quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Do sigilo do Tio Sam ao entreguismo da Terra Brasilis, uma estratégia lesa pátria

Ilustração

Enquanto aqui, o próprio PGR, junto com Moro, entregam, em troca de cachês de palestras, as vísceras da Petrobrás e da Odebrecht para autoridades americanas…

Uma das coisas mais estúpidas que ocorreu nos últimos anos foi o acordo entre MPF/Sérgio Moro e os EUA. Através deste acordo – cuja validade é questionável, pois não seguiu as vias administrativas normais do Itamaraty e do Ministério da Justiça – as autoridades brasileiras se comprometeram a fornecer informações sensíveis e até sigilosas da Petrobras às autoridades norte-americanas. Nenhuma contra partida foi exigida.

As informações fornecidas por brasileiros estão causou danos patrimoniais imensos à Petrobras. A companhia sofre ações bilionárias que não teriam sido ajuizadas sem a ajuda do MPF e de Sérgio Moro. Os promotores e o juiz da Lava Jato irão indenizar os prejuízos que causaram à companhia?

Ontem o presidente Trump assinou uma Lei garantindo sigilo total das atividades empresariais e financeiras das petrolíferas norte-americanas fora dos EUA. As relações perigosas entre José Serra e a Chevron são conhecidas, mas não foram profundamente investigadas.

Em razão da nova Lei assinada por Trump, doravante ninguém do MPF e da Justiça Federal poderá obter nos EUA qualquer documento comprovante que autoridades brasileiras foram subornadas para ajudar os norte-americanos a destruir a Petrobras. Esta foi a contrapartida exigida pelo MPF/Sérgio Moro para ajudar o Tio Sam?

Suborno e sigilo. É assim que as concorrentes da Petrobras operam. Mas o MPF/Sérgio Moro fizeram a Petrobras operar de maneira diferente. O que é bom para os norte-americanos não é bom para os brasileiros?

Em nome da ética as autoridades brasileiras ajudaram as empresas norte-americanas. Em troca os norte-americanos se tornaram mais antiéticos. Curiosamente, nenhum membro do MPF, da Justiça Federal, do Ministério da Justiça ou do Itamaraty criticou a nova vantagem comparativa das concorrentes da Petrobras. Silencio absoluto e obsequioso na imprensa brasileira.

O Cafezinho
Miguel do Rosário, título modificado.

O “moralismo” flexível da Justiça e da mídia sedimenta a narrativa atual


Não está em discussão a legalidade da decisão de Celso de Mello em reconhecer o direito de Michel Temer nomear quem ele quiser para seu ministério, desde que a pessoa esteja em pleno gozo de seus direitos políticos.

Dizer que o foro no STF é um passo para a impunidade é, em tese, uma bofetada na mais alta corte brasileira e, antes de apontar a lentidão do Supremo em comparações, deveria ser obrigação de qualquer pessoa honrada a de verificar a “rapidez” de Curitiba. Afinal, são 11 juizes ante apenas um e centenas de procuradores, frente a oito ou nove da tal “força-tarefa”.

Não se alegue que é a quantidade de processos, investigados, denunciados e réus: são centenas em Curitiba, dezenas deles condenados pelas sentenças “fast-food” de Sérgio Moro, nesta nova e estranha Justiça onde a pena varia inversamente ao tamanho da disposição da língua do réu.

O que está em discussão é um princípio essencial do Direito, que é a isonomia.

Um princípio que, quando se abandona, transforma em arbítrio o que deveria ser Justiça.

Celso de Mello disse que “a prerrogativa de foro — que traduz consequência natural e necessária decorrente da investidura no cargo de ministro de Estado — não importa em obstrução e, muito menos, em paralisação dos atos de investigação criminal ou de persecução penal”. Mais ainda,  ressaltou que um ministro “não dispõe de quaisquer benefícios adicionais ou vantagens processuais em razão da prerrogativa de foro de que é titular, sendo-lhe dispensada, nessa matéria, igualdade de tratamento aplicável a qualquer outro cidadão da República”. Inclusive, lembrou ele, “a decretação de prisão preventiva”.

O raciocínio legalista do ministro, porém, conduz a uma pergunta que deixa nua na praça a hipocrisia: “então, porque com Lula isso não valeu?”.

