sábado, 28 de outubro de 2017

O elo entre a indústria da delação premiada e a máfia das falências no PR: a mulher de Moro, por Joaquim de Carvalho

Esta é a terceira reportagem da série sobre a indústria da delação premiada na Lava Jato, feita em parceria entre o Jornal GGN e o DCM e financiada através de crowdfunding. As anteriores estão aqui. Fique ligado.
Rosângela Moro e o marido, Sergio
Rosângela Maria Wolff de Quadros Moro é conhecida por sua atuação em defesa da APAE do Paraná, a ponto de ela mesma se anunciar em uma audiência pública no Congresso Nacional como representante do então vice-governador do Estado, Flávio Arns, do PSDB, que era (e é) presidente da federação das associações no Estado.
Isso antes da fama do marido, Sergio Moro.
Com a fama dele, a partir de 2014, alçado à condição de herói da Lava Jato, Rosângela também se tornou conhecida em promover o marido — criou no Facebook a página Eu MORO com ele, em que reproduz matérias elogiosas.
Pouco se sabe da atuação de Rosângela no sentido estritamente profissional do direito.
Ela apareceu na lista de advogados a quem o doleiro Rodrigo Tacla Durán fez pagamentos por serviços (não especificados) prestados, teve seu nome divulgado no site do escritório de um amigo de Moro, Carlos Zucolotto Júnior, como profissional da sociedade. Mas, no cadastro nacional da OAB, aparece como integrante de outro escritório de Curitiba, o Andrade Maia.
Ao portifólio particular de Rosângela, podem-se acrescentar serviços prestados também à família Simão, apontada em uma CPI de 2011 como integrante da Máfia das Falências do Estado, uma organização que se desenvolveu no seio do Poder Judiciário do Paraná.
Quem estava na linha de frente da defesa da família Simão é Marlus Arns, sobrinho do ex-vice-governador Flávio. A mulher de Moro também aparece como advogada de uma das massas falidas administradas pela família Simão, só que com menor destaque do que Marlus. É a da GVA, fabricante das famosas placas madeirit.
A GVA, ao quebrar, deixou as páginas de economia para entrar nas de polícia.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário de Guarapuava, no interior do Paraná, Sirlei César de Oliveira, se lembra bem do caso da GVA, até porque até hoje luta para que os trabalhadores recebam algo das verbas rescisórias.
Marlus Arns
“Ninguém recebeu nada. A verba está depositada em juízo, mas eles não têm interesse em buscar a solução. Enquanto isso, vão administrando os bens e desviando o dinheiro que entra”, afirma.
O esquema da Máfia das Falências, revelado pela CPI, é engenhoso.
Pelas contas do então deputado estadual Fábio de Souza Camargo, presidente da CPI, pelo menos R$ 400 milhões foram desviados de empresas que quebraram e deveriam ser usados para o pagamento do Fisco, trabalhadores e credores.
A CPI foi encerrada antes do relatório por decisão da Justiça, mas Fábio e alguns deputados continuaram a investigar, com audiências públicas pelo interior do Estado, onde a máfia deixou rastro. Uma dessas audiências foi em Guarapuava, cidade da GVA. Marlus representou a família Simão.
Cobrado por não ter pago os trabalhadores, o advogado fez uma acusação séria. Disse que o sindicato tinha recebido honorários no valor de R$ 1,1 milhão, como adiantamento por honorários devidos — 10% sobre o valor da dívida total.
“Era mentira. O sindicato teria, sim, direito a honorários, mas assim que todas as verbas fossem quitadas, ou seja, 10% do total de R$ 11 milhões”, disse ao DCM.
Alguns meses depois de instalada, a CPI foi proibida de continuar funcionando pelo Tribunal de Justiça do Paraná, a pedido da Associação dos Magistrados do Estado. Na ação, a AMAPAR afirmou que agia em nome dos juízes de sua base, que estariam se sentidos ameaçados pelos parlamentares.
A AMAPAR não apresentou os nomes desses juízes. Ainda assim, como entidade de classe, teve o pedido de encerrar a CPI aceito pelo tribunal.
O argumento da associação é que a CPI foi criada sem que houvesse fato determinado que justificasse sua instalação. Para o presidente da Comissão, Fábio de Souza Camargo, era um pretexto. A CPI, segundo ele, estava chegando ao coração de uma verdadeira máfia.
Filho de um ex-presidente do Tribunal, desembargador Clayton Camargo, e irmão de uma juíza que atuava na vara de falências, Fábio disse que, ao contrário do que imaginava no início, a máfia não estava fora do Judiciário.
“Não era um esquema qualquer. Fosse um esquema montado com o fim exclusivo de fraudar os juízes e o Judiciário, um esquema ‘de fora para dentro’, ele já teria sido desmantelado. Ficou claro para mim, cada vez mais, que o esquema é de ‘dentro para fora’, ou seja, os operadores reais estão dentro das entranhas do TJPR”, escreveu ele, no livro “Poder, Dinheiro e Corrupção – Os Bastidores da CPI das Falências”.
Fábio diz que o livro, escrito e editado por ele, foi a alternativa que encontrou para revelar o que havia apurado na CPI. A obra chegou a ser proibida pela Justiça, e recolhida das livrarias, mas ainda assim é possível encontrar exemplares em alguns estabelecimentos.
Para esta reportagem, comprou-se um exemplar numa livraria da Universidade Federal do Paraná.
Rosângela Moro aparece como advogada da massa falida da GVA em pelo menos seis ações trabalhistas. Segundo o deputado Fábio, a contratação de advogados, com honorários a peso de ouro, era uma das formas utilizadas pela máfia para desviar recursos das massas falidas.
Não se pode afirmar que este tenha sido o caso de Rosângela.
