segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Eu, Dallagnol e o corporativismo do Ministério Público., por Eugênio Aragão

Antes de me aposentar, fui alvo de um Processo Administrativo Disciplinar no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) porque, num artigo para o sítio eletrônico do Consultor Jurídico, havia dito que o colegiado passara a ser expressão do corporativismo do MP, decidindo conforme o agrado da plateia que é chamada a eleger boa parte de seus membros.
Soube, depois de publicado meu artigo, que muitas de suas excelências tinham ficado sentidas, dizendo-se gravemente ofendidas. Como conhecia pessoalmente os membros do órgão, resolvi pedir-lhes desculpas para a hipótese de minhas palavras terem ferido suscetibilidades. Não havia sido essa a intenção.
Não adiantou.
O então corregedor do Conselho instaurou o procedimento disciplinar, no qual fui instado a dar minhas razões. Demonstrei cabalmente que o objetivo não era insultar ninguém, mas descrever vícios num processo decisório. Fiz outra matéria, no mesmo espaço do Conjur, reiterando minhas escusas.
Mais uma vez, meu tiro foi n’água. Não consegui aplacar a ira das briosas excelências ofendidas. O corregedor abriu o PAD monocraticamente. Foi repreendido pelo Ministro Gilmar Mendes, que determinou fosse a decisão de instauração do processo submetido ao plenário do CNMP.
Assim foi feito. Na sessão que cuidou da matéria, Janot, desnecessário dizer que era suspeito, cedeu a presidência ao colega Bonifácio de Andrada, que muito elegantemente dirigiu os trabalhos. Todos os conselheiros votaram a favor da abertura do PAD, com exceção do presidente ad hoc, que defendeu com ardor minha liberdade de expressão.
(Confesso que fiquei tocado com a solidariedade inesperada do colega Bonifácio de Andrada, que mostrou hombridade e retidão de caráter).
As declarações de voto dos conselheiros foram patéticas. Não escondiam sua irritação e desancavam contra meu topete, minha ousadia de “ofender” o colegiado. Só rindo para não chorar. Afinal, já que suas excelências se faziam de vítimas, deveriam, a exemplo de Janot, se declarar suspeitas. Passaram a alimentar contra mim indisfarçada hostilidade. Sem exageros: nunca se viu tanto grito, choro e ranger de dentes no CNMP.
Mas não. As bicudas vítimas abriram o PAD contra mim, para se desagravarem. Claro que um mandado de segurança resolveria a teratologia colegiada. Mas preferi, cansado de guerra, aposentar e o PAD, que, se chegasse a termo, não levaria a mais do que uma advertência, foi arquivado.
Depois de 30 anos de serviços prestados ao MPF, sem qualquer mácula – tendo ocupado quase todos os cargos de direção da instituição – e mais sete anos de serviços ao executivo, nos ministérios da Educação e da Justiça, sem nenhuma censura, chegava ao fim minha vida pública, passando pela experiência de ser admoestado por conselheiros que não sabem distinguir sentimentos pessoais dos deveres da função. Triste constatação.
Por que conto isso hoje, depois de quase seis meses de minha aposentadoria? Porque soube na semana que se encerra que o mesmo CNMP liberou o Sr. Deltan Dallagnol, aquele jovem procuradorzinho tagarela de Curitiba, a fazer palestras remuneradas sobre assuntos de sua atuação funcional, pois, afinal, tratando-se, segundo os briosos conselheiros, “atividade de interesse público”, a remuneração teria apenas “caráter indenizatório”.
Pimba! O CNMP tirou-me uma pedra do coração. Se minha consciência, meu rabugento sargento interior, me impunha, antes, dúvidas sobre a justiça de minha invectiva, o colegiado finalmente deu provas de que eu tinha falado a verdade, por mais crua: o CNMP se revelou órgão da corporação nacional do ministério público.   
A decisão que franqueia o procuradorzinho a encher as burras com dinheiro de palestras remuneradas por controvertidas fontes é apenas mais uma teratologia colegiada, por diversas razões. Vamos a cada uma delas.
Se fosse tecnicamente honesto, o CNMP (assim como, antes, devesse ter sido seu irmão siamês, o Conselho Nacional de Justiça, ou CNJ, que deliberou de forma semelhante para juízes, dando origem à lambança) deveria se lembrar que a remuneração de membros do MP por fontes privadas encontra clara delimitação na Constituição.
O art. 128, § 5º, II, não deixa margem a dúvida, aplicando-se-lhes, dentre outras, as seguintes vedações: “receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais” e “receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei”. A Lei Complementar nº 75, de 1994, a Lei Orgânica do Ministério Público da União, repete parcialmente a disposição constitucional em seu art. 237.
A vedação é clara. Membros do ministério público não podem perceber remuneração por fora. Está é a regra geral. Não podem receber honorários a qualquer título. Ponto. Nem por consultorias e nem por palestras, conferências ou coisas do gênero. Também não podem receber de entidades públicas ou privadas, seja qual for o pretexto, qualquer auxílio ou contribuição, de caráter indenizatório ou não. Tanto faz, a natureza, a Constituição não distingue e não cabe ao intérprete distinguir.
Há três exceções à vedação. A primeira é a participação em sociedade comercial ou não, como cotista ou acionista. A segunda é o magistério.  E a terceira é a advocacia, que, por disposição constitucional transitória (art. 29, § 3º, do ADCT), é excepcionalmente permitida aos que ingressaram na carreira do Ministério Público Federal antes da promulgação da Constituição de 1988, em decorrência do direito de opção pelo regime funcional anterior.
No primeiro caso, não se trata de remuneração por desempenho de qualquer atividade, mas de remuneração de capital. Não se aplica, pois, à nossa discussão. O terceiro caso também não interessa para o exame do caso Dallagnol, pois palestras não se confundem com advocacia e o moço é um “greenhorn”, muito novo para falar em regime anterior a 1988.
