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quarta-feira, 24 de maio de 2017

Luís Nassif: Lava Jato e dois destinos, o juiz e o jornalista, Asmodeus e Gabriel, um conto surreal

Mefistófeles ouviu as queixas do jornalista. Era o mais talentoso da sua geração e nunca tivera oportunidades no ambiente burocrático das redações. Era o mais inteligente da escola, mas nunca tivera a habilidade para ser sociável e reconhecido apenas pelos seus méritos.
                                                    
Ele queria o poder e Mefistófeles concedeu. Você será o primeiro, se aceitar comandar as forças das trevas, ser o arauto do ódio e da intolerância, o chefe dos templários, o espírito de Átila e a voz dos hunos, o verdugo incumbido de executar os inimigos feridos no campo de batalha. Em troca eu lhe darei séquitos de bárbaros, legiões de criaturas das sombras, o comando do mercado da intolerância, que revistas, jornais, rádios e TVs ambicionam.

E assim foi feito. Mergulhou no mais profundo do esgoto humano, armou-se da retórica mais tenebrosa, espalhou ódio, intolerância, executou inimigos e foi compensado. Seu discurso foi agasalhado pelo segundo maior partido político, a mídia se abriu para o seu reinado e ele foi transportado para os píncaros do jornalismo de esgoto, como o porta-voz máximo da intolerância.

Chegando ao topo, sentiu que faltava algo. As chamas do ódio espalhavam-se por todos os poros da nação e as fogueiras da inquisição passaram a queimar os seus. E, aos seus pés, via como seguidores o populacho mais selvagem, babando ódio, dividindo suas atenções com artistas pornôs, youtubers de terceira, uma turba vociferante e desqualificada.

Olhou então para o juiz que construíra sua reputação colocando tijolos de jurisprudência no edifício da civilização, o trabalho lento e pertinaz de trazer a luz. E o invejou.

Procurou então Mefistófeles e lhe propôs: agora que tenho o poder, eu quero o respeito. Não quero mais ser o capanga: quero ser o conselheiro.

Mefistófeles refugou: isso não estava no combinado. E o jornalista decidiu percorrer o novo caminho por conta própria. Por algum tempo revestiu-se de seriedade, combateu o ódio que ele próprio disseminara, as fogueiras que ele espalhara, com um senso de lealdade para com os seus e de coragem raros entre os súditos de Mefistofeles.

Porém, quando se despiu da capa vermelha flamejante da ambição e colocou o manto dos conceitos, Mefisto considerou o trato desfeito e o jogou do alto do penhasco.

Enquanto caía, cruzou com o juiz que subia, com beca de Ministro do Supremo.
O juiz nascera tímido. Faltava-lhe coragem e destemor para as grandes batalhas. Por isso, fez carreira semeando o bem e tentando a unanimidade, conquistando o respeito, sendo o pai dos desassistidos, o jurista dos vulneráveis, a alma boa dividida entre grandes questões morais e o escritório de advocacia das causas menores, que também não era de ferro.

Reconhecido, entrou para o Olimpo do direito. E de lá contemplava com olhos úmidos o gozo de prazer dos poderosos. Via o jornalista espirrando ódio por todos os poros, cavalgando a intolerância, e infundindo temor. E o invejou.

Procurou Mefistófeles e lhe propôs: eu tenho o respeito, agora quero o poder. Não quero mais o papel do bonzinho, cuja timidez encobria o gozo mórbido da violência e que, no colégio, se intimidava com o grupo dos valentões. Quero comandar os valentões. Além disso, sem a aliança com as legiões das sombras, corria o risco de ter sua vida devassada, sua reputação colocada em dúvida, o sucesso do escritório ameaçado.

E Mefistófeles topou na hora. Imediatamente, o juiz trocou o manto da sobriedade pela capa flamejante do poder e fechou um pacto de sangue com as sombras. Com os olhos rútilos de sangue, passou a autorizar todos os esbirros do poder, todos os desrespeitos aos direitos. Tornou-se temido e poderoso.

Até o dia em que liberou 2.040 gravações de conversas sem interesse jornalístico e deu o empurrão final no poder do jornalista, vazando uma conversa irrelevante com uma fonte.

Foi quando Mefistófeles surgiu na sua frente:

- Imprudente! Não se contentou com todo o poder que lhe dei? Como ousa afrontar um dos tabus do centro do meu poder, a mídia, vazando a conversa de um jornalista com a fonte? 
       
E o sacrifício do jornalista ajudou a conter as ameaças contra o jornalismo e a abrir os olhos da mídia e do país para o Asmodeus que fugiu ao controle.

Do GGN, Luís Nassif

domingo, 21 de maio de 2017

Brasil: um paraíso para os canalhas

O país que se tornou o lar dos canalhas

Durante décadas o Brasil foi o país do carnaval, o país do futebol, o país das praias e mulatas, o país do futuro, o gigante bobo.

E também o país da desigualdade, o país da violência no campo e na cidade, o país da miséria, o país da ignorância.

O ninho dos oportunistas, o lar dos especuladores, o berço dos aproveitadores.

Até que, durante uma década, o Brasil fez um esforço para superar aquilo que o notável cronista Nelson Rodrigues diagnosticou como "complexo de vira-lata", o irresistível desejo de se autodepreciar, de se mostrar sempre inferior aos outros, em todas as áreas.

Aos poucos, o mundo foi vendo um outro Brasil, mais sério, mais otimista, mais criativo, mais competente na tarefa de levar a sua população a viver com menos dificuldades, a realizar seus sonhos e não abandonar a esperança de possibilitar a seus filhos um conforto que não teve.

O mundo começou a respeitar esse imenso país, de inesgotáveis riquezas, e a ouvir o que ele tinha a dizer a respeito da convivência pacífica e do desenvolvimento equilibrado das nações, pois afinal ele próprio estava fazendo a lição de casa, tirando dezenas de milhões de pessoas da pobreza, ampliando o mercado consumidor, investindo como nunca em infraestrutura e habitação, criando uma rede de proteção para os mais frágeis, e reservando a maior parte dos recursos da monumental reserva de petróleo da camada do pré-sal para a educação e a saúde, cumprindo assim, com os objetivos da magnífica Carta Constitucional promulgada em 1988.

Foi uma década de avanços sociais e econômicos como nenhuma outra.

Foi, porém, um sonho, interrompido pelas forças que sempre conspiraram contra o progresso do país.

Hoje, o Brasil nem é mais o país do carnaval, o país do futebol, das praias e mulatas.

Tampouco o gigante bobo - ou o país do futuro.

O Brasil hoje é tão simplesmente o refúgio dos canalhas, a fonte de onde brotam o escárnio, a hipocrisia e o cinismo.

Um aconchegante lar para larápios, escroques e bandoleiros de variados tipos.

Uma vergonha universal, um escárnio a toda ideia de civilização.

