Nassif e Lula
O xadrez da política no
dia D
Imagem de ilustração
Vamos ao novo xadrez da
crise.
Peça 1 – a crise
ficou grande demais para Dilma
É a única certeza nesse
oceano de imprevisibilidades que caracteriza a crise atual. Dilma não tem
fôlego político nem para lançar planos mais audaciosos nem para recompor sua
base política. Mantido o quadro atual, se não cair por impeachment, cai pela crise.
Peça 2 – qualquer
solução de conflito mergulha o país em uma crise imprevisível.
Essa premissa é central
para todo o raciocínio posterior. Não significa que, automaticamente, conduzirá
as discussões para a racionalidade. Mas será um fator relevante a estimular
algumas lideranças mais responsáveis na busca do entendimento.
Grosso modo, há dois
grupos trabalhando em saídas mais articuladas para a crise.
No Senado, o grupo
formado por Renan Calheiros, José Serra e Romero Jucá, articulando alguma forma
de semiparlamentarismo que mantenha Dilma Rousseff na presidência, mas sem
governar. Vamos trata-lo de os Parlamentaristas para facilitar a
leitura.
Ao largo, o grupo que
cerca Lula, insistindo para que assuma um cargo de coordenação no Palácio,
mesmo sem ser formal, mas que o transforme em um primeiro-ministro de fato.
Chamemos de Lulistas.
Correndo por fora, o
grupo do impeachment, com Aécio Neves na ponta. Seriam os Jacobinos.
Finalmente, o grupo do
Ministério Público Federal diretamente liderado pelo Procurador Geral Rodrigo
Janot. Vamos batizar de Alto Comando, para fugir da confusão corriqueira,
de considerar que o comando e a estratégia da Lava Jato estão em Curitiba.
São esses personagens que
jogam o jogo atual, cujo ápice serão as manifestações deste domingo.
As formas de jogo
político
Para acompanhar o jogo é
preciso entender melhor sua natureza.
Não se trata de uma
conspiração palaciana, com um comando organizando todas as ações.
Movimentos de opinião
pública são operações muito mais fluidas, mais amplas, nas quais se escolhe o
momento adequado – o mal-estar econômico – e, se deflagra um conjunto de ações
visando estimular as reações populares. A denúncia da corrupção é o mote mais
eficaz.
Aberta a porteira,
provoca-se o estouro da boiada e abre-se a caixa de Pandora. Há uma sucessão de
eventos, alguns aleatórios, outros planejados. A arte da conspiração consiste
em controlar os bois guias, os que vão na frente da boiada conduzindo-a. Mas o
final sempre é imprevisível, daí a preocupação de Fernando Henrique Cardoso e
de quadros do PSDB, recuando na radicalização.
O estouro da boiada foi
possível com a parceria montada pelo Alto Comando com a mídia, a
entrada dos novos grupos que se apossaram das manifestações (Movimento Brasil
Livre, Revoltados Online, provavelmente bancados de fora), e um investigação
capaz de gerar fatos jornalísticos diários.
Hoje em dia, quem
controla os bois guias é o Alto Comando, através da usina de geração de
fatos da Lava Jato, sincronizando com os movimentos da oposição.
Os protagonistas a serem
acompanhados são, portanto, os Parlamentaristas, os Lulistas e oAlto
Comando. Os Jacobinos de Aécio e a mídia são agentes
acessórios – no caso da mídia, fundamental para o sucesso da operação, mas
vindo a reboque, sem papel na formulação estratégica,
A dificuldade de
definição de estratégias se deve à extrema habilidade de um jogador essencial,
oAlto Comando, que conseguiu jogar xadrez escondendo o rei. É uma velha
gíria do xadrez: como a vitória consiste no xeque-mate ao rei, se você esconde
o seu no tabuleiro, não tem como levar xeque.
Quando os demais
personagens entenderem adequadamente o papel do Alto Comando, os erros de
estratégia serão minimizados.
Como se organiza o jogo
Se consumado o
impeachment de Dilma Rousseff, será um case mundial, provavelmente a
mais bem-sucedida estratégia de golpe político das últimas décadas.
Não é o caso de voltar ao
tema da geopolítica norte-americana na quadra atual. Maiores dados vocês
poderão ler aqui (http://migre.me/tdbtp).
A estratégia de desmonte dos grandes grupos nacionais que poderiam se habilitar
a algum protagonismo externo pode ser lida aqui (http://migre.me/tdbAZ).
Há duas vertentes para
dobrar a espinha do país.
