segunda-feira, 19 de novembro de 2018

PORQUE A IMPRENSA PERDEU PARA AS FAKENEWS, LUÍS NASSIF

A mídia ganhou nos últimos anos um poder de manipulação que consequentemente matou sua capacidade de mediação.
O País tem assistido a uma disputa de narrativas que é uma das coisas mais nonsense de sua história. Veja o episódio da saída dos médicos cubanos.
Bolsonaro queria mudar pagamento ao governo cubano e impôr a revalidação do diploma, um conjunto de exigências que acabaria com o programa Mais Médicos. 
Hoje, com Cuba anunciando sua retirada da parceria, Bolsonaro diz a seus seguidores que libertou os médicos da escravidão e os devolveu a seus familiares. Mas como deputado, Bolsonaro tentou proibir, por exemplo, a vinda dessas mesmas famílias ao Brasil. 
É um caso que mostra que estamos lidando com um mentiroso clássico, que foi eleito presidente da República. 
De um lado teríamos o pessoal do Bolsonaro dizendo que os cubanos foram libertados e, de outro, aqueles que dizem que a saída dos cubanos, com todos os reflexos sobre 600 municípios que ficarão sem médico, é culpa das declarações do presidente eleito. 
Quem que faz a mediação da opinião pública? Deveria ser a mídia, os chamados jornais da grande mídia, aqueles que definem a opinião. Mas você não tem mais essa imprensa aqui. 
Desde o impeachment Collor há um jornalismo de guerra que consiste em sempre dar as versões que interessavam, que dão manchete mesmo em cima de avaliações erradas e sensacionalistas. O importante é ter volume de leitura. 
De 2005 para cá, quando Roberto Civita montou a cartelização da mídia e implementou defitivamente o jornalismo de guerra, qualquer história de mediação veio por água abaixo. 
No jornalismo de guerra, o que importa é ganhar a narrativa considerando alguns interesses, como o do mercado. 
Há inúmeros exemplos de narrativas erradas que ganham a opinião pública nos últimos anos. A história que Bolsonaro repete, de que há um número gigante de estatais e por isso tudo deve ser privatizado, é uma delas. Que a Petrobras foi quebrada pela corrupção, é outra narrativa manipulada. 
O que levou a uma redução de valor da Petrobras foi a queda do preço do barril de petróleo no ambiente internacional. Os ajustes contábeis decorrentes desse fato foram todos tratados pela imprensa meramente como valor da corrupção. 
Há décadas, diariamente, a mídia viciou o organismo da opinião pública em toda sorte de manipulação. E soma-se a isso a arrogância que acompanhou a imprensa desde o impeachment do Collor, como se ela fosse o poder maior. Tudo isso matou a capacidade de mediação da mídia. 
Então, agora, quando chega um novo governo com um chanceler que fala os absurdos que fala, com os filhos do presidente e outros membros do núcleo duro moldando discursos com base numa visão religiosa fundamentalista, sem conhecimento técnico e científico sobre vários assuntos, prevalecem as mentiras deslavadas, como essa do Mais Médicos, porque a mídia já não consegue fazer a mediação. 
A mídia ganhou nos últimos anos um poder de manipulação que consequentemente matou sua capacidade de mediação. 
A queda na qualidade jornalística comprometeu a  informação, que é fundamental dentro de um ambiente democrático e de mercado. Através da informação é que se forma a opinião, e através da opinião você forma os pactos jurídicos, políticos, constitucionais, e dali derivam as leis. 
O que aconteceu foi que o desmonte da credibilidade da informação se deu ainda no período de predomínio da mídia, e agora as redes sociais bagunçam mais ainda a guerra de narrativas. Não adianta mais a imprensa dizer que a culpa dos Mais Médicos é do Bolsonaro porque o pessoal vai acreditar no que ele diz nas redes. 
O grande problema, acima de tudo, são os filtros, a falta de canais de controle. Trump tem seus canais de controle dentro do próprio governo. É o que está impedindo que as maluquices dele tenham consequencias maiores. Lá, por trás de tudo, você tem uma mídia de opinião que faz a cabeça dos técnicos que seguram os abusos. Fazem a cabeça gerando debate na imprensa a partir de várias opiniões técnicas. Isso não tem no Brasil. O que a mídia criou dentro das corporações públicas, nesse período, foi uma militância antipetista que se sobrepôs ao debate técnico e aos mecanismos de controle.
Não importa mais se a consequência é que vamos deixar milhões sem médicos. O que importa é que vamos tirar esses comunistas daqui. Vence o discurso que não se submeteu à mediação. 
O padrão de mediação da mídia, em relação a qualquer governo, deveria ser o de elogiar o que tem de ser elogiado, e criticar o que tem de ser criticado, para que o leitor entenda o peso. Mas esse padrão não foi estabelecido. 
Hoje temos um País em que todas as barbaridades, no plano das discussões das ideias, ganham força. Tudo vira guerra de narrativas. 
Infelizmente a imprensa tenta agora de algum modo recuperar a credibilidade perdida, mas foram muitos anos de demonstração de poder, de usar a influência midiática para promover badernas e derrubar presidentes, e hoje o mercado de opinião está a mercê de qualquer cultivador de teorias de disco voador. 
Assista o comentário de Luis Nassif, na íntegra, abaixo:
GGN