Daí em diante, não é mais o juiz, mas o lobo quem expende suas razões, como as da fábula: “se não foi você, foi seu pai, foi seu tio ou seu avô”.

Ninguém (exceto o powerpoint de convicções do Dr. Dallagnol), até o momento, apontou Lula como recebedor de propina. A Moreira, já, no depoimento de Cláudio Melo Filho, no mínimo desde outubro passado .

Moreira não detinha foro privilegiado, não era necessária autorização do Supremo para investigá-lo e hoje,pelo menos  cinco meses depois, não é sequer investigado?

Celso de Mello, como antes Gilmar Mendes, apela para uma gravação ilegal e absolutamente inconclusiva, sobre mandar levar um termo de posse, sem a assinatura presidencial, para que Lula o deixasse assinado, por conta de problemas de saúde da mulher que, agora tragicamente, vê-se que de fato existiam.

Está claríssima a existência de dois pesos e duas medidas, a negação do mais básico princípio de Justiça.

Não há uma reação sequer nos editoriais da imprensa brasileira hoje. Só a Folha entra no tema, e  de forma pusilânime, que “está correta, em sua essência”  a decisão de permitir a posse de Moreira e que a de proibir a de Lula “havia sido despropositada”.

Os fatos encarregaram-se de desmentir a história de que a indicação de Lula devia-se a evitar sua “iminente prisão” por Sérgio Moro. Passou-se um ano e Moro, sem provas, não ousou ir além da já absurda condução coercitiva, um espetáculo dantesco do qual teve de recuar.
Passamos dos vazamentos seletivos para o moralismo flexível, onde o que vale para um não vale para outro e, agora, chegamos ao ponto em que pode-se dizer que era improcedente a acusação de Lula sobre estar o STF acovardado.

Alguns de seus membors, sim, podem estar, fracos de caráter que são por serem incapazes de levantar a voz contra a deturpação dos métodos judiciais.

Mas a maioria não está acovardada. Está, sim, acumpliciada ao novo regime, no qual tudo vale, tudo pode, tudo se aceita, em nome da destruição do país.

Do Tijolaço

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

"Entendi que você é um juiz de merda"


É uma história conhecida sobre Celso de Mello, mas vale a pena relembrar. Está relatada no livro "Código da Vida", de Saulo Ramos.
Quando José Sarney decidiu candidatar-se a senador pelo Amapá, o caso foi parar no STF, porque os adversários resolveram impugnar a candidatura. Celso de Mello votou pela impugnação, mas depois telefonou ao seu padrinho, Saulo Ramos, para explicar-se.

Eis o o trecho do livro:

— Doutor Saulo, o senhor deve ter estranhado o meu voto no caso do presidente.
— Claro! O que deu em você?

— É que a Folha de S.Paulo, na véspera da votação, noticiou a afirmação de que o presidente Sarney tinha os votos certos dos ministros que enumerou e citou meu nome como um deles. Quando chegou minha vez de votar, o presidente já estava vitorioso pelo número de votos a seu favor. Não precisava mais do meu. Votei contra para desmentir a Folha de S.Paulo. Mas fique tranquilo. Se meu voto fosse decisivo, eu teria votado a favor do presidente.

— Espere um pouco. Deixe-me ver se compreendi bem. Você votou contra o Sarney porque a Folha de S.Paulo noticiou que você votaria a favor?

— Sim.

— E se o Sarney já não houvesse ganhado, quando chegou sua vez de votar, você, nesse caso, votaria a favor dele?

— Exatamente. O senhor entendeu?

— Entendi. Entendi que você é um juiz de merda.

De outros sites 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Sobre (auto) elogios de um brioso magistrado de piso, Eugênio Aragão


Li hoje que o Sr. Sérgio Moro, juiz federal de piso no Estado do Paraná, fez distribuir nota com um elogio público do sorteio do Ministro Edson Fachin para a relatoria dos feitos relacionados com a chamada "Operação Lava-Jato".