Então sobra para o jovem mancebo o tal magistério, seu único meio de ganhar uns trocados extra fora da carreira, sem levar em consideração seus investimentos especulativos em imóveis do programa social “Minha Casa Minha Vida”.
A Constituição disciplina a atividade docente por membros do ministério público no art. 128, § 5º, II, d. É de observar que sua liberação é tratada ali (e na lei complementar) como hipótese de acumulação de cargos públicos apenas. Cuida-se, consequentemente, de acréscimo de vencimento aos ganhos de promotores ou procuradores, dentro do teto constitucional (esse aspecto, aliás, até hoje não está completamente pacificado, havendo quem entenda que a soma dos ganhos deva observar o teto e outros que preferem que cada cargo tenha teto próprio, incomunicável).
Na prática, entretanto, tem-se incluído, na permissiva, o magistério assalariado em instituição privada, que, conquanto não envolva acumulação de cargos públicos, deveria ter o mesmo tratamento no que diz respeito ao acréscimo lícito de ganhos, até porque o ensino superior privado é serviço público autorizado ao particular.
Curiosamente, em relação aos juízes, o art. 95, parágrafo único, I, da Constituição adota redação diferente da que consta, para membros do ministério público, no art. 128, § 5º, II, d, sendo, a estes últimos, vedado “exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério”. Para os magistrados, outrossim, não se trata apenas de limitação ao acúmulo de cargos públicos, mas, de um modo geral, de restrição de pluralidade de atividades remuneradas, de certo para não prejudicar o desempenho do exercício da jurisdição.
Assim, aos juízes é vedado “exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério”, aqui sem distinguir se o cargo ou função é pública ou privada. Mas, do mesmo modo que os membros do ministério público, juízes não podem “receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei”.
O CNJ, adiantando-se ao CNMP, espertamente resolveu disciplinar essa exceção à vedação de acúmulo de atividades remuneradas para os juízes, misturando alhos com bugalhos e contrabandeou “palestras”, mesmo por magistrados sem formação acadêmica, ao meio da regulamentação de magistério.
A partir de então, como corolário da liberação, qualquer palestra proferida por magistrado poderia ser remunerada, como se magistério fosse: auto-ajuda, boas maneiras, culinária, zen-budismo, homilias em templos, biodança ou até yoga. Afinal, onde a lei não distingue, não caberia ao intérprete distinguir…
Para esse efeito, foi editada, em 2016, a Resolução CNJ nº 226, que, à guisa de cuidar de magistério, alterou a Resolução 34/2007 e passou a dispor em seu art. 4-A: “A participação de magistrados na condição de palestrante, conferencista, presidente de mesa, moderador, debatedor ou membro de comissão organizadora […] é considerada atividade docente para os fins desta resolução”.
A única limitação temática para magistrados palestrantes é prevista no § 3° do art. 4-A: “A atuação de magistrados em eventos aludidos no caput deste artigo deverá observar as vedações constitucionais relativamente à magistratura […], cabendo ao juiz zelar para que essa participação não comprometa a imparcialidade e a independência para o exercício da jurisdição, além da presteza e da eficiência na atividade jurisdicional”.
Quem conhece a prática de magistrados palestrantes, sabe que o dito § 3° jamais foi e parece que não será observado por boa parte deles e sem qualquer consequência disciplinar. Norma sem sanção é como banho sem sabão. É só reparar para as recorrentes declarações políticas de Moro et caterva, ou, com muito mais frequência, do Ministro Gilmar Mendes nessas ocasiões, muitas constituindo verdadeiro pré-julgamento de feitos em curso, que logo se constata que o CNJ normatizou só para “inglês ver”.
Essa cupidez em disciplinar mais um ganha-vinténs para suas excelências sugere, em verdade, que estão a precisar se safar duma carestia que não dignifica seu sacerdócio. Coitados, ganham tão mal. A começar por muitos magistrados da cúpula que fazem das “palestras” uma fonte de ganho extra. Alguns até no exterior. E o fazem com regularidade tal, que não raro faltam a sessões dos tribunais para ganhar seus caraminguás em algum evento de academia, empresariado ou corporação.
O CNMP, em sua resolução que trata do magistério (Resolução nº 73/2011) não cuidou de palestras. Por isso, ao decidir a situação do Sr. Deltan Dallagnol, parece que preferiu tomar de empréstimo a regulamentação do CNJ. E, como vimos, a disciplina constitucional não é idêntica.
A vedação, na Constituição, de receberem, membros do ministério público e juízes, qualquer auxílio ou contribuição de pessoas físicas e entidades públicas ou privadas tem sido letra morta, pois palestras, na maioria dos casos, não são atividade docente e muitas regiamente remuneradas. Que docentes profiram palestras, é da natureza de sua vocação acadêmica, mas nem por isso todo palestrante é docente! A identificação de uma atividade com outra é escancaradamente falaciosa.
Para começar, atividade de magistério em faculdade particular só se inclui entre as exceções da vedação de atividades extrafuncionais de membros do ministério público por um exercício hermenêutico, dada a natureza da prestação do ensino privado como serviço sujeito a autorização pública. Simpósios e conferências, eventos com palestrantes, na FIESP, no Instituto Millenium, em Harvard, em seminário da Editora Abril ou coisa que o valha não se confundem com ensino privado, por lhes faltar o indispensável ato autorizatório que publiciza o empreendimento educacional particular. Logo, as palestras ali proferidas com paga são completamente estranhas à hipótese excepcional da Constituição.
Só se poderiam liberar palestras que fossem decorrência de atividade de docência regular, comprovada, não se incluindo entre elas homilias piegas em templos, discursos politiqueiros no recebimento de prêmios, aulinhas sobre “combate à corrupção” em cursinhos “Walita”, exposições para empresários e suas organizações para-sindicais ou, até mesmo, participação remunerada em simpósios de universidades estrangeiras se o expositor não é docente.
