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terça-feira, 10 de abril de 2018

Chegou a hora de acabar com essa indesejável relativização do Direito, por Ricardo Lewandowski

*Artigo originalmente publicado na edição desta terça-feira (10/4) do jornalFolha de S.Paulo, com o título "Direito como tópica"
A crescente imprevisibilidade das decisões proferidas por juízes e tribunais vem alimentando uma visível descrença no Poder Judiciário.
Esse fato traz de volta uma velha questão: o Direito, afinal, é uma ciência ou simples técnica retórica? A resposta a essa pergunta tem suscitado acaloradas discussões ao longo de várias gerações de juristas.
Tal debate não se colocava ao tempo dos antigos romanos. O Direito, para eles, tinha cunho objetivo e eminentemente prático, empregado como instrumento para consolidar a paz social, inclusive nos vastos territórios que conquistaram.
Após a queda do Império Romano, a jurisprudência latina incorporou os usos e costumes dos chamados "povos bárbaros", dando origem a um sistema híbrido, que mesclava leis escritas e práticas ancestrais, o qual perdurou por toda a Idade Média.
Com a prevalência dos ideais iluministas, surgiram as primeiras Constituições, concebidas para enquadrar o poder político, e também as grandes codificações, destinadas a racionalizar a intrincada legislação que sobreviveu à época medieval. Na crença de que esses novos textos esgotavam todo o Direito, exigiu-se dos juízes que fossem aplicados literalmente, sendo-lhes vedada qualquer interpretação.
O aprofundamento da Revolução Industrial fez com que as sociedades se tornassem mais complexas e dinâmicas, ficando logo evidente que os diplomas legais recém-editados não logravam abarcar a totalidade do Direito. Como era de esperar, passaram a apresentar inúmeras lacunas, que tiveram de ser preenchidas mediante o emprego da analogia e de outros expedientes.
Várias escolas de hermenêutica, então, se sucederam. Algumas tentaram resgatar a imperatividade das leis escritas, a exemplo da positivista, cujo maior expoente foi o austríaco Hans Kelsen (1881-1973).
Outras, de índole relativista, ao contrário, buscaram ampliar a criatividade dos juristas, como aquela chefiada pelo alemão Theodor Viehweg (1907-1988).
Viehweg repudiava o tradicional método interpretativo, consistente em subsumir fatos a normas previamente selecionadas, segundo um raciocínio lógico-formal. É que ele concebia o Direito como uma tópica, cujo significado somente poderia ser desvendado caso a caso, por meio de uma argumentação pontual. Críticos não tardaram a concluir que tal concepção, levada a extremos, geraria enorme insegurança.
Parece que hoje alguns magistrados, sobretudo os da área penal, voltaram a considerar o Direito uma mera tópica, da qual é possível extrair qualquer resultado. E o fazem pela adoção desabrida de teorias estrangeiras, em especial germânicas e anglo-saxônicas, quase sempre incompatíveis com nossa tradição pretoriana, que extrai o Direito essencialmente de fontes formais.
Chegou a hora de colocarmos um paradeiro nessa indesejável relativização do Direito, a qual tem levado a uma crescente aleatoriedade dos pronunciamentos judiciais, retornando-se a um positivismo jurídico moderado, a começar pelo estrito respeito às garantias constitucionais, em especial da presunção de inocência, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Ricardo Lewandowski é ministro do Supremo Tribunal Federal e professor titular de Teoria do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Do Conjur

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Fux, Huck, FHC e os homens sem honra, por Aldo Fornazieri

