaixa sem nenhum artificialismo para ilustrar o que diz, na montanha de dados que incorpora a seus argumentos, na precisão cirúrgica com que vira de avesso o senso comum, na indignação que atravessa seu olhar sobre as iniquidades do mundo - se revela a paixão que dedicou a seu trabalho.
Há um aspecto da obra de Marx que é talvez o mais difícil de ser assumido hoje: sua confiança no futuro da humanidade, na capacidade de ação dos oprimidos. Creio que não devemos abandonar esse aspecto, por mais que nossas circunstâncias pareçam desoladoras. Não por algum determinismo, por uma visão teleológica qualquer de que “caminhamos” necessariamente para uma sociedade melhor. Mas por entender que o mundo social nunca “é”, sempre está se fazendo. As contradições da sociedade estão presentes, ativas; o trabalho de construção da passividade nunca está concluído e não é invulnerável. O sentimento de impossibilidade de transformação é também um produto da ideologia, ao qual devemos resistir.
Quem sabe, no terceiro centenário, comemoraremos a agudeza de seu diagnóstico sobre uma sociedade já morta.
Do GGN

domingo, 28 de maio de 2017

Para o historiador José Murilo de Carvalho: o Brasil não soube assimilar entrada do povo na vida política

Para o cientista político e historiador José Murilo de Carvalho, presidentes eleitos no País têm sido normalmente vulneráveis desde 1930; a instabilidade, segundo ele, decorre da incapacidade dos governantes de lidar com a ascensão do povo como ator relevante e portador de demandas novas num país marcado pela desigualdade; "Passados 87 anos de 1930, ainda estamos lutando com o problema de construir uma democracia inclusiva, capaz de sustentar governos representativos que possam combinar estabilidade institucional com implementação de políticas públicas voltadas para as necessidades da maioria dos representados", afirma.
                                  
Os presidentes eleitos no Brasil têm sido normalmente vulneráveis desde 1930. Essa instabilidade decorre da incapacidade dos governantes de lidar com a ascensão do povo como ator relevante e portador de demandas novas num país marcado pela desigualdade, avalia o cientista político e historiador José Murilo de Carvalho.


Confira abaixo alguns trechos do texto:

"A crise atual, em sua dimensão política, foi deslanchada pela substituição do chefe de Estado sem a intervenção de eleições. Não que se trate de novidade entre nós. Desde 1930, por dentro da Constituição ou à revelia dela, tem sido frequente esse tipo de substituição.

Uma simples estatística demonstra a mudança havida depois de 1930, ano a partir do qual a vulnerabilidade da Presidência em eleições diretas virou o feijão com arroz de nossa política.

Nesse período de 87 anos, somente cinco presidentes eleitos pelo voto popular, excluídos os vices, completaram seus mandatos: Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), Juscelino Kubitschek (1956-1961), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014).

O que mais chama a atenção, embutido na própria Revolução de 1930, é a entrada do povo na vida política, deixando de ser o bestializado de Aristides Lobo (em 1889, a respeito da Proclamação da República, o jornalista escreveu: "O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava").

A Primeira República não tinha povo. Nela, apenas 5% da população votava; a participação popular se dava à margem do sistema representativo, em revoltas urbanas, como a da Vacina, messiânicas, como as de Canudos e do Contestado, ou greves operárias nas grandes cidades.

 Hoje, não há um povo eleitoral, há vários povos.

Há o povão das políticas sociais, sobretudo do Bolsa Família, que não se manifesta enquanto essas políticas são mantidas. Há o povo muito aguerrido formado por operários e setores da classe média, organizado em sindicatos e associações. Há o povo que foi à rua em 2013, de comportamento errático, composto de setores da classe média. E há o povo das redes sociais, de impacto crescente na política, mas ainda de difícil avaliação.

A diversificação da sociedade, a democratização da política e a fragmentação dos partidos estão na base da crise atual."

Do 247