Pior ainda é a utilização de coach ou empresário para vender as palestras do membro do ministério público. Nesse caso, já se trata de verdadeira atividade de mercancia, porque regular e destinada ao faturamento de vulto mediante contraprestação de um serviço economicamente estimável. E a atividade de comércio é proibida não só para membros do ministério público, mas para servidores em geral.
É totalmente irrelevante se o fruto desse comércio é destinado aos bolsos do Sr. Dallagnol e outros que incidem no mesmo ilícito, ou se vai para uma instituição de caridade, para angariar graça da opinião pública. A escolha do que fazer com o dinheiro, se destinado a comprar uma Ferrari ou a fazer doação de maior nobreza d’alma, é um problema moral, mas não jurídico.
Enfim, qualificar palestras desse jaez como de “interesse público”, como o fez o CNMP no caso do Sr. Dallagnol, só pode ser entendido como chiste de mau gosto, ou completo descolamento da realidade institucional. “Falta de noção”, como diriam os jovens.
Desde quando procurador tecer juízos sobre investigados ou acusados em palestras é de interesse público? Desde quando revelar-se, o membro do ministério público, militante de causas moralistas, quase partidárias, num momento de tanta polarização política, é de interesse público? Desde quando tornar público slide de “PowerPoint” com prejulgamento de ator político é de interesse público?
É de interesse público que o ministério público se cale. Só fale nos autos. Suas manifestações têm enorme potencial de acirrar conflitos, mormente quando trata a ferro e fogo pessoas sobre as quais ainda prevalece a presunção de inocência. É de interesse público que o ministério publico se porte dentro dos estritos ditames da lei, respeitando os outros poderes e seus agentes, dentro do princípio de sua separação harmônica.
É de interesse público que o membro do ministério público não invada, com seus juízos públicos, a esfera de atribuição de outros órgãos, como a do Procurador-geral e a de colegas em outros estados. É de interesse público que o ministério público colabore com órgãos do executivo em suas competências próprias, como a recuperação de ativos e a leniência fiscal e de poder de polícia.
Para nada disso as palestras do Sr. Dallagnol têm contribuído e, porque logrou apoio da mídia e de expressivos setores atrasados da sociedade, o CNMP se acanha. Não lhe toca um só cabelo. Deixa acontecer, no mais puro espírito corporativo.
Enquanto isso, muito além do interesse público, não bastasse o Sr. Dallagnol e seus colegas receberem subsídios perto do teto constitucional, apesar de sua tenra idade e pouca experiência, o CNMP lhes permite, à margem do direito, se remunerarem com palestras que mais se assemelham a comícios de campanha. Se isso não for o mais bronco corporativismo, o que será?
A verdade dói, Senhores Conselheiros, mas, como ensina o evangelho de João, “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Joh 8:32). Talvez, gentilmente advertidos, repensem sua teratológica decisão e se libertarão dos vícios de sua corporação.
DCM

O Xadrez do PSDB, um partido à procura de rumo, por Luis Nassif

Peça 1 – O fim da era dos economistas tucanos
A tentativa do Instituto Teotônio Vilela, do PSDB, de produzir uma atualização dos princípios do partido, provocou revolta no grupo dos financistas que empalmou o discurso do partido desde o plano Real.
A saída de Tasso Jereissatti da direção do partido havia tirado o último elo de ligação com a Casa das Garças.
Presidido por José Aníbal, o ITV deu satisfações a Edmar Bacha e ignorou as críticas de Elena Landau, por irrelevantes, entendendo que ela apenas queria valorizar sua saída do PSDB.
​A saída dos economistas preenche uma lacuna. Agora, haverá espaço para o partido pensar o país sistemicamente.
A questão é o que será colocado no lugar. Não será tarefa fácil. 15 anos fora do poder, sob o comando de lideranças sem capacidade de formulação – como Alckmin, Serra, FHC e Aécio – o partido murchou intelectual e programaticamente.
A tentativa de montar um programa, em todo caso, ajudará a dar um pouco mais de consistência às discussões e ao discurso monotemático, preso a um antipetismo tosco.
Peça 2 – o fator Geraldo Alckmin
A autodestruição de João Dória Jr consolidou a imagem que se tinha de Geraldo Alckmin, do político habilidosíssimo na arte da não tomada de posição. Ele se locomove silenciosamente entre as brigas partidárias, recusa os grandes lances políticos, não entra em bola dividida e tem enorme objetividade na construção das alianças com o poder.
Quando Lula foi eleito, havia receios de que estivesse nascendo o PRI (Partido Revolucionário Institucional) brasileiro – o partido que logrou controlar todos os sistemas de poder no México.
Hoje em dia, São Paulo é o melhor exemplo da estratificação política do PRI. Alckmin conseguiu manter sob estrito controle a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Justiça, o Ministério Público Estadual e a PM. O aparelhamento ocorreu em todos os setores, da TV Cultura à Fundap, desperdiçando o enorme potencial intelectual disponível nas instituições públicas paulistas. É impressionante sua capacidade de promover um desmonte silencioso do Estado, sem que ninguém se pronuncie.
Ao mesmo tempo, representando o partido que transformou a gestão em palavra de ordem, não se conhece dele uma política inovadora, uma modernização administrativa. Mesmo sendo governador do Estado mais avançado, dispondo das corporações mais modernas e das instituições mais reputadas.
Recentemente, o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) emitiu uma resolução definindo a faixa litorânea a ser respeitada em todo o litoral brasileiro. O único estado que se insurgiu foi São Paulo através justamente da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). Houve reação do Ministério Público Federal e Estadual. Agora a Cetesb provocou o Conama para revisar resoluções anteriores e flexibilizar para o país inteiro.
