domingo, 26 de novembro de 2017

O que Bolsonaro fez pelo pobre Rio em 26 anos na Câmara? Nada, a não ser colocar os filhos na política. Por Kiko Nogueira

Jair Bolsonaro foi o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro em 2014, com 464 mil votos.
Em seu sétimo mandato, Bolsonaro está na Câmara há 26 anos. Quando chegou a Brasília, no início da década de 1990, atendia os interesses dos militares.
Mais recentemente, passou a incluir qualquer coisa em sua agenda, desde que renda assunto nas redes sociais entre seus seguidores de extrema direita.
Também anda se travestindo de “liberal” para ver se engana o “mercado”.
A tragédia da segurança pública no Rio de Janeiro é uma oportunidade excelente para saber: o que Jair fez pela segurança de sua terra? Quais suas propostas nesse sentido? Ao longo de mais de duas décadas, o que ele conseguiu implementar para tornar o cotidiano do carioca menos apavorante?
Resposta: nada.
Jair é um fanfarrão especializado em tagarelar e angariar apoio e eventual adoração de otários fascistoides com soluções incríveis como castração química de estupradores, pena de morte, fim das cotas e distribuição de armas para a população.
Volta e meia põe um nióbio ou um grafeno no meio. Na hora de legislar, de trabalhar, um fiasco.
Desde 1991, Jair apresentou 171 projetos de lei, de lei complementar, de decreto de legislativo e propostas de emenda à Constituição (PECs). O número é auto explicativo.
Apenas dois foram aprovados: o benefício de isenção do Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) para bens de informática e a autorização para o uso da chamada “pílula do câncer”, a fosfoetanolamina sintética.
A primeira emenda de sua autoria, aprovada em 2015, determina a impressão de votos das urnas eletrônicas.
Ele se defende dizendo que “tão importante quanto apresentar propostas, é rejeitá-las”.
Assim tenta vender o peixe de que acabou com o “kit gay”, material didático contra a homofobia vetado na gestão de Dilma Rousseff, em 2011.
Bolsonaro é um populista desmiolado, limítrofe e despreparado. Numa entrevista ao amigo Danilo Gentili, falou sobre sua “plataforma” para 2018: “Muita coisa está ligada à violência (…) Vivendo num país inseguro como o nosso, você não tem turismo. (…) Precisamos dar um cavalo de pau na política de direitos humanos. (…) Precisamos acabar com o estatuto do desarmamento”.
Como seu eleitorado é feito de gente como ele, o que o sujeito precisa é apenas repetir a retórica do “bandido bom é bandido morto”. Nenhuma ideia concreta.
Não é necessário que ele trabalhe em Brasília pelo estado e a cidade que o elegeram. Basta vomitar ódio e burrice.
Você ganha um pirulito se adivinhar o que ele declarou sobre o Rio nestes últimos dias de caos.
Exato: o mesmo que apresentou nesse tempo todo como parlamentar.
DCM

sábado, 25 de novembro de 2017

Raquel Dodge, Gleisi Hoffmann e o DNA punitivista do MPF. Pelo ex-ministro Eugênio Aragão

 
Raquel Dodge
Não surpreenderam as alegações finais apresentadas ontem pela Procuradora-geral da República, Doutora Raquel Dodge contra a Senadora Gleisi Hoffmann e o ex-Ministro Paulo Bernardo. Como na parábola do escorpião e da tartaruga, Sua Excelência não podia negar sua natureza. Afinal, para chegar lá, não contou com a indicação de um chefe de governo eleito e com contas a prestar à sociedade.
Contou tão e só com eleição corporativa na qual, para constar de ilegítima e ilegal lista tríplice, teve que prometer rios e fundos a seus colegas, muitos dos quais não primam por sentimentos democráticos e fidelidade à constituição. A grande maioria do colégio eleitoral de Raquel Dodge aplaude o punitivismo tosco e redentor que fez a instituição descarrilhar e se alimenta da bronca antipetista disseminada pela mídia tupiniquim.
Não foi por outra razão que a Senhora Procuradora-geral da República escolheu para compor sua equipe criminal os procuradores da República José Alfredo, Raquel Branquinho e Alexandre Espinosa, todos eles do time de Antônio Fernando e Roberto Gurgel, que despontaram na elaboração da canhestra denúncia do Mensalão e em suas pornográficas alegações finais, ambas obras primas da ficção jurídica que talvez só encontrem par nas peças do processo Dreyfus, na França do final do século XIX.
A Doutora Raquel Dodge tem virtudes ausentes em seu antecessor. Não fica a tagarelar para a mídia. É comedida e assentada. Tem maior e melhor conhecimento técnico. Elabora mais. Não parece conspirar. Internamente, ninguém jamais teve dúvida sobre seu lado.
Mas, por não saber se desvencilhar da marca genética de sua corporação, acaba por torná-la tão perniciosa quanto o ex-PGR para a democracia brasileira.
O Ministério Público Federal (MPF) se livrou do aventureirismo de Janot, mas está longe de se livrar da praga do punitivismo que foi plantado contra o PT e acabou por se alastrar por toda a política, para ceifar, por igual, guerreiros democráticos como Gleisi Hoffmann e atores reacionários e antipopulares, que têm no patrimonialismo e no clientelismo corruptos sua prática cotidiana.
Nisso o MPF não é diferente dos generais que reprimiram a sociedade brasileira por vinte e um anos. Também eles jogaram no mesmo saco pessoas que qualificavam de  subversivas – os democratas – e os que rotulavam de degenerados ou corruptos.
Decapitavam-nos por igual com uso de seus atos institucionais. E deixaram um triste legado para o processo de redemocratização, quando todos, anistiados também por igual, retornaram à vida pública podendo, sem distinção, se gabar de terem resistido à ditadura. Misturaram os heróis e mártires com os aproveitadores e canalhas que, por algum acaso mal calculado, tropeçaram na rede da repressão que haviam sustentado.