O Brasil deixou de ser uma nação para se tornar um ajuntamento onde as pessoas se obrigam apenas a sobreviver, de qualquer maneira, a qualquer custo. 

Do GGN, por Carlos Motta

A destruição descontrolada das instituições pela lava jato

A Lava Jato e a destruição institucional sem controle

A Lava Jato é uma operação de investigação de corrupção e lavagem de dinheiro, reunindo Polícia Federal, Ministério Público Federal perante a Justiça Federal de Curitiba.

No entanto, analisando a sua evolução ao longo do tempo é possível identificar determinados métodos e ações empregados pelas instituições e agentes envolvidos com essa operação que dão a ela uma amplitude que ultrapassa em muito as restritas dimensões afeitas ao combate à corrupção. Esses métodos e ações dão à operação um caráter de ferramenta política que opera fortalecendo determinadas posições políticas em detrimento de outras.

Essa seria uma situação que se enquadraria na definição de Lawfare (guerra jurídica), que abarca aqueles casos nos quais a lei é usada como arma na guerra política, caracterizando o uso ilegítimo da legislação em manobras jurídicas com a finalidade de causar danos a um adversário político.

Essa definição, porém, não consegue definir a natureza essencial da Lava jato. Aquela que explicita o elemento constitutivo central que estrutura e imprime lógica à sua operação e expansão.

Nesse sentido, para se ter o sentido exato do que seja a Lava Jato é preciso reconhecer que ela é essencialmente um mecanismo de geração de instabilidade institucional. Sua força reside na sua capacidade de criar e ampliar ameaças à estabilidade e, mais do que isso, ameaças à própria existência das instituições.

O poder da Lava Jato decorre do seu poder de destruição institucional. No limite, é da lógica constitutiva primeira da Lava Jato a destruição institucional. É dela que os agentes e instituições que a compõem retiram o seu poder. Nesse caso, maior destruição é sinônimo de maior poder.

Face a isto, será justamente a possibilidade de utilização dessa capacidade de destruição que irá governar o processo de adesão dos diversos atores à Lava Jato, transformando-a em um consórcio destrutivo que ao desestruturar as instituições introduz tamanha incerteza jurídica e econômica que, mais do que eliminar adversários políticos, elimina empresas, cadeias produtivas, renda e empregos, e, ao fim, grande parte da própria economia do país; gerando uma tal descoordenação político/institucional que fragmenta os próprios interesses reunidos em torno do bloco do poder.

O weberianismo messiânico dos procuradores prega a destruição da república atual para que no seu lugar seja erigida uma nova, livres dos pecados da corrupção. Esta busca por uma redentora refundação da república naturalmente candidata o Ministério Público a estar no centro do fenômeno Lava Jato. Para esses procuradores todos os custos da destruição institucional são plenamente compensados pelo advir desse novo país. Portanto, aqui não há limites de custos para se alcançar essa terra prometida.

Para levar a cabo esse esgarçamento de limites, é preciso agregar ao consórcio dois elementos chaves na evolução da Lava Jato: a mídia e o judiciário.

A possibilidade de ampliar e direcionar esse poder de destruição por intermédio da mediação entre os procuradores e a opinião pública, segundo os seus interesses políticos e econômicos mais imediatos, tornou a mídia o parceiro preferencial dos procuradores. A mídia brasileira, historicamente, sempre usou a sua capacidade de gerar e ampliar crises como moeda de troca na garantia dos seus privilégios. A Lava Jato deu a mídia, particularmente às organizações Globo, um poder de fogo que ela nunca havia tido anteriormente na história.

Pode-se afirmar que Mídia e Ministério Público constituem os sócios majoritários do consórcio da Lava Jato. Os demais foram aderindo em função dos seus interesses particulares. Sejam eles corporativos, econômicos ou partidários. Entre esses, o mais relevante é, sem dúvida, o judiciário. Para entender a função desse poder no desmonte das instituições brasileiras é fundamental compreender o mote principal da Lava Jato; aquele que lhe dá sentido, criando e estruturando toda a narrativa.

A destruição institucional da Lava Jato se ancora na criminalização indiscriminada, arbitrária e amplificada da relação entre as esferas pública e privada.

O ministério Público desempenha um papel chave na medida em que ele é que define inicialmente o âmbito da criminalização; ou seja, o que será criminalizado e os agentes públicos e privados alcançados por essa criminalização. O grau de arbitrariedade dessa definição e, portanto, do poder de quem a faz, depende da anuência do poder judiciário. É necessário que esse poder sancione em todas as suas instâncias essa arbitrariedade.

A figura do juiz de primeira instância desempenha uma função essencial na aprovação inicial da flexibilização legal do processo de criminalização. Porém, é necessário que essa cumplicidade atinja as esferas superiores da justiça.

Aqui, a mídia desempenha um papel crucial mediante a amplificação e publicização do processo de criminalização e a subsequente pressão, via opinião pública, sobre as instâncias superiores do judiciário para que sancionem as ações e procedimentos da Lava Jato; independentemente do grau de ilegalidade dessas ações e procedimentos. Essas pressões muitas vezes envolvem a criminalização de relações público/privadas que dizem respeito a juízes e desembargadores das instâncias superiores, incluindo, inclusive, a própria corte suprema.

Nesse contexto, a primeira instituição a ser desestruturada pela Lava Jato é o próprio poder judiciário através da completa perda de referência do papel do juiz e do papel regulador das instâncias superiores. Desse modo, a onda desestruturante que começa na primeira instância vai subindo a cadeia hierárquica até alcançar as cortes superiores.

Mais do que um sócio menor do consórcio, o judiciário se torna refém dos sócios majoritários; leia-se Mídia e Ministério Público. Daí, as enormes dificuldades em controlar a operação por intermédio da recuperação das prerrogativas de poder das instâncias superiores. Prerrogativas que essas mesmas instâncias transferiram - por medo, cumplicidade ou omissão - para os sócios principais.

Mesmos entre os sócios majoritários, a descoordenação institucional surge como marca indelével do processo.

Inicialmente, era possível observar que, de fato, o sócio principal não era o Ministério Público, mas a força tarefa de Curitiba; o outro sócio principal não era a Mídia, mas as organizações Globo. Nesse sentido, a Globo e a chamada “República de Curitiba” deteriam o controle da operação. Contudo, os acontecimentos envolvendo a delação da JBS demonstram que o processo é muito mais complexo do que aparenta. Dessa maneira, o Procurador Geral da República, tentando recuperar um protagonismo maior no jogo, em particular na sua própria sucessão, armou uma jogada aparentemente à revelia do núcleo central, pegando a própria Globo de surpresa.