Eis o teor da nota, chocante pelo estilo burocrático e canhestro, indigno de um magistrado e surpreendente num professor com doutorado:

"Diante do sorteio do eminente Ministro Edson Fachin como Relator dos processos no Supremo Tribunal Federal da assim chamada Operação Lava Jato e diante de solicitações da imprensa para manifestação, tomo a liberdade, diante do contexto e com humildade, de expressar que o Ministro Edson Fachin é um jurista de elevada qualidade e, como magistrado, tem se destacado por sua atuação eficiente e independente. Curitiba, 02 de fevereiro de 2017. Sérgio Fernando Moro, Juiz Federal”.

O juiz de piso escreveu uma carta de recomendação. Como o destinatário declarado, o Ministro Fachin, dela não carece, conclui-se que o verdadeiro destinatário é o próprio Sérgio Moro. Tal impressão não é desfeita pelas referências às "solicitações da imprensa" ou ao autoproclamado caráter "humilde" da iniciativa, desculpas esfarrapadas para seu autor aparecer. Nem é preciso dizer que o juiz desconhece seu lugar. Inebriou-o a celebridade construída às custas da presunção de inocência dos seus arguidos e da demonstração pública de justiceirismo populista.

Com a simplicidade e sabedoria do sertanejo do Pajeú, meu pai, de saudosa memória, ensinou-me que não se elogia um superior na hierarquia funcional. Fazê-lo pode parecer sabujice ou soberba. Elogio se faz a subalterno ou, quando muito, a colega. Um elogio do Sr. Sérgio Moro ao Ministro Fachin nada acrescenta à condição dest'último, que é, ou não, um “jurista de elevada qualidade” independentemente da opinião do juiz singular, pois o Sr. Moro não é igual nem superior ao Ministro por ele elogiado.

Quanto às "solicitações da imprensa", melhor seria que o juiz singular não as tornasse públicas, pois se já é feio um juiz receber tais solicitações - tecer juízos sobre ministros do STF -, muito mais feia é a sua avidez em atendê-las. Um magistrado de piso não existe para julgar, para a mídia, os magistrados de instância superior. Ainda que lhe perguntem, não convém que responda. Suponhamos, só para argumentar, que o Sr. Moro considere o Ministro Fachin um desqualificado; será que "toma a liberdade" e dirá isso à imprensa? Claro que não, a não ser que seja doido varrido. Logo, dizer que o Ministro Fachin é qualificado sempre levantará a dúvida sobre a sinceridade do juízo, carente de alternativa assertiva. Por isso, dizem os antigos: em boca fechada não entra mosca!

Quanto à humildade, quem deve qualificar nossas atitudes como tais são os outros. Autoqualificá-las é, por excelência, uma autoexaltação e, portanto, a negação da humildade.

Segundo disseminada sabedoria popular, conselho bom é para ser vendido, não dado. Mas este ofereço de graça ao Sr. Moro: fale menos e trabalhe mais discretamente. Fale nos autos. Evite notinhas. Não jogue para a platéia. Não faça má política, mas administre a boa e cabal justiça. Defenda a autonomia do Judiciário e não aceite ser pautado pela imprensa, que não o ama, apenas o usa e o descartará quando não for mais útil. Se não acreditar em mim, pergunte ao colega Luiz Francisco Fernandes de Souza, aquele procurador tão assíduo nas páginas de jornais durante o governo FHC, hoje relegado ao ostracismo de um parecerista em instância de apelação.

Um juiz não deve ser um pop star. Na esteira do velho Foucault, o Judiciário deve cultivar a timidez e o recato atribuídos pela revista VEJA à Sra. Marcela Temer. Isso vale a fortiori para a justiça penal. Seu objetivo pós-iluminista não é a exposição de um bife humano esquartejável em praça pública, mas a suposta “recuperação” do cidadão que cai em sua malha. No Brasil, mui distante da Noruega, isso é uma quimera, mas é também a meta, sem a qual nunca poderemos sonhar com a redução do elevado grau de criminalidade. O imputado exposto é um imputado destruído, sem nada a perder e, portanto, de difícil reacolhimento social, com ou sem culpa. Conduzido "de baraço e pregão pelas ruas da vila", exposto à execração pública no pelourinho, é mais provável que se considere injustiçado e não consiga ver legitimidade na atuação do seu juiz. Dê-se o respeito, Sr. Moro, para que todos possam respeitá-lo (e não apenas os membros do seu fã-clube, com a cachola detonada pelo ódio persecutório). Juízos ostensivos sobre magistrados de instâncias superiores não contribuem para tanto.