Trata-se de um escândalo considerável que, como tudo o que sai de Alckmin, passa ao largo da fiscalização da mídia.
Mesmo assim, com ou sem Lula a Lava Jato e a mídia terão de redobrar esforços para conferir um mínimo de competitividade a Alckmin nas próximas eleições presidenciais. Principalmente com a tendência de que se torne o candidato de Michel Temer.
Peça 3 – o governo de São Paulo e o fator Serra
Se no plano federal o PSDB será pouco competitivo, no plano estadual o único trunfo com que conta é o antipetismo exacerbado. E nada mais.
Para as próximas eleições para governo do Estado, sabe-se quem não será: José Serra e João Dória Jr. Pelo menos se depender das lideranças históricas do partido. Mas não se sabe quem será.
Serra se tornou um eremita, confinado em seu apartamento de São Paulo, enfrentando alguns conflitos familiares. No auge da pressão da Lava Jato internou-se no Sírio Libanês. Quem se encontrou com ele se surpreendeu com frases desconexas, como no famoso episódio dos BRICS (em que ele não conseguia identificar os cinco países). Depois, se constatou que era apenas paúra da boa, pavor da Lava Jato, que o fez inclusive abrir mão do cargo de Ministro de Relações Exteriores.
Quando Gilmar Mendes conseguiu matar a bola no peito, Serra recobrou a calma. Mas é considerado carta fora do baralho, inclusive por antigos seguidores que o têm aconselhado a se contentar com mais quatro anos de Senado. Na cúpula do partido, já existe um acordo tácito de não permitir que Serra se aproxime de nenhum documento relevante, ou de qualquer reunião fechada, pois sabe-se que no dia seguinte a informação estará nos jornais.
Hoje em dia, Serra perdeu seu maior trunfo político: a capacidade de produzir dossiês contra adversários, que recebiam ampla acolhida na mídia. Os poucos jornalistas aliados apenas ajudarão a mitigar as denúncias que ainda brotarão da Lava Jato.
Seu trabalho no Senado para as petroleiras talvez seja seu canto de cisne no lobby de alto coturno. Daí seu esforço para entregar a encomenda.
Peça 4 – o fator João Dória
João Dória Jr se tornou um caso raro de unanimidade partidária negativa dentro do PSDB e ajudou no renascimento político de Alberto Goldman. Sua crítica a Dória, beneficiada pela reação desastrada do criticado, alçaram Goldman à condição de voz referencial do partido em São Paulo.
Já Dória conseguiu incorrer em todos os mandamentos do político desastrado: deslealdade com os padrinhos políticos; ambição desmedida; discurso desconexo; descaso com a prefeitura; professor de Deus em qualquer matéria; imprudência nos factoides, a ponto de endossar ração para crianças.
É tanto desastre simultâneo que, na cúpula do partido, ele se tornou objeto de avaliações psicológicas.
É possível que surja um outro nome para o governo do Estado. Certamente Jose Anibal está se colocando em campo. Poderá até juntar novas ideias ao programa, mas dificilmente conseguirá definir a palavra de ordem, a plataforma.
Peça 5 – o espaço para o tertius
As próximas eleições serão uma com Lula, outra sem Lula. Com Lula, não haverá espaço para novos candidatos do centro-esquerda e esquerda. Será favorito absoluto para presidente. Daí a pressa da Lava Jato e dos desembargadores do TRF-4 de acelerar os processos e tentar tirá-lo do jogo.
Há manobras alternativas, como o tal semipresidencialismo, seja lá isso o que for.
Sem Lula, abre-se um amplo espaço para o outsider.
Conforme muitos analistas, começando a campanha o fenômeno Bolsonaro murchará. Dependendo da solução encontrada pelo PT, haverá espaço para crescimento de Ciro Gomes.
A ideia de que se fortalecer o tal centro democrático esbarra na falta de lideranças efetivas desse centro, e na radicalização do discurso político que impede qualquer convergência de propostas em muitas políticas que, slogans à parte, já são quase consenso nos meios técnicos.
Nos últimos dias, houve algumas tentativas de se mostrar a continuidade dos avanços no Brasil nos governos FHC, Lula e Dilma. Mas a retórica de guerra, insuflada pela mídia, ainda impede qualquer lufada de bom senso.
GGN

domingo, 3 de dezembro de 2017

A Lava Jato simulou acordo de delação com Tacla Durán utilizando conta inativa em paraíso fiscal., por Luis Nassif

Zucolotto, Moro, Sanuel Rosa e Rosângela em show do Skank
Esta reportagem faz parte da série sobre a indústria da delação premiada da Lava Jato, projeto de crowdfunding do DCM com o GGN. As demais estão aqui
As acusações do advogado Tacla Durán contra a Lava Jato se fundamentam em três documentos
O primeiro, no print das telas do celular, com a suposta conversa com o advogado Carlos Zucolotto Junior, melhor amigo de Sérgio Moro e sócio de Rosângela Moro em escritório de advocacia.
Na proposta original de delação, Tacla recebeu uma condenação de US$ 15 milhões, além das penalidades criminais.
A conversa com Zucolotto foi por Wickr, um aplicativo que deleta as mensagens depois de cinco segundos. Tacla teria fotografdo as mensagens antes de sumirem.
Na conversa auditada, Zucolotto sugere uma contraproposta, diminuindo para um terço o valor da multa, mediante o pagamento de R$ 5 milhões “por fora”, “porque tenho que resolver o pessoal que vai ajudar nisso”.
Menciona um encontro com uma pessoa “para melhor isso com o DD”. O único DD da Lava Jato é o procurador Deltan Dallagnol, chefe da equipe do Ministério Público Federal.
As conversas teriam ocorrido no dia 24 e 25 de maio.