A questão fundamental aqui é que o mecanismo de destruição depois de disparado se retroalimenta de forma a acelerar o processo. A expectativa de usar o mecanismo em proveito próprio, como foi no caso do PGR, torna o seu controle um processo praticamente impossível. O que importa é que o mecanismo dá poder a quem o usa. Esse poder baseia-se na capacidade de gerar instabilidade, insegurança, desconforto. Enfim, é a mesma lógica do exercício do terror pelas facções do tráfico em seus domínios. Portanto, a lógica desse processo complexo, que de forma impressionista poderia ser chamado de Lava Jato, é gerar incerteza, instabilidade e ameaças às instituições, de tal forma a chantageá-las, extorqui-las, achacá-las para obter privilégios, que em uma situação de normalidade institucional seriam muito mais difíceis de serem alcançados.

Nesse quadro, entende-se a tentativa dos empresários de se aproximar do judiciário para que este entregue aquilo que o Golpe não foi capaz de entregar: o fim da sangria da Lava Jato. Contudo, o desenrolar dos acontecimentos até agora não sancionam essa estratégia. Afinal, é da própria essência da Lava Jato rejeitar o controle das instâncias superiores. Aceitar esse controle seria colocar em risco a sobrevivência da própria operação e, por conseguinte, abrir mão de todo o poder que ela dá, transferindo-o para outros atores - leia-se o judiciário - que se encontram fora do consórcio básico.

A dificuldade maior dos empresários que se reuniram com a Ministra Cármen Lúcia no início de Maio em busca do apoio do Judiciário - leia-se STF - às suas demandas é que seu problema principal é a criminalização sem limites da relação público-privada operada pela Lava Jato. Essa criminalização é que está no centro do mecanismo de destruição que irá liquidar com a economia e, portanto, com muito deles. O Supremo já não controla esse processo há muito tempo. Não vai ser agora que irá fazê-lo.

O que Globo e MP podem entregar é mais instabilidade, mais incerteza e mais fragmentação. Em outras palavras, mais destruição do país. As instituições foram para o buraco e não têm nenhuma capacidade de controlar o processo. Diante disso, a única racionalidade que sustenta essa destruição é a daqueles interesses fora do país e dos seus sócios internos. Nessa altura do campeonato, Globo e MP são dois cavalos desembestados em direção a um desastre anunciado.

E para terminar um pequeno detalhe sobre a “clarividência” das nossas valorosas elites econômicas. Considerar que a Globo - afinal um representante das organizações estava na referida reunião - é uma aliada delas para protegê-las da tempestade é um enorme equívoco. A Globo - em conjunto com o MP - não é proteção para a tempestade, ela é a própria tempestade. É daí que ela sempre tirou o seu poder decisivo; da ameaça da tempestade, não da promessa da bonança.

Do GGN, Ronaldo Bicalho é engenheiro

Outros cinco pontos críticos da crise em tempo real

Mais cinco observações sobre o momento atual da crise

01. A Rede Globo decidiu demonstrar sua força. Por motivos que ainda não estão inteiramente claros, ela resolveu rifar Michel Temer e reorganizar a coalizão golpista em outras bases. Não está sozinha nesse projeto, nem é necessariamente quem o comanda, mas é sem dúvida o grande instrumento de sua execução. Ainda que o restante da mídia corporativa não tenha o mesmo propósito (como demonstra o esforço da Folha de S. Paulo para desacreditar as gravações de Joesley Batista), o empuxo da Globo é forte demais e todos já tratam a queda de Temer como questão de dias. Ou seja: as sucessivas vitórias do PT mostraram que a Globo não tem o poder de definir os resultados eleitorais, mas ela continua capaz de desestabilizar governos a seu bel-prazer. O fato de que o usurpador não mereça que se derrame uma lágrima por ele, muito pelo contrário, não significa que não precisemos entender o que significa esse poder tão desmedido.

02. Temos hoje dois conflitos sobrepostos. O primeiro é interno à coalizão no poder. O golpismo está dividido, uma vez que Temer decidiu resistir e usa todos os recursos de que dispõe para adquirir os apoios que lhe garantam uma sobrevida, ainda que frágil. O problema, para ele, é que a principal ameaça vem não do Congresso, mas do TSE. A tranquila maioria que ele construiu nos últimos meses, para aprovar a esdrúxula tese da separação da chapa, não existe mais. O colegiado que vai definir sua sorte é menos suscetível aos agrados que o Executivo pode fazer e tende a seguir o consenso das classes dominantes, que cada vez mais aponta para a substituição de Temer. Afinal, com exceção do usurpador e de seus cúmplices mais próximos, todos julgam que rifá-lo é um bom negócio, se com isso superam a crise. O segundo conflito é entre o golpismo e o campo democrático. É aqui que entra a bandeira das diretas-já. O golpe não foi dado para que alguma vontade popular pudesse se expressar, muito pelo contrário. Foi dado para implantar um projeto que as urnas sempre rechaçaram. Por isso, as eleições diretas têm que ser evitadas a qualquer custo.

03. Entre os problemas que as diretas-já geram, para os donos do poder, está o fato de que não haverá tempo para impedir a candidatura de Lula. Mas as diretas não são para eleger Lula. As diretas são para interromper e reverter o golpe. Por isso, a luta pelas diretas é indissociável da luta contra o retrocesso nos direitos. O povo deve ser chamado a se manifestar não para escolher um nome, mas para escolher um programa. O programa mínimo do campo democrático e popular é a revogação da emenda constitucional que congela o investimento social, o retorno da plena vigência dos direitos trabalhistas, a sustação da reforma da previdência, a plena vigência das liberdades - a partir daí, tentamos avançar, mas esse é o mínimo. Lula vai se comprometer claramente com esse programa? Ou não vai resistir à tentação de acenar para as elites, para recompor a "governabilidade" que deu no que deu? Seja como for, a realização desse programa depende da pressão organizada, mais até do que da eleição de A ou B.

04. O oposto das diretas é a pressão ostensiva do "mercado" (que, no noticiário, é o nome de fantasia do capital) para que o sucessor não esmoreça nas "reformas" (o nome de fantasia para a retirada dos direitos). É impressionante como, na imprensa, a necessidade de ouvir a população é desdenhada como irrelevante ou estigmatizada como "golpe" (!), mas as vozes do capital são reverberadas cuidadosamente. O recado é claro: a vontade popular não pode atrapalhar a vontade do "mercado". O casamento entre capitalismo e democracia, que sempre foi tenso, agora se mostra claramente como uma relação abusiva. A regra era que o capital impunha sua vontade pelos mecanismos do mercado, o que já lhe dava um poder de pressão descomunal, mas os não-proprietários tinham a chance de limitar esse poder graças ao processo eleitoral. Essa salvaguarda não é mais aceita. Ela terá que ser imposta novamente ao capital, como o foi nas primeiras décadas do século XX.

