A
tarde cinzenta e chuvosa chegava a parecer noite, de tão escura. Os outros
carros com os faróis e lanternas reluzentemente acesos e o meu com um farol e
uma lanterna enguiçados. “Pode confundir outros motoristas”, pensei.
Semanas
antes, fora a um eletricista de automóveis que me pediu uma centena e meia de
reais para trocar duas lâmpadas do tamanho de bolinhas de gude. De um carro
popular. Recusei a extorsão e fui deixando até que, na tarde escura e chuvosa,
percebi que por conta de alguns reais estava me arriscando.
A
oficina surgiu milagrosamente, como que em resposta aos meus pensamentos e
necessidades. Bem montadinha. A limpeza me deixou com boa impressão. Dois
homens uniformizados passaram uma sensação de confiança.
É
a esse que eu vou…
Dois
homens. Um deles, um rapaz de uns 35 anos, branco, olhos claros; o outro,
branco, careca, também de olhos claros, porém cinquentão como eu.
Cumprimentaram-me
educadamente e o mais jovem se retirou em seguida, saindo em um dos veículos
estacionados dentro do estabelecimento.
O
careca começou a desmontar minha lanterna traseira. Jogando conversa fora,
perguntei como andavam os negócios.
O
mecânico diz que, graças àquele filho da puta que falou que era uma
“marolinha”, estava tudo uma merda no Brasil.
Meu
ímpeto foi lhe dizer que Lula falou que a crise seria uma “marolinha” no já
distante 2008 e, depois daquilo, o Brasil se recuperou rapidamente da crise
iniciada com a quebra do banco dos irmãos Lehman. E que esta crise nada tinha
que ver com aquela.
Porém,
preferi descobrir mais sobre quem se confundia daquele jeito. Confesso que o
diálogo me deixou perturbado.
—
Você é o proprietário da oficina?
—
Não, não, sou prestador de serviço. Autônomo.
—
Você presta serviço a outras oficinas?
—
Não, só a esta.
—
Mas tem horário livre, não é?
—
Ah, quem me dera… Chego às 7 da manhã e saio às 8 da noite.
—
Nossa, trabalha bastante, hein! Pelo menos deve estar tirando uma nota…
—
Doce ilusão…
—
Como assim, você não ganha uns 5 paus?
—
Tá longe disso…
—
4?
—
Não.
—
3?
—
Não.
—
Pô! Mas, perdão, quanto você ganha?
—
É comissão de 40% sobre a mão-de-obra…
—
Mas quanto dá isso por mês, homem? Desculpe perguntar…
—
Sem problemas… Por volta de uns 2 paus.
—
Nossa, mas sem registro em carteira?
—
Senão o patrão não aguenta, é muito encargo. Ainda bem que a reforma
trabalhista vem aí…
—
Hein?!
—
O problema do Brasil são os encargos comunistas do “nove dedos”…
—
Desculpe, mas o autor dos encargos trabalhistas morreu em 1954…
—
Que seja, mas o PT ferrou o Brasil.
—
Mas, escute, esta bela oficina, cheia de equipamentos caros, toda pintadinha de
nova… Esse patrão não poderia pagar uns 800 reais de encargos trabalhistas?
Aliás, você mora em que bairro?
—
Santo Amaro…
—
Mas ele te paga o ônibus?
—
Não, eu sou autônomo, microempresário… Liga lá a chave e pisa no freio, por
favor.
Do
Blog da Cidadania