domingo, 18 de novembro de 2018

ELEIÇÕES 2018: CARRASCO E VÍTIMA VOTANDO NO MESMO CANDIDATO NUM ABRAÇO DE AFOGADOS?, POR ALEXANDRE TAMBELLI

Estudaremos no futuro como foi possível a junção no voto de boa parte dos neopentecostais, pastores midiáticos e seus rebanhos de classes populares, e de boa parte da classe média e médio-alta tradicional com seu esoterismo e sua ligação com o Espiritismo e a busca pela liberdade irrestrita, que o fundamentalismo religioso repelirá.
Duas forças, a primeira: do Fundamentalismo Religioso, da Vida regida pela leitura ao pé da letra do Antigo Testamento com a segunda: da busca por uma liberdade absoluta, sem nenhuma vontade de acatar regras, de se sentir pertencente a uma sociedade, que é contra a ingerência do Estado e do individualismo extremo.
Um voto inconciliável dentro da razão. Por isto, acerta, creio eu, quem diz que a irracionalidade permeou a Eleição, claro, que dentro de um processo de construção dela, que vem, com maior força e sem muitos anteparos, desde 2012 com o Julgamento do "Mensalão", e o desespero da Direita liberal de retomada do Poder a qualquer custo, não possível via urna com o sucesso das administrações do PT. 
Associou-se no voto em 2018 o incluído da sociedade de castas dos tempos de FHC para trás e o incluído na Era petista.
O sujeito que ia na Paulista protestar contra o Governo do PT e o sujeito da ascensão social pelos anos petistas no Governo Federal juntos no voto.
O que tinha ódio do pobre, da sua ascensão e concorrência nas universidades e mercado de trabalho e o pobre que ascendeu socialmente, em parte significativa, se juntaram no voto. O que quer que o pobre continue pobre e o pobre que sentiu, pós-Golpe, um novo declínio social, se deram as mãos em um abraço de afogados.
O contra o Bolsa Família se juntou do que recebe ou tem parentes que recebem Bolsa Família. 
E assim caminharemos:
O classe média tradicional adentrando em uma realidade comandada por um fundamentalismo religioso e restrição das liberdades individuais e o neopentecostal caminhando para a degola plena nos seus direitos sociais.
Duas partes inconciliáveis. A da patroa e a da faxineira se deram as mãos e, agora, ficamos todos perdedores.
Como pode ser racional esse voto casado?
Como é que uma Luta de Classes se transformou na irracionalidade do voto? Do voto contra si mesmos. É um voto sem vencedores. Gente de todas as classes sociais irmanadas em uma mesma candidatura? Em um país, onde, a marca registrada do voto foi o voto profundamente marcado pela Luta de Classes nas eleições presidenciais deste Século?
Não é um processo racional o que a nossa sociedade vive, e, por isto, nasce uma união de opostos, que não são duas metades, acreditando que se faça um inteiro, são dois opostos que não se juntaram jamais e que juntos caem no chão num strike único, logo na primeira bola arremessada. 
GGN