Nossa democracia pagou um preço alto por isso. Formou-se, ainda antes da Constituinte de 1987-1988, o centrão político infestado dos falsos resistentes da ditadura, que passou a chantagear todos os governos eleitos desde então. Plantaram, com essa anistia para os reacionários descomprometidos com a causa nacional, a semente o golpe de 2016.
Não tardará de a sociedade se conscientizar do estrago promovido pelos arroubos autoritários do MPF, que provocaram não só o maior terremoto político da jovem democracia pós-constituinte, mas destruíram um promissor projeto de inclusão social e, de lambuja, todo parque industrial da construção civil pesada, da engenharia naval, da produção petrolífera e da engenharia nuclear, sem falar da instalação do governo mais alheio à probidade da história do país.
O problema, ao acordar desse pesadelo, será mais uma vez, como na anistia de 1979, distinguir entre os que lutaram contra o atraso e o golpismo  dos que, aliados do golpe, foram igualmente apeados pelo MPF em sua fúria redentorista. Todos foram vítimas do arbítrio e do excesso de poder persecutório. Mas nem todos são bons para a reconstrução democrática.
Já passou da hora de acordarmos dessa letargia e de enfrentarmos esse processo de deformação de nosso esboço de Estado democrático de Direito. É urgente reavaliar o modo de o MPF trabalhar, com uso de ficções processuais e delações programadas, tendentes, apenas, a tornar hegemônica sua ideologia fascista de depuração moral e, com isso, realizar seu projeto de poder corporativo.
A revisão constitucional do papel e dos poderes do ministério público é, do mesmo modo que a superação da ditadura militar, pressuposto para a recuperação das instituições democráticas e, quanto antes acontecer, menos dificuldade teremos para separar, na política, o joio do trigo, entre os vitimados pelo abuso de autoridade.
DCM

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

O Xadrez de Paulo Hartung, o fiscalista que a Globo inventou, por Luis Nassif do Jornal GGN

A Operação Lava Jato de hoje, no Rio de Janeiro, ao colocar no foco os empresários George Sadala Rihan e Alexandre Accioly, podem ter comprometido a última aventura alternativa para 2018: a candidatura de Luciano Huck.
Na última década, no entorno de políticos jovens, como Aécio Neves, no Rio, e Eduardo Campos, em Pernambuco, vicejou uma jovem plutocracia ambiciosa, que enriqueceu rapidamente no governo Campos. No Rio, o ponto de contato era Aécio, e uma derivação com Eduardo Paes, embora não tenham ficado imune aos afagos do ex-governador Sérgio Cabral. No Espírito Santo, havia Paulo Hartung, da mesma cepa.
A nova fase da Operação Lava Jato, ao prender o empresário Georges Sadala Rihan e colocar no foco das investigações Alexandre Accioly joga um enorme facho de luz sobre o círculo de amigos de Aécio Neves, e sobre a tentativa de lançar Luciano Huck à presidência.
A operação Luciano Huck tem três pilares.
​No primeiro, a visibilidade televisa de Huck. No segundo, montar dobradinha com a suposta modernidade do governador Paulo Hartung, do Espírito Santo, que há tempos vem sendo cevado pela Globo como exemplo de gestor moderno. No terceiro, o pacto com Michel Temer – costurado por Aécio – visando sua futura blindagem, depois que deixar a presidência.
Provavelmente terá vida mais curta.
Uma análise mais acurada do governo Hartung poderá mostrar de forma mais didática esse modelo. Provavelmente, nem Aécio Neves lançou-se à cena política nacional com um passivo tão explosivo de escândalos, como aqueles que rondam Hartung.
Capítulo 1 – o marketing da gestão
Em comum, tanto com o grupo de Campos como com o clube dos amigos de Aécio, Hartung usa o marketing da gestão privada nos negócios públicos, em cima de um conjunto de chavões bem aceitos pelo meio empresarial - gestão, qualidade, eficiência, inovação, responsabilidade fiscal -, e de baixíssima implementação em suas áreas de atuação.
Quem conheceu de perto, sustenta que Campos era, de fato, um grande gestor. Antônio Anastasia poderia ter sido, não fosse atropelado pela interferência deletéria de Aécio Neves.
Mas, no geral, esse marketing oculta simulacros de gestores.
No setor privado, há um medidor de eficiência, o lucro. Mais que isso, ao longo das últimas décadas, as premiações evoluíram, analisando aspectos que vão além dos resultados do exercício, como visão de futuro, ambiente interno das empresas, responsabilidade social e ambiental.
No setor público, o resultado final são os indicadores sociais. Mas o bate-bumbo tem sido apenas em cima dos resultados financeiros. E eles podem ser extremamente enganadores, especialmente devido à dificuldade de analisar estruturas complexas quanto a de um país, um Estado ou mesmo de ume metrópole e da falta de estudos sobre a consistência dos indicadores.
Com isso, surge a figura do Perfeito Idiota Fiscalista, o governador ou prefeito que sai cortando a torto e a direito sem ter a menor noção dos efeitos sobre o resultado final pretendido. Muitas vezes, aliás, sem ter noção sequer sobre os objetivos de uma gestão pública.
Capítulo 2 - o manual do Perfeito Idiota Fiscalista
Critica-se muito um padrão do Perfeito Idiota Latino-Americano, que é o de sacrificar o futuro em favor de resultados eleitorais de curto prazo.
O Perfeito Idiota Fiscalista faz o mesmo, de outra forma.
Em geral, sua estratégia tem duas pernas:
Perna 1 – a manobra da depreciação do ativo
Imagine uma estrada que custou 100 e tem, digamos, 10 anos de vida útil. Para mantê-la eficiente, o estado teria que investir anualmente 10% em manutenção. Ele deixa de investir. No final do ano, aqueles 10 vão compor o resultado fiscal, sendo celebrados como vitória da eficiência. Mas a depreciação da estrada reduzirá a eficiência da economia e jogará um passivo maior para o futuro. E essa esperteza não é captada por uma mídia superficial e pouco ligada em indicadores que não sejam os financeiros.