05. Não se vê uma única voz se levantar em favor de Aécio Neves. O pragmatismo da direita devia servir de alerta àqueles que a servem: são todos descartáveis. "Acéfalo" com a prisão da irmã, como disse a Folha de S. Paulo; sem poder contar sequer com o abraço amigo de Luciano Huck... Triste fim do Al Capone de Ipanema.

Do GGN

Entendendo a lógica e o tempo de poder da lava jato

Foto: Reprodução

Os destinos do país em 2018

Primeiramente, a crise está de volta às ruas. "Fora, Temer!" e "eleições diretas, já!" são as palavras de ordem.

Para aprovar as diretas, é preciso uma proposta de emenda à Constituição. Uma PEC, mesmo que aprovada a jato, cumprindo rigorosamente a Constituição e o regimento das duas casas do Congresso, demandaria de 4 a 6 meses. A PEC do teto de gastos (PEC 55/2016), aprovada a toque de caixa e com forte pressão do governo Temer, então com amplo respaldo congressual, foi votada em 6 meses.

A organização das eleições pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pode ser feita em 70 dias. Esse foi o prazo informado pelo TSE, em 2013, quando se cogitou fazer, às pressas, um plebiscito da reforma política. Mas se essa organização, preventivamente, for feita de forma concomitante à tramitação da PEC das diretas, as eleições poderiam ser realizadas quase imediatamente após a promulgação da emenda. Com sorte e, principalmente, muita pressão popular, teríamos um novo presidente em dezembro de 2017. O eleito governaria por cerca de um ano.

Enquanto isso, o país seria governado por um presidente interino, por 30 dias, e, em seguida, por um presidente com mandato tampão, até dezembro de 2017 ou até que um novo presidente seja eleito, se houver emenda das diretas aprovada. Na prática, a emenda das diretas reduziria o mandato desse presidente tampão. Ele saberia que não tem legitimidade nem tempo para promover grandes reformas, principalmente, sendo escolhido pelos deputados e senadores que passarão para a história por terem elegido Cunha, derrubado Dilma, empossado Temer e sido denunciados na Lava Jato.

Como se sabe, o presidente interino, que governaria por trinta dias, pode ser, conforme a linha de sucessão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e se esse não vier a assumir, o presidente do Senado, Eunício Oliveira. Maia e Eunício estão totalmente metidos em denúncias. Se um dos dois resolver pagar a aposta e assumir, pode ser rapidamente impedido, caso vire réu no Supremo. Para isso acontecer, basta o Procurador-Geral pedir e o ministro Fachin aceitar, ou levar a decisão ao pleno do STF. Fachin tem mostrado que age muito facilmente sob a pressão das ruas e da imprensa - o que for mais forte.

Caso nem Maia nem Eunício assumam, a Presidência da República seria ocupada pela atual presidenta do Supremo, Carmem Lúcia. Quem passaria a comandar o Supremo seria seu vice, Ministro Dias Toffoli, até o retorno de Carmem após a eleição indireta de um novo presidente.

Duas coalizões se digladiam pelo poder. Nenhuma delas é popular

O destino do país e da Presidência da República depende fundamentalmente do povo nas ruas, mas, neste momento, há duas coalizões principais que se digladiam na disputa pelo poder. Nenhuma delas é popular. Nenhuma cogita eleições diretas já.

Uma coalizão é a do grande acordo nacional. Essa é a coalizão comandada por Temer, que assumiu o comando do país com o afastamento de Dilma e que tem como base política o PMDB, o PSDB e o DEM, e como base jurídica o grupo do Supremo conformado por Gilmar e Alexandre de Moraes. Essa coalizão tinha como programa "estancar a sangria" dos políticos e do mercado. Estancar a sangria política seria encerrar a Lava Jato, controlar o Supremo, o Ministério Público e a Polícia Federal. Estancar a sangria econômica seria estabilizar a economia do País e aplicar um programa de reformas que transfira renda dos trabalhadores para as empresas, por meio de duras reformas.

O sonho dessa coalizão seria implantar o parlamentarismo no país. Desmoralizada perante a opinião pública, sobretudo pela presidência de Cunha e Renan, pelas reformas da Previdência e trabalhista e pelas sucessivas denúncias de corrupção, essa coalizão esperava no mínimo preparar o terreno para a eleição de um candidato em 2018 que continuasse esse programa impopular - Alckmin ou Doria.

A outra coalizão é a da Lava Jato, que tem como agenda principal fortalecer o poder do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário sobre os destinos do País. O que quer essa coalizão? O mesmo que os políticos, guardadas as devidas proporções: poder, prestígio e dinheiro. O mote principal desse projeto é o combate à corrupção, mas o interesse fundamental desses grupos é garantir o controle sobre decisões essenciais ao país e a remuneração de suas corporações em níveis que, internacionalmente, não têm paralelo.

Ambas as coisas estão interligadas. Quanto mais poderosas essas corporações se tornam, impulsionadas pela agenda do combate à corrupção, maior a justificativa para que elas sejam muito bem remuneradas e blindadas inclusive quanto a relações promíscuas que estabelecem com o setor privado.

O caso de juízes que vendem sentenças; a prisão de um dos procuradores, descoberto por vender segredos da Lava Jato para a JBS; dos procuradores cujos parentes têm escritórios cuidando de investigados e a situação, quase inimaginável, de procuradores licenciados para advogarem para empresas denunciadas por eles mesmos demonstra o quanto o poder absoluto que o Ministério Público ambiciona abre espaço para práticas espúrias, tão corruptas quanto as que denuncia.

O mercado, comandado pelos bancos e outras grandes corporações, é sócio da maioria dos políticos. Financia suas campanhas e compra suas decisões a peso de ouro. Se alinha facilmente a qualquer grupo no poder que queira fazer política como negócio. O mercado esteve com Temer até que ele começou a falhar em entregar as reformas.

A velha mídia, cuja força hegemônica é das organizações Globo, segue a lógica do mercado, de quem faz parte. A velha mídia é composta por grandes empresas, não tão grandes quanto as que lhe financiam, e vende seus produtos (notícia e entretenimento) com base em sua audiência e na aderência à defesa dos interesses do mercado.

Para entender a lógica e o timing das revelações sobre Temer e Aécio

As revelações contra Temer e Aécio têm como propósito principal fortalecer a posição do Ministério Público e a manutenção de seu Procurador-Geral, Rodrigo Janot, no momento em que era ameaçado nas três frentes - Executivo, Legislativo e Judiciário.

Janot tem até o final deste mês para decidir se concorre ou não a um novo mandato. A votação dos procuradores deve ocorrer ao final de junho. Só faz sentido para Janot entrar na lista se for para ganhar. Para isso, precisa se manter em evidência entre os procuradores e ter força suficiente para intimidar o Congresso e o presidente da República a aceitá-lo goela abaixo.