sábado, 17 de novembro de 2018

XADREZ DA REPÚBLICA FUNDAMENTALISTA DO BRASIL, POR LUIS NASSIF

Peça 1 – o fundamentalismo de Bolsonaro
Algumas decisões dos últimos dias mostram que o governo Bolsonaro caminha para a implantação de um fundamentalismo religioso no país, uma Teocracia, atropelando qualquer veleidade de racionalidade e de pragmatismo. A pequena esperança de que houvesse um grupo interno com alguma racionalidade – os chamados generais da infraestrutura – se dilue.
Ernesto Araújo, indicado por Olavo de Carvalho para o Ministério das Relações Exteriores, é membro da ultradireita mais pirada, para quem a salvação do mundo está no presidente norte-americano Donald Trump.
Nos EUA, Trump está em escala descendente, acossado por todos os lados. No círculo fechado do Partido Republicano, é dado como irrecuperável, inclusive para tentar a reeleição. Tinha 90% da mídia contra ele. Agora, tem 100%. E o Brasil vai atrelar seu vagão nesse trem.  
Com personagem de tal nível, o Brasil desaparecerá do mapa diplomático mundial.
O segundo, o fim do programa Mais Médicos, com Bolsonaro brandindo argumentos irracionais, sem a menor preocupação com a situação de saúde dos municípios beneficiados pelo programa.
Terceiro, a intenção de mudar a embaixada brasileira de Israel para Jerusalém. No início, não havia nenhuma explicação plausível para a medida. Só agora ficou claro que a motivação é de cunho estritamente religioso. Grupos influentes de evangélicos acreditam que, segundo a Bíblia, o caminho da salvação passa por Jerusalém. Pouco importa o fato de os países árabes serem grandes importadores de produtos brasileiros. Pelas últimas indicações, Bolsonaro fincará pé na proposta de fundo bíblico enquanto monta sua Arca de Noé.
Quarto, os ataques do futuro Ministro Paulo Guedes ao Mercosul e à Argentina, de longe o maior importador de carros brasileiros.
Como um governo fundamentalista enfrentará os problemas que se avizinham?
Peça 2 - a economia internacional
No plano internacional, há uma deterioração no ambiente externo.
No começo do ano, o mercado especulava se os juros norte-americanos chegariam em 3% ao ano. Agora, especula-se se irá parar em 3% ou seguir adiante.
Para entender o jogo:
Nas últimas décadas, a grande força deflacionária da economia norte-americana foram as manufaturas da Ásia - da mesma maneira que os alimentos da América Latina no início do século 20. Em ambos os casos, ocorreu uma inflação de ativos, não de bens e serviços.
Agora, identificam-se novas pressões de preços. A inflação continua sendo de ativos, devido ao fato da política monetária expansionista norte-americana - a chamada quantitative easing - não ter atacado o problema central, as bolhas de ativos.
A estratégia de Donald Trump era desvalorizar o dólar, para aumentar a competitividade da produção interna. Com a política de juros do FED, ocorrerá o contrário: uma nova valorização do dólar. Ao mesmo tempo, com a crise econômica rondando a Itália e a Alemanha, haverá maior probabilidade de o Banco Central Europeu continuar comprando US$ 40 bilhões de euros/mês. Com isso haverá um descolamento progressivo do dólar.
Na medida em que não conseguirá desvalorizar o dólar, a maneira de Trump melhorar a competitividade norte-americana será através da elevação de tarifas, acirrando a guerra comercial. Como não há formas de substituir internamente as importações da Ásia, o resultado será as empresas norte-americanas passarem a pagar mais caro pelos produtos importados, produzindo uma inflação de custos.
A reação do FED deverá ser de novos aumentos da taxa básica de juros, com a consequente nova valorização do dólar.
As consequências sobre o Brasil serão da seguinte ordem:
Maior desvalorização cambial em relação ao dólar. O mercado já trabalhar com a possibilidade de dólar a R$ 4,00 no próximo anos.
Aumento da taxa Selic. Mercado já trabalha com a hipótese de Selic a 8% no próximo ano.
E, aí, surgem nítidas as vulnerabilidades do governo Bolsonaro.
Peça 3 – o fator Paulo Guedes
O atual presidente do Banco Central, Ilan Goldjan, é um representante clássico do mercado internacional. Foi considerado o melhor presidente de Banco Central do planeta, pelo feito de segurar a inflação, pouco importa se à custa de 13 milhões de desempregados e do comprometimento do crescimento brasileiro. Mas, enfim, é o representante máximo das instituições internacionais de mercado.
Foram duas as razões para não ter aceitado o convite de permanecer no banco. 
O primeiro, o anúncio de que Guedes passaria a trabalhar com duas metas: a da inflação e a cambial. É decisão relevante, mas que não se anuncia de véspera, menos ainda sem consultar o presidente convidado a permanecer no BC..
O segundo, a afirmação de Guedes de que poderia vender US$ 100 bilhões das reservas cambiais acumuladas. Ora, se ele garantia plena autonomia para o BC, como se outorga o poder de decisão sobre as reservas?
Independentemente do mérito ou não das medidas, é evidente que desnudaram o bonapartismo de Guedes.
Em seu lugar, irá Roberto Campos Neto, que, pelo que me dizem, herdou do avô o ideologismo de sua fase jornalística, em vez do pragmatismo de seu período de homem público.
O problema maior é que não haverá nenhuma recuperação da economia se a política econômica ficar subordinada aos cânones do mercado. A recuperação dependerá de investimentos públicos no grau correto. Isso demanda convicção econômica e competência de gestão, algo que, por enquanto, parece longe dos predicados de Guedes.
Serão trës macacos em loja de louças: Bolsonaro, Guedes e o futuro articulador político Onix Lorenzoni, tido como igualmente desastrado e com pouca capacidade de articulação.
Peça 4 – razão versus religião
E aí se entra no busílis do problema. Passado período da graça, os meses iniciais que a opinião pública concede a todo governante que inicia, o que ocorrerá quando se manifestar a desilusão popular?
O pior sinal, até agora, sobre o futuro governo Bolsonaro, foi a desistência do general Oswaldo Ferreira de ficar no governo, depois que Bolsonaro recuou na ideia de entregar a ele a Casa Civil da Infraestrutura. Os chamados generais da infraestrutura pareciam o único ponto de racionalidade na equipe de transição, impedindo o mergulho no fundamentalismo religioso que aflorou com a escolha do futuro Ministro das Relações Exteriores.
Agora, pipocam informações sobre as alianças que estão sendo fechadas com a ultradireita internacional. E o colunista Merval Pereira, de O Globo, belo setorista da direita, informa que Eduardo Bolsonaro, o filho que indicou o chanceler, pretende assumir a liderança intelectual da direita na América Latina. Imagine-se o resultado!
A se medir pelos Twitters do general Heleno – que vai ocupar o Gabinete de Segurança Institucional – vai haver caça às bruxas em todas as instâncias. E com a contribuição decisiva do futuro Ministro da Justiça Sérgio Moro. Esse fato será acirrado pela desimportância total conferida pelo grupo de Bolsonaro às organizações internacionais, fato que reduzirá sua capacidade de impedir a instalação do estado policial.
Quando se manifestar a decepção com a economia, a grande arma que restará a Bolsonaro será a caça aos infiéis.
Faltam informações sobre o nível de aceitação das elucubrações olavianas (de Olavo de Carvalho) pelo Alto Comando das Forças Armadas.
GGN

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

FLÁVIO DINO DECRETA 'ESCOLA COM LIBERDADE E SEM CENSURA' NO MARANHÃO

Em um primeiro e importante passo para o enfrentamento do retrocesso e da censura nas escolas, Flávio Dino, governador do Maranhão decreta o "Escola com liberdade e sem censura", barrando claramente o inconstitucional "Escola sem Partido".
"Falar em 'Escola sem Partido' tem servido para encobrir propósitos autoritários incompatíveis com a nossa Constituição e com uma educação digna", manifestou-se Flávio Dino em seu Twitter.
Governador reeleito pelo PCdoB, Flávio Dino assinou decreto na manhã desta segunda-feira, dia 12, garantindo "Escolas com Liberdade e Sem Censura" em todo o Maranhão, nos termos do artigo 206 da Constituição Federal.
Tal artigo prevê que o ensino será ministrado com base na 'liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e  coexistência de instituições públicas e privadas de ensino', entre outros princípios.
GGN