É bom lembrar, por último, ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que sobra tempo ao juiz Moro. Dedica-se o magistrado de piso a tertúlias com a imprensa, redação de notinhas, palestras no Brasil e no exterior, verdadeiras tournées de um artista buscando aplauso. Para tudo isso, recebeu, afora passagens e, quiçá, cachês ou diárias, o direito reconhecido pela corte regional, de funcionar, com exclusividade, nos processos da “Lava-Jato”, sem qualquer outra distribuição. Em outras palavras, nós contribuintes estamos pagando por esse exibicionismo, sem que sejamos compensados com serviço em monta equivalente. No mais, fere-se, com essa prática de privilégio, o princípio do juízo natural, ao dispensar-se, esse juiz, da distribuição geral da matéria de competência de seu ofício. O excesso de trabalho, com certeza, não é motivo crível para tratamento tão excepcional. Antes pelo contrário: como, a todo tempo, parece se confirmar, no seu caso, o aforismo “cabeça vazia é oficina do Diabo”, melhor seria devolver-lhe urgentemente a jurisdição plena por distribuição aleatória, para que se abstenha de notinhas tão degradantes para a magistratura.
  
Eugênio José Guilherme de Aragão*

*Ex-ministro da Justiça da Presidenta Dilma Rousseff, advogado e Professor Adjunto da Universidade de Brasília.

domingo, 4 de dezembro de 2016

Em nome do combate a corrupção, acaba-se gerando mais corrupção

Imagem ilustrativa

Pense-se, por exemplo, no paradoxo que seria uma campanha, paga com dinheiro público, com o objetivo de recolher assinaturas para um projeto de lei de iniciativa “popular”, na qual se pede para “quem for contra a corrupção” assinar o documento, isso sem que os signatários sejam informados do conteúdo do projeto, das repercussões constitucionais, sociais ou mesmo econômicas das medidas propostas e, em especial, dos reflexos do projeto no campo das liberdades públicas: sem o necessário debate público, pautado por informações corretas e dados confiáveis, um projeto como esse corrompe-se em instrumento de manipulação da população.

Vive-se um momento delicado que conjuga o empobrecimento tanto da linguagem, típico dos momentos de fascistização (que se caracterizam pela ode à ignorância, o medo da liberdade e a aposta em soluções de força para os mais variados problemas) quanto do imaginário (instaurou-se um modelo de pensamento simplificador, incapaz de compreender a complexidade dos fenômenos, a partir de imagens binárias e bélicas) com um processo de mutação do simbólico, com a perda da importância dos limites ao exercício do poder e dos valores transcendentes (tais como “a dignidade da pessoa humana”, “os direitos fundamentais”, etc.) em proveito do regime valorativo das mercadorias, de modo que nada (nem mesmo a ética ou os valores constitucionais) possa ser tido como mais importante do que a livre circulação das mercadorias, o desenvolvimento do espetáculo de imposição de penas, a implementação da visão de mundo de atores jurídicos ou a satisfação dos desejos/ perversões da parcela da sociedade que detém o poder econômico e/ou político.

Por tudo isso, não causa surpresa o tratamento simplista conferido aos fenômenos da “violência” e da “corrupção”, bem como falhas na percepção da conexão entre esses dois dados da realidade. A violência, por exemplo, só é percebida em seu sentido vulgar, naquilo que Zizek chamou de “violência subjetiva[1], a violência de uma pessoa contra outra, o aspecto visível do fenômeno violência.

Esquece-se que, ao lado da violência vulgar, existe a violência estrutural/sistêmica[2] (aquela que é consequência do funcionamento e das perversões dos sistemas econômico, político e, por evidente, do sistema de justiça) e a violência simbólica (a violência encarnada na linguagem, i.e., na imposição de um universo de sentido, muitas vezes condicionado por preconceitos, por pré-compreensões autoritárias). E o pior: não se enxerga que a violência visível é, em regra, produto de uma outra, oculta.