A fratura exposta de Temer e Aécio veio, coincidentemente - se é que alguém ainda acredita em coincidências -, no dia seguinte em que o presidente revelou que não estava disposto e comprometido a indicar o primeiro da lista de procuradores para ser o chefe do Ministério Público. Ou seja, Temer insinuou que iria rifar Rodrigo Janot.

Também por coincidência, a revelação contra Aécio veio uma semana depois de Janot ter trocado farpas com o ministro Gilmar Mendes. Gilmar é quem manda hoje no Supremo, e não Carmem Lúcia, que se tornou mera figura decorativa e cujo principal papel é produzir gafes e jantares.

Mais do que isso, é público e notório, e é assim entendido no Ministério Público, que Gilmar é quem dá a linha no PSDB sobre como tourear procuradores e as demais instâncias do Judiciário. Se, como dizia Jucá, Temer é Cunha; Gilmar é Aécio. Gilmar é, no STF, a figura central do "grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo", e costurava a estratégia de recolocar o MP sob controle, como nos velhos tempos de Geraldo Brindeiro - conhecido como o engavetador-geral da República.

O PSDB, sócio principal do governo Temer e com um presidente de partido que, por baixo dos panos, costurava ativamente contra o Ministério Público, confiava em Gilmar para servir de anteparo. Esqueceram apenas de combinar o jogo com os russos, no caso, Fachin, que se indispôs com Gilmar e foi criticado por ser um juiz pouco interessado na lei e na Constituição e mais em obedecer ao MP. Fachin acabou de provar que é isso mesmo. Está lá à disposição para cumprir esse papel.

Para entender a Globo

A Globo, como ela própria confessou em editorial, era entusiasta do governo Temer por sua agenda de reformas e também, isso inconfessado, pelas generosas verbas de publicidade que Temer liberou para as mídias decadentes e que tanto precisavam de dinheiro nesse momento de crise.

A reviravolta das revelações contra Temer e a opção editorial da Globo pela renúncia ou impeachment se dá por duas razões claras. Em primeiro lugar, a Lava Jato é hoje a principal notícia do país. A Globo, desde o início, é o veículo preferencial dos vazamentos. Essas notícias rendem grande audiência e verbas que ampliam sua publicidade.

Recusar os vazamentos levaria a Globo a perder sua preciosa fonte. A entrega das informações do MP ao jornal O Globo e à emissora de tevê foi feita na ofensiva de Janot contra Temer e Aécio para derrotar esses dois adversários. Os vazamentos são inseparáveis da estratégia do Procurador-Geral, pois são por ele controlados. Para a Globo, era pegar ou largar. Ela precisava dar sustentação a Janot em sua briga ou perderia a primazia nos vazamentos.

Outro fator essencial é dado pelo mercado financeiro. A situação de Temer frustrou qualquer expectativa de que o governo consiga levar as reformas adiante. Ao contrário, já se considerava que Temer estava enfraquecido no Congresso e demonstrando grandes dificuldades na tramitação da reforma Previdenciária e mesmo em aprovar a reforma trabalhista no Senado.

Temer não interessa mais à Globo porque, no mercado, é considerado incapaz de entregar o que prometeu.

O "gran finale": condenar Lula

Outro propósito essencial das revelações é o de fazer crer que a Lava Jato é baseada em provas, e não em convicções, e que seria isenta e apartidária, atingindo a todos indiscriminadamente, sejam eles o presidente da República ou até mesmo o senador tucano queridinho de delegados da operação - aqueles que lhes fizeram declarações de amor no Facebook - e com quem Moro trocou conversas ao pé do ouvido. Esse propósito é fundamental para o passo seguinte e mais importante da Lava Jato: condenar Lula.

A convivência pacífica costurada por Lula com o mercado, em seus dois mandatos, acabou rompida no governo Dilma, quando Unibanco, Santander, Fiesp, montadoras de automóveis, os conglomerados de comunicação e tantas outras grandes corporações passaram abertamente a atacar o PT, a financiar Cunha e a conspirar pelo impeachment.

A condenação de Lula é líquida e certa desde quando o inquérito foi remetido a Moro. Estamos há um mês para o dia D da Lava Jato, quando ocorrerá a condenação de Lula pela suposta propriedade de um triplex, apenas com base em delações.

Em seguida, o processo seguirá para a segunda instância, dessa vez colegiada, e que selará a pá de cal sobre a candidatura Lula em 2018, tirando do páreo quem é, disparado, o candidato mais popular em todas pesquisas.

A coalizão da Lava Jato já decidiu: Lula precisa ser condenado, e o será. É uma questão de honra e de autoafirmação. A única dúvida é se ele será conduzido a um presídio ou se será determinada a prisão domiciliar e a aplicação de uma tornozeleira eletrônica. Essa segunda opção proporcionaria um ar de ponderação e isenção à Lava Jato, em vista da idade de Lula e de sua condição de ex-presidente.
O relevante para a coalilzão da Lava Jato é desmoralizá-lo e mitigar o risco de transformá-lo em vítima pelo encarceramento, cumprindo o essencial: evitar que ele dispute 2018.

Pós-Lula

Não há hoje uma coalizão democrática e popular devidamente articulada, com lideranças com suficiente protagonismo para conduzir uma solução capaz de ser institucionalizada e tornar o país mais democrático, mais justo e menos corrupto. A Lava Jato também demonstrou que não tem projeto de país e sequer é capaz de combater efetivamente as práticas corruptivas. Mesmo Cunha, preso, conforme reconhecem os procuradores, continuava atuando.

As mobilizações de rua e a articulação de movimentos populares são a única possibilidade de surgir um fermento social capaz de implodir a lógica do atual sistema político, provocar mudanças e romper com os riscos de um país tutelado por uma burocracia judicial que, se não for controlada, pode se tornar um poder autoritário e corrupto que não deixa nada a dever aos atuais partidos dominantes.

Mas as forças populares estão fracas e dispersas. Apesar do retorno das mobilizações e da unificação das lutas em torno das bandeiras do "Fora, Temer!" e "Diretas, Já!", o fato é que não há nem coalizão popular, nem comando e nem projeto devidamente coerente, consistente e articulado.

O país precisaria não só barrar a reforma da Previdência, reverter a reforma trabalhista e a PEC dos gastos. Para rivalizar com a coalizão do "grande acordo nacional", seria preciso um projeto capaz de reformar o atual sistema partidário e eleitoral e reconstruí-lo em novas bases, mais democráticas, mais participativas, de maior controle sobre os eleitos e renovação de seus quadros.

Boa parte das lideranças sociais que despontaram na crise deveria formar uma nova geração de políticos intimamente conectados às suas bases, superando o descolamento atual que se vê nos partidos, e com uma agenda de reformas de controle social sobre a política.