Apenas dois dias depois, em 27 de maio, o advogado de Tacla recebe um e-mail do procurador Roberson Henrique Pozzobon, com cópia para seu colega Carlos Fernando dos Santos Lima.
No assunto, “Termos de proposta de acordo – Prazo de validade”.
No texto, Pozzobon diz que a minuta está fechada. “Fizemos ontem os ajustes finais com os colegas do GT [grupo de trabalho] de BSB”.
E avisa que a próxima reunião seria no dia 30 de maio.
Anexado, a minuta do acordo explicitando a esperteza que seria adotada para mudar os valores.
A minuta previa uma multa total de R$ 55.785.200,00. E dizia para quem seria o pagamento: 80% para a Petrobras e 20% para a União. O “colaborador” – como é tratado Tacla Duran no documento – “compromete-se a depositar em conta judicial no prazo de 30 dias após a homologação do acordo”.
E, aí, entra a esperteza. Os valores deveriam sair da conta de Tacla em Andorra. Ocorre que os procuradores já sabiam que essa conta estava zerada.
Diz a proposta de acordo: “Caso o COLABORADOR comprove que, no prazo de 30 dias da homologação do presente acordo não pode, por motivos alheios à sua vontade, internalizar e depositar em juízo o valor pactuado (…) o MPF buscará a internalização dos valores por via própria”.
“Se as diligências (…) não permitirem a internalização dos valores em prazo razoável a ser estabelecido pelo MPF, o colaborador compromete-se, no prazo de 20 dias de sua notificação pelo MPF, efetuar o pagamento de multa no valor de R$ 13.827.000,00 (os US$ 5 milhões na cotação do dia)”.
Os procuradores  e Zucolotto sabiam que não havia dinheiro na conta de Andorra e que na conta de Cingapura, declarada à Receita Federal, havia saldo suficiente para os pagamentos.
Tacla recusou o acordo, pelo fato de não ter sido mantida a condenação penal. A conta de Cingapura foi bloqueada em seguida e o MPF nunca pediu o bloqueio da conta de Andorra, comprovando que sabia da falta de movimentação nela.
A defesa da Lava Jato tem sido a de minimizar a denúncia. Não dá mais. Nem a própria imprensa tradicional está conseguindo conter a ansiedade de colunistas e repórteres.
E, aí, a Lava Jato entra na chamada sinuca de bico. Em algum momento, terão que prestar contas e dar explicações plausíveis sobre o episódio. Se não fizerem, a dinâmica da suspeição se alastrará. Se prestarem, quebra-se a aura da intocabilidade. Em qualquer hipótese, Tacla conseguiu enfiar um punhal no fígado da delação premiada.
DCM

Na nova pesquisa Datafolha Lula sobe, Alckmin cai e hoje seria 52% a 30% no segundo turno

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fortaleceu sua liderança e o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) está isolado em segundo lugar da corrida presidencial, segundo indica pesquisa do Datafolha.
A constatação coincide com o momento em que o PSDB tenta emplacar o nome do governador Geraldo Alckmin (SP) como o candidato das forças de centro no pleito de 2018, contrapondo-o aos extremos da esquerda e direita, personificados respectivamente em Lula e Bolsonaro.
Além disso, o apresentador Luciano Huck, alvo de especulações para a mesma tarefa, disse que não será candidato.
O instituto fez 2.765 entrevistas entre 29 e 30 de novembro, em 192 cidades. A margem de erro é de dois pontos para mais ou menos.
Como houve alterações em cenários, só é possível comparação com levantamentos anteriores nas simulações de intenção espontânea de voto no primeiro turno e estimuladas no segundo.
O tucano, hoje, está em quarto lugar na disputa em um cenário com a maior gama de candidatos colocada, empatado numericamente com o ex-governador Ciro Gomes (PDT, 6%) e tecnicamente com o ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa (sem partido mas cortejado pelo PSB, 5%) e o senador Alvaro Dias (Podemos, 3%).
Aqui, Lula lidera com 34% e Bolsonaro o segue com 17%. Marina Silva (Rede) aparece numericamente acima do pelotão encabeçado por Alckmin e Ciro, mas tecnicamente empatada com ambos.
Na simulação em que o nome de Alckmin é substituído pelo do prefeito paulistano João Doria, que disputava a indicação tucana, o desempenho é semelhante.
Quando a intenção de voto é questionada sem apresentação de nomes, Lula surge com 17% das citações e Bolsonaro, com 11%. Todos os outros pontuam de 1% para baixo. O “ninguém” tem 19% e não sabem afirmar em que candidato votariam, 46%.
Lula ganha em todos os cenários de segundo turno. Ele ampliou em quatro pontos percentuais sua vantagem, em relação à pesquisa feita no fim de setembro, no confronto com Alckmin (52% a 30%), Marina (48% a 35%) e Bolsonaro (51% a 33%).
O tucano empata tecnicamente com Ciro (35% a 33%) e Marina ganharia de Bolsonaro (46% a 32%).
A candidatura Lula poderá ser barrada, já que está previsto julgamento em segunda instância da condenação por corrupção no caso do apartamento no Guarujá -o petista pegou nove anos e seis meses de prisão.
Se a condenação for ratificada no colegiado, legalmente ele está fora, mas pode haver recursos. O PT acredita ser possível mantê-lo na disputa pelo menos até o primeiro turno, se condenado.
O principal cenário sem Lula vê Bolsonaro com 21%, Marina com 16% e Ciro se beneficiando de votos do petista, com 12%. Alckmin segue com 9%, empatado tecnicamente com Alvaro Dias (5%).
Um dos nomes citados para substituir Lula, o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad ficaria com 3%, empatado tecnicamente com a Manuela D’Ávila (PCdoB, 2%). Nas simulações sem Lula, o voto em branco ou nulo sobe bastante, de 12%-14% para de 25% a 30%.
Isso indica um mar de eleitores a serem pescados pelos remanescentes na corrida, se Lula estiver ao fim fora.