Por desconhecer a conexão entre as diversas formas de violência, ações que, no plano do discurso oficial, direcionam-se à redução da violência ou da corrupção, no lugar de reduzir esses fenômenos, podem aumentá-los. E fazem isso, por exemplo, ao manter prisões desnecessárias, determinar conduções coercitivas fora das hipóteses legais ou, o que se tornou moda entre atores jurídicos que buscam o reconhecimento de um auditório autoritário, decretar prisões cautelares (sem que exista uma condenação irrecorrível) para obter delações e/ou confissões, em clara instrumentalização da pessoa e consequente violação da dignidade humana.

O mesmo se dá em relação ao fenômeno corrupção. Corrupção, por definição, é a violação dos padrões normativos do sistema. Não raro, com a boa intenção (a mesma que enche o inferno) de “combater a corrupção” do sistema político, acaba-se por corromper o sistema de justiça e mesmo as bases democráticas.

Pense-se, por exemplo, no paradoxo que seria uma campanha, paga com dinheiro público, com o objetivo de recolher assinaturas para um projeto de lei de iniciativa “popular”, na qual se pede para “quem for contra a corrupção” assinar o documento, isso sem que os signatários sejam informados do conteúdo do projeto, das repercussões constitucionais, sociais ou mesmo econômicas das medidas propostas e, em especial, dos reflexos do projeto no campo das liberdades públicas: sem o necessário debate público, pautado por informações corretas e dados confiáveis, um projeto como esse corrompe-se em instrumento de manipulação da população.

Pense-se, também, na violência sistêmica que a ampliação das hipóteses de prisão preventiva para o “combate à corrupção” causaria, levando-se em consideração o quadro de hiperencarceramento já existente e diante da constatação de que “para combater a corrupção seriamente é preciso antes melhorar o sistema institucional de controle porque o Direito Penal sempre chega tarde, quando o dano já está feito. É como dizer que punindo o genocida, evita-se o genocídio. É justo punir o genocida e o corrupto, mas não vai prevenir a corrupção nem evitar o genocídio. É mentira dizer que a corrupção vai ser derrotada com o Direito Penal”.[3]

Nos últimos dias, a população (que continua desinformada sobre o tema e, quando muito, é levada a perceber a questão como uma “luta do bem contra o mal”) tem presenciado o confronto (pontuado por declarações messiânicas e comentários dignos de um jogo de várzea no qual se disputa para saber quem viola mais a legalidade democrática) entre os idealizadores das chamadas “Dez medidas contra a corrupção” (que, vale esclarecer, inclusive para aqueles que assinaram a proposta de projeto sem ler, são bem mais do que dez medidas… e muitas das quais contrárias à Constituição ou aos princípios éticos) e os parlamentares que produziram mudanças no texto original.

Famoso ator jurídico (que, em razão da exploração midiática sobre um caso penal transformado em espetáculo, todos sabemos também fazer palestras em igrejas neopentecostais) chegou a afirmar que o Congresso Brasileiro estava a produzir um Frankenstein (na realidade, a citação era ao “monstro” que Mary Shelley fez nascer das mãos do Dr. Victor Fankenstein). E com certa razão (embora, aparentemente, o autor da comparação desconheça que esse “monstro” da literatura foi pensado como um Prometeu moderno).

O projeto aprovado é péssimo (criou, por exemplo, novas hipóteses de crime de responsabilidade para magistrados e membros do Ministério Público a partir de conceitos jurídicos indeterminados e abertos, o que é um risco não só à independência dos atores jurídicos como também abrirá oportunidade ao arbítrio e aos controles ideológicos no momento da aplicação da lei) e pode, de fato, ser chamado de um Monstro.

Todavia, os defensores das “Dez medidas” patrocinadas pelo MPF (na tentativa de criar, como percebeu o jurista Marcelo Semer, “um código para chamar de seu”) esquecem que o texto inicial, se não era um Frankenstein (na medida em que é integralmente voltado à ampliação do poder penal, mesmo que isso custe o afastamento da legalidade democrática), poderia ser chamado de um zumbi de tendências fascistas, no qual o desejo de “comer cérebros”, imortalizado nos filmes de George A. Romero, foi substituído pelo desejo de relativizar e afastar direitos e garantias fundamentais. Um projeto “zumbi”, vale frisar, porque parcela considerável da população assinou e foi levada a apoiar uma alteração legislativa sem conhecer o conteúdo do projeto ou ter consciência das consequências de sua aplicação.

