Para
o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, a Lava Jato trabalha fora das regras e
ameaça as garantias individuais ao promover ações de perseguição política que
se utilizam do Direito como ferramenta de poder. Ele afirmou que as causas
desse desequilíbrio devem ser procuradas num sistema remuneratório
completamente "anárquico" no serviço público, que privilegia
determinados grupos que têm maior poder de barganha, e disse que "o grupo
de Curitiba – que nunca incomodou Temer – tem causando mais estrago do que a
corrupção que quer combater".
Aragão
e a advogada Valeska Martins, que integra a defesa do ex-presidente Lula, foram
convidados pelos alunos da Faculdade de Direito da USP para debater, na manhã
desta quarta-feira (16), os impactos da operação Lava Jato do ponto de vista da
aplicação do direitos.
Mais
do que os impactos, o ex-ministro procurou identificar algumas causas de um
processo que, segundo ele, vem contribuindo para a perda de referencial ético
em toda a sociedade. Jovens procuradores do Ministério Público, mesmo em início
de carreira, passaram a alcançar maiores remunerações do que professores
universitários e diplomatas experientes, provocando distorções nas carreiras do
serviço público. "Valorizam-se umas carreiras, e desvalorizam-se outras, sem
considerar o tipo de sociedade que se quer", afirmou.
Para
justificar os salários e benesses perante à sociedade, e em busca de prestígio,
mostram "os dentes", em dito combate à corrupção, que não identifica
as causas, mas busca atacar apenas seus "sintomas", e se utilizam
desse mesmo discurso para acuar agentes políticos na hora de definir os
reajustas às corporações. "Estão vendo Roma arder e dançando em volta da
fogueira."
Segundo
ele, todas essas deturpações têm como pano de fundo a barganha política que
todo governo precisa para conseguir montar base num Congresso com mais de 30
partidos, como é o caso brasileiro.
O
ex-ministro apontou ainda a responsabilidades do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF), que permitiram a criação
indiscriminada de partidos, que se transformam em "legendas de
aluguel", com as quais o parlamentar negocia sua infidelidade e seu
mandato.
À
RBA, Aragão afirmou que a decisão do juiz Sérgio Moro de condenar o
ex-presidente Lula é de "baixíssima qualidade técnica" mas que, nesse
cenário em que não há mais "segurança jurídica", é difícil fazer
qualquer tipo de previsão sobre a possibilidade de a decisão ser ou não revista
em instâncias superiores.
Ele
lembrou que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre,
tem reformado cerca de 30% das decisões de Curitiba, mas acha que,
independentemente da decisão do TRF-4, "Moro vai continuar lançando seus
torpedos" contra Lula. Segundo Aragão, Moro já demonstrou "claramente"
que é um "juiz partidário".
Para
a advogada Valeska Martins, a Lava Jato promove "perseguição
política" contra Lula, e a defesa não reconhece legitimidade e
independência suficientes no juiz Moro para julgar o ex-presidente. Ela diz não
restar dúvidas sobre a falta de imparcialidade do juíz, e diz que a própria
percepção da população compromete o julgamento. "A percepção da população
é que esse processo não será justo."
Segundo
a advogada, Lula é alvo de uma "guerra jurídica" – ou lawfare, quando
as leis são utilizadas como arma de perseguição política – e que, dessa forma,
o processo da Lava Jato é "cruel, violento, ilegal e ilegítimo".
Ela
citou "grosseiras violações de direitos humanos" cometidas pela Lava
Jato, desde a condução coercitiva do ex-presidente Lula, – que foram objetos de
denúncia à ONU – e afirmou que o "estado de exceção" ficou
estabelecido quando o TRF-4 disse que Moro não precisa seguir as normas legais
aplicadas a todos os demais processos comuns, em decisão de setembro passado.
Valesca
destacou que, se por um lado o Ministério Público se utiliza de denúncias
publicadas pela imprensa para a instauração de procedimentos que viram
inquéritos, por outro a mídia baseia 70% do noticiário em denúncias do MP e da
Polícia Federal e de casos que correm na Justiça como fonte de suas matérias,
em um processo que se auto-alimenta.
Ela
lembrou ainda que os direitos fundamentais – como o direito ao devido processo
legal, e o direito a não ser perseguido por suas ideias – que vêm sendo
transgredidos pela Lava Jato são "conquistas civilizatórias", que
custaram luta e dor ao longo da história, e em todas as partes do mundo, e que
agora estão em risco.
GGN