“Nós chegamos a bloquear alguns pagamentos de honorários”, recordou o presidente do sindicato dos trabalhadores, que se lembra de Marlus, mas não de Rosângela.
“Era o Marlus que comandava toda a assessoria jurídica da família Simão, informou o sindicalista. Segundo a CPI, Marlus respondia ao mesmo tempo pela assistência jurídica da massa falida da GVA e também da Gran Comp Insumos e Compensações, uma das empresas que celebraram contrato de arrendamento da massa falida, a preço vil, segundo o deputado.
O conflito de interesses era evidente.
O então deputado Fábio Camargo autografa seu livro, recolhido pela Justiça
Marlus estava no dois lados do balcão e, mais tarde, a polícia civil descobriu que a arrendatária representada por Marlus nos negócios jurídicos tinha como proprietário um motorista, possivelmente laranja da família Simão.
Massa falida, arrendatária e advogado formavam um bolo só.
Rosângela advogar para uma quadrilha que fraudava a administração de massas falidas não é, em si, crime. Advogados costumam trabalhar para pessoas acusadas de ultrapassar a linha da legalidade.
O problema está na sua relação com Marlus Arns. Criminalista, Marlus se tornou um dos principais advogados das delações premiadas homologadas por Sergio Moro, na Justiça Federal.
Ele entrou para esse ramo mesmo depois de criticar, publicamente, o expediente.
Segundo a Folha de S.Paulo, Arns criticava o instituto da delação premiada nas aulas que dava na Academia Brasileira de Direito Constitucional.
Arns se tornou especialista em delação sem ter conhecimento específico nesse tipo de negociação — como, de resto, ninguém tem —, assim como foi advogado de administradores de massa falida mesmo tendo como especialidade o direito criminal.
O que pode explicar o destaque de Arns tanto em uma quanto em outra especialidade é as relações que possui.
Marlus defende as APAEs em diversas ações no Tribunal de Justiça de Justiça. Não custa lembrar: a responsável pela procuradoria jurídica da Federação da APAE, presidida por Flávio Arns, é Rosângela.
O elo não termina aí. O irmão de Marlus, Luiz Carlos, é dono de um curso de especialidade em direito à distância, onde pelo menos um integrante da Força Tarefa da Lava Jato deu aula.
Com a revelação de que Marlus atuou na linha de frente da defesa de integrantes da Máfia das Falências e Rosângela Moro foi um das advogadas contratadas, o juiz Sergio Moro fica numa situação, no mínimo, incômoda.
O que o deputado Fábio Camargo descobriu e publicou em seu livro é que a Máfia das Falências teve origem na prática de indicar sempre os mesmos advogados para gerir as massas falidas — com ações que, segundo ele, consistiam em lesar credores, trabalhadores e o Fisco.
O deputado apontou cinco escritórios que controlavam a maior parte das massas falidas em todo o Estado — a família Simão, à qual Marlus era ligado, tinha o maior número.
Com as delações premiadas, acontece a mesma coisa.
Basta olhar para o quadro de advogados que têm sido bem sucedidos nas delações em Curitiba para descobrir que eles se contam nos dedos de uma única mão.
Marlus estava fora desse clube fechado até que Beatriz Catta Preta, de São Paulo, desistiu da Lava Jato depois de costurar a maior parte dos acordos.
Alegando ameaças, disse que deixaria o Brasil. Chegou a anunciar Miami como seu novo endereço, mas é vista em São Paulo e, segundo advogados, até atende alguns clientes.
O clube restrito de especialistas em delação lembra o das falências, mas isso não significa que, na Justiça Federal, haja práticas criminosas.
Para afastar esse risco, advogados entendem que seria prudente abrir a caixa preta das delações e definir um protocolo de acordos, com regras claras e transparência, para que amanhã não se descubra que o instituto foi excelente para advogados que buscam fortuna e péssimo para a Justiça.
Depois de aparecer na Máfia das Falências, os Simão protagonizaram outro escândalo. Fábio Zanon Simão, irmão de Marcelo, era alto funcionário do Ministério da Agricultura desde 2015, por indicação do PMDB, e foi preso na operação Carne Fraca.
A acusação contra ele: cobrar propina para conseguir facilidades no Ministério da Agricultura.
Em 2015, quando foram divulgadas por blogs uma suposta ligação de Rosângela Moro com o PSDB, ela foi ao Twitter para dizer, em mais de um post:
Atenção tuiteiros. Não sou, nunca fui advogada de partido político algum, seja do pt, psdb, pdt, pqp. Tampouco sou filiada a partido politico. Não sou, nunca fui advogada de qualquer político. Fui, em meados de 2009-2010, advogada da uma massa falida na área trabalhista, cujos síndicos, aliás, me passaram o calote, nunca pagaram os honorários, razão pela qual pedi renúncia em TODOS os processos.
Na época, ficou sem sentido a referência à massa falida. O que tem a ver massa falida com os partidos?
Mas agora se sabe: ela estava falando da GVA.
Rosângela disse que renunciou à defesa das ações trabalhistas da massa falida, mas Marlus continuou, firme, na defesa dos Simão.
Marlus e Rosângela ainda se encontraram profissionalmente nos caminhos jurídicos da APAE e agora, de uma forma indireta, na Vara de Sergio Moro.
Quando se olha para a família Simão, vê-se Marlus na sombra. Quando se olha para Marlus, é impossível não enxergar pelo menos o vulto de Rosângela Moro. No cenário onde os dois atuam, destacam-se os pilares da Justiça.
.x.x.x.x.
PS: Encaminhei e-mail para Rosângela Moro com perguntas para esta reportagem. Até agora, ela não respondeu.
 GGN/DCM