A primeira, que dá o
start, é a política de depreciação continuada de tudo que possa despertar o
orgulho nacional. Esse trabalho ficou nítido na Copa do Mundo, um exercício tão
funesto de derrubar a autoestima que conseguiu espantar das ruas até o orgulho
de vestir camisa da Seleção. E isso antes do 7 x 1 e pouco tempo depois do país
ter atingido o momento mais alto do seu orgulho, respeitado mundialmente pelos
avanços sociais registrados e pela forma como superou a crise de 2008.
A segunda vertente foi o
papel do Alto Comando como estrategista central da Lava Jato.
Do lado jurídico, a
maneira como a Lava Jato foi montada foi bem explicada pelo advogado Juarez
Cirino dos Santos no site Jota (http://migre.me/td3XB).
4. Além de
constrangimentos e humilhações aos adversários políticos, a Operação Lava Jato
apresenta inúmeras vantagens (...):
- primeiro, os
procedimentos investigatórios e os processos criminais são seletivos e
sigilosos: seletivos, porque dirigidos contra líderes do PT ou pessoas/empresas
relacionadas ao Governo do PT – por motivos ideológicos ou não; sigilosos,
porque não permitem conhecer a natureza real ou hipotética dos fatos imputados,
fazendo prevalecer a versão oficial desses fatos, verdadeiros ou não;
- segundo, os nomes dos
investigados são revelados ao público externo, como autores ou partícipes (por
ação ou omissão) das hipóteses criminais imputadas, mediante programados
vazamentos de informações (sigilosas) aos meios de comunicação de massa, com
efeitos sociais e eleitorais devastadores sobre os adversários políticos dos
grupos conservadores;
- terceiro, o espetáculo
de buscas e apreensões violentas e de condução coercitiva ilegal de
investigados (o ex-Presidente Lula, por exemplo), ou as ilegais quebras de
sigilo (telefônico, bancário e fiscal) seguidas de espalhafatosas prisões
preventivas (Zé Dirceu ou João Vaccari Neto, por exemplo), geram convenientes
presunções de veracidade e de legitimidade da ação repressiva oficial perante a
opinião pública.
5. Nesse contexto, a
contribuição objetiva da Operação Lava Jato– voluntária ou não, mas essencial
para os fins político-eleitorais das classes hegemônicas organizadas no PSDB,
no PPS, no DEM e outras siglas – ocorre na forma de contínua violação do devido
processo legal, com o espetacular cancelamento dos princípios do contraditório,
da ampla defesa, da proteção contra a autoincriminação, da presunção de
inocência e outras conquistas históricas da civilização – apesar da reconhecida
competência técnico-jurídica de seus protagonistas. A justiça criminal no
âmbito da Operação Lava Jato produz a sensação perturbadora de que o processo
penal brasileiro não é o que diz a lei processual, nem o que afirmam os
Tribunais, menos ainda o que ensina a teoria jurídica, mas apenas e somente o
que os dignos Procuradores da República e o ilustre Juiz Sérgio Moro imaginam
que deve ser o processo penal. A insegurança jurídica e a falta de
transparência dominante na justiça criminal da Operação Lava Jato levou o
Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, a reproduzir antigo
conceito de Rui Barbosa: “a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário”.
6. Então, entra em ação o
grande parceiro da Operação Lava Jato: os meios de comunicação de massa (TV,
jornais e rádios), com informações baseadas nas evidências processuais ou
no material probatório obtido nas condições referidas, produzem um espetáculo
midiático para consumo popular – e comícios diários de imagens virtuais audiovisuais,
impressas e sonoras tomam conta do País, com efeitos psicossociais coletivos
avassaladores. As versões, interpretações e hipóteses da justiça criminal da
Operação Lava Jato, difundidas pela ação repressiva da Polícia Federal, pelas
manifestações acusatórias dos Procuradores da República e pelas decisões
punitivas do Juiz Sérgio Moro, produzem efeitos de lavagem cerebral e de
condicionamento progressivo da opinião pública, submetida ao processo de
inculcação diuturna de um discurso jurídico populista, com evidente significado
político-partidário, mas apresentado sob aparência ilusória de uma impossível
neutralidade política.
Quando os procuradores
paulistas tentaram atropelar a agenda, coube ao Procurador Geral da República
Rodrigo Janot articular pessoalmente a estratégia da Lava Jato em relação às
trapalhadas cometidas (http://migre.me/tdeQT).
E a toda imprensa vocalizar as críticas contra quem poderia comprometer o
script inicial, cuidadosamente planejado para chegar a bom termo respeitando as
aparências jurídicas.