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

XADREZ DA ARMADA BOLSOLEONE*, POR LUIS NASSIF

 * Uma referência não muito sútil ao filme O Exército de Brancaleone.
Talvez o exemplo histórico mais próximo seja o da Torre de Babel. São grupos de pessoas de várias procedências preparando-se para tomar o poder. Ou “O Rato que Ruge”, que conta a tomada de Nova York por um pequeno país, que tinha apenas a pretensão de ser derrotado para ser auxiliado, mas encontrou Nova York em blackout.
Só dentre os “olavetes” (discípulos do filósofo Olavo de Carvalho) há quase dez grupos independentes entre si, que mal se conhecem. Tem mais tendências que os trotskista dos anos 70.
Há os seguidores do padre Paulo Ricardo, reacionário de mão cheia, que juntou uma legião de padres para apoiar a campanha de Bolsonaro.  Há os olavetes que detestam evangélicos e olavetes que detestam católicos. O segundo grupo segue evangelicamente os ensinamentos do mestre, que os proíbe criticar o Papa, mas os estimula a desancar a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
São os mais ideológicos, acreditam piamente no liberalismo amplo e irrestrito e no destino manifesto de Bolsonaro, de ser um Donald Trump tropical.
Aliás, para o grupo, é Deus no céu, Olavo na terra, e Trump no mundo. Deu um trabalhão para o general Heleno convencer o pessoal que não bastava pensar como Trump para agir como Trump: era necessário dispor de um exército como o dos EUA e uma economia como a norte-americana para invadir outro países. E parem com essa bobagem de pensar em invadir a Venezuela!
Pararam.
Vão ser os primeiros a serem engolidos pela real polítik. No início tinham a ilusão de que, pelo fato de Olavo ter fornecido os três grandes motes da campanha – o kit gay, a Venezuela e a liberação das armas – ele seria o grande ideólogo de Bolsonaro. Mas o capitão está mais para os ecos de Olavo – tipo Lobão e Danilo Gentile – que para formulações mais complexas.
Há os youtubers, é claro. E uma profusão de deputados recém-eleitos sem a menor informação sobre o que significa o trabalho parlamentar. Ninguém conhece ninguém. Dia desses, em uma das reuniões dos grupos de trabalho, passou um senhor de terno e gravata e imediatamente vários recém-eleitos pediram que trouxesse água. Não era garçom, mas um deputado bolsonariano.
A única bandeira que os une é a do antipetismo e os gritos de guerra de manter Lula preso ou eliminado. Não há consenso nem mesmo no campo das ideias reacionárias. Por exemplo, como fazer com evangélicos que defendem aborto? Tem que tirar. Mas como?
O único grupo articulado é o dos militares da infraestrutura, comandados pelo general da reserva Oswaldo Ferreira, com a cabeça desenvolvimentista de Ernesto Geisel. Eles têm acesso direto e irrestrito a Bolsonaro e já se constituem em um facho de racionalidade em meio ao caos.
Se fortalecerão mais ainda depois que caiu a ficha de Bolsonaro – e da legião estrangeira que o cerca - sobre o enorme erro de entregar o Ministério da Justiça de porteira fechada para o juiz Sérgio Moro. Especialmente depois que seu modelo, Donald Trump, demitiu sumariamente o Procurador Geral de Justiça, por não concordar com suas ações. Bolsonaro criou um Ministro indemissivel. O que acontecerá quando ele quiser colocar na cadeia algum aliado estratégico de Bolsonaro?  E houve quem saudasse o convite como um lance de genialidade de Bolsonaro.
O exemplo de Trump, desde o início atacado pela justiça e pela mídia, consolidou em algumas alas de olavetes a crítica à Lava Jato e ao partido da justiça.
Muitas das batatadas, Bolsonaro deve aos seus gurus internéticos. Já as correções nas declarações estapafúrdias, os fachos de racionalidade – como voltar atrás na questão do Mercosul, do Meio Ambiente ou da embaixada em Jerusalém – são atribuídas aos conselhos dos militares.
Dia desses, no entanto, houve a maior saia justa. O general Oswaldo fez uma longa explanação sobre a necessidade de investimentos nos diversos modais, o ferroviário, o rodoviário, o portuário, o fluvial. Quando ousou dizer o óbvio – nos locais em que não houver investimento privado, será necessário aportar investimento público – foi apartado pelo príncipe Luiz Phillippe de Orleans e Bragança, que teve um xilique, acusando-o de estar sendo influenciado por ideias comunistas.
Partiu dos militares a sugestão de criar uma Casa Civil da Infraestrutura, sob o comando do general Oswaldo, diretamente ligada à Presidência, para coordenar os Ministérios dos Transportes, Minas e Energia e Telecomunicações.
Um ponto de convergência geral, aliás, é a constatação de que o astronauta Marcos Cesar Pontes – nomeado Ministro da Ciência e Tecnologia – é alienígena que vive no mundo da lua. No início, impressionou pelo domínio do inglês. Depois, caiu a ficha que o inglês servia apenas para o astronauta dizer tolices em duas línguas.
Outra decepção foi com o superministro da Economia Paulo Guedes.
No início, os olavetes, os militares, os youtubers, todos apostavam na genialidade de Guedes. Agora,  passaram a vê-lo como um trapalhão. Primeiro, quando foi afrontar o presidente do Senado, Eunício de Oliveira, demonstrando ignorância em relação ao be-a-bá do orçamento: o orçamento de um ano é aprovado no ano anterior. Ou seja, o primeiro orçamento de Bolsonaro depende da atual composição do Congresso. Por isso não é de bom alvitre afrontar o presidente do Senado.
Depois, quando falou que o Banco do Brasil seria comprado pelo Bank foi America. Guedes não tinha a menor ideia de que um dos aliados mais influentes de apoio a Bolsonaro, o pessoal que garantiu o financiamento privado de campanha por todo o país  – o agronegócio – não vive sem o Banco do Brasil.
Depois que Guedes passou a se desdizer tanto quanto o capitão, as diversas alas bolsonarianas desiludiram-se. Os olavetes deram-se conta da terrível realidade de que o ex-deputado não é  muito letrado nem intuitivo. Não é um um ideológico racional, formulador. Foram, então, atrás da mediação dos filhos, até cair na real de que os filhos só sabiam mesmo detonar aliados pelo Twitter. Foi o que ocorreu com o infeliz que se apresentou como marqueteiro de Bolsonaro, foi desmentido pelo filho, demitido da equipe de transição e, como bom marqueteiro, anunciou que deixava a equipe para se dedicar a trabalhos voluntários na equipe que o dispensou.
Balaços pelo Twitter é o de menos. Internamente, há uma guerra de dossiês. Basta alguém sugerir um nome para o governo para meia hora depois aparecer um dossiê contra o candidato, em geral apresentando pelo vice-presidente, general Mourão.
Foi um dossiê que derrubou a candidatura a vice do príncipe de Orleans e Bragança, um sujeito ultraconservador, mas de pensamento articulado – que fez a cabeça de Bolsonaro com a brilhante constatação de que o início do fim do país foi a Constituição de 1988. Ah, e o golpe da Proclamação da República.
A candidatura do príncipe soçobrou devido a questões pessoais menores que, em nenhum outro ambiente, seriam motivo para vetos. O que menos pesou foi o fato de, na juventude, ele ter sido skinhead. É mesmo uma cambada bestial.
GGN