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Todo poder à Odebrecht e aos procuradores contra Lula, por Cíntia Alves do Jornal GGN

Um documento divulgado pelo Estadão em reportagem divulgada nesta sexta (27) mostra que a defesa de Lula terá muita dificuldade em mostrar que ele não consta entre os beneficiários de propina da Odebrecht.
A reportagem "Criador do ‘Drousys’ entrega a Lava Jato lista com 73 usuários do sistema" aborda uma resposta à Polícia Federal dada pela empresa que criou o software usado pela Odebrecht no exterior. O jornal destacou a lista com os apelidos das pessoas que tinham acesso ao sistema e alguns ditos "beneficiários" de pagamentos no exterior. Lulka não figura na lista, mas o Almirante Othon e Rodrigo Tacla Duran, sim.
Nesta mesma resposta, contudo, a empresa que criou o Drousys conta que a Lava Jato de Curitiba exigiu da Odebrecht a contratação de uma empresa estrangeira para ter acesso exclusivo ao sistema, após o acordo de delação premiada. A fundadora do sistema perdeu o controle pouco depois de dar detalhes operacionais aos membros da força-tarefa.
Algo semelhante foi feito à Procuradoria-Geral da República, de modo que apenas os procuradores envolvidos com a Lava Jato têm poder total sobre o Drousys. Eles agora utilizam de executivos (e delatores) da Odebrecht para "traduzir" os dados que ali estão. 
Isso significa que o que os procuradores da Lava Jato disserem, com apoio dos delatores da Odebrecht, dificilmente será contestado, já que há inúmeros obstáculos impostos às defesas que querem acessar o sistema.
Evidência nesse sentido é que a banca que defende Lula já demandou isso ao juiz Sergio Moro, e encontrou resistência dos procuradores de Curitiba, que agora alegam que não possuem acesso "integral" aos sistemas, somente a PGR. 
No documento à PF assinado por um dos criadores da empresa Draftsystems, que vendeu o Drousys para a Odebrecht, há a informação de que a parceria entre ambas começaram em 2007 e 2008.
Em 2014, com a Lava Jato já em evidência,  Odebrecht pediu que a estrutura migrasse da Suíça para a Suécia. Segundo Paulo Sérgio da Rocha Soares, da Draftsystemns, isso feito feito com a alteração do apelido (nickname) de todos os usuários, "porém com total preservação dos dados existentes no antigo Drousys dos servidores instalados na Suíça".
Em tese, só não são mais acessíveis as informações de pessoas que deixaram de ser usuários, por uma questão muito simples: foram deletadas para não ocupar espaço nos servidores.
Paulo ainda relatou que precisamente em 23 de junho de 2016, ele e um sócio acompanharam a Odebrecht em visita à força-tarefa de Curitiba, "objetivando prestar esclarecimentos relativos ao envolvimento e responsabilidade técnica com o ambiente Drousys. Nesta reunião foi detalahado o histórico de criação do Drousys, assim como informados sua exata localização na Suíça, declarada sua movimentação e exata localização na Suécia. Toda rotina de utilizaçã por parte dos usuários e as rotinas de backup foram detalhadamente explicadas."
 O encontro com a PGR se deu dias antes, em 14 de junho. 
No mês seguinte, em 12 de julho de 2016, a Draftsystemns acompanhu a Odebrecht ao Datacenter na Suécia, para entrega técnica formal dos servidores para a empresa FRA (Forensic Risc Alliance Groups), "escolhida pela Odebrecht de acordo com o disposto pelo Ministério Público Federal brasileiro."
"Nesta oportunidade", continou Paulo em mensagem à PF, "toda estrutura do ambiente foi explicada para as empresas Quinn Emanuel e Norton Rose, que ficariam responsáveis pela extração segura das informações do mabiente. A partir desta data,  a Draftsystems nunca mais tece vondições de acesso aos servidores entregues, não dispondo de cópia dos mesmos. 
Ao final, o empresário apresenta uma lista de "usuários com beneficiários e empresas pagantes".
O documento está em anexo.  Arquivo:

GGN

A Justiça Federal atual, por Nilo Filho

Justiça Federal atual. Origem. Equívocos. Aspectos. Reforma da Justiça. Propostas. Discussão.
A Justiça Federal foi recriada pela Constituição Federal de 1946 e apenas em 2o. grau com a criação do Tribunal Federal de Recuros composto de apenas 9 Juízes.
Sua competência era de cunho preferencialmente  administrativo federal e de proteção aos bens, serviços e interesses da União.
O inominável ATO INSTITUCIONAL N. 2 de 1965 (que escancarou o Golpe de 1964 como Ditadura Política-Militar) a reanimou criando a Justiça Federal de 1o. grau.
Pelo ato, os primeiros e seguintes Juízes eram e foram nomeados pelos Generais Presidentes da República em lista quíntupla elaborada pelo STF. O primeiro concurso público só se deu em 28 de junho de 1972.
A Constituição ditatorial imposta em 1967 manteve - na essência - as alterações introduzidas pelo Ato Institucional n 2.
A Justiça Federal - assim ampliada e composta - passou a espandir sua competência abarcando algumas matéria de Direito Penal como os crimes políticos e os praticados em detrimento de bens, serviços ou interesse da União (ou de suas entidades autárquicas); os crimes contra a organização do trabalho e o exercício do direito de greve;  bem como o habeas corpus na esfera criminal de sua competência ou quando a coação provier de autoridade federal não subordinada a órgão superior da Justiça União, ou sejam, de crimes bem próximos de interesse e contrôle políticos.
Na época da constituinte de 1988, discutiu-se mesmo a extinção da Justiça Federal... O lobby corporativo dos Juízes Federais venceu. 
Melhor fora ficasse a Justiça Federal com a competência fixada para o Tribunal Federal de Recuros no texto (original) da Constituição (de redemocratização) de 1946 (art. 104 CF).
Na França (berço do Direito Administrativo brasileiro), por exemplo,  a Justiça Administrativa não se confunde com a Justiça Comum (Judicial) e é constituída pelo Conselho de Estado (a corte suprema do contencioso administrativo), Tribunais Administrativos e Cortes Administativas de Apelação.
***
Não se deixe passar as observações do jovem e brilhante Professor de Criminologia da Faculdade de Direito da USP (Largo de São Francisco), DIETER (Maurício Stegemann) a qual se deve juntar  o agora Acódão da  4a. Região do Tribunal Regional Federal (sede Porto Alegre) que arquivou a representação elaborada por 19 advogados contra o Juiz Federal Sérgio Moro em razão divulgação ilegal de áudios entre a então presidenta Dilma e o ex-presidente Lula:
A "tendência em aproximar o Direito Penal do Direito Administrativo normalmente não implica a projeção das maiores garantias daquele para este, mas em regra apenas a fexibilização das rigorosas regras de imputação do tipo de injusto - assemelhados a formas mais simples de ilicitude - e banalização da censura penal" e, ainda, a "estratégia de desprezar os direitos fundamentais dos acusados em procedimentos meramente administrativos não é estranha ao cenário jurídico brasileiro, sobretudo por força de reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça - notadamente da 5a. Turma -, que despuradamente afirmam que o inquérito policial faz exceção à Constituição, marginalizando-o do devido processo legal e, portanto, do pleno exercício do contraditório e da ampla defesa" - DIETER, Maurício Stegemann. Política Criminal Atuarial, Rio de Janeiro: Revan, 2013, p.84, nota 101.
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REFORMA DA JUSTIÇA
É necessária uma rápida reforma do Poder Judiciário focado em:
1. transformação do STF em Corte Constitucional formada por 11 Ministros com permanência de 7 sete anos nas funções, com nomeação intercalada de três em três por convite espontâneo da Presidência da República evitando pleitos individuais, dentre cidadãos com mais de 35 anos de idade, de notável saber jurídico, reputação ilibada e comprovada atuação em matéria de direitos humanos, e com posterior exame de pressupostos pelo Senado Federal;
2. dar à Justiça Federal competência essencialmente em matéria administrativa, mais ou menos, nos moldes da redemocratizante constituição de 1946;
3. assegurar nas Justiças Estaduais (a) a permanência efetiva do Juiz no mínimo 2 anos nas Comarcas iniciais do Interior; e (b) evitar promoções simultâneas a fim de freiar carreirismos
4. assegurar que as Escolas de Magistratura promovam cursos de formação em cultura histórica e humana e de formação jurídica continuada e, ainda, evitar a proliferação de licenças para cursos no exterior e seu reconhecimento:
"Nenhum juiz – ainda mais um juiz da Suprema Corte – pode julgar corretamente se não tiver conhecimento amplo sobre todos os aspectos da vida nacional, a economia, o psicossocial, o aparelho judiciário e policial, as relações federativas" (Nassif em 27jan2017: "Xadrez das eleições 2018").
Obs.: Tão importante é esse item - de formação pluridisciplinar - que na França, por exemplo, para ser Magistrado de Carreira não é necessário ser formado em Direito. Basta ter qualquer Curso Superior de 4 anos de duração. Assim, se aprovado no concurso da Escola Nacional de Magistratura-ENM (paradigma das escolas de magistratura) frequenta um intensivo curso de 31 meses na ENM em Bordeaux para - concluído - ser nomeado Magistrado.
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A se discutir

 GGN

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Crônica de um país dominado pelo crime, por Luís Nassif

O que se tem, nesse exato momento, é um vácuo político amplo no cenário brasileiro.
A grande lambança do impeachment esgotou os templários, que guerrearam na linha de frente. A terra começa a se assentar. E, agora, em cima da terra arrasada, observa-se um saque indiscriminado, com os órgãos de controle inertes, sem condições políticas e institucionais de agirem.
Os principais personagens do impeachment estão no seguinte estágio:
Superior Tribunal Federal - STF
Sem comando, sob a presidência frágil de Carmen Lúcia. Aliás, desde o primeiro momento se sabia da sua fraqueza. Mas a realidade virtual se impôs tanto sobre o mundo real, que a Globo chegou a apostar em Carmen Lúcia como alternativa política.
O STF está sendo agredido por todos os lados. E, internamente, não tem coesão para reagir. A cada dia, mais um Ministro ensaia seus voos solos, liquidando com a ideia de colegiado. Agora, é o inacreditável Alexandre de Moraes que vem se juntar ao onipresente Gilmar Mendes e ao diáfano Luís Roberto Barroso.
O único avanço que ocorreu foi uma pausa nas manipulações dos sorteios, muito mais por estar dando na vista do que por qualquer medida saneadora.
Conselho Nacional de Justiça - CNJ
O comando passou às mãos suspeitíssimas do corregedor João Otávio Noronha. Trata-se de um antigo advogado do Banco do Brasil, que chegou ao Superior Tribunal de Justiça por conta de ligações políticas e que coleciona uma enorme fieira de sentenças polêmicas.
Valendo-se da fragilidade de Carmen Lúcia, Noronha deu início a uma campanha macarthista no âmbito do CNJ, contra juízes de pensamento político diferente do seu.
A Ministra que se vangloriava de defender os seus - "onde um juiz for atacado, lá estarei para defendê-lo" - isenta Aécio Neves e permite o ataque aos juízes que não compactuam com o pensamento do corregedor.
Imprensa/Mídia
Perdeu totalmente o rumo. O poder de que se revestiram é proporcional à crise econômica que assola os principais grupos.
Ficaram à reboque da Lava Jato. E valem-se de seu poder de pautar e serem pautados para vender proteção. Hoje em dia, os repórteres estão proibidos de mencionar os problemas de grandes anunciantes. É o que explica o estardalhaço da Operação Acrônimo ter se limitado à Odebrecht, e Gol e CAOA ficarem de fora.
Operação lava jato
A perseguição a Lula se tornou escandalosa até para os veículos mais alinhados com o impeachment. Cada martelada na legalidade expõe a parcialidade da Justiça e a impotência do STF.
Governo Temer
À vontade. Uma organização criminosa explícita que expõe, com notável didatismo, a hipocrisia dos sistemas de poder no país. Eliseu Padilha desnuda a alma nacional em toda sua crueza: qual é o preço? Eu pago. E paga com emendas, portarias, leis, vendas de estatais, perdas de direitos.
A vontade nacional
Alguns dos negócios afetarão a vida do país por décadas, mas o país está dividido por corporações em todos os níveis.
Juízes, advogados, procuradores, imprensa se valem da máxima: mexeu com um, mexeu com todos! Em todos os núcleos institucionais, talvez seja a palavra de ordem mais ecoada. E não há uma força sequer para defender interesses nacionais ou interesses dos vulneráveis acima dos interesses corporativos menores.
No CNJ, a Ministra Carmen Lúcia anunciou a recriação de um grupo de trabalho para resguardar a liberdade de imprensa, exclusivamente dos grupos de mídia.
Os setores desorganizados ou vulneráveis ficam expostos a toda sorte de abusos.
Nesse período do impeachment e do pós-impeachment, recaíram ameaças sobre juízes e procuradores que ousaram se manifestar contra o golpe. Enquanto os setores majoritários gozam de liberdade para toda sorte de protagonismo político.
A legitimidade e a política
Por mais selvagem que seja o jogo político, por mais primário que seja o sentimento civilizatório nacional, não há jogo que se mantenha sem uma nesga de legitimidade.
É bobagem achar que a falta de reações imediatas seja aceitação dos absurdos que estão sendo cometidos. De escândalo em escândalo, de impotência em impotência vai-se pavimentando a próxima etapa política, na qual inevitavelmente aparecerá um Bonaparte.
A única incógnita é sua extração política, mas será inevitável que o espaço seja ocupado por uma personalidade política autoritária, tais as disfunções do aparelho institucional brasileiro.
GGN