Aplique o mesmo raciocínio para gastos com educação, saúde e segurança e se terá uma tragédia. O corte na educação, hoje, vai impactar todos os indicadores de educação para a próxima década. O mesmo com os demais setores.
Perna 2 – as experiências de vitrine
Montam-se alguns projetos experimentais de baixíssimo alcance, para colocar na vitrine, visando contornar a carência de políticas universais.
Capítulo 3 – o marketing de Paulo Hartung
Do segundo semestre do ano passado até 4 de fevereiro deste ano, Hartung montou uma verdadeira maratona de palestras visando consolidar uma espécie de “modelo capixaba de gestão”.
No dia 06/10/2016, Paulo Hartung impressionou tanto o Insper, no evento "Projeto Espírito Santo: a reinvenção do Estado", que o notório professor Carlos Mello anunciou a preparação de um e-book contando a "história da destruição e reconstrução" do Espírito Santo.
No dia 10/12/2016 foi a vez de impressionar os clientes do escritório de negócios e consultoria de gestão Bain & Company da América do Sul. Mostrou como reduziu em R$ 1,35 bilhão a peça orçamentária, reduziu as despesas com custeio em 20%. E garantia que o ajuste era estrutural.
A maratona prosseguiu no dia 19/01/2017, com a palestra "Desafios da Gestão e da Inovação do Setor Público em Tempos de Crise", em Seminário no Centro de Debates de Políticas Públicas em São Paulo. Hartung falou da importância do setor público utilizar ferramentas gerenciais avançadas para reduzir o custo da máquina pública e "utilizar a inovação" como solução de desafios e melhoria dos serviços.
No dia 01/02/2017 foi a vez de se apresentar no palco nobre do Credit Suisse. Além dos dados de sempre, sobre o superávit de caixa, Hartung informou que colocou consultoria privada em grandes secretarias, como Educação e Saúde, para reduzir os desperdícios.
Em todos esses eventos, o público viu dados fiscais brutos, não auditados. Não teve como estimar as perdas com depreciação, resultante dos cortes, e teve que confiar na palavra de Hartung sobre o suposto uso da inovação na melhoria dos serviços públicos.
No dia 04/02/2017 o Estadão admitiu que Hartung é um distribuidor de subsídios - faceta que ajudou a crucificar Guido Mantega. Mas, no caso de Hartung, são subsídios do bem. “Quer investir no Espírito Santo? Venha e terá incentivo fiscal. Mas não é pela cara do freguês, não, é setorial, com regras e critérios, não tenho preconceito em conceder incentivos, se é para impulsionar o desenvolvimento do Estado”, explicou o nosso Jack Welch.
E o Estadão terminava gloriosamente:
“Um erro aqui, outro acerto ali, o fato é que o Espírito Santo provou que, mesmo na crise e com o País na pior recessão da história, é possível administrar o dinheiro público com equilíbrio, cortando excessos (espalhados pela gestão pública) e priorizando os gastos na área social”.
Dois dias depois, em 06/02/2017 o Espírito Santo entrava na pior crise da sua história.
Capítulo 4 – o caos instaurado
A Polícia Militar entrou em greve. Explodiram manifestações em toda a Região Metropolitana de Vitória, Guarapari, Linhares, Aracruz, Colatina e Piúma. Pelo Código Militar, os PMs são proibidos de se manifestar ou fazer greve. As portas dos quartéis, então, foram tomadas por familiares dos PMs.
Foram interrompidas as aulas, os atendimentos em postos de saúde, a vacinação. Em um final de semana apenas 22 pessoas foram assassinadas apenas em Vitória.
Hartung estava hospitalizado e deixou para o vice-governador a missão de pedir ajuda das Forças Armadas.
A pauta da PM era o efeito do ajuste: piso salarial de R$ 2.646,12, o menor do país, contra R$ 3.908,00 da média nacional; falta de equipamentos, inclusive de coletes; falta de treinamento.
Mais que tudo, a absoluta falta de diálogo de Hartung, que transformou o funcionalismo público em inimigo, em vez de parceiro.
Como lembrou o jornal A Gazeta, em editorial, as fraquezas da gestão Hartung poderiam ser resumidas no seguinte quadro:
.        Uma insatisfação latente do funcionalismo público estadual, que se sente sacrificado pelo arrocho fiscal implementado (panela de pressão que estava a ponto de explodir a qualquer momento);
·       A fragilidade e a suscetibilidade de instituições fundamentais à ordem pública, como a PMES; o sucateamento e a precarização de serviços públicos essenciais (hoje o grito foi dos servidores da Segurança, amanhã poderá ser os da Saúde e os da Educação, se não se prestar atenção);
·      A dificuldade, a letargia e a demora da equipe de governo em reagir a uma crise de tal gravidade, que pôs a população de joelhos e entregue a um estado de calamidade pública;
·      (...) A vulnerabilidade, enfim, desse pacto social tão frágil sobre o qual se sustenta a nossa vida cotidiana, em qualquer parte do mundo.
Capítulo 5 – o custo dos incentivos “do bem”
O segredo do incentivo fiscal está no chamado deferimento. Ou seja, concede-se o incentivo a um empreendimento que não viria, sem ele. Com o tempo, esse empreendimento gera um retorno em tributos, emprego e produção que compensa o que o Estado perdeu com o incentivo. Se a conta é bem-feita, o Estado ganha. Se é mal-feita, afunda.
O governo Paulo Hartung foi acometido de uma febre de incentivos, sem nenhuma análise mais aprofundada.
Entre 2003 e 2010, o Invest-ES resultou em 209 acordos, representando uma isenção fiscal de R$ 19,8 bilhões.
O Invest-ES previa três metas básicas: geração de empregos; atividade econômica não existente e uso de matéria prima, bens e serviços locais.
Três empresas, já instaladas no Estado, receberam mais de 70% dos deferimentos e não houve sequer a implantação de projetos ou a geração de empregos prometido.