Do lado político, o Alto
Comando opera a partir de Brasília visando criar toda a blindagem jurídica
necessária, não apenas junto ao STF, como ao próprio governo e nas redes
sociais.
No Twitter, por exemplo,
os principais lugares-tenentes de Janot, através de seus perfis pessoais,
conduzem uma ampla campanha de esclarecimento e de defesa da Lava Jato. Antes
da constatação de que foi um desastre, até as trapalhadas dos procuradores
paulistas mereceram esboços de defesa, por parte dos procuradores de Janot.
No STF e no TSE Janot não
convalidou nenhuma tentativa de golpe branco. Consolidou a imagem de
legalista junto ao STF e à presidente da República e, com isso, o espaço
político para bancar a estratégia central, a Lava Jato. Nenhuma outra
iniciativa roubou-lhe o protagonismo. Escondeu o rei e iludiu a rainha quanto
aos propósitos republicanos da Lava Jato.
A Lava Jato foi apenas o
aríete, atrás do qual montou-se um trabalho sistemático de destruição de todos
os símbolos de país.
Nas ruas, movimentos
conduzidos pelo MBL e outros vocalizando críticas às políticas sociais.
Na Lava Jato, um trabalho
sistemático de destruição das maiores empresas nacionais, não apenas com
inquéritos, mas com escracho. Recorreram ao escracho, ao boicote a qualquer
acordo de leniência, à perseguição diuturna, com operações seguidas de invasão
de sede, exposição de mensagens – até pessoais. A ideia não é punir: é
destruir.
O ápice tem sido a
tentativa de destruição do símbolo Lula. Qualquer compêndio futuro sobre a
infâmia na vida nacional contemplará o que foi feito, até acusações de furto de
obras no Palácio.
O Ministério Público
Federal é composto por procuradores preparados. Não será necessário muito tempo
para que, caindo a ficha do que fizeram, venham à tona os bastidores da
operação.
Como foi possível, no
entanto, cooptar quase toda a corporação?
A campanha antinacional
da Copa e, principalmente, a revelação da enorme rede de corrupção da
Petrobras, facilitaram a venda da ideia da destruição da velha ordem, por uma
nova ordem, liderada pelo trabalho redentor do Ministério Público.
A velha ordem passou a se
resumir a empreiteiras corruptas, cooptando o sistema político e judiciário, e
um governo populista que cooptou a população com políticas sociais
paternalistas. E não a lenta reconstrução democrática, os avanços
civilizatórios (dos quais o próprio MPF foi agente importante), os avanços
tecnológicos nas áreas do pré-sal e da defesa, o feito histórico de tirar
milhões de pessoas da miséria e reduzir graus históricos de desigualdade. A
corrupção foi o álibi para apagar a história recente do país, até a luta pela
redemocratização.
Principalmente pesou a
visão redentorista de um novo poder se sobrepondo aos demais e salvando o país.
Para avaliar os
resultados do jogo, é fundamental esse entendimento sobre a posição do Alto
Comando.
As próximas jogadas
Sabendo-se disso, fica
mais claro o jogo, embora ainda seja difícil antecipar o resultado final.
Há duas saídas negociadas
possíveis, nenhuma tendo Dilma como protagonista.
Jucá e Renan
Saída 1 – O
semiparlamentarismo com o PMDB, que tem várias nuances. No regime
parlamentarista, cabe ao presidente indicar o primeiro ministro e o gabinete. E
ao Congresso aceitar ou rejeitar. Pode-se tentar um parlamentarismo goela
abaixo, mas seria regimentalmente complicado.
Saída 2 –
semiparlamentarismo com Lula assumindo o papel de coordenador de governo, um
primeiro-ministro de fato.
Impasse – qualquer
decisão de força, sem consenso, tenderá ao fracasso. Sem um núcleo de poder,
qualquer governo que assuma um país dividido ficará refém das forças que o
elegeram. Será um ataque ao butim que inviabilizará qualquer tentativa de
normalização econômica. Haverá agitação, repressão aos movimentos sociais, caça
às bruxas.
Independentemente de
pecadilhos ou grandes pecados, um pacto entre os Parlamentaristas e
osLulistas é o único sinal visível de um polo racional na política.
Com Lula à frente,
poderiam ser viabilizados acordos, através de uma coordenação dele, como
primeiro-ministro de fato, ou em uma transição com um primeiro-ministro
negociado entre ambos as partes.
Aí entram as jogadas do
xadrez.