O ministro Luiz Fux é um ficha suja. Não por determinações judiciais, mas o é de fato. A ficha suja de Fux (liminar na Ação Ordinária 1.773), a concessão de benefícios imorais ilegais e inaceitáveis aos juízes na forma inescrupulosa do auxilio moradia importa a saída de cerca de um bilhão de reais por ano dos cofres públicos. Sendo uma forma de salário indireto, uma forma de sonegação fiscal, os juízes deixam de pagar cerca de R$ 360 milhões por ano em imposto de renda por conta da ficha suja de Fux. Tudo somado, são vários bilhões desde 2014. É um assalto.
É bom lembrar: metade dos brasileiros - 100 milhões - vive com a renda de até um salário mínimo mensal. O valor do auxilio moradia dos juízes é de R$ 4.377, enquanto 90% dos brasileiros ganham até R$ 3.300 por mês. Esse auxilio, junto com outros penduricalhos, além de uma conduta inescrupulosa, constitui um crime contra toda a sociedade brasileira. Como ficam os sem teto diante disso? E os que perdem boa parte da renda pagando aluguel?
Se o Brasil tivesse Justiça, Fux deveria ser processado, condenado e preso pelo imenso prejuízo que está causando aos cofres públicos. É espantoso que os deputados da oposição não tenham proposto uma CPI para investigar o auxilio moradia e os outros penduricalhos dos juízes e das demais esferas do poder onde esses privilégios criminosos vicejam. Cada um precisa viver do seu salário, de forma honesta, andar com o seu carro, comprar roupa com o seu dinheiro, como os demais brasileiros vivem. Esses privilégios inescrupulosos clamam por uma revolução democrática para que os guilhotinem.
Alçado à condição de presidente do TSE, Fux, no alto da sua vaidade, da sua prepotência, quer fazer da sua vontade a lei, tal como a fizeram Moro e os três desembargadores do TRF-4 que condenaram Lula sem provas. Ao arrepio dos mecanismos legais, quer declarar Lula inelegível, rasgando as leis e a Constituição, como vêm fazendo vários ministros do STF e o próprio Tribunal enquanto instituição. Assim, a anarquia judicial vai se agravando no país, pois, o Judiciário parcial, partidário e corrupto se desmoralizou e desmoralizou as leis e a Constituição.
Huck e FHC e a arte do engano
O apresentador e o sociólogo voltaram a compor uma dupla de bailarinos para dançar em público a macabra dança do escárnio político. Huck é aclamado pelos analistas liberais porque rezaria pela cartilha do mercado. Mas é um liberal sem liberalismo, como o são os juízes moralistas sem moral. Huck pegou R$ 17,7 milhões do BNDES, com juros subsidiados pelo contribuinte, para comprar um jato particular. O paladino da nova política é também um invasor de espaço público na orla, perto de sua mansão. Na verdade, pouco se sabe sobre Huck: quanto ganha? Como é sua vida? É bom pai? Bom  marido? Sonega impostos? E por aí vai.
FHC e Huck carregam o estandarte da nova política. Se é verdade que a velha política faliu, também é verdade que a nova política não se constituiu. No mais das vezes, é um embrulho de fórmulas vazias, de democracia tecnológica, que nada tem de real porque não tem povo, não tem as misérias do povo, não tem as tragédias do povo, não tem a desigualdade do povo, não tem o sofrimento do povo não tem a dor da periferia, não tem a dor dos pobres, não tem a dor do Nordeste, não tem a dor dos negros, não tem a dor das mulheres e não tem a dor das minorias. No mais das vezes, a nova política é uma empulhação, uma coisa de velhacos, um fru fru das classe médias bem viventes. Veja-se, por exemplo, que o RenovaBR patrocinado por Huck e outros faróis da nova política, não tem nenhuma linha acerca do combate à pobreza e à desigualdade de renda e riqueza - principal problema do Brasil. Como Tocqueville nos ensinou, não há democracia sem igualdade e  a igualdade é a substância da liberdade. E esse pessoal vem falar de democracia...