As três maiores contempladas ficaram com 70% dos incentivos e criaram apenas 12% do total de vagas, ou 3.628 empregos diretos.
Em contrapartida, 167 projetos beneficiados, cada um gerando menos de 100 empregos, ficaram com apenas R$ 3,77 bilhões embora gerassem cerca de 5 mil vagas de emprego.
Entre 2004 e 2007 o Estado deixou de arrecadar em torno de R$ 19,3 bilhões de ICMS. É mais do que a arrecadação total de quatro anos de ICMS do governo Hartung.
Estudos feitos pelo Sindipúblicos revelam que empresários podem deixar de arrecadar até 70% do imposto devido em vários tipos de operação.
As estatísticas de vendas do comércio e receita de ICMS demonstram o custo da aventura. As vendas sempre cresceram acima da receita de ICMS. A diferença reflete, em parte, o preço dos subsídios. A sonegação, outra parte.
Estudos do Sindicato do Pessoal do Grupo de Tributação, Arrecadação e Fiscalização do Espírito Santo estimou uma sonegação da ordem de R$ 5,4 bilhões, equivalente a 44% da Receita Corrente Líquida do Estado. Os dados foram corroborados por entidades empresariais.
Segundo os cálculos do Sindifiscal, há apenas 122 servidores da área dedicados exclusivamente à fiscalização, ou um para cada 656 empresas ativas do Estado. A Secretaria da Fazenda dourou as estatísticas incluindo todo o quadro de auditores, o que significaria um servidor para cada 253,9 empresas. Pelo ajuste fiscal sacrificou-se até os setores que poderiam melhor a arrecadação.
Capítulo 6 – os sinais da má gestão
Um dos pontos centrais do desperdício estadual foi a febre por projetos, que acabaram engavetados.
Os desperdícios em projetos
Apenas em 2015, segundo o Século Diário, Hartung gastou R$ 270 milhões em despesas sem empenho – um pecado capital para os defensores da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A lei exige que qualquer despesa pública só poderá ser lançada após o empenho. Desse total, o jornal apurou R$ 56 milhões de despesas não justificáveis.
Um dos casos de maior repercussão foi o do posto fiscal de Mimoso do Sul, obra que consumiu R$ 25 milhões, e sequer passou a fase da terraplanagem.
As obras foram iniciadas em setembro de 2005, porém, a fase de terraplanagem só foi concluída em julho de 2009 – um mês depois de Hartung ter baixado um decreto acabando com seis postos fiscais, entre eles o de Mimoso do Sul.
Mesmo assim, o então governador autorizou uma licitação para a conclusão das obras no valor de R$ 2,9 milhões, encerradas em janeiro de 2010.
Cais das Artes
No final do seu segundo mandato, Hartung decidiu construir seu palácio, sua Cidade da Música, espelhando-se em César Maia. Contratou o premiadíssimo Paulo Mendes da Rocha para assinar o projeto. A obra foi iniciada em abril de 2010, com previsão para ser entregue em 18 meses.
Até hoje está incompleta.
Foi orçada em R$ 115 milhões. Já consumiu R$ 126 milhões. Hartung prometeu retomar as obras em 2018. E precisará colocar mais R$ 80 milhões.
O resultado em cima da depreciação
NO dia 23/02/2017, O Globo publicou um artigo de Tyago Hoffmann, economista e Secretário da Casa Civil no governo Renato Casagrande, antecessor de Hartung, dissecando esse estilo de gestão, de fazer caixa em cima da depreciação dos ativos do Estado.
O que aconteceu no Espírito Santo foi um corte linear de investimentos e custeio, e reajuste zero para os servidores. Isso pode ser comprovado por relatórios disponíveis na Secretaria do Tesouro Nacional e na Fazenda estadual (...) Ao arrefecer a crise econômica nacional e retomados os investimentos, bem como a recomposição salarial dos servidores pelas perdas inflacionárias, voltaremos ao mesmo patamar de despesas orçamentárias de antes. E, numa eventual nova crise, as ações de hoje não garantirão equilíbrio das contas.
Levantamento da Confederação Nacional do Transporte (CNT), este ano, mostrou que 81% das estradas estaduais possuem irregularidades. No ano passado, 52,9% das estradas eram classificadas como regular, ruim ou péssima. Este ano, subiu para 60,5%.
O desmonte da política de segurança
Mais que isso, houve o desmonte de várias políticas públicas.
Em 2010, o estado foi denunciado à ONU como o segundo mais violento do país. As condições carcerárias motivaram condenação internacional.
A partir de 2011, no governo do antecessor Renato Casagrande, criou-se o Programa Estado Presente, visando a redução de homicídios. Havia duas diretrizes: reestruturação da força policial e a ampliação dos investimentos sociais em áreas com maior incidência de crimes contra a vida.
A ONU reconheceu o programa brasileiro mais efetivo no enfrentamento à criminalidade. Com a volta de Hartung ao governo, houve o desmonte.
A incapacidade de uma revolução gerencial na PM
No caso da Polícia Militar, um gestor moderno trataria de discutir a fundo seu modelo de organização e atuação, para aumento da eficiência. Como a redução dos níveis hierárquicos, o esforço na profissionalização do PM, trabalhando em período integral; o planejamento de ações. Esse é o compromisso fundamental da verdadeira gestão.
Nada disso ocorreu, segundo o estudo “As Faces da Gestão da PM no Espírito Santo”, dos pesquisadores José Dirceu Pereira, Hélio Zanquetto Filho, Alfredo Rodrigues Leite da Silva e Gelson da Silva Juquilho.
Os oficiais fazem vistas grossas ao duplo emprego dos soldados, devido à precariedade dos salários, comprometendo um princípio básico de gestão: o profissional exclusivo.
As promoções por mérito, que deveriam ser a base de toda organização eficiente, foram relegadas a segundo plano, mantendo-se o estilo burocrático de promoção por tempo de serviço.