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

XADREZ DO APROFUNDAMENTO DO ESTADO POLICIAL, POR LUIS NASSIF

Peça 1 – Bolsonaro, Trump e Chávez
Como observa nosso colunista André Araújo, Bolsonaro tem perfil muito mais próximo de Hugo Chávez do que de Donald Trump, começando pela raiz militar de nível médio de ambos.
Trump nasceu na mais alta elite imobiliária de Nova York, nunca foi deputado, seu mundo e ambiente nada tem a ver com o de Bolsonaro. Além disso, os EUA, com 242 anos de instituições, jamais viveram sequer tentativas de aventura ditatorial. Trata-se de contexto completamente diferente do Brasil e Venezuela, onde as instituições são bem menos sólidas e o histórico político permite aventuras de todos os tipos.
Países latinos se parecem, e o Brasil já viveu duas ditaduras completas, a do Estado Novo e a de 1964. O mesmo ocorreu na Venezuela, com as ditaduras de Juan Vicente Gomez e a do Coronel Marlos Perez Gimenez.
Em comum com Trump, haverá a guerra diuturna com a mídia.
Peça 2 – o fator Moro
Dentro do realinhamento de forças, pós-eleição, há uma tendência nítida de jornalistas de direita e de veículos, como a Globo, de fortalecer a aliança criada com a Lava Jato e apostar em Moro.
Os idiotas da objetividade alegam que em 2014, quando começou a Lava Jato e a perseguição ao PT, Moro não poderia prever que Bolsonaro seria um dia presidente e o convidaria para Ministro.
Trata-se de um truque narrativo. Moro não podia prever Bolsonaro, mas é evidente que estava construindo um capital politico para ser usado mais a frente e, por óbvio, só no campo anti-petista.
Moro não iria largar a toga de repente se já não estivesse com um plano previamente articulado de seguir carreira politica, assim como na Itália com a turma das "Mãos Limpas".
Agora Moro pede férias e não demissão, para que tenha certeza de que Bolsonaro entregará toda a amplitude de poder que impõe. É jogo pesado. Se não conseguir o que quer volta ao cargo de juiz no fim de dezembro.
Moro é especialista no “parece, mas não é".
Peça 3 – a repressão
Em sua primeira coletiva, Sérgio Moro rebateu desconfianças de que agiria politicamente. Ele apenas vai seguir o que ele próprio interpreta como lei, sem essas limitações chatas impostas pela Constituição e pelo Código Penal. Ontem, deu um exemplo maiúsculo: caixa 2 dos inimigos merece condenação; dos amigos, como o deputado Onix Lorenzetti, exige apenas um sinal de arrependimento.
Não precisa sabe ler nas entrelinhas para identificar o estado policial anunciado por Moro. Consistirá em espalhar forças tarefas por todo o país, com ele tendo debaixo de si a Controladoria Geral da República (CGU), o COAF (Conselho de Controle de Atividade Financeira), o sistema de informações montados pelo GSI (Gabinete de Segurança Institucional).
Para invadir a Universidade Federal de Santa Catarina, e levar o reitor ao suicídio, bastou um relatório da CGU indicando irregularidades pequenas e a certeza de impunidade por parte de uma delegada da Polícia Federal e de uma juíza federal. Dia desses, a UFABC (Universidade Federal do ABC) foi intimada a enviar para o Tribunal de Contas da União o modelo pedagógico de um curso para sem-terra (que não envolvia nenhum recurso público) para que fosse analisado pelos técnicos.
Ou seja, o estado policial já existe, com os órgãos de controle agindo politicamente e o Judiciário endossando, na maioria das vezes, qualquer acusação contra os ´inimigos´, ao arrepio da Constituição e dos direitos civis.
Um Ministro efetivamente legalista pediria moderação aos juízes, procuradores, e funcionários de órgãos de controle. Moro decide assumir o comando das tropas. Com ele, esse movimento difuso será institucionalizado e nacionalizado dentro do melhor receituário de polícia política. Nenhum inimigo político será enquadrado em crime político, mas denunciado, processo e condenado por qualquer álibi administrativo.
Peça 4 – o jogo político
A quantidade de asneiras vazadas do exército de Bolsoleone é recordista. A última é a proposta de fusão do Banco do Brasil com o Bank of America para aumentar a competição bancária. Nem se fale da impropriedade da proposta, mas do álibi de aumentar a concorrência fortalecendo e desnacionalizando o maior banco brasileiro. Falta know how para legitimar as tentativas de negociatas. Ou a proposta de quebra do sigilo das operações do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), confundindo sigilo bancário com sigilo das operações. Tudo isso fruto da enorme desinformação plantada pela mídia e pelo Ministério Público nos tempos de preparativos do golpe do impeachment.
Hoje em dia, qualquer asneira, mesmo sem fundamento, é propagada pela mídia brasiliense, ajudando a ampliar a balbúrdia informativa do país.
Bolsonaro tem atuado ora como um bombeiro mambembe ora como incendiário. Vez por outra, despeja declarações de apreço à democracia, que soam mais inverossímeis que as declarações de Moro em defesa da legalidade.
Mesmo assim, não consegue disfarçar suas idiossincrasias em relação à imprensa mainstream – Folha e veículos da Globo -, e nem em relação ao Ministério Público Federal, conforme demonstrou na atitude grosseira de não cumprimentar a Procuradora Geral da República Raquel Dodge no ato de comemoração dos 30 anos da Constituição. Peça central do punitivismo cego que levou Bolsonaro ao poder, o papel da PGR e do MPF foi parcialmente reabilitado pelo discurso corajoso de Raquel Dodge no evento.
Não se tenha dúvida de que, mesmo antes do início de governo, Moro já assume o papel de polo principal do governo, apoiado por todos aqueles que temem as idiossincrasias de Bolsonaro e pretendem manter a aliança em torno do delenda PT. Aliás, é admirável a maneira como as Organizações Globo conseguem uniformizar a opinião de seus colunistas. Há mais disciplina por lá que nas Forças Armadas.
Peça 5 – o confronto
Nas entrevistas que concede, Bolsonaro mostra-se inseguro, titubeante, conhecendo suas próprias limitações. Diz asneiras e volta atrás, apaga incêndios provocados por assessores, corrige suas próprias impropriedades.
Tratam-se de vacilações iniciais de quem se vê exposto à cobertura diária sem um plano de voo. As bandeiras principais continuam de pé: devastação da Amazônia, ataques aos avanços sociais, liquidação dos movimentos sociais e dos sindicatos.
Ontem mesmo, na Câmara Federal, APAEs (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e escolas sem partido tentavam avançar em todas as frentes. Para voltar a controlar as verbas públicas destinadas à educação inclusiva, representantes das APAEs sustentavam que a política atual (em que os recursos ficam nas escolas federais) foi feita por ´corruptos´, mostrando como o álibi da corrupção é utilizado para se apropriar dos recursos públicos.
Agora é aguardar os próximos passos e esperar algumas luzes de racionalidade em um momento em que a besta se apropriou da opinião pública e do próprio Congresso, onde o baixo clero, pela primeira vez, assumiu o comando.
GGN