O que há de comum entre o projeto zumbi originário e o “monstro” criado pela Câmara dos Deputados? A crença, por vezes ingênua, por vezes repetida por má-fé, na lei penal para resolver os mais variados e graves problemas sociais. Se as “dez medidas” originais, em nome da “guerra contra a corrupção”, corrompiam o sistema de direitos e garantias individuais, o texto aprovado na Câmara dos Deputados corrompe o sistema de prerrogativas necessário à atuação dos atores jurídicos. Leis que são apresentadas como soluções mágicas para problemas complexos como a corrupção e a violência, mas que acabam por gerar mais corrupção e violência. Leis que não funcionam e que serão substituídas por novas leis penais que também não vão funcionar.
       
RUBENS CASARA é Doutor em Direito, Mestre em Ciências Penais, Juiz de Direito do TJ/RJ, Coordenador de Processo Penal da EMERJ e escreve a Coluna ContraCorrentes, aos sábados, com Giane Alvares, Marcelo Semer, Marcio Sotelo Felippe e Patrick Mariano.
[1] ŽIŽEK, Slavoj. Violência. Trad. Miguel Serras Pereira. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 17.
[2] ŽIŽEK, Slavoj. Violência. Trad. Miguel Serras Pereira. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 17.
[3] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Entrevista ao Conjur. Encontrado em: http://www.conjur.com.br/2015-nov-01/entrevista-raul-zaffaroni-jurista-ministro-aposentado-argentino


Do Justificando

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Há 37 anos Buriti realizava a primeira ligação telefônica por meio de DDD

A esquerda o  posto da TELMA de outrora em Buriti.

No dia 28 de novembro de 1979, há exatos 37 anos, o então prefeito municipal Bernardo Costa de Almeida acompanhado de autoridades municipais, bem como, da representante a época da empresa de Telecomunicações do Maranhão – TELMA, a senhora Maria das Graças Lopes, por volta das 10 horas da manhã, inauguravam o primeiro ponto telefônico interurbano da cidade de Buriti de Inácia Vaz.

Inaugurava-se assim uma nova era nas comunicações da cidade, ação esta que colocou o município de Buriti no mapa mundial das comunicações interativas por voz, a parti daí o buritiense passou a se comunicar por voz com seus entes queridos que se encontrassem distantes em outras plagas.

Esse processo era muito dificultoso, mas para aquele momento significou uma revolução, visto se tratar de um único posto, fisicamente localizado ao lado do Cine Teatro Municipal, em que, via de regra uma atendente ciente do destino da conversa desejada, usando um aparelho telefônico discado de dez números, contando com o zero, punha-se a discar para o número desejado.

Após várias tentativas e insucessos, a ligação se completava, se fosse para alguma residência com aparelho o serviço estava encerrado. Mas quando a ligação se destinava a outro posto em outra cidade, ou ao próprio, daí entrava em ação um outro profissional, o mensageiro, aquele que se dirigia ao endereço do destinatário para transmitir o recado, para que tal pessoa em determinado horário se encontrasse no posto telefônico, pois que alguém desejava lhe falar.

Desse modo, a cidade de Buriti por alguns anos integrou a cobertura do sistema de comunicação popular via telefone, até que veio os fixos residenciais com alcance interurbanos, surgiram os orelhões com fichas e muito recentemente foi interligada a telefonia celular, que por sinal ainda reclama por melhorias na cobertura, assim como, maior oferta de operadoras em face do longo monopólio da Telecom Italia Mobile – TIM, no município, entretanto, agora divide a oferta de telefonia com a Claro Telecom Participações S.A, e internet 2G e 3G, respectivamente.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Luís Roberto Barroso se apequena quando a leitura é a situação do país

Luís Roberto Barroso é menor do que a sombra que projeta (chamada original)
 Ilustração

Em entrevista à Folha (http://migre.me/vuDiG) declarou o Ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal):

“O nosso maior problema é a mediocridade, é a escassez de pessoas pensando o país lá na frente”.

Sua entrevista é um belo exemplo da dificuldade do país em desenvolver um certo pensamento de qualidade. E prova maior de como os lugares-comuns da economia e da política entranham-se de tal maneira no modo de pensar do leitor médio, a ponto de transformar juristas em meros repetidores de slogans disseminados por essa fonte de conhecimento mundano, que são os jornais.