Um dos pontos principais da boa gestão, o foco no cliente jamais foi considerado. Hoje em dia até os chamados “cidadãos de bem” temem a PM. E a escassez de recursos deixou nas mãos da PM definir o que é prioritário. Com isso, abandonaram um dos pontos essenciais para a paz social: a mediação de conflitos e o patrulhamento preventivo.
A manipulação dos indicadores
Não apenas isso. Um dos predicados do bom gestor é o respeito absoluto aos indicadores.
Para cumprir com os percentuais obrigatórios de gastos com educação, Hartung incluiu na conta da manutenção e desenvolvimento do ensino, despesas de R$ 615 milhões com aposentadoria de professores, atropelando dispositivos constitucionais. A ponto do Procurador Geral da República Rodrigo Janot protocolar uma Ação Direita de Inconstitucionalidade contra ato do Tribunal de Contas do Estado, permitindo esse malabarismo fiscal.
Pouco antes da explosão da PM, a truculência fiscal já havia se manifestado na educação, com o fechamento de escolas rurais e de Conselhos Escolas, pelo Secretário de Educação do Estado. Até o final de 2016, 50 escolas rurais foram fechadas, sem consulta qualquer aos Conselho Escolares ou aos alunos, com a desculpa de concentrar os alunos em escolas-polo maiores. Segundo o governo do Estado, o fechamento se baseou em um estudo sobre a “viabilidade econômica das escolas” (!).
Houve aumento na evasão escolar, devido às dificuldades de locomoção dos moradores do campo.
O descaso com a Previdência
Apesar de apregoar insistentemente a necessidade de uma reforma na Previdência estadual, apesar das três gestões como governador, em nenhum momento Hartung tratou de enfrentar o problema, com a criação de um fundo financeiro ou mesmo de uma estrutura capaz de montar estudos atuariais adequados, conforma apurou estudo do Ministério Público das Contas do Estado do Espírito Santo.
Deixou tudo por conta da palavra mágica: “reforma”.
Capítulo 7 - Os casos suspeitos
Na última campanha eleitoral, foi revelado que logo após Hartung deixar o governo, a Éconos (Economia Aplicada aos Negócios), empresa da qual ele é sócio, junto com o ex-Secretário da Fazenda José Teófilo recebeu quase R$ 6 milhões em três anos, de empresas que tiveram alguma forma de benefício do estado.
Um dos sócios da empresa, Felipe Saade Oliveira, foi nomeado Consultor de Finanças Públicas do Tribunal de Contas do Estado. As suspeitas de escândalo povoam toda a vida pública de Hartung.
Venda de terrenos para empresas beneficiadas
Os terrenos foram adquiridos pela Agropecuária Limão ME. Revendidos para a BK Investimentos e Participações Ltda e para a ZMM Empreendimentos e Participações Ltda que, por sua vez, revenderam para a Ferrous Resources do Brasil, empresa premiada pelo Invest-ES .
Quando se abria o mapa de participações acionárias, revelou-se uma trama suspeita.
Paulo Hartung é o governador do Estado e criador do Invest-ES.
José Teófilo de Oliveira era seu Secretário da Fazenda, co-idealizador do Invest-ES.
Felipe Saad Oliveira é filho de Teófilo
Fabrício Cardoso de Freitas – um advogado ligado a Paulo Hartung. Além do escritório de advocacia, aparece como sócio de 9 outras empresas. Aparece como sócio de Teófilo na BK e participa também da Agropecuária Limão Ltda. Na venda dos terrenos a participação foi da Agropecuária Limão ME, mais restrita.
Paulo Sardenberg – é corretor imobiliário, o homem que traz as oportunidades de terrenos.
Marco Novaes – ex-vereador e ex-secretário de Presidente Kennedy, envolvido em vários problemas de terras na cidade. Os demais são parentes.
O Século Diário confirmou com a direção da Ferrous Resources do Brasil, a participação do Éconos nas negociações para conseguir terrenos e deferimentos fiscais para a instalação de uma planta industrial em Presidente Kennedy.
Segundo a Polícia Federal, na Operação Lee Oswald, "todas as operações realizadas, num período de 90 dias, resultaram, estimativamente, em um lucro de R$ 50 milhões para os envolvidos".
O inquérito levantou a cronologia do negócio: "No Cartório de Registro Geral de Imóveis de Presidente Kennedy, em 09 de julho de 2008, uma área de 61,9 alqueires foi avaliada por R$ 180 mil, no dia 16 de julho de 2008, a área foi comprada pela empresa paulista Tríade Importação por R$ 600 mil, no dia 25 de julho de 2008 a mesma área foi comprada pela ZMM por R$ 12 milhões, no dia 04 de agosto de 2008, quatro dias depois do protocolo de intensões selado em Palácio, a ZMM vendeu a área para a Ferrous por R$ 27,9 milhões. O terreno teve uma valorização de 150 vezes do seu valor inicial em apenas 25 dias". 
A explicação do ex-Secretário Teófilo é que se afastou do cargo de Secretário da Fazenda em 4 de abril de 2008 e só no mês seguinte tomou conhecimento do Projeto Ferrous. E isso porque foi espontaneamente procurado pela empresa para identificar área de 10 mil m2 para implantação da empresa.
Consultoria para empresas beneficiadas
Documentos em poder do Tribunal de Contas do Estado, divulgados pelo site Congresso em Foco, mostram que várias empresas que prestavam serviços ao Estado repassavam pagamentos mensais à Econos.
O mecanismo de pagamento consistia na emissão de notas para a mesma razão social. O site teve acesso a nove notas fiscais emitidas por Hartung e José Teófilo em nome de uma empresa de construção. Isso apenas entre junho de 2011 e fevereiro de 2012. Outro lote de notas, emitidas entre junho de 2011 e janeiro de 2012 revelaram sete delas em nome da mesma empresa.
O caso do juiz assassinado
Trata-se de um episódio cabeludo, e ainda não elucidado.