terça-feira, 6 de novembro de 2018

ENTENDENDO A REFORMA PREVIDENCIÁRIA DE PAULO GUEDES, POR LUIS NASSIF

Há dois modelos de previdência pública:
Repartição simples: aquele em que as contribuições dos empregados da ativa bancam a aposentadoria dos aposentados.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

CRONOLOGIA DAS 11 VIOLAÇÕES QUE MORO COMETEU CONTRA OS DIREITOS DE LULA PARA CHEGAR AO PODER

"Em diversos episódios, restou evidente a violação do principio do juiz natural no critério da imparcialidade que deve reger o justo processo em qualquer tradição jurídica", diz a nota da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD); os juristas elencam 11 episódios que exemplificam a conduta "excepcionalmente ativista" por parte do magistrado, criticado por especialistas brasileiros e estrangeiros.
A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) emitiu nota em que critica a decisão do juiz federal de primeira instância Sergio Moro de aceitar o cargo de ministro da Justiça no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL).
Os juristas elencam 11 episódio que exemplificam a conduta "excepcionalmente ativista" por parte do magistrado, que foi criticado por especialistas brasileiros e estrangeiros.
"Em diversos episódios, restou evidente a violação do principio do juiz natural no critério da imparcialidade que deve reger o justo processo em qualquer tradição jurídica. Um juiz deixa de ser independente quando cede a pressões decorrentes de outros Poderes do Estado, das partes ou, mais grave, a interesses alheios à estrita análise do processo, deixando não apenas as partes, como também toda a sociedade sem o resguardo dos critérios de justiça e do devido processo legal", diz a nota.
Nesta quinta-feira (1º), em reunião na casa de Bolsonaro, no Rio de Janeiro, foi confirmada a indicação de Moro para o cargo. Na ocasião, o magistrado afirmou que aceitou o convite com a "perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado".
Entre outras críticas (confira a seguir), ABJD aponta as conversas entre o juiz e representantes de Bolsonaro ainda durante a campanha eleitoral.
"Moro não poderia, em acordo com as normas democráticas vigentes, praticar qualquer ato de envolvimento político com o governo eleito ou com qualquer outro enquanto fosse juiz. Ao fazê-lo viola frontal e acintosamente as normas que estruturam a atuação da magistratura, tornando tal violação ainda mais impactante ao anunciar que ainda não pretende se afastar formalmente da magistratura, em razão de férias vencidas".
Confira a íntegra da nota:
A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), entidade que congrega os mais diversos segmentos de formação jurídica em defesa do Estado Democrático de Direito, vem a público, diante do aceite do juiz federal Sergio Moro para integrar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública do governo de Jair Bolsonaro, manifestar espanto e grave preocupação com este gesto eminentemente político e consequencial ao comportamento anômalo que o juiz vinha adotando na condução da operação Lava Jato.
A conduta excepcionalmente ativista adotada pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba sempre foi objeto de críticas contundentes por parte da comunidade jurídica nacional e internacional, rendendo manifestações em artigos especializados e livros compostos por centenas de autores, a denunciar o uso indevido da lei em detrimento das garantias e liberdades fundamentais. Em diversos episódios, restou evidente a violação do principio do juiz natural no critério da imparcialidade que deve reger o justo processo em qualquer tradição jurídica. Um juiz deixa de ser independente quando cede a pressões decorrentes de outros Poderes do Estado, das partes ou, mais grave, a interesses alheios à estrita análise do processo, deixando não apenas as partes, como também toda a sociedade sem o resguardo dos critérios de justiça e do devido processo legal.
Um juiz que traz para si a competência central da maior operação anticorrupção da história do Brasil não pode pretender atuar sozinho, à revelia dos demais Poderes e declarando extintas ou suspensas determinadas regras jurídicas para atender a quaisquer fins de apelo popular. Um juiz com tal concentração de poder deveria ser exemplo de máxima correição no uso de procedimentos jurídicos e tomada de decisões processuais, tanto pelos riscos às liberdades e direitos dos acusados como pelos efeitos nocivos de caráter econômico inexoravelmente provocados pela investigação de agentes e empresas.
No entanto, o que se viu nos últimos anos foi o oposto. O comportamento do juiz Sergio Moro, percebido com clareza até pela imprensa internacional ao noticiar um julgamento sem provas e a prisão política de Lula, foi a de um juiz acusador, perseguindo um réu específico em tempo recorde e sem respeitar o amplo direito de defesa e a presunção de inocência garantida na Constituição.
Recordem-se alguns episódios que denotam que o ativismo jurídico foi convertido em instrumento de violação de direitos civis e políticos, a condicionar o calendário eleitoral e o futuro democrático do país, culminando com a aceitação do magistrado ao cargo de Ministro da Justiça:
1. No início de 2016, momento de grave crise política, o juiz Sergio Moro utilizou uma decisão judicial para vazar a setores da imprensa uma conversa telefônica entre a então presidenta da República, Dilma Rousseff, e o ex-presidente Lula por ocasião do convite para assumir um ministério;