O blefe da Lava Jato virou mico, por Guilherme Scalzilli

A ideia até parece engenhosa. Se as buscas policiais não encontraram recibos do aluguel de um imóvel usado por Lula, bastaria desenvolver uma narrativa incriminadora cuja contestação dependesse dos tais documentos. Afinal, os delatores servem exatamente para atar os fios soltos do PowerPoint.
​Os heróis da Lava Jato estavam tão convictos na infalibilidade da estratégia que não lembraram que o mandado da Polícia Federal se restringia a papéis de outro inquérito. Iguais a jogadores neófitos, subestimaram os adversários, blefaram na hora errada e transformaram um lance trivial numa série de tropeços juvenis.
Recapitulemos brevemente os lances da partida.
1) Os procuradores cobram os recibos. 2) A defesa fornece cópias. 3) Os procuradores divulgam papéis com erros e, incentivados pela mídia, apostam alto. 4) A defesa cobre a aposta e deixa que a questão dos recibos vire o centro da teoria acusatória. 5) O Ministério Público acusa a falsidade ideológica, jogando nela todas as suas fichas. 6) Só então a defesa afirma ter periciado os documentos e exige condições para apresentar os originais.
É um caso clássico de esperteza que engoliu o sabujo. Acostumados aos confortos da pós-verdade coercitiva, os procuradores achavam que os recibos deixariam de existir apenas porque isso convinha à trama do Lula falsário. Terminaram enredados numa comédia em que os próprios acusadores ajudam o réu a desmoralizá-los.
Cabe salientar que a trapalhada não confirma nem desacredita o efetivo pagamento do aluguel ou a lisura das cópias apresentadas. A questão é que o MP engasgou, deixando no ar uma dúvida que, no desequilíbrio de forças em disputa, só favorece o acusado. E nunca é demais lembrar que essa ninharia imobiliária deveria esconder um hipotético desvio de imensas fortunas ilegais. 
A ingenuidade presunçosa do MP conseguiu estremecer toda a linha de trabalho da perseguição a Lula. Desqualificou os informantes. Colocou a questão das provas materiais em destaque. Forneceu um triunfo simbólico à defesa e, principalmente, permitiu a ela constranger Sérgio Moro na delicada seara ética. Em resumo, demonstrou um amadorismo que decerto embaraçou muitos profissionais tarimbados do Judiciário.
Vivêssemos sob um regime jurídico “normal”, talvez Moro fosse obrigado à vexatória absolvição do desafeto. Mas, sob um regime jurídico “normal”, ele já teria sido afastadode qualquer processo envolvendo Lula. Por isso, apesar da agressão ao bom-senso, não acredito em reviravoltas na primeira instância.
Resta observar como serão os desdobramentos do episódio. Por um lado, a questão das perícias, que não apenas terá grande influência nas etapas recursais, mas também pode causar danos à própria Lava Jato. Por outro, a nova tática do MP, a um passo de ver seus delatores caírem em desgraça, precisando urgentemente das provas que ele mesmo exigiu.
De qualquer forma, quanto maior o silêncio da mídia a respeito, mais eloquente é o sinal da importância que o assunto vem ganhando nos bastidores.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Corregedor que politizou o CNJ quer punir juízes ativistas, diz Nassif do Jornal GGN

Corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), João Otávio Noronha pretende levar a julgamento quatro juízes que se pronunciaram contra o impeachment de Dilma Rousseff.
No discurso em que propôs a punição dos juízes, declarou:
 “Não se admite e nem se pensa que qualquer juiz fosse calado ou mesmo como cidadão. Acontece que ser juiz não é ser um cidadão comum. O juiz tem normas de comportamento, como o engenheiro, o perito. (…) A Constituição que veda o juiz a dedicar-se a atividade político e partidária permite que ele vá permite ao juiz na sua neutralidade tomar partido a favor dessa ou daquela posição? Que isenção teria um juiz que diz que aqui está repleto de coxinhas?”​
Vindo do Banco do Brasil, Noronha é o mais polêmico dos conselheiros do CNJ. Volta e meia se envolve em polêmicas, seja pelos votos que profere ou pelas declarações que faz.
O corregedor quer quer punir ativismo político foi autor de um discurso que causou espécie no CNJ, com ataques pessoais a Lula nos momentos críticos do impeachment:
“Este tribunal não é covarde, ao contrário é corajoso por manter os grandes na cadeia”, disse Noronha. “Corajoso, parafraseando as palavras de Lula que disse que o ‘pobre vai pra cadeia, o rico vira ministro’… lutando para que o rico criminoso não se torne ministro dessa república”
 Foi não ostensivo, que mereceu admoestação do subprocurador-geral da República João Pedro de Saboia Bandeira que rebateu:
“Com todo apreço que tenho ao sr. presidente, é meu entendimento que a Lei Orgânica da Magistratura não permite que o magistrado use sua cadeira para fazer pronunciamento (…) político partidário como os que acabamos de assistir”, afirmou. “Rui Barbosa disse ‘quando a política entra nos tribunais, a justiça bate as asas e vai embora’.”
Depois de Gilmar Mendes, Noronha tem se revelado o mais partidário dos Ministros de Brasília. Sua reação contra críticas e denúncias das quais é alvo é a de estimular os colegas para que aumentem as penas pecuniárias nas ações contra a imprensa.