O juiz Alexandre Martins filho foi assassinado em 2003. Pouco antes de sua morte, disse à sua personal trainer, Júlia Eugenia Fontoura, que temia ser assassinado por Paulo Hartung. O juiz era membro de missão especial que investigava o crime organizado e apurava o envolvimento de Hartung em atos de corrupção na prefeitura de Vitória, quando foi prefeito.
O depoimento de Júlia Fontoura foi tomado no dia 24 de março de 2003. O juiz foi assassinado em frente a sua academia. Segundo ela, o juiz contou-lhe um encontro com Paulo Hartung, no qual foi-lhe oferecido uma escolta. Segundo ela, o juiz lhe teria confidenciado que temia ser morto a mando de Hartung, pois se não aceitasse tiraria a responsabilidade dele sobre o que pudesse lhe acontecer.
Segundo seu depoimento, o juiz dizia possuir dez cópias de fitas com conversas gravadas entre Paulo Hartung e o ex-governador José Inácio Ferreira – denunciado e afastado do governo por corrupção.
Pode ter sido apenas paranoia do juiz, que sabia estar mexendo em vespeiro.
No entanto, durante as investigações para apurar a morte do juiz, o governo do Estado comprou um equipamento Guardião, de escuta telefônica, o mesmo utilizado pela Polícia Federal. Em 2005 descobriu-se que o Secretário de Segurança teria autorizado o grampo nos telefones do jornal A Gazeta, de Vitória. Não se sabe o que ocorreu entre o jornal e o governador, mas acabou vingando a tese de que o “grampo” tinha sido por engano. Ora, pode-se enganar na definição do número do aparelho grampeado. Mas depois da primeira conversa gravada, se constataria o engano. E o grampo prosseguiu até ser denunciado.
O coronel Luiz Sérgio Aurich, que era chefe da Casa Militar quando o juiz foi morto, chegou a sugerir a federalização do caso com base em quatro motivos:  1) ter sido informado que o coronel da reserva da PM Walter Gomes Ferreira estava fazendo ligações do Acre para o ES; que os promotores já sabiam da transferência de Ferreira antes da decisão do juiz Alexandre; que o então secretário de segurança Rodney Miranda tinha relatado que pessoas importantes do estado estavam envolvidas no crime e, por último, o depoimento da personal trainer Júlia Eugênia, que envolvia o governador à época, Paulo Hartung, num esquema de corrupção na Prefeitura de Vitória, quando ele era prefeito da Capital”.
Não apareceram provas materiais que comprovassem a ligação de Hartung com o crime.
O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) intimou o governo Paulo Hartung a dar explicações sobre acusações de fraude envolvendo o projeto BRT. O consórcio contratado para gerenciar o projeto de corredores exclusivos para ônibus não cumpriu o contrato, gerando prejuízo de R$ 12 milhões para o Estado.
Em sua nota, o BNDES informou não ter sido notificado pelo governo do Estado sobre as fraudes. No mesmo momento, a Secretaria de Estado de Transportes e Obras (Setop) garantia que já tinha informado o banco sobre as fraudes.
A censura a blogues
Além do grampo no jornal A Gazeta, nas últimas eleições “Hartung conseguiu junto ao Tribunal Regional Eleitoral do Espírito Santo a censura de matéria publicada no veículo ES e no blog do jornalista Elmar Cortes, sobre a venda de um apartamento de luxo em bairro valorizado de Vitória”, segundo o Congresso em Foco.
Foi uma transação imobiliária de 2011, que Hartung escriturou a propriedade no valor de R$ 48 mil e no mesmo dia vendeu-a por R$ 2,1 milhões. A denúncia é que a supressão de valores visava encobrir discrepâncias na declaração de bens de Hartung à Justiça Eleitoral. Segundo sua declaração, ele teria “empobrecido” R$ 300 mil entre 2006 e 2014.
A mansão escondida
Outro problema imobiliário é a mansão na qual mora Hartung – que nada fica a dever, em suntuosidade, à casa de campo de Sérgio Cabral. Segundo o Século Diário, o terreno foi comprado por Hartung e esposa em agosto de 2011 por R$ 120 mil. A construção é imponente, com alto padrão de acabamento e materiais de última geração, segundo o jornal. Fontes do mercado estimaram seu preço em mais de R$ 2 milhões.
Segundo a matéria, o Ministério Público Estadual estaria investigando a alienação de um terreno em Vila Velha do governo do Espírito Santo para uma empreiteira cliente da Econos. Segundo as investigações, o grupo adquiriu a área por R$ 1,9 milhão, cinco vezes menos que o valor de mercado praticado na época naquela região.
Conclusão
Apesar de se estar na era da informação, ainda há barreiras quase intransponíveis para se avaliar determinados personagens políticos. O caso Aécio Neves foi um deles. Mesmo o caso Eduardo Campo terminou encoberto, apesar de seu notório envolvimento do episódio dos precatórios do estado, quando governado por seu avô.
O caso Fernando Collor, quando governador de Alagoas, foi outro. Na época, a Folha foi o único jornal com coragem para desvendar seu histórico.
Agora, nenhum parece ter coragem de dissecar nenhum personagem que faça parte do seu campo político.
Paulo Hartung é um desses casos que atestam a baixa capacidade dos grupos de mídia de fazer circular informações relevantes sobre personagens públicos.
As informações acima foram obtidas pesquisando sites, blogs, inquéritos da Polícia Federal e do Tribunal de Contas, e a cobertura de A Gazeta, de Vitória.
GGN

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Estrutura inquisitória do processo de Lula impressiona, diz jurista italiano Luigi Ferrajoli

Luigi Ferrajoli, 77 anos, pensador e jurista de fama mundial, o mais categorizado aluno de Norberto Bobbio, publicou excelente artigo na CartaCapital.