Para rivalizar com a coalizão da Lava Jato, seria importante um programa para fortalecer o Estado, "desmamar" as corporações de seus privilégios e criar instrumentos para blindar o Estado rigorosamente da promiscuidade com o setor privado. Para tanto, é preciso que surja uma maior coordenação com juízes, procuradores e policiais federais que fortaleça, sem mordaça, o propósito democrático e republicano dessas corporações.


Do contrário, o país continuará à mercê de seus predadores, sejam eles políticos, empresários, burocratas ou mídia. Como se vê, o Brasil tem sido vítima da ação perversa desses quatro cavaleiros do apocalipse. Enquanto isso persistir, o poço continuará sem fim.

Do GGN, Antonio Lassance é cientista político. Artigo publicado originalmente na Carta Maior. 

domingo, 14 de maio de 2017

O pensamento do juiz autoritário em 14 pontos, Rubens Casara

Foto: GIl Ferreira/STF

Do Justificando. O pensamento do juiz autoritário em 14 pontospor Rubens Casara

I – Introdução
Em 1950, foram publicadas as conclusões da pesquisa conduzida por Theodor W. Adorno e outros pesquisadores, realizada nos Estados Unidos da América, logo após o fim da 2ª Guerra Mundial e a derrota dos fascistas, com o objetivo de verificar a presença naquele país de tendências antidemocráticas, mais precisamente de indivíduos potencialmente fascistas e vulneráveis à propaganda antidemocrática. Os dados produzidos na pesquisa, tanto quantitativos quanto qualitativos, não deixaram dúvida: a potencialidade antidemocrática da sociedade norte-americana já era um risco presente naquela oportunidade.

Neste breve texto, prévio à elaboração de pesquisa mais profunda sobre a tradição autoritária dos atores jurídicos, a ser conduzida pelo Núcleo de Pesquisa da Passagens – Escola de Filosofia, buscar-se-á, a partir dos caracteres da personalidade autoritária identificados por Adorno, demonstrar que eventual potencialidade fascista de juízes brasileiros é um risco à democracia no Brasil, em especial porque o Poder Judiciário deveria funcionar como guardião dos direitos e garantias fundamentais, isto é, como limite ao arbítrio em nome da democracia e não como fator antidemocrático.

A investigação segue a hipótese formulada por Adorno: que as convicções políticas, econômicas e sociais de um indivíduo formam com frequência um padrão amplo e coerente, o que alguns chamam de “mentalidade” ou “espírito”, e que esse padrão é expressão de profundas tendências de sua personalidade. No caso dos juízes brasileiros, a aposta era de que seria possível falar em uma tradição ou uma mentalidade antidemocrática, que vislumbra o conteúdo material da democracia, os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, como um obstáculo a ser afastado em nome da eficiência do Estado.

Para identificar o espírito ou a mentalidade antidemocrática, para os fins deste pequeno artigo, a proposta é de que o leitor compare artigos, entrevistas e decisões judiciais com sintomas e características identificadas por Adorno em 1950 como tendencialmente antidemocráticos.

II – Dos sintomas antidemocráticos
Em Estudos sobre a personalidade autoritária, Adorno identifica uma série de características que revelam uma disposição geral ao uso da força em detrimento do conhecimento e à violação dos valores historicamente relacionados à democracia. Na lista de Adorno estão, dentre outros:

01. Convencionalismo: aderência rígida aos valores da classe média, mesmo que em desconformidade com os direitos e garantias fundamentais escritos na Constituição da República. Assim, por exemplo, se é possível encontrar na sociedade brasileira, notadamente na classe média, apoio ao linchamento de supostos infratores ou à violência policial, o juiz autoritário tenderia a julgar de acordo com opinião média e naturalizar esses fenômenos. No Brasil, a sociedade foi lançada em uma tradição autoritária e acostumou-se, em especial após o Estado Novo de Vargas e a ditadura civil-militar instaurada em 1964, com o uso da violência em resposta aos mais variados problemas sociais. Atos como linchamentos e arbítrios policiais tornaram-se objeto de aplausos e até de incentivo de parcela dos meios de comunicação de massa, e passam a integrar o repertório de ações aceitas pela classe média e, consequentemente, por juízes tendencialmente antidemocráticos. Ao aderirem a esses valores da classe média autoritária, esses juízes abandonariam a natureza contramajoritária da função jurisdicional, que exigiria o respeito aos direitos e garantias fundamentais, mesmo contra a vontade de maiorias de ocasião, para atuar de maneira populista e julgar de acordo com a opinião média;

02. Submissão autoritária: atitude submissa e acrítica diante de autoridades idealizadas no próprio grupo. O juiz autoritário tenderia a ser submisso com desembargadores e ministros, em relação aos quais se considera inferior e a quem atribui uma autoridade moral idealizada. Essa submissão acrítica faria com que o juiz autoritário aplauda medidas administrativas tomadas por seus “superiores”, mesmo que contrárias às prerrogativas da magistratura, e reproduza acriticamente as decisões dos tribunais, desde que o prolator da decisão seja tido como do mesmo “grupo moral” a que considera pertencer. Assim, repudiaria decisões que ampliem os espaços de liberdade e incorporaria em seu repertório jurisprudencial as decisões que, mesmo contra o texto expresso da Constituição, afastam direitos e garantias fundamentais;

03. Agressão autoritária: tendência a ser intolerante, estar alerta, condenar, repudiar e castigar as pessoas que violam os valores “convencionais”. O juiz antidemocrático, da mesma forma que seria submisso com as pessoas a que considera “superiores” (componente masoquista da personalidade autoritária), seria agressivo com aquelas que etiqueta de inferiores ou diferentes (componente sádico). Como esse tipo de juiz se revela incapaz de fazer qualquer crítica consistente dos valores convencionais, tenderia a repudiar e castigar severamente quem os viola, por ser incapaz de entender a razão pela qual esse valor foi questionado. De igual sorte, não se pode descartar a hipótese de que a vida que esse juiz considera adequada, inclusive para si, é muito limitada, o que faz com que as pulsões sexuais e agressivas sejam reprimidas de tal forma que retornam na forma de violência contra todos aqueles que, por suas posturas, incitam sua ansiedade e o seu próprio medo de castigo. A grosso modo, pode-se supor que o juiz autoritário, convencido que alguém deve ser punido por exteriorizar posições que ele considera insuportáveis, expressa em sua conduta profissional, ainda que inconscientemente, seus impulsos agressivos mais profundos, enquanto tenta reforçar a crença de si como um ser absolutamente moral. Como é incapaz de atacar as autoridades do próprio grupo, e em razão de sua confusão intelectual é incapaz de identificar as causas tanto de sua frustração quanto a complexidade dos casos postos à sua apreciação, o juiz autoritário teria que, a partir de algo que poderia ser chamado de uma necessidade interna, escolher um “bode expiatório”, em regra dirigir sua agressão contra grupos minoritários ou aqueles que considera traidores do seu grupo;