GGN

Dallagnol, Carminha e Frota: as faces da desmoralização do Judiciário

O pornoator Alexandre Frota declarou que na ação movida contra Eleonora Menicucci, na qual foi derrotado no Tribunal de Justiça de São Paulo, os desembargadores votaram “com a bunda”.
No evento do Estadão, o procurador Deltan Dallagnol criticou o STF que solta e “ressolta” (data venia?)  os culpados.
Que afirmações são mais graves?
​Alexandre Frota é um pobre coitado. Em breve se transformará no grande bode expiatório, um primata sem nenhuma relevância, cuja condenação será apresentada como a prova de que a Justiça não tem lado. Aliás, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo faria bem em submeter os advogados de Frota a uma comissão de ética, por não terem orientado seu cliente acerca das consequências dessa afronta aos desembargadores.
Por outro lado, um Procurador da República, categoria teoricamente criada para defender a Constituição, investe contra a mais alta corte, com a sem-cerimônia dos que se sabem blindados. E, principal alvo das críticas, a brava Ministra Carmen Lúcia, a presidente do STF, comanda no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) o julgamento de juízes que participaram de atos políticos. De fato, especialmente em Brasília dezenas deles participaram das passeatas em favor do impeachment e de ondas nas redes sociais. No entanto, o julgamento se limitou a quatro que participaram de manifestações anti-impeachment. Foi tão vexatória a sessão que a Ministra nem se permitiu uma de suas frases de efeito.
Disse ela: "Já é passada da hora de discutirmos no Poder Judiciário como 1 todo —tanto para o STF quanto para a juíza de Espinosa (MG). Não é possível que continuem havendo manifestações muito além dos autos, e dos altos e baixos das contingências políticas da sociedade". 
Na planície, Gilmar Mendes e Alexandre Moraes se manifestavam além dos autos e dos altos e baixos das contingências políticas da sociedade, seja lá o que isso signifique.
Enquanto isto, no Rio de Janeiro, confrontado pelo ex-governador Sérgio Cabral, o juiz Marcelo Bretas mostra quem manda: enviou Cabral para um presídio federal. Poderia ter chamado sua atenção, advertido. Mas decidiu pelo gesto drástico, de quem perdeu a sensibilidade para as nuances do Código Penal.
Não se sabe o que choca mais: a capivara de Sérgio Cabral ou a demonstração de poder imperial do juiz Bretas. Ambas ofendem gravemente a consciência jurídica de um país que perdeu a noção da legalidade.
E, vendo o STF indefeso, inerte, temeroso ante a horda que desafia suas atribuições, há fundadas razões para não ser otimista em relação ao regime democrático.

GGN

Juiz Moro nega que tenha usado "jeitinhos" em ações

E Dallagnol criticou, sem saber, negociação de delação da PGR com JBS. Moro também defendeu que Ministério Público seja "mais duro" em acordos.
Foto: Reprodução
O juiz da Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, e coordenador da força-tarefa do Paraná, Deltan Dallagnol, foram participantes estrelas de um Seminário produzido pelo Estadão, chamado "O legado da Mãos Limpas e o futuro da Lava Jato", nesta terça (24). No evento, falaram sobre corrupção, defenderam a prisão preventiva, Moro opinou sobre política e Dallagnol criticou a delação da JBS.
Tentando contrariar a maior parte das repercussões de suas decisões, o juiz da primeira instância do Paraná afirmou que faz tudo subordinado à lei, "sem jeitinhos ou caminhos alternativos". "Nunca torça meu entendimento para chegar a alguma outra verdade", completou.
Imediatamente depois, contrariando a si mesmo, tentou justificar que certas decisões são consequências de liberdades possíveis de uma ação penal: "Nós temos aí nossas liberdades, e as liberdades dentro do processo penal são importantes". Ainda assim, voltou a afirmar que não existem "caminhos fora da lei".
Aproveitou o espaço para defender as prisões preventivas, mas enfatizou o juízo de valor que ela adota sobre investigados, considerando que as detenções ainda na fase de apurações são necessárias por se tratarem de "conduta criminal", "crimes de corrução".
"Nós não estamos falando de altura de minissaia, estamos falando de crimes de corrupção. Estamos falando de fenômenos jurídicos muito claros. Não queremos pautar condutas éticas das pessoas", disse. De forma generalizada, comparou o caso de Geddel Vieira Lima, ex-ministro e ex-assessor de Michel Temer, com outros condenados por ele na primeira instância que teriam "conduta reiterada de prática de corrupção". 
Disse que poderia palpitar por não se tratar de um julgamento que está em suas mãos. "Um caso atualmente que ganhou fama é de um agente político relacionado a um apartamento no qual foram encontrados dezenas de milhões de reais", exemplificou, sem citar diretamente o nome de Geddel.
"Se nós formos estudar um pouco a história desse indivíduo temos o envolvimento dessa pessoa em práticas criminosas que datam do início da década de 1990. Será que se as instituições não tivessem dado resposta naquela época não teríamos eliminado esse apartamento de R$ 51 milhões?", concluiu, em sua lógica, como se a corrupção relacionada ao ex-ministro fosse padrão em todos os seus condenados, ignorando a singularidade dos milhões encontrados no apartamento.
Além de defender as prisões preventivas, que se tornaram marcas polêmicas de seus despachos, Moro defendeu os acordos de delação premiada e palpitou sobre política. Para ele, o suposto combate à corrupção que seria feito pela Lava Jato precisa de respostas no campo político. 
"Acho que existem situações que precisam ser enfrentadas não só por processos judiciais. Processos judiciais dão uma resposta limitada à corrupção e nós temos que pensar em mudanças em nossas práticas políticas", defendeu. 
Ainda, defendeu que em acordos de delações premiadas com investigados, o Ministério Público seja "mais duro". Eu acredito que, tanto quanto possível, o Ministério Público (MP) deve ser mais duro. O problema é que muitas vezes se trabalha num contexto de impunidade, no qual é muito mais difícil fazer esses acordos".
Também sobre isso se manifestou o procurador da República Deltan Dallagnol, dizendo que o esquema de corrupção por criminosos ocorrem em "áreas de menor pressão". "[Corruptos] vão buscar outros mecanismos de lavagem de dinheiro alternativos. Embora alguns tenham sido presos, muitos operadores ainda estão soltos".
Dallagnol opinou sobre o acordo fechado pela JBS com a Procuradoria-Geral da República (PGR), como se fossem instituições distintas. Criticou as falhas da negociação, ainda admitindo que não conhece detalhes do acordo. 
"Quando olho a mesa de negociação com a JBS, vejo que os empresários estavam muito confortáveis. Não tinham buscas e apreensões contra eles, eram investigados mas não estavam indiciados, não tinham pressa e colocaram seu preço na negociação, que era a imunidade", manifestou.