FHC, que tem um apartamento em Paris, tem a miragem de um Macron tupiniquim. Parece não notar que Huck não é nenhum Macron e que a França não é o Brasil. O PIB per capita dos franceses é quase cinco vezes maior do que o PIB per capita dos brasileiros. O Brasil está mergulhado nas tragédias da violência, da fome, da pobreza, da desigualdade, da falta de educação e de saúde, na falta de moradia, de pesquisa, de tecnologia e de cultura. Não será com um caldeirão de engomadinhos e de ricaços que enfrentará esses dramáticos problemas.  Todos sabem que se Huck vier a ser candidato e vencer, o Brasil mergulhará numa nova crise: ou governará refém de um Congresso fisiológico ou sofrerá um impeachment, pois ele não tem força política e partidária organizada. Trata-se de uma aventura.
Homens sem honra
Honra, no sentido genérico, diz respeito à conduta virtuosa, corajosa e proba que permite um elevado conceito junto à sociedade para aqueles que a têm. Max Weber, em Política como Vocação, fala em "honra do servidor público", vinculando-a à vocação e ao princípio da integridade que este deve ter, sem as quais "estaríamos ameaçados por uma corrupção avassaladora e não escaparíamos ao domínio dos filisteus". Pois bem: essa honra, Fux, Moro, Bredas, Dallagnol, os três desembargadores do TRF-4 não a têm. São os filisteus a que se refere Weber. O Brasil, país de povo pobre, está dominado por filisteus de terno e toga, que corrompem a essência da moralidade pública, pois esta teria que ter como bastião principal, como cidadela inexpugnável, o Judiciário. Mas este mostra-se apodrecido é carcomido pelos vermes que vampirizam o sangue dos brasileiros.
Luciano Huck terá que decidir se se deixará mover pelo olfato aventureiro dos oportunistas ao querer ser presidente sem nunca ter sido político, aproveitando-se das desesperanças das pessoas, ou se se recolherá para uma meditação circunspecta, sem os arroubos da arrogância e da pretensão ao comparar-se ao Ulisses da Odisséia. Se for pelo segundo caminho até poderá começar uma carreira política honesta, pleiteando, em momento oportuno, a candidatura a altos cargos. Se fizer a primeira opção, estará buscando o poder pelo seu brilho, tomado pela vaidade, pois comandar o Brasil trágico é bem diverso do que comandar um caldeirão televisivo. Se for assim, será um homem sem honra no sentido weberiando, pois não terá senso de responsabilidade.
Senso de responsabilidade, que é o senso ético da política e o senso de honra principal do homem político, do homem público, Fernando Henrique o perdeu. Fundador e presidente de honra do PSDB, trai, sem pudor, não só a Alckmin, mas ao próprio partido. Se tivesse a honra weberiana deveria dizer o seguinte: "vim até aqui com o partido, mas não posso mais seguir com ele, não acredito mais nele e parto para outra experiência". Esta seria uma postura honrada, eticamente aceitável.
Ao enveredar pelas sendas da traição, FHC desmoraliza ainda mais a política e os partidos, debilitando esses dos seres já debilitados. Neste momento de crise e de extravio do Brasil são necessários movimentos aglutinadores de forças para construir alternativas confiáveis e sólidas. Não é a hora da aventura, do salve-se quem puder, da dispersão irresponsável, do oportunismo que espreita o poder sem propósitos. Como ex-presidente e no alto da sua experiência, FHC deveria ser o conselheiro prudente da nação. Mas depois que deu o tenebroso passo contra a democracia apoiando o golpe, perdeu o senso da ética da responsabilidade, traindo o partido e querendo jogar o país nos descaminhos da aventura.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
GGN