2. Em março de 2016, o juiz autorizou a condução coercitiva contra o Lula numa operação espetáculo, eivada de irregularidades e ilegalidades também contra familiares e amigos do ex-presidente;
3. Em 20 de setembro de 2016, às vésperas das eleições municipais, o juiz aceitou uma denúncia do Ministério Público contra Lula e iniciou a investigação do caso Triplex. O que se seguiu durante os meses seguintes foi um festival de violações ao devido processo legal, de provas ilícitas a violação de sigilo profissional dos advogados. Esses abusos foram denunciados ao Comitê Internacional de Direitos Humanos da ONU;
4. A sentença condenatória do caso Triplex, em julho de 2017, provocou revolta na comunidade jurídica, que reagiu com uma enxurrada de artigos contestando tecnicamente o veredito nos mais diversos aspectos e chamando a atenção para o comportamento acusatório e seletivo do magistrado;
5. A divulgação da sentença condenatória do caso foi feita um dia após a aprovação da reforma trabalhista no Senado Federal, quando então já se falava em pré-candidatura de Lula ao pleito de 2018;
6. O julgamento recursal pelo TRF4 em 27 de março de 2018, como se sabe, foi realizado em tempo inédito, em sessão transmitida ao vivo em rede nacional. Vencidos os prazos de embargos declaratórios, o Tribunal autorizou a execução provisória da pena, dando luz verde à possível prisão a ser decretada pelo juiz Sergio Moro, momento em que as ruas se acirraram ainda mais com a passagem das Caravanas do pré-candidato Lula pelo sul do país;
7. No dia 05 de abril, o STF julgou o pedido de habeas corpus em favor de Lula e, por estreita margem de seis votos a cinco, rejeitou o recurso pela liberdade com base na presunção de inocência. No próprio dia 05, contrariando todas as expectativas e precedentes, o juiz Sergio Moro determinou a prisão de Lula e estipulou que este deveria se apresentar à Polícia Federal até às 17h do dia seguinte. O mandado impetuoso é entendido pela comunidade jurídica, mesmo por quem não apoia o ex-presidente, como arbitrário e até mesmo ilegal;
8. Lula decidiu cumprir a ordem ilegal para evitar maiores arbitrariedades, pois já ecoava a ameaça de pedido de prisão preventiva por parte de Sergio Moro. No dia 07 de abril, Lula conseguiu evitar a difusão de uma prisão humilhante, saindo do sindicato nos braços do povo, imagem que correu o mundo como símbolo da injustiça judiciária;
9. No dia 08 de julho, houve um episódio que escancarou a parcialidade de Sergio Moro. O juiz, mesmo gozando de férias e num domingo, telefonou para Curitiba e, posteriormente, despachou no processo proibindo os agentes da Polícia Federal de cumprirem uma ordem de liberação em favor de Lula expedida pelo juiz de plantão no TRF4, o desembargador Rogério Favreto. Frise-se: mesmo sem ter qualquer competência sobre o processo, já em fase de execução, Sergio Moro desautorizou o cumprimento do alvará de soltura já expedido, frustrando a liberação, descumprindo ordem judicial, ignorando definitivamente a legalidade, o regime de competência e a hierarquia funcional;
10. Avançando para o processo na justiça eleitoral, já às vésperas das eleições presidenciais em primeiro turno e com o franco avanço do candidato Fernando Haddad, que substituiu Lula após o indeferimento da candidatura, o juiz Sergio Moro determinou a juntada aos autos da delação premiada do ex-ministro Antônio Palocci contra Lula, depoimento que havia sido descartado pelo MPF e que foi ressuscitado com ampla repercussão da mídia. Sabe-se agora, pelo vice-presidente eleito, General Mourão, que nesse tempo as conversas para que Moro viesse a compor um cargo político central no futuro governo já estavam em andamento;
11. Coroando a cronologia de ilegalidades e abusos de poder, frisa-se que Sergio Moro, ainda na condição de magistrado, atuou como se político fosse, aceitando o cargo de ministro da Justiça antes mesmo da posse do presidente eleito e, grave, tendo negociado o cargo durante o processo eleitoral, assumindo um dos lados da disputa, conforme narrado pelo general Hamilton Mourão. Tal movimentação pública e ostensiva do juiz confirma a ilegalidade de sua atuação político-partidária em favor de uma candidatura, o que se vincula ao ato de divulgação do áudio de Antonio Palocci para fins de prejudicar uma das candidaturas em disputa. O repúdio a essa conduta disfuncional motiva a ABJD a mover representação junto ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ – com o fim de exigir do órgão o zelo pela isenção da magistratura, o respeito ao principio da imparcialidade e a garantia da legalidade dos atos de membros do Poder Judiciário.
Moro não poderia, em acordo com as normas democráticas vigentes, praticar qualquer ato de envolvimento político com o governo eleito ou com qualquer outro enquanto fosse juiz. Ao fazê-lo viola frontal e acintosamente as normas que estruturam a atuação da magistratura, tornando tal violação ainda mais impactante ao anunciar que ainda não pretende se afastar formalmente da magistratura, em razão de férias vencidas.
O ativismo do juiz Sérgio Moro não abala apenas a segurança dos casos por ele julgados e a Lava Jato como um todo, mas transfere desconfiança a respeito da ética e da independência com que conduzirá também o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, um ministério ampliado e com poderes amplos, no momento em que o país passa por grave crise democrática, em que prevalecem as ameaças e a perseguição aos que defendem direitos humanos e uma sociedade mais justa.
RBA