 GGN

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Xadrez de como a mídia protegeu o Casino e jogou a culpa em Pimentel, por Luís Nassif

Peça 1 – a Polícia Federal assume a linha editorial de O Valor
A Operação Acrônimo da Polícia Federal conseguiu um feito espetacular: decretar definitivamente a morte do jornalismo. O jornal Valor, um dos últimos resistentes, montou uma equipe de quatro repórteres, em tempos de escassez, para a reportagem “Mulher de Pimentel foi elo com grupo empresarial, diz PF”.
Não se trata de episódio nebuloso, que exigiu investigação, perspicácia e fontes especiais. Tratava-se apenas de analisar o inquérito da PF à luz dos fatos ocorridos entre junho e outubro de 2011, um dos temas mais comentados da mídia, porque uma guerra entre assessorias e suas fontes que chacoalhou a imprensa.
Bastaria uma mera consulta ao Google para oferecer aos leitores de o Valor uma notícia de qualidade.
​A acusação - A PF acusa Fernando Pimentel, quando Ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC), de ter beneficiado o grupo Casino, ao impedir que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) financiasse a fusão entre o Pão de Açúcar, de Abílio Diniz, e o Carrefour. Mais que isso, indicia sua esposa, na época assessora de comunicação do MDIC, e o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho, justamente o maior defensor da fusão.
Os fatos – na época, a mídia se vangloriou do feito de ter impedido a operação BNDES-Abílio Diniz.
O maior responsável pelo fracasso da fusão foi a imprensa, mais especificamente as Organizações Globo, em editorial e através de seus colunistas.
Mas a lógica midiática funciona assim: a mídia tem o mérito de ter impedido a fusão entre Pão de Açúcar-Carrefour, e Pimentel tem a culpa de ter impedido a fusão entre Pão de Açúcar e Carrefour.
De duas uma: ou o veto à operação era legítimo, e aí a mídia e Pimentel estavam certos; ou o veto era indecoroso, e ambos são cúmplices.
Nem uma coisa, nem outra, como se verá a seguir.
Peça 2 – a lógica inicial
O Casino tornou-se sócio do Pão de Açúcar ainda nos anos 90. Em determinado momento da sociedade, Abílio Diniz acertou com o Casino transferir o controle do grupo até 2012.
Em 2011, com o mercado de consumo bombando, com a ajuda do Banco Pactual, de André Esteves, Abílio pensou em uma saída estratégica: associar-se ao Carrefour, que estava em dificuldades, e comprar a parte do Casino.
A estratégia era interessante. Os supermercados são a porta de entrada cada vez maior para os alimentos em geral. As redes francesas sempre tiveram papel relevante no escoamento da produção agrícola do país. Associando-se a uma marca mundial, o agronegócio e a indústria de alimentos brasileira poderia ter canais internacionais de escoamento.
Pode-se discutir se ocorreria ou não esse benefício ou se, a exemplo da Inbev, internacionalizaria o capitalista brasileiro, sem beneficiar o produtor. Mas a tese fazia sentido, a ponto de ser endossada por uma reportagem do Financial Times, de 1o de julho de 2011, quando o fato ganhou as manchetes:
A reportagem diz que os políticos brasileiros estão preocupados com o fato de o Brasil estar se consolidando principalmente um exportador de commodities.
"Então, estão entusiasmados (com a ideia de) criar campeões nacionais em outros setores, mesmo que sejam parcialmente controlados por estrangeiros", diz o texto, agregando que o know-how trazido pela rede varejista francesa poderia ajudar a ampliar ao exterior os negócios do novo empreendimento.
E o maior defensor da operação, aliás defensor histórico da lógica dos “campeões nacionais” era o então presidente do BNDES Luciano Coutinho – agora indiciado pela PF por supostamente ter atrapalhado a operação.
Peça 3 – a guerra midiática
A base da acusação da PF foi o fato do Casino ter bancado uma conta milionária do consultor Mário Rosa e parte do recurso ter sido pago a Carolina Oliveira, na época contratada pelo BNDES para ser assessora do MDIC, e que posteriormente se casaria com Pimentel.
Para reforçar a acusação, a PF compara os valores pagos a Mário Rosa, na casa dos R$ 2 milhões, com afirmações de Abílio, que teria se limitado a contratar a Máquina de Notícias por módicos R$ 50 mil.
Mentira evidente! Foi uma guerra milionária na qual Abílio não economizou recursos. Na biografia autorizada de Abílio, por Cristiane Correa, a guerra midiática é relatada assim:
“A briga foi amplificada na imprensa. Diariamente, reportagens e notas esmiuçavam o andamento do caso. Nesse campo, o Casino estava mais bem preparado do que Abílio. Havia quase três meses que a FSB, maior agência de comunicação do Brasil, fora contratada pela varejista francesa (o Casino recrutaria ainda outras empresas e especialistas, como a In Press e os consultores Mario Rosa e Eduardo Oinegue, mas cabia à FSB a coordenação do processo). Abílio, por sua vez, só começou a se preparar depois do vazamento do jornal francês, ao contratar a agência Máquina da Notícia (foram recrutados também os consultores Cila Schulman, Sergio Malbergier, Gustavo Krieger e Marcelo Onaga).” Inclusive apresentando o cappo do Casino, Jean-Charles Naouri como o Daniel Dantas francês.