04. Anti-intracepção: oposição à mentalidade subjetiva, imaginativa e sensível. O juiz autoritário tenderia a ser impaciente e ter uma atitude em oposição ao subjetivo e ao sensível, insistindo com metáforas e preocupações bélicas e desprezando análises que busquem a compreensão das motivações e demais dados subjetivos do caso. Por vezes, a anti-intracepção se manifesta pela explicitação da recusa a qualquer compaixão ou empatia. Segundo a hipótese de Adorno, o indivíduo anti-intraceptivo tem medo de pensar em fenômenos humanos e de ceder aos sentimentos, porque poderia acabar por “pensar os pensamentos equivocados” ou não controlar os seus sentimentos;

05. Simplificação da realidade e pensamento estereotipado: tendência a recorrer a explicações primitivas, hipersimplistas de eventos humanos, o que faz com que sejam interditadas as pesquisas, ideias e observações necessárias para um enfoque e uma compreensão necessária dos fenômenos. Correlata a essa “simplificação” da realidade, há a disposição a pensar mediante categorias rígidas. O juiz autoritário tenderia a recorrer ao pensamento estereotipado, fundado com frequência em preconceitos aceitos como premissas, que faz com que não tenha a necessidade de se esforçar para compreender a realidade em toda a sua complexidade;

06. Poder e “dureza”: preocupação em reforçar a dimensão domínio-submissão somada à identificação com figuras de poder (“o poder sou Eu”). A personalidade autoritária afirma desproporcionalmente os valores “força” e “dureza”, razão pela qual opta sempre por respostas de força em detrimento de respostas baseadas na compreensão dos fenômenos e no conhecimento. Essa ênfase na força e na dureza leva ao anti-intelectualismo e à negação de análises minimamente sofisticadas. Não é possível descartar a hipótese de que o juiz antidemocrático reafirma posições duras (“lei e ordem”) como reflexo tanto de sua própria debilidade quanto da natureza da função que ele é chamado a exercer. O juiz autoritário veria tudo em termos de categorias como “forte-débil”, “dominante-dominado”, “herói-vilão”, etc.

07. Destrutividade e cinismo: hostilidade generalizada somada à desconsideração dos valores atrelados à ideia de dignidade humana. Há um desprezo à humanidade de tal modo que o juiz antidemocrático exerce uma agressão racionalizada. Ou seja, o juiz antidemocrático buscaria justificações para agressões, em especial quando acreditasse que a agressão seria aceita pelo grupo do qual participa. Em meio a juízes que aceitam agressões à pessoa, o juiz autoritário busca justificativas, ainda que contrárias à normatividade constitucional que o permitam agredir;

08. Projetividade: disposição para crer que no mundo existem ameaças e ocorrem coisas selvagens e perigosas. O juiz antidemocrático acredita que o mundo está sempre em perigo e que sua função, ainda que insuficiente, torna o mundo menos selvagem. Em suas ações, contudo, vislumbrar-se-ia a projeção de fortes impulsos emocionais inconscientes. Deve-se admitir a hipótese de que os impulsos reprimidos de caráter autoritário do juiz antidemocrático tendem a projetar-se em outras pessoas, em relação às quais ele acaba por atribuir toda a culpa por pulsões e pensamentos que, na realidade, dizem respeito a ele. Se um juiz insiste em “demonizar” uma pessoa (um acusado do crime de tráfico, por exemplo) atribuindo-lhe propósitos hostis para além da conduta imputada, sem que existam provas de nada além dos fatos imputados, existem boas razões para acreditar que o juiz autoritário tem as mesmas intenções agressivas e está buscando justificá-las ou reforçar as defesas da instância repressiva pela via da projeção. Da mesma maneira, deve-se assumir a possibilidade de que quanto maior for a preocupação com a “criminalidade organizada”, o “aumento da corrupção” ou as “forças do mal”, mais fortes seriam os próprios impulsos inconscientes do juiz antidemocrático no âmbito da destrutividade e da corrupção;

09. Preocupação com a sexualidade: preocupação exagerada com o “sucesso” sexual e com a sexualidade alheia. O juiz antidemocrático teria medo de falhar no campo sexual e compensaria suas inseguranças com condutas que acredita reproduzirem a imagem do homem viril. Penas altas e desproporcionais, por exemplo, procurariam compensar a impotência, o medo de falhar e quiçá a insegurança com o tamanho do pênis. Não se pode descartar a hipótese de que juízas procurariam reproduzir a imagem do “homem viril” como forma de se afastar do estereótipo do sexo frágil. Com Adorno, pode-se apostar na força das pulsões sexuais inconscientes do sujeito na formação da personalidade autoritária;

10. Criação de um inimigo imaginário: o juiz antidemocrático, que trabalha com estereótipos e preconceitos distanciados da experiência e da realidade, acabaria por fantasiar inimigos e riscos sem amparo em dados concretos. Nessas fantasias, marcadas por adesão acrítica aos estereótipos, prevalecem ideias de poder excessivo atribuído ao inimigo escolhido. A desproporção entre a debilidade social relativa ao objeto (por vezes, um pobre coitado morto de fome que comercializa drogas ilícitas em uma comunidade como meio de sobrevivência) e sua imaginária onipotência sinistra (“capitalista das drogas ilícitas e responsável pela destruição moral da juventude brasileira”) parece demonstrar que há um mecanismo projetivo em funcionamento. No combate ao inimigo imaginário com superpoderes igualmente imaginários, os sentimentos implicitamente antidemocráticos do juiz autoritário apareceriam por meio de sua defesa discursiva da necessidade do afastamento das formas processuais e dos direitos e garantias fundamentais como condição à eliminação do inimigo e da ameaça;

11. O fiscal como juiz e a promiscuidade entre o acusador e o julgador: a confusão entre o fiscal/acusador e o juiz é uma característica historicamente ligada ao fenômeno da inquisição e à epistemologia processual autoritária. A hipótese é de que, no momento em que o juiz tendencialmente fascista se confunde com a figura do acusador, em que passa a exercer funções típicas do acusador como tentar confirmar a hipótese acusatória, surge um julgamento preconceituoso, uma paródia de juízo, com o comprometimento da imparcialidade que atuaria como condição de legitimidade democrática do julgamento. Tem-se, então, o primado da hipótese sobre o fato. A verdade perde importância diante da “missão” do juiz, que aderiu psicologicamente à versão acusatória, de comprovar a hipótese acusatória ao qual está comprometido;