A cultura jurídica democrática italiana está profundamente perplexa com os acontecimentos que conduziram ao processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e ao processo penal contra Lula. Tem-se a impressão de que esses acontecimentos sinalizem uma preocupante carência de garantias e uma grave lesão aos princípios do devido processo legal, dificilmente explicáveis se não com a finalidade política de pôr fim ao processo reformador realizado no Brasil nos anos da Presidência de Lula e de Dilma Rousseff, que tirou da miséria 40 milhões de brasileiros.
Ascânio Seleme e João Roberto Marinho entregam a Moro o prêmio “Faz Diferença” (Foto de Fabio Rossi / Agencia O Globo)
Antes de mais nada, a carência de garantias constitucionais da democracia política evidenciada pelo impeachment com o qual foi destituída a presidente Dilma Rousseff, legitimamente eleita pelo povo brasileiro. O crime imputado é o previsto no artigo 85 da Constituição brasileira. Apesar de esta norma ser formulada em termos não absolutamente precisos, parece-me difícil negar, com base em uma interpretação racional, e na própria natureza do instituto do impeachment, que não existiam os pressupostos para a sua aplicação. O crime previsto por essa norma é, de fato, um crime complexo, consistente, conjuntamente, de um delito-fim de atentado à Constituição e de um dos sete delitos-instrumentos elencados no art. 85 como crimes-meios.
Pois bem, na conduta de Dilma Rousseff, admitindo-se que se caracterize um desses sete crimes-meios, certamente não restou caracterizado o delito-fim de atentado à Constituição. Tem-se, portanto, a impressão de que, sob a forma de impeachment, tenha sido, na realidade, expresso um voto político de desconfiança, que é um instituto típico das democracias parlamentares, mas é totalmente estranha a um sistema presidencialista como o brasileiro. Sem contar a lesão dos direitos fundamentais e de dignidade pessoal da cidadã Dilma Rousseff, em prejuízo da qual foram violadas todas as garantias do devido processo legal, do princípio da taxatividade ao contraditório, do direito de defesa e da impessoalidade e imparcialidade do juízo.
Quanto ao processo contra o ex-presidente Lula, aqui na Itália não conhecemos os autos, senão sumariamente. Ficamos, todavia, impressionados com a sua estrutura inquisitória, manifestada por três aspectos inconfundíveis das práticas inquisitivas.
Em primeiro lugar, a confusão entre juiz e acusação, isto é, a ausência de separação entre as duas funções e, por isso, a figura do juiz inquisidor que em violação ao princípio do ne procedat iudex ex officio promove a acusação, formula as provas, emite mandados de sequestro e de prisão, participa de conferência de imprensa ilustrando a acusação e antecipando o juízo e, enfim, pronuncia a condenação de primeiro grau. O juiz Sergio Moro parece, de fato, o absoluto protagonista deste processo. Além de ter promovido a acusação, emitiu, em 12 de julho deste ano, a sentença com a qual Lula foi condenado à pena de 9 anos e 6 meses de reclusão por corrupção e lavagem de dinheiro, além de interdição para o exercício das funções públicas por 19 anos. É claro que uma similar figura de magistrado é a negação da imparcialidade, dado que confere ao processo um andamento monólogo, fundado no poder despótico do juiz-inquiridor.
O segundo aspecto deste processo é a específica epistemologia inquisitória, baseada na petição de princípio por força da qual a hipótese acusatória a ser provada, que deveria ser a conclusão de uma argumentação indutiva sufragada por provas e não desmentida por contraprovas, forma, ao contrário, a premissa de um procedimento dedutivo que assume como verdadeiras somente as provas que a confirmam e, como falsas, todas aquelas que a contradizem. Donde o andamento tautológico do raciocínio probatório, por força do qual a tese acusatória funciona como critério prejudicial de orientação das investigações, como filtro seletivo da credibilidade das provas e como chave interpretativa do inteiro processo.
Apenas dois exemplos. O ex-ministro Antônio Palocci, sob custódia preventiva, em maio deste ano, tinha tentado uma “delação premiada” para obter a liberdade, mas o seu pedido foi rejeitado porque não havia formulado nenhuma acusação contra Lula ou Dilma Rousseff, mas somente contra o sistema bancário. Pois bem, esse mesmo réu, em 6 de setembro, perante os procuradores do Ministério Público, mudou sua versão dos fatos e forneceu a versão pressuposta pela acusação para obter a liberdade. Totalmente ignorado foi, ao contrário, o depoimento de Emílio Odebrecht, que, em 12 de junho, havia declarado ao juiz Moro nunca ter doado qualquer imóvel ao Instituto Lula, ao contrário do que era pressuposto pela acusação de corrupção.
A terceira característica inquisitória deste processo é, enfim, a assunção do imputado como inimigo: a demonização de Lula por parte da imprensa. O que é mais grave é o fato de que a campanha da imprensa contra Lula foi alimentada pelo protagonismo dos juízes, os quais divulgaram atos protegidos pelo segredo de Justiça e se pronunciaram publicamente e duramente, em uma verdadeira campanha midiática e judiciária, contra o réu, em busca de uma legitimação imprópria: não a subjeção à lei e à prova dos fatos, mas o consenso popular, manifestando assim uma hostilidade e falta de imparcialidade que tornam difícil compreender como não tenham justificado a suspeição.
Palocci e Odebrecht
O juiz Moro, que continua a indagar sobre outras hipóteses de delito imputadas a Lula, antes da abertura do processo concedeu numerosas entrevistas à imprensa, nas quais atacou abertamente o imputado; promoveu as denominadas “delações premiadas”, consistentes de fato na promessa de liberdade como compensação pela contribuição dos imputados à acusação; até mesmo reivindicou a interceptação, em 2016, do telefonema no qual a presidente Rousseff propunha a Lula de integrar o governo, publicizada por ele sob a justificativa de que “as pessoas tinham que conhecer o conteúdo daquele diálogo”.
A antecipação do juízo não é, por outro lado, um hábito somente do juiz Moro. Em 6 de agosto deste ano, em uma intervista ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), perante o qual prosseguirá o segundo grau, declarou que a sentença de primeiro grau “é tecnicamente irrepreensível”.