Em termos de perfil do eleitor, não há mudanças significativas em relação ao que já foi apurado até aqui.
Lula tem a preferência entre mais pobres, menos escolarizados e moradores da região Nordeste.
Bolsonaro faz especial sucesso entre homens, jovens e com renda maior. No estrato mais rico do eleitorado, a disputa é mais pulverizada.
CANDIDATOS ‘ECONÔMICOS’
O ministro Henrique Meirelles (Fazenda) quer ser candidato, mas tem desempenho baixo hoje.
Oscila entre 1% e 2% de intenções, mesmo nível de Paulo Rabello de Castro (PSC), João Amoêdo (Novo) e Guilherme Boulos (cortejado pelo PSOL).
Rabello de Castro é o atual presidente do BNDES e apareceu no programa partidário na TV, há duas semanas, como pré-candidato.
Do Viomundo

sábado, 2 de dezembro de 2017

A mulher de Moro é o elo entre a indústria da delação premiada e a máfia das falências no PR. Por Joaquim de Carvalho

Rosângela Moro e o marido, Sergio
Esta é a terceira reportagem da série sobre a indústria da delação premiada na Lava Jato, feita em parceria entre o Jornal GGN e o DCM e financiada através de crowdfunding. As anteriores estão aqui. Fique ligado
Rosângela Maria Wolff de Quadros Moro é conhecida por sua atuação em defesa da APAE do Paraná, a ponto de ela mesma se anunciar em uma audiência pública no Congresso Nacional como representante do então vice-governador do Estado, Flávio Arns, do PSDB, que era (e é) presidente da federação das associações no Estado.
Isso antes da fama do marido, Sergio Moro.
Com a fama dele, a partir de 2014, alçado à condição de herói da Lava Jato, Rosângela também se tornou conhecida em promover o marido — criou no Facebook a página Eu MORO com ele, em que reproduz matérias elogiosas.
Pouco se sabe da atuação de Rosângela no sentido estritamente profissional do direito.
Ela apareceu na lista de advogados a quem o doleiro Rodrigo Tacla Durán fez pagamentos por serviços (não especificados) prestados, teve seu nome divulgado no site do escritório de um amigo de Moro, Carlos Zucolotto Júnior, como profissional da sociedade. Mas, no cadastro nacional da OAB, aparece como integrante de outro escritório de Curitiba, o Andrade Maia.
Ao portifólio particular de Rosângela, podem-se acrescentar serviços prestados também à família Simão, apontada em uma CPI de 2011 como integrante da Máfia das Falências do Estado, uma organização que se desenvolveu no seio do Poder Judiciário do Paraná.
Quem estava na linha de frente da defesa da família Simão é Marlus Arns, sobrinho do ex-vice-governador Flávio. A mulher de Moro também aparece como advogada de uma das massas falidas administradas pela família Simão, só que com menor destaque do que Marlus. É a da GVA, fabricante das famosas placas madeirit.
A GVA, ao quebrar, deixou as páginas de economia para entrar nas de polícia.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Guarapuava, no interior do Paraná, Sirlei César de Oliveira, se lembra bem do caso da GVA, até porque até hoje luta para que os trabalhadores recebam algo das verbas rescisórias.
Marlus Arns
“Ninguém recebeu nada. A verba está depositada em juízo, mas eles não têm interesse em buscar a solução. Enquanto isso, vão administrando os bens e desviando o dinheiro que entra”, afirma.
O esquema da Máfia das Falências, revelado pela CPI, é engenhoso.
Pelas contas do então deputado estadual Fábio de Souza Camargo, presidente da CPI, pelo menos R$ 400 milhões foram desviados de empresas que quebraram e deveriam ser usados para o pagamento do Fisco, trabalhadores e credores.
A CPI foi encerrada antes do relatório por decisão da Justiça, mas Fábio e alguns deputados continuaram a investigar, com audiências públicas pelo interior do Estado, onde a máfia deixou rastro. Uma dessas audiências foi em Guarapuava, cidade da GVA. Marlus representou a família Simão.
Cobrado por não ter pago os trabalhadores, o advogado fez uma acusação séria. Disse que o sindicato tinha recebido honorários no valor de R$ 1,1 milhão, como adiantamento por honorários devidos — 10% sobre o valor da dívida total.
“Era mentira. O sindicato teria, sim, direito a honorários, mas assim que todas as verbas fossem quitadas, ou seja, 10% do total de R$ 11 milhões”, disse ao DCM.
Alguns meses depois de instalada, a CPI foi proibida de continuar funcionando pelo Tribunal de Justiça do Paraná, a pedido da Associação dos Magistrados do Estado. Na ação, a AMAPAR afirmou que agia em nome dos juízes de sua base, que estariam se sentidos ameaçados pelos parlamentares.
A AMAPAR não apresentou os nomes desses juízes. Ainda assim, como entidade de classe, teve o pedido de encerrar a CPI aceito pelo tribunal.
O argumento da associação é que a CPI foi criada sem que houvesse fato determinado que justificasse sua instalação. Para o presidente da Comissão, Fábio de Souza Camargo, era um pretexto. A CPI, segundo ele, estava chegando ao coração de uma verdadeira máfia.
Filho de um ex-presidente do Tribunal, desembargador Clayton Camargo, e irmão de uma juíza que atuava na vara de falências, Fábio disse que, ao contrário do que imaginava no início, a máfia não estava fora do Judiciário.
“Não era um esquema qualquer. Fosse um esquema montado com o fim exclusivo de fraudar os juízes e o Judiciário, um esquema ‘de fora para dentro’, ele já teria sido desmantelado. Ficou claro para mim, cada vez mais, que o esquema é de ‘dentro para fora’, ou seja, os operadores reais estão dentro das entranhas do TJPR”, escreveu ele, no livro “Poder, Dinheiro e Corrupção – Os Bastidores da CPI das Falências”.