Muito dinheiro rolou, sim. E sempre através das assessorias de imprensa.
Mais que isso, a guerra ganhou a mídia a partir de 1o de julho de 2011. O próprio inquérito da PF constata que no dia 22 de junho de 2011 a proposta foi analisada pela área técnica do banco. Doze dias depois, o parecer determinava que a aprovação estava condicionada à ausência de litígio entre Pão de Açúcar e Casino.
Essa foi a análise inicial e foi a decisão final do banco. Não houve incoerência. O enorme burburinho ocorrido na mídia visou exclusivamente valorizar os contratos das assessorias de imprensa e seus aliados.
Mais à frente, quando o BNDES oficialmente negou a operação, a decisão foi saudada como se fosse uma vitória da mídia. No entanto, a brilhante delegada do PF conclui que a cláusula de 22 de junho era a prova de que Abílio foi prejudicada pelo lobby do Casino.
Ora, o único lobby que ocorreu na época foi a contratação, pelo BTG Pactual, do ex-Ministro Antônio Palocci para atuar, visando reverter a decisão. O próprio Palocci acenou com a delação sobre as tratativas de Abílio e do Banco Pactual – que organizava a tentativa de fusão – para influenciar o governo.
A denúncia não para aí. Desde os anos 90 é praxe o BNDES contratar uma pessoa para disponibilizar como assessor de imprensa do Ministro. O relatório da PF trata como se fosse manobra excepcional para beneficiar Carolina. Soma não apenas os salários do ano, mais os gastos com viagens nacionais e internacionais – a serviço – e computa tudo como se fosse ganho líquido da funcionária.
Peça 4 – cronologia de uma guerra que não houve
Como se viu, no dia 22 de junho de 2011, a área técnica do BNDES já tinha recomendado que o aporte na fusão Pão de Açúcar-Carrefour só fosse autorizado caso não houvesse conflito entre Abílio e o sócio Casino.
A guerra midiática que se seguiu foi no sentido de reverter a decisão do banco. E a principal arma do Casino foi a Globo. Confira-se na cronologia dessa falsa guerra:
30 de junho – BNDES diz confiar em entendimento de varejistas. Os jornais já sabiam que a operação só sairia se houvesse a concordância do Casino.
1o  de julho – BNDES reforça que oferta não é hostil. E que só apoiará Pão de Açúcar e Carrefour após entendimento amigável. Ou seja, o fato consumado era a decisão de não apoiar a fusão, sem o consentimento do Casino.
1o de julho – Cai por terra tese sobre fusão Pão de Açúcar/Carrefour. Os jornais já dão a operação por fracassada.
1o de julho – Mirian Leitão faz longo artigo criticando a fusão que já havia sido descartada pelo BNDES. Qual a lógica, se o próprio banco não havia concordado com a operação?
2 de julho – Sob pressão, BNDES ameaça desistir da fusão Carrefour-Pão de Açucar. Uma manchete fantasiosa, já que a decisão do corpo técnico se deu antes de qualquer pressão.
5 de julho – Mirian Leitão diz que “BNDES deveria ter aguardado o desfecho da briga entre sócios”. Uma matéria fake em defesa do Casino, já que a área técnica havia condicionado a operação a um acordo entre os sócios.
24 de outubro – BNDES vai retirar apoio à fusão Pão de Açúcar / Carrefour. Apenas formalizando o que a área técnica já havia recomendado.
24 de outubro – Mirian Leitão celebra que “opinião pública derrubou proposta de fusão”. Não era verdade, porque a recomendação do BNDES foi anterior à pressão da mídia. Matéria para valorizar a própria influência. Mas se atribui a mídia o fracasso da operação, porque não desmente a denúncia da PF, que atribui a decisão a Pimentel?
24 de outubro – em outro post, a incansável Mirian diz que “Dilma está certa: BNDES nada tem a fazer na fusão”.
24 de outubro – Elio Gaspari diz que governo deu ao BNDES a “missão heroica de salvar Abilio Diniz”. E acusa o Ministro Fernando Pimentel de.... apoiar Abílio Diniz. Preso por ter cão, preso por não ter cão.
24 de outubro – Em editorial, sob o título “Mais um desvio de função do BNDES”, O Globo critica a intenção que o BNDES nunca teve em apoiar a fusão.
Criaram um factoide – o suposto apoio do BNDES à fusão, que nunca houve -, montaram uma campanha pesada em favor do Casino, mas tão parcial que o único veículo que apresentou o outro lado, razões a favor da fusão, foi o Financial Times. Se vangloriaram de terem derrubado as pretensões de Abílio. Ajudaram claramente o grupo Casino. Celebraram o fato do governo supostamente ter voltado atrás graças à pressão da mídia. E, quando a PF atribui a frustração da operação a Pimentel, veículos e jornalistas não têm a grandeza de rebater as conclusões.
A contratação de Carolina ocorreu um ano após a decisão do BNDES.  E não há uma evidência sequer de que tenha influenciado qualquer decisão de Pimentel, ou que Pimentel tenha influenciado qualquer decisão do BNDES.
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