Nem se avalie Barroso por seu pouco conhecimento dos fatores de desenvolvimento, do papel da educação, da inovação, das políticas sociais, das políticas regionais, das políticas de estímulos às empresas, sua incapacidade de se aprofundar sobre os desdobramentos da parceria Judiciário-mídia, o primarismo de não conseguir tratar a corrupção além dos aspectos meramente penais. Mas por sua própria estratégia de driblar as perguntas com amontoados de lugares-comuns.

Barroso se viu frente a entrevistadores fora do padrão atual da mídia – Mônica Bergamo e Reynaldo Turollo Jr. Em vez de cumplicidade, teve que enfrentar perguntas jornalísticas. E o resultado final acaba mostrando que sua estatura é bem menor do que a sombra projetada pelos holofotes da mídia ou por votos bem intencionados sobre costumes.

O pensador econômico
Indagado sobre o maior problema brasileiro, diz que não é a corrupção, mas a educação. Ótimo! E dá como exemplo da perda de prioridade o fato de, com a entrada de Temer, a discussão se restringir ao melhor nome para a área econômica (pelo visto, ele considera Henrique Meirelles o crème de la crème) e não para a educação, apesar de reconhecer a enorme simpatia do atual Ministro da Educação.

No entanto, indagado sobre a PEC 55, e os possíveis cortes que adviriam para a educação – aquele que é o maior problema do país, apud Barroso -, o Ministro apela para a lógica do possível:

- A vida não é feita de tudo que a gente quer. Ela é feita do possível. A responsabilidade fiscal não tem ideologia.

E toca a despejar acriticamente todas as opiniões medíocres (de leitor médio) sobre questão fiscal e juros:

- O Estado não pode gastar mais do que arrecada porque os juros sobem, gera inflação, e isso penaliza os mais pobres.

O Beto, do Bar do Alemão, outro dia recorreu a esse argumento. Nem discuti, porque ele conhece bem a história do samba e não vou exigir do Beto o domínio de conceitos complexos de economia.

Há toda uma discussão sobre o papel dos gastos públicos no estímulo à economia, sobre o fato da maior parte do orçamento ir para pagamento de juros, estudos e mais estudos mostrando a inutilidade da política de metas inflacionárias, uma literatura secular sobre as disputas entre bancos e Estados nacionais em torno dos orçamentos públicos. Mas um Ministro do Supremo, que diz que nosso maior problema é a mediocridade e a escassez de pessoas pensando o futuro, sintetiza toda a discussão em um slogan de boteco!

Todas as discussões sobre limites de políticas industriais, instrumentos de financiamento do longo prazo, são resumidas pelo nosso brilhante jurista a refrãos tipo “é preciso diminuir o Estado. Não há alternativa. Vamos precisar é de menos Estado, menos oficialismo, mais República. E talvez até um pouco de capitalismo, que aqui vive de financiamento público e reserva de mercado”.

Não tem a menor ideia sobre o papel de instituições públicas no desenvolvimento dos países centrais. Fala em cidadania e demonstra não ter lido absolutamente nada sobre a concentração de renda trazida pela falta de regulação econômica.

Sugiro ao Ministro ir à página do Eximbank (Export-Import Bank) dos Estados Unidos (http://migre.me/vuDYf).

Lá verá que o Eximbank funciona como uma agência governamental, com o objetivo de facilitar o financiamento de exportações de produtos e serviços americanos por meio da absorção de riscos de crédito que estão fora do alcance dos bancos privados. Todas as obrigações do Eximbank são garantidas por total confiabilidade e crédito do governo dos Estados Unidos”.

E é protecionista:
“Pelo menos 50% dos produtos a serem exportados devem ser produzidos nos Estados Unidos. Para financiamentos a médio prazo, o Eximbank segurará até 100% dos produtos com conteúdo americano, mas nunca mais de 85% do valor do contrato. O importador deverá efetuar um pagamento inicial, a título de antecipação, correspondente a 15% do total”.