Fábio diz que o livro, escrito e editado por ele, foi a alternativa que encontrou para revelar o que havia apurado na CPI. A obra chegou a ser proibida pela Justiça, e recolhida das livrarias, mas ainda assim é possível encontrar exemplares em alguns estabelecimentos.
Para esta reportagem, comprou-se um exemplar numa livraria da Universidade Federal do Paraná.
Rosângela Moro aparece como advogada da massa falida da GVA em pelo menos seis ações trabalhistas. Segundo o deputado Fábio, a contratação de advogados, com honorários a peso de ouro, era uma das formas utilizadas pela máfia para desviar recursos das massas falidas.
Não se pode afirmar que este tenha sido o caso de Rosângela.
“Nós chegamos a bloquear alguns pagamentos de honorários”, recordou o presidente do sindicato dos trabalhadores, que se lembra de Marlus, mas não de Rosângela.
“Era o Marlus que comandava toda a assessoria jurídica da família Simão, informou o sindicalista. Segundo a CPI, Marlus respondia ao mesmo tempo pela assistência jurídica da massa falida da GVA e também da Gran Comp Insumos e Compensações, uma das empresas que celebraram contrato de arrendamento da massa falida, a preço vil, segundo o deputado.
O conflito de interesses era evidente.
O então deputado Fábio Camargo autografa seu livro, recolhido pela Justiça 
Marlus estava no dois lados do balcão e, mais tarde, a polícia civil descobriu que a arrendatária representada por Marlus nos negócios jurídicos tinha como proprietário um motorista, possivelmente laranja da família Simão. Massa falida, arrendatária e advogado formavam um bolo só.
Massa falida, arrendatária e advogado formavam um bolo só.
Rosângela advogar para uma quadrilha que fraudava a administração de massas falidas não é, em si, crime. Advogados costumam trabalhar para pessoas acusadas de ultrapassar a linha da legalidade.
O problema está na sua relação com Marlus Arns. Criminalista, Marlus se tornou um dos principais advogados das delações premiadas homologadas por Sergio Moro, na Justiça Federal.
Ele entrou para esse ramo mesmo depois de criticar, publicamente, o expediente.
Segundo a Folha de S.Paulo, Arns criticava o instituto da delação premiada nas aulas que dava na Academia Brasileira de Direito Constitucional.
Arns se tornou especialista em delação sem ter conhecimento específico nesse tipo de negociação — como, de resto, ninguém tem —, assim como foi advogado de administradores de massa falida mesmo tendo como especialidade o direito criminal.
O que pode explicar o destaque de Arns tanto em uma quanto em outra especialidade é as relações que possui.
Marlus defende as APAEs em diversas ações no Tribunal de Justiça de Justiça. Não custa lembrar: a responsável pela procuradoria jurídica da Federação da APAE, presidida por Flávio Arns, é Rosângela.
O elo não termina aí. O irmão de Marlus, Luiz Carlos, é dono de um curso de especialidade em direito à distância, onde pelo menos um integrante da Força Tarefa da Lava Jato deu aula.
Com a revelação de que Marlus atuou na linha de frente da defesa de integrantes da Máfia das Falências e Rosângela Moro foi um das advogadas contratadas, o juiz Sergio Moro fica numa situação, no mínimo, incômoda.
O que o deputado Fábio Camargo descobriu e publicou em seu livro é que a Máfia das Falências teve origem na prática de indicar sempre os mesmos advogados para gerir as massas falidas — com ações que, segundo ele, consistiam em lesar credores, trabalhadores e o Fisco.
O deputado apontou cinco escritórios que controlavam a maior parte das massas falidas em todo o Estado — a família Simão, à qual Marlus era ligado, tinha o maior número.
Com as delações premiadas, acontece a mesma coisa.
Basta olhar para o quadro de advogados que têm sido bem sucedidos nas delações em Curitiba para descobrir que eles se contam nos dedos de uma única mão.
Marlus estava fora desse clube fechado até que Beatriz Catta Preta, de São Paulo, desistiu da Lava Jato depois de costurar a maior parte dos acordos.
Alegando ameaças, disse que deixaria o Brasil. Chegou a anunciar Miami como seu novo endereço, mas é vista em São Paulo e, segundo advogados, até atende alguns clientes.
O clube restrito de especialistas em delação lembra o das falências, mas isso não significa que, na Justiça Federal, haja práticas criminosas.
Para afastar esse risco, advogados entendem que seria prudente abrir a caixa preta das delações e definir um protocolo de acordos, com regras claras e transparência, para que amanhã não se descubra que o instituto foi excelente para advogados que buscam fortuna e péssimo para a Justiça.
Depois de aparecer na Máfia das Falências, os Simão protagonizaram outro escândalo. Fábio Zanon Simão, irmão de Marcelo, era alto funcionário do Ministério da Agricultura desde 2015, por indicação do PMDB, e foi preso na operação Carne Fraca.
A acusação contra ele: cobrar propina para conseguir facilidades no Ministério da Agricultura.
Em 2015, quando foram divulgadas por blogs uma suposta ligação de Rosângela Moro com o PSDB, ela foi ao Twitter para dizer, em mais de um post:
Atenção tuiteiros. Não sou, nunca fui advogada de partido político algum, seja do pt, psdb, pdt, pqp. Tampouco sou filiada a partido politico. Não sou, nunca fui advogada de qualquer político. Fui, em meados de 2009-2010, advogada da uma massa falida na área trabalhista, cujos síndicos, aliás, me passaram o calote, nunca pagaram os honorários, razão pela qual pedi renúncia em TODOS os processos.
Na época, ficou sem sentido a referência à massa falida. O que tem a ver massa falida com os partidos?
Mas agora se sabe: ela estava falando da GVA.