Antevendo essa
possibilidade, o Alto Comando deflagrou novas operações simultâneas:
a ofensiva total contra Lula, o alarido em torno dos presentes recebidos por
Lula no exercício do poder; mais uma denúncia contra Renan Calheiros; mais
detalhes da delação do senador Delcídio do Amaral, cujo conteúdo era conhecido
apenas do Alto Comando e do STF (Supremo Tribunal Federal).
Tem-se, então, duas
forças conflitantes. De um lado o Alto Comando apostando tudo no
confronto; de outro, forças moderadoras percebendo a possibilidade de uma
guerra selvagem, se não se chegar a um entendimento.
A tentativa de acordo
passa por ambientes confusos, mas depende fundamentalmente de Renan Calheiros e
Lula.
Fator 1 – o STF e o
fator Renan.
Os Ministros tendem a
privilegiar a responsabilidade institucional. E na vitrine do Supremo, Janot
tende a ter bom senso.
Nessa hipótese, Renan
poderia ser poupado de atropelos imediatos, em nome da estabilidade política.
Aparentemente o foro privilegiado o blindaria contra novas surpresas da Lava
Jato. Mas não se descartam vazamentos de delações visando comprometer sua
atuação.
Além da nova investida de
Janot contra Renan, na próxima 4a feira a oposição tentará pressionar o
Ministro Luís Roberto Barroso a rever seu voto em relação ao ritual do
impeachment.
Luis Roberto Barroso ministro do STF
Desde que sua esposa foi
alvo de ataques baixos, Barroso inibiu-se. As loucuras dos três procuradores
paulistas estão diretamente ligadas ao seu recuo na questão da Terceira
Instância. Como explicou o promotor Ricardo Blat, o pedido de prisão de Lula
visou criar uma "inovação jurisprudencial" depois que os garantistas
do Supremo abriram a guarda com a eliminação da terceira instância.
Espera-se que Barroso e
demais garantistas se sintam mais fortalecidos. Mas ainda são uma incógnita.
Barroso terá um papel
essencial. Se flexibiliza o impeachment, consolida a parceria PSDB-PMDB para
derrubar a Dilma, pois nesse caso Michel Temer seria poupado. Se resiste,
obriga a um pacto mais amplo e à busca de entendimento.
Fator 2 – O fator
PSDB-PMDB.
O acordo semiparlamentarista
prejudica Aécio e Alckmin para 2018
No momento, os Parlamentaristas confiam
no indiciamento de Aécio Neves para avançar nas tratativas.
Obviamente não levaram em
conta o Alto Comando. Se o nome de Aécio não aparecer nas delações de
executivos da Andrade Gutierrez, aliás, consolidará a opinião geral sobre a
proteção recebida. Mas há a possibilidade de que a abundância de indícios
obrigue Janot a mudar de posição.
Alckmin se aproximou de
Sérgio Moro através de seu candidato João Doria Jr. Essa aproximação pode ser
debitada na conta dos eventos aleatórios, fora do script original. A própria
truculência do Secretário de Segurança de São Paulo, Alexandre Moraes,
colocando a PM para reprimir uma assembleia do Sindicato dos Metalúrgicos, é
significativa dessa reação a qualquer acordo.
Fator 3 - O fator
Lula
Depois de sua fase classe
média ascendente – aceitando favores descabidos de empreiteiras – Lula vacila
entre encarar a luta ou entrar para a história, como um novo Mandela, preso
pela direita. Ótimo! Salva sua biografia à custa do comprometimento de todas as
bandeiras que representa.
Se Lula não assumir um
protagonismo total no governo Dilma, sua queda será questão de semanas.
Fator 4 - O Alto
Comando.
O Alto Comando é
integrado por procuradores probos, bem intencionados e iludidos pela visão
redentorista. Nâo se descarte a possibilidade de um chamamento ao mundo real,
quando avaliarem friamente os desdobramentos da crise atual.
Por enquanto, o cenário
mais provável será o do pacto PMDB-PSDB visando apoiar ao impeachment.
Caso fracassarem as
saídas políticas, a primeira fase do golpe de1964 será café pequeno. Juízes e
procuradores serão liberados para acabar com a raça de tudo que cheire a
esquerda.
O país será envolvido em
uma guerra fratricida, com um novo governo previamente enfraquecido pela falta
de consenso e exposto a ataques ao butim de todos os “vencedores”, de grupos
jornalísticos a líderes empresariais e a impolutos de ordem geral que ajudaram
a consumar o golpe.
Neste domingo, joga-se o
último lance da guerra do impeachment. Se o governo resistir por mais algum
tempo e Lula entrar na linha de frente, é possível alguma esperança de
normalização democrática.
Do GGN