E o que oferece? Taxas de juros normalmente mais favoráveis que aquelas oferecidas pelas instituições financeiras locais; taxas de juros fixa ou variável; financiamento concedido diretamente ao importador sem a necessidade de garantia ou carta de crédito do banco local; prazos de cinco anos ou mais; carência para a instalação de equipamentos.

O que o Ministro taxa de “pouco capitalismo, que aqui vive de financiamento público” nada mais é do que os instrumentos globalmente utilizados pelo capitalismo mais avançado, mas que no Brasil, por conta de um pensamento primário e ideológico, foi transformado pelo senso comum em sub-capitalismo. E, pior, um discurso desse nível acabou assimilado por um Ministro que diz que “nosso maior problema é a mediocridade, e a escassez de pessoas pensando o país lá na frente”.

A Lava Jato e o Estado de Exceção
Barroso reitera sua defesa do Estado de Exceção, ao enfatizar que “não se consegue mudar um paradigma pervertido de absoluta impunidade fazendo mais do mesmo”. Nenhuma palavra sobre a blindagem a políticos do PSDB, à própria Rede Globo – para quem advogou. É um garantista no genérico e um juiz de instrução no particular.

 “Tudo o que envolve persecução penal deve ser olhado com cautela” diz o nosso garantista do genérico.

Então há abusos na Lava Jato? Responde nosso juiz de instrução do particular: “As decisões de Moro têm sido mantidas pelos tribunais superiores. Olhando à distância, eu não acho que haja ‘Cinnas’ em Cutiriba”. Cinna é um poeta que, confundido com um conspirador, é linchado pela multidão, em “Julio Cesar”, de Shakespeare.

Aí, os entrevistadores apertam a enguia.  Como analisar um juiz que divulga conversas privadas, como fez Sérgio Moro com as da família de Lula, quando a lei diz que devem ser destruídas”?

Responde o nosso garantista do genérico: “Falando genericamente, vazamentos de conversas privadas não associadas à investigação são reprováveis”.

E, aí, o xeque mate dos entrevistadores no juiz de instrução do particular: “Um agente público à frente de uma grande operação não tem responsabilidade redobrada? “.

Consumado o curto-circuito, a resposta de Barroso foi o silêncio, devidamente registrado pelos entrevistadores.

Na sequência, perguntas sobre a anistia ao Caixa 2, a maneira encontrada para livrar as principais lideranças do PSDB. E o Ministro cheio de opiniões, não opina: “É uma questão de varejo político sobre a qual eu não gostaria de me manifestar”.

Mas se diz contra uma operação-abafa. Genericamente falando, é claro.

Os entrevistadores, implacáveis: “Mas há uma operação-abafa no ar? “.

E Barroso, depois de um silêncio de sete segundos: “Eu acho que não. (...) É uma possibilidade”.

Falando para a história
À pergunta seguinte, se o país não perdeu a roda da história, cita um fantástico time de iluministas-padrão, todos juristas, diz que o iluminismo chegou ao poder com Fernando Henrique Cardoso e, com Lula, veio o “aprofundamento de coisas boas que já vinham ocorrendo”, mostrando seu notável desconhecimento, nem se diga de história brasileira do século, mas da própria história contemporânea.

Finalmente, indagado se Lula sofre perseguição, o Ministro que aceita dar entrevistas e emitir opinião sobre tudo e todos, pede que os entrevistadores respeitem seu recato.
- Tenho muitas opiniões, mas eu vivo um momento em que não posso compartilhá-las todas. Peço que entendam a minha situação”.

Embora polêmicos, os antecessores “iluministas” mencionados por Barroso – José Bonifácio, Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa, San Tiago Dantas – tinham uma visão sistêmica de país, noção clara sobre os rumos a serem seguido e a capacidade de entender os diversos fatores de constituição da Nação.

Mas a história que Barroso ambiciona é a superficialidade da mídia de massa nesses tempos de redes sociais. Como disse, agora há pouco, uma juiza pela Twitter: "As pessoas vão aprendendo qual é o discurso que dá mais popularidade, vão se adaptando e ficando todas iguais".

A diferença entre o pensamento dos clássicos e a superficialidade de Barroso é a prova maior da grande crise nacional: a falta de figuras referenciais em todos os quadrantes institucionais e a escassez de pessoas pensando o país lá na frente.

Do GGN