Instituições
são normas, regramentos, padrões; físicos, imagéticos ou culturais criados pelo
homem com objetivo de constranger ou estimular determinadas ações e valores.
Isto desde as religiões teocráticas e despóticas da antiga Mesopotâmia, passando pela igreja católica
medieval, pelos estatutos das nobrezas europeias, pelo iluminismo do século
XVIII chegando até nossa sociedade hoje.
Quando
se cria, por exemplo, um ritual para se comemorar o dia da “pátria”, se está
incentivando que as pessoas cultuem uma ideia de nação e, ao mesmo tempo,
constrangendo aqueles que nisto não acreditam, de forma a que não se manifestem
abertamente. Claro que existem os usos perversos das instituições. O casamento,
por exemplo, que originalmente incentivava a monogamia heterossexual, a
sacralidade do papel de mãe da mulher e a consolidação de uma célula familiar
patriarcal, acabou resultando no encarceramento social e cultural da mulher,
por anos entendido como único papel socialmente aceito que poderia ser exercido
pela mulher.
A
reflexão política e social do século XVIII criou a ideia de “república” que,
aplicada às instituições, significava que para “estarem funcionando” as
instituições deveriam ser igualitárias. Deveriam, também, agir da mesma forma
sobre todos os indivíduos, agora chamados de “cidadãos”. O século XX traz a
ideia da transparência, da participação democrática e do respeito a um grupo de
valores ocidentalmente definidos, chamados “direitos humanos”. Assim, hoje,
para dizermos que uma instituição moderna “está funcionando” ela tem que ser
republicana, transparente, com participação democrática e respeitando os valores
básicos delimitados como direitos de todo ser humano, indiferente a qualquer
outra condição.
Claro
que existem instituições que não são modernas e recusam-se a enquadrarem-se
nesta perspectiva. Existem comportamentos, valores, padrões institucionalizados
que são exatamente o oposto do que deveria ser uma “instituição moderna” em
funcionamento. O racismo, o machismo e o conservadorismo preconceituoso, por
exemplo, são instituições culturais perversas que continuam a existir no nosso
mundo. Eles incentivam um tipo de comportamento que é considerado, por uma
maioria de pessoas, danoso para a sociedade. É uma luta diária opor-se a estas
instituições culturais ou comportamentais, e para isto os estados modernos
criaram leis e novas instituições cujo objetivo é vigiar estes comportamentos
indesejados. Vigiar e punir.
Aqui
está o ponto. No Brasil temos uma série de instituições (muitas vezes
sobrepostas) que deveriam constranger comportamentos não republicanos, não
transparentes, não democráticos ou que violem os direitos básicos de todo ser
humano. Desde a escola, igrejas, polícia, conselhos profissionais, ministério
público, poder judiciário e etc. Deveriam se manifestar imediatamente para
constranger comportamentos danosos à sociedade. Vemos, entretanto, que no
Brasil estas instituições não estão funcionando.
Quando
o preconceito nasce dentro de um colégio fica evidente que a equipe diretiva
deste colégio não está cumprindo sua função. Quando igrejas incentivam a
violência contra outras igrejas ou grupos, aproveitando de seus “fiéis” o poder
público republicano deveria imediatamente agir. Quando policiais matam à esmo,
agridem, torturam e violam os mais básicos direitos da pessoa humana o poder
judiciário deveria ser acionado e coibir estas práticas. Quando conselhos
profissionais não punem seus membros que atentam contra os princípios
republicanos eles contribuem para a inatividade das instituições. A simples
continuidade e reprodução destes comportamentos em nossa sociedade demonstra
que nossas instituições não estão funcionando. E estamos vendo não apenas a
continuidade destes comportamentos indesejáveis, mas sim o aumento
desavergonhado destas práticas.
Não
é porque um juiz ganha salário, cumpre horário, despacha e julga que a
instituição do judiciário “está funcionando”. Não é porque um policial espanca
manifestantes, joga gás de pimenta no rosto de cidadãos e prende ou mata jovens
negros na periferia que a polícia, enquanto instituição, “está funcionando”.
Não é porque temos um parlamento aberto criando leis que ele “está
funcionando”. Funcionar é cumprir a função social ou política original e coibir
comportamentos não transparentes, não democráticos, não igualitários ou contra
os direitos do cidadão e da pessoa humana. Do contrário é desperdício de
dinheiro do Estado. É embuste.
Nos
últimos 13 anos, vimos as instituições brasileiras serem mais inclusivas, mais
responsivas e independentes. Em níveis de expansão e melhora diferentes sim,
talvez não na velocidade que uns gostariam, mas, certamente, com avanços mais
rápidos do que outros (conservadores) estavam dispostos a aceitar. Todos os
índices mostram esta melhora. Alfabetização, escolaridade, aumento da malha de
atendimento da saúde, independência das instituições de fiscalização, inclusão
social de grupos antes marginais, alargamento dos direitos e garantias e etc. É
certo que não havia equidade destas garantias em todo território nacional. O
Brasil escuro, o Brasil profundo, o Brasil lento, nas categorias de Milton
Santos, é (e sempre foi) refratário a estas modificações. A luta era,
entretanto, avançar e aprofundar tais conquistas.
Em
2016, primeiro o golpe acabou com a democracia, anulando 54 milhões de votos.
Em seguida, acabaram com a República criando, com anuência judicial, o cidadão
de primeira, de segunda e terceira classes. Para alguns valia a lei da polícia
militar, julgando e matando sumariamente. Para outros o judiciário surdo,
punitivo, branco, moralista e de classe média enchendo nossas prisões. Outros
ainda mereciam não só o acobertamento do judiciário, mas da imprensa e de todas
as outras instituições.
É
verdade que isto sempre existiu e é característica da nossa sociedade? É. Não é
criação de Temer, mas é criação das elites que colocaram e sustentam Temer. A
luta não é por “diretas”, por “aposentadoria” ou por “legislação trabalhista”.
Apesar de importantes, estes temas são apenas a ponta do iceberg. A luta que se
desenrola hoje no Brasil é se queremos ser um país do século XX ou XXI que não
transige nem aceita ataques aos valores republicanos e democráticos ou se
queremos voltar ao país “deles”: elitista, baseado numa falsa meritocracia, que
defende uma ideia de liberdade branca, masculina, heterossexual, urbana e de
classe média. Um pais em que as instituições funcionam apenas para alguns
poucos e que abandonou qualquer ideia de igualdade e de cidadania. E não tem
vergonha disto.
Do GGN