12. Ignorância e confusão: uma característica da personalidade autoritária é que ela se desenvolve no vazio do pensamento. Assim, o juiz autoritário em suas manifestações deixaria claro a ignorância e a confusão acerca de conceitos políticos, econômicos, culturais, criminológicos, etc. A hipótese, nesse particular, é que se o indivíduo não sabe sobre o que se manifesta, razão pela qual substitui o conhecimento pela força em uma postura anti-intelectual, que ele disfarça como “senso prático” (“eu faço”, “eu entendo porque sou eu que faço”, “eu sei porque passei em um concurso”, etc.”), precisa preencher o vazio cognitivo com chavões, senso comum, preconceitos difundidos na classe média e estereótipos. O pensamento estereotipado, que atua em favor de tendências reacionárias (todo movimento e propaganda antidemocrática busca o ignorante e, por vezes, alcança também o “semi-formado”, aquele que tem uma formação “superior” e diplomas, mas é incapaz de reflexão porque não consegue articular as informações recebidas ou as desconsidera por acha-las desimportantes para suas metas individuais). Impressiona, ainda hoje, o grau de ignorância e confusão observado em pessoas com nível educacional formal relativamente alto. Também não se pode descartar o fato de que a ignorância e a confusão, não raro, são incentivadas e produzidas pelos meios de comunicação de massa e pela propaganda, muitas vezes direcionada a fins antidemocráticos ou pseudodemocráticos;

03. Pensamento etiquetador: o pensamento etiquetador é fenômeno conexo ao pensamento estereotipado. O fundo de ignorância e confusão, mesmo que inconscientemente, gera um quadro de ansiedade, semelhante ao estranhamento e a ansiedade infantil, o que faz com que o indivíduo recorra a técnicas que afastem essa ansiedade e orientem a ação, mesmo que essas técnicas sejam grosseiras e falsas. Os estereótipos e as etiquetas, com as quais divide o mundo e as pessoas (“homem mau”, “pessoas de bem”, “homem do saco”, “personalidade voltada para o crime”, etc.), servem ao indivíduo como um substituto do conhecimento (ou uma forma de conhecimento precária e tendencialmente falha) que torna possível que ele tome decisões e posições (tendencialmente antidemocráticas, uma vez que falta a informação que legitima as escolhas verdadeiramente democráticas). A hipótese aqui é a de que o juiz antidemocrático recorre ao pensamento etiquetador para produzir em si uma ilusão de segurança intelectual ou como forma de buscar apoio popular no meio que também só pensa a partir de estereótipos e outras estratégias de simplificação da realidade;

14. Pseudodemocracia: a personalidade autoritária, por questões ligadas à ideologia, muitas vezes, caracteriza-se por recorrer a distorções de valores e categorias democráticas para alcançar resultados antidemocráticos. Há, nesses casos, um descompasso entre o discurso oficial e a funcionalidade real. Isso ocorre, por exemplo, ao se defender práticas racistas em uma sociedade racista a partir da afirmação do princípio democrático da maioria (“se a maioria é racista, o racismo está legitimado”). A hipótese, portanto, é de que o juiz autoritário recorre ao argumento de estar atendendo às maiorias de ocasião, muitas vezes forjadas na desinformação, para violar direitos e garantias fundamentais.

III – Desafio ao leitor
Agora, cabe ao leitor para ter uma ideia do pensamento e da mentalidade dos juízes brasileiros comparar artigos, entrevistas, decisões e demais manifestações desses importantes atores jurídicos com os sintomas e caraterísticas identificados por Adorno como tendencialmente antidemocráticos.

Importante ter em mente que as características e sintomas descritos por Adorno, em regra, apresentam nexos entre si, mas se referem apenas a uma tendência. As conclusões sobre a aderência, ou não, de cada pessoa às características da personalidade tendencialmente fascista nos servem para refletir sobre a formação da subjetividade de nossa época e a responsabilidade dos atores sociais na defesa da democracia.

Rubens Casara é Doutor em Direito, Mestre em Ciências Penais e Juiz de Direito do TJ/RJ

Do GGN

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Com sinais claros de senilidade, FHC apoia Temer, abandona Aécio e Alckmin e elogia Huck e Doria

Avalista do golpe que destruiu a economia, liquidou a imagem do Brasil e feriu de morte a democracia, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) demonstrou estar perdido, assim como o PSDB, que teve seus principais nomes, incluindo o ex-presidente, atingidos pela Lava Jato; em entrevista publicada nesta segunda, FHC, que em dezembro passado havia chamado o governo Temer de "pinguela", agora elogia o peemedebista; em relação à disputa ao Planalto em 2018.

O tucano agora ignorou Aécio Neves e Geraldo Alckmin e começou a ventilar dois nomes populares no PSDB: o prefeito de São Paulo, João Doria, e o apresentador da Globo Luciano Huck; eles são "o novo", classificou FHC; o ex-presidente criticou o deputado tucano Nilson Leitão, que praticamente propôs a volta do trabalho escravo ao querer permitir que funcionários sejam pagos com casa e alimentação; "aquilo é uma loucura", classificou.

Em uma entrevista que demonstra estar perdido na atual situação brasileira, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso elogiou Michel Temer e abandonou os até então principais nomes tucanos para a disputa à Presidência em 2018, Geraldo Alckmin e Aécio Neve, passando a ventilar a ideia de ter João Doria ou o apresentador Luciano Huck como candidatos do partido.

"O tucano foi menos cruel do que em dezembro, quando cunhou aquela que talvez seja a mais precisa definição da gestão Temer, chamada por ele de 'uma pinguela'.

A imagem da ponte frágil colou, mas FHC afirma agora que Temer tem mostrado 'mão firme no leme'.

Sobre a sucessão de Temer, tema abordado rapidamente na entrevista que concedeu por telefone na quinta (4), FHC alterna cautela a insinuações de entrelinhas.

Doria surge naturalmente na conversa, já que é estrela emergente no PSDB por ter alta popularidade e não estar associado à Operação Lava Jato como seu padrinho político, o governador Geraldo Alckmin (SP), ou o senador Aécio Neves (MG).

Citados em delações, os até então presidenciáveis do tucanato viram suas intenções de voto derreterem. O PSDB também perde pela associação ao impopular Temer.

Já o nome de Huck, amigo de FHC, foi semeado pelo ex-presidente de forma quase fortuita. Se ele o fez para germinar ou para dividir atenção com o prefeito paulistano, o tempo dirá.

O apresentador da Globo já disse que está na hora de "sua geração" chegar ao poder, mas não confirma pretensões eleitorais e até aqui não está filiado a nenhuma agremiação –foi sondado pelo Partido Novo, sigla neófita em pleitos nacionais."

O ex-presidente criticou ainda o deputado de seu partido que propôs a "volta da escravidão", com a possibilidade do empregador pagar funcionários rurais com moradia e alimentos.

"A proposta de um deputado do meu partido [Nilson Leitão, do Mato Grosso] de mexer com as relações trabalhistas rurais, aquilo é uma loucura [a ideia aventada permite algo que críticos chamam de trabalho escravo legalizado, com pagamento na forma de alimentação e estadia]. Não pode ser assim", disse.
As informações no original,  aqui

Do 247