Semelhantes antecipações de juízo, segundo os códigos de processo de todos os países civilizados – por exemplo os artigos 36 e 37 do Código Penal Italiano – são motivos óbvios e indiscutíveis de abstenção e afastamento do juiz. E também no Brasil, como recordou Lenio Streck, existe uma norma ainda que vaga – artigo 12 do Código da Magistratura Brasileira de 2008 – que impõe ao magistrado o dever de se comportar de modo “prudente e imparcial” em relação à imprensa. Os jornais brasileiros, invocando a operação italiana Mani pulite do início dos anos 90, se referem à operação Lava Jato que envolveu Lula como sendo a “Mãos Limpas brasileira”. Mas nenhuma das deformações aqui ilustradas pode ser encontrada no processo italiano: uma investigação que nenhum juiz ou membro do Ministério Público italiano que nela atuaram gostaria que fosse identificada com a brasileira.
São, de fato, os princípios elementares do justo processo que foram e continuam a ser desrespeitados. As condutas aqui ilustradas dos juízes brasileiros representam, de fato, um exemplo clamoroso daquilo que Cesare Beccaria, no  § XVII,  no livro Dos Delitos e das Penas, chamou “processo ofensivo”, em que “o juiz – contrariamente àquilo por ele chamado “um processo informativo”, onde o juiz é “um indiferente investigador da verdade” – “se torna inimigo do réu”, e “não busca a verdade do fato, mas procura no prisioneiro o delito, e o insidia, e crê estar perdendo o caso se não consegue tal resultado, e de ver prejudicada aquela infalibilidade que o homem reivindica em todas as coisas”; “como se as leis e o juiz”, acrescenta Beccaria no § XXXI, “tenham interesse não em buscar a verdade, mas de provar o delito”. É, ao contrário, na natureza do juízo, como “busca indiferente do fato”, que se fundam a imparcialidade e a independência dos juízes, a credibilidade de seus julgamentos e, sobretudo, juntamente com as garantias da verdade processual, as garantias de liberdade dos cidadãos contra o arbítrio e o abuso de poder.
Acrescento que mais de uma vez expressei minha admiração pela Constituição brasileira, talvez a mais avançada em temas de garantias dos direitos sociais – os limites orçamentários, a competência do Ministério Público quanto aos direitos sociais, a presença de um Procurador atuante no Supremo Tribunal Federal – a ponto de constituir um modelo daquilo que chamei de “constitucionalismo de terceira geração”. Foi em razão da atuação desse constitucionalismo avançado que no Brasil, como recordei no início, se produziu nos últimos anos uma extraordinária redução das desigualdades e da pobreza e uma melhora geral das condições de vida das pessoas.
Os penosos eventos institucionais que atingiram os dois presidentes, que foram protagonistas desse progresso social e econômico, trouxeram à luz uma incrível fragilidade do constitucionalismo de primeira geração, isto é, das garantias penais e processuais dos clássicos direitos de liberdade: uma fragilidade sobre a qual a cultura jurídica e política democrática no Brasil deveriam refletir seriamente. Sobretudo, esses acontecimentos geram a triste sensação do nexo que liga os dois eventos – a inconsistência jurídica da deposição de Dilma Rousseff e a violência da campanha judiciária contra Lula – e, por isso, a preocupação de que a sua convergência tenha o sentido político de uma única operação de restauração antidemocrática.
Essa sensação e essa preocupação são agravadas pelas notícias, referidas de modo concordante e sereno em muitos jornais, que os juízes estariam procurando acelerar os tempos do processo para alcançar o mais rápido possível a condenação definitiva; a qual, com base na “Lei da Ficha Limpa” impediria Lula de candidatar-se às eleições presidenciais de outubro de 2018. Tratar-se-ia de uma pesada interferência da jurisdição na esfera política, que teria o efeito, entre outros, de uma enorme deslegitimação, antes de mais nada, do próprio Poder Judiciário.
DCM

Sócio de Luciano Huck e compadre de Aécio Accioly, e mais quatro são alvos de operação da PF na Lava Jato

A Polícia Federal prendeu, na manhã desta quinta-feira (23), ex-chefe da Casa Civil do Rio Régis Fichtner. A ação é mais uma fase da Operação Lava Jato no Rio e um desdobramento das investigações da Operação Calicute, desencadeada em novembro do ano passado e que resultou na prisão do ex-governador Sérgio Cabral. Também foi preso o empresário George Sadala.
Além de Fichtner e Sadala, também estão sendo cumpridos outros três mandados de prisão, sendo dois para o mesmo suspeito. Os agentes também visam cumprir mandados de condução coercitiva e de busca e apreensão.
Os agentes chegaram ao endereço de Fichtner, um dos prédios mais luxuosos da Avenida Vieira Souto, em Ipanema, pouco antes das 6h. O empresário Fernando Cavendish também foi conduzido para prestar depoimento.
George Sadala é um dos empresários que aparece em uma foto com o ex-governador Sérgio Cabral em um restaurante em Paris. A foto ficou conhecida como Farra dos Guardanapos. Sadala era um dos sócios de empresas suspeito de explorar o serviço Rio Poupa Tempo e também era representante de um banco que fazia empréstimos consignados para servidores públicos.
Quem mora no mesmo prédio é Alexandre Accioly, empresário que é dono de uma rede de academias, que vai ser intimado a depor. Ainda não se sabe qual é o tipo de ligação que Aciolly tem com o esquema de corrupção que o Ministério Público investiga.

Amigo de Aécio,– ele é padrinho de um dos filhos do senador –, e de Luciano Huck, de que é sócio na rede BodyTech, Accioly também foi citado pelo ex-diretor da área de energia da Odebrecht, Henrique Serrado do Prado Valladares, como intermediário de vantagens indevidas pagas ao político mineiro, com uma conta em Cingapura. “Nunca recebi depósito em favor de terceiros em conta alguma no Brasil ou no exterior”, disse em nota divulgada em abril, quando o caso foi divulgado.
DCM