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Luís Nassif: Lava Jato e dois destinos, o juiz e o jornalista, Asmodeus e Gabriel, um conto surreal

Mefistófeles ouviu as queixas do jornalista. Era o mais talentoso da sua geração e nunca tivera oportunidades no ambiente burocrático das redações. Era o mais inteligente da escola, mas nunca tivera a habilidade para ser sociável e reconhecido apenas pelos seus méritos.
                                                    
Ele queria o poder e Mefistófeles concedeu. Você será o primeiro, se aceitar comandar as forças das trevas, ser o arauto do ódio e da intolerância, o chefe dos templários, o espírito de Átila e a voz dos hunos, o verdugo incumbido de executar os inimigos feridos no campo de batalha. Em troca eu lhe darei séquitos de bárbaros, legiões de criaturas das sombras, o comando do mercado da intolerância, que revistas, jornais, rádios e TVs ambicionam.

E assim foi feito. Mergulhou no mais profundo do esgoto humano, armou-se da retórica mais tenebrosa, espalhou ódio, intolerância, executou inimigos e foi compensado. Seu discurso foi agasalhado pelo segundo maior partido político, a mídia se abriu para o seu reinado e ele foi transportado para os píncaros do jornalismo de esgoto, como o porta-voz máximo da intolerância.

Chegando ao topo, sentiu que faltava algo. As chamas do ódio espalhavam-se por todos os poros da nação e as fogueiras da inquisição passaram a queimar os seus. E, aos seus pés, via como seguidores o populacho mais selvagem, babando ódio, dividindo suas atenções com artistas pornôs, youtubers de terceira, uma turba vociferante e desqualificada.

Olhou então para o juiz que construíra sua reputação colocando tijolos de jurisprudência no edifício da civilização, o trabalho lento e pertinaz de trazer a luz. E o invejou.

Procurou então Mefistófeles e lhe propôs: agora que tenho o poder, eu quero o respeito. Não quero mais ser o capanga: quero ser o conselheiro.

Mefistófeles refugou: isso não estava no combinado. E o jornalista decidiu percorrer o novo caminho por conta própria. Por algum tempo revestiu-se de seriedade, combateu o ódio que ele próprio disseminara, as fogueiras que ele espalhara, com um senso de lealdade para com os seus e de coragem raros entre os súditos de Mefistofeles.

Porém, quando se despiu da capa vermelha flamejante da ambição e colocou o manto dos conceitos, Mefisto considerou o trato desfeito e o jogou do alto do penhasco.

Enquanto caía, cruzou com o juiz que subia, com beca de Ministro do Supremo.
O juiz nascera tímido. Faltava-lhe coragem e destemor para as grandes batalhas. Por isso, fez carreira semeando o bem e tentando a unanimidade, conquistando o respeito, sendo o pai dos desassistidos, o jurista dos vulneráveis, a alma boa dividida entre grandes questões morais e o escritório de advocacia das causas menores, que também não era de ferro.

Reconhecido, entrou para o Olimpo do direito. E de lá contemplava com olhos úmidos o gozo de prazer dos poderosos. Via o jornalista espirrando ódio por todos os poros, cavalgando a intolerância, e infundindo temor. E o invejou.

Procurou Mefistófeles e lhe propôs: eu tenho o respeito, agora quero o poder. Não quero mais o papel do bonzinho, cuja timidez encobria o gozo mórbido da violência e que, no colégio, se intimidava com o grupo dos valentões. Quero comandar os valentões. Além disso, sem a aliança com as legiões das sombras, corria o risco de ter sua vida devassada, sua reputação colocada em dúvida, o sucesso do escritório ameaçado.

E Mefistófeles topou na hora. Imediatamente, o juiz trocou o manto da sobriedade pela capa flamejante do poder e fechou um pacto de sangue com as sombras. Com os olhos rútilos de sangue, passou a autorizar todos os esbirros do poder, todos os desrespeitos aos direitos. Tornou-se temido e poderoso.

Até o dia em que liberou 2.040 gravações de conversas sem interesse jornalístico e deu o empurrão final no poder do jornalista, vazando uma conversa irrelevante com uma fonte.

Foi quando Mefistófeles surgiu na sua frente:

- Imprudente! Não se contentou com todo o poder que lhe dei? Como ousa afrontar um dos tabus do centro do meu poder, a mídia, vazando a conversa de um jornalista com a fonte? 
       
E o sacrifício do jornalista ajudou a conter as ameaças contra o jornalismo e a abrir os olhos da mídia e do país para o Asmodeus que fugiu ao controle.

Do GGN, Luís Nassif