Rosângela disse que renunciou à defesa das ações trabalhistas da massa falida, mas Marlus continuou, firme, na defesa dos Simão.
Marlus e Rosângela ainda se encontraram profissionalmente nos caminhos jurídicos da APAE e agora, de uma forma indireta, na Vara de Sergio Moro.
Quando se olha para a família Simão, vê-se Marlus na sombra. Quando se olha para Marlus, é impossível não enxergar pelo menos o vulto de Rosângela Moro. No cenário onde os dois atuam, destacam-se os pilares da Justiça.
.x.x.x.x.

PS: Encaminhei e-mail para Rosângela Moro com perguntas para esta reportagem. Até agora, ela não respondeu.
DCM

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Para desembargador Rogério Favreto do TRF4, Lava Jato está livrando os grandes corruptores, por Luis Nassif

Desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – quem tem a Lava Jato sob sua jurisdição – o desembargador Rogério Favreto tem se destacado pela defesa das garantias individuais e por ser um contraponto ao punitivismo que se tornou majoritário na Justiça.
Nos próximos meses, caberá a ele julgar as ações cíveis da Lava Jato, entre as quais os acordos de leniência para as empresas, que foram negociados pelo Ministério Público Federal.
Favreto não analisa casos individuais. Mas questiona firmemente os benefícios concedidos a réus e empresas que, segundo ele, colidem com o discurso da Lava Jato, de punição aos corruptores. Não há transparência sobre os benefícios concedidos, diz ele, reforçando as suspeitas que têm sido levantadas pelo GGN.
Crítico do ativismo do Judiciário, considera o envio das 10 Medidas um erro. O apoio às medidas é ilusório – quem assinou, foi induzido pelo discurso de ser contra a corrupção -, e a falta de oportunidade política fez com que boas propostas contidas nelas fossem prejudicadas por outras que afrontam claramente os direitos individuais.
Abaixo, um resumo da entrevista concedida ao Jornal GGN, e que você pode assistir na íntegra:
A judicialização da política
Favreto alerta para a posição do Judiciário, quando entra em cena o agente político.
O ativismo político em tempos de crise
Nesses tempos conturbados se escorrega mais. No passado, o Judiciário tinha preocupações com os direitos individuais. Hoje em dia, não. Acaba sendo conduzido por certos setores da mídia.
Os acordos de delação e de leniência
Se vulgarizou demais o instituto da delação, diz ele. Tanto se prende para depois delatar, quanto por outro lado tem perdão demasiado. Agora, o STF definiu que o Judiciário é quem decide. Hoje já há questionamentos, do fato do MPF fecha r acordos de leniência sem ter legitimidade para tanto.
A validação dos acordos
MPF transige sobre os valores e isso tem sido questionado. Tem que ter alguém que faça uma valoração porque senão, às vezes, com a intenção de ter informações no plano criminal, abre-se mão de recursos do Estado.
Quem fiscaliza o fiscal do acordo
Apareentemente, não há ressalvas internas no MPF sobre acordos fechados. Agora, a nova direção do MPF tem sido mais cautelosa, exigindo mais ponderação nas movimentações de alguns agentes.
A lei da delação criou uma regração aberta e se apostou que a doutrina iria fazer o molde. Mas gerou instabilidade. Não se está criando parâmetros, e estudiosos e doutrinadores têm questionado até onde vai essa perdão tanto das penas quanto dos valores.
Sobre as 10 medidas
O problema nasce na sua busca de apoio popular, mais de 2 milhões de assinaturas. Mas era um consulta simples: você é contra a corrupção? Quem não é. Mas são 10 medidas que envolvem 19 projetos de lei, e que as pessoas nem conhecem. Não há consenso nem no Ministério Público Federal. Então não tem apoio popular.
E com o Congresso acuado, a tendência é o oposto, é criar saídas contra os processos.
Algumas propostas de inquestionável validade foram comprometidas por outras que violam direitos fundamentais
CNJ contra juízes democráticos
É preocupante a decisão de punir quatro juízes que foram em eventos contra o impeachment porque vedação é contra atividade político-partidário. Além disso, não pode haver seletividade de quem se investiga. Inúmeros magistrados que se manifestam em eventos políticos que não receberam o mesmo tratamento
O ativismo de procuradores e juízes nas redes sociais
Muito perigoso. Quando menos percebem, os colegas terminam pressionados por um pseudo apoio social, o efeito manada das redes sociais. Muitas vezes induzido pela mídia. E o juiz não pode ter que julgar por opinião pública, mas de acordo com a Constituição, os processos, as provas.
O significado da morte do Reitor
A morte mostrou sinal vermelho. Muito perigoso chegar a esse ponto, de alguém cometer suicídio para que se reflita. Há alguns sinais de maior cautela.
A isonomia na falta de direitos
O pior argumento, o de igualar pobres e ricos na mesma falta de direitos.
A insegurança jurídica e os acordos de leniência
Manifestação do TRF4 que entendeu que MPF não tem legitimidade para acordos de leniência que envolvam matérias de recuperação patrimonial. É atribuição da CGU e da AGU. O MPF sabia que não tinha legitimidade. Tanto que buscava em uma das dez medidas.
O presente aos MPFs de outros países
Sobre a proposta do MPF, de destinar parte dos recursos dos acordos de leniência, para a cooperação internacional, se o MPF quiser dar recursos, que dê de seu orçamento, não dos acordos de leniência, que são recursos da União. E é curioso premiar outros países que abrigaram os paraísos fiscais.
O Judiciário e o interesse nacional
A manifestação do Judiciário deve ser restrita à Constituição e às provas.
Preocupações em relação à soberania e à sobrevivência das instituições privadas ou públicas devem estar no âmbito da proteção ao emprego. Tem que ter moderação do ponto de vista da decisão jurídica. Mas é difícil para o julgador entrar nessa avaliação.
GGN