domingo, 4 de novembro de 2018

EVANGÉLICOS LANÇAM CAMPANHA PELOS DIREITOS HUMANOS


“40 Dias de oração e serviço pelos Direitos Humanos” debate o papel das igrejas evangélicas durante a ascensão do ódio.
   Foto: Vinicius Martins / Instituto Vladimir Herzog
No último domingo, quando ouviu o anúncio da eleição de Jair Bolsonaro (PSL) a presidente pela televisão, Anivaldo Padilha lembrou de uma passagem bíblica. 

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

XADREZ DA TOLERÂNCIA ZERO COM O ESTADO DE EXCEÇÃO, POR LUIS NASSIF

Movimento 1 – as hipóteses de trabalho

Para tornar mais objetiva a análise vamos definir um conjunto de evidências prévias:
Evidência 1 – Jair Bolsonaro é um defensor do estado de exceção. Ponto. Havendo condições, implantará o Estado de Exceção em um país em que já se quebrou a mística da democracia estável que existia desde a Constituição de 1988.
Evidência 2 – Bolsonaro já apontou os movimentos populares como alvo de repressão. As mudanças em andamento na legislação, tentam enquadrar toda manifestação social na categoria de terrorismo.
Evidência 3 – antes mesmo de assumirem, os governadores eleitos de São Paulo e Rio de Janeiro já acenaram com um liberou geral para a violência policial em alta escala – com autorização para matar. Há perspectiva de massacres continuados e legalizados nas duas maiores cidades brasileiras.
Evidência 4 – o estado de exceção já está disseminado pela sociedade brasileira, na atuação concatenada de juízes e procuradores, na explosão de violência nas ruas e nas redes sociais, no avanço das milícias nas periferias das grandes cidades e favelas, nos abusos da Lava Jato. Ou seja, está fincada em uma base ampla da opinião pública.
Movimento 2 – a defesa inicial da democracia
Nos primeiros dias após as eleições, eclodiram abusos, mas, por outro lado, manifestações amplas em defesa da democracia. Advogados criminalistas organizaram comitês em defesa das futuras vítimas, a Procuradoria Geral da República tomou medidas contra as invasões de universidades, procuradores atuaram em vários estados contra tentativas de intimidação de professores, houve protestos generalizados contra as ameaças de Bolsonaro à Folha de São Paulo. E até o Ministro Luís Roberto Barroso anunciou que o STF estará coeso em defesa das minorias.
Democracia salva? Nem tanto.
Movimento 3 – como agem os ditadores
Sobre as estratégias de destruição das democracias, há um levantamento precioso no livro “Como as democracias morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblat.
Dizem eles:
A erosão da democracia acontece de maneira gradativa, muitas vezes em pequeníssimos passos. Tomado individualmente, cada passo parece insignificante – nenhum deles aparenta de fato ameaçar a democracia. Com efeito, as iniciativas governamentais para subverter a democracia costumam ter um verniz de legalidade. Elas são aprovadas pelo Parlamento ou julgadas constitucionais por supremas cortes. Muitas são adotadas sob o pretexto de diligenciar algum objetivo público legítimo – e mesmo elogiável –, como combater a corrupção, “limpar” as eleições, aperfeiçoar a qualidade da democracia.
O livro lista uma série de medidas possíveis de serem tomadas, de acordo com as regras democráticas.
A democracia tutelada
Segundo os autores, na maioria das autocracias contemporâneas, não se eliminam todos os traços de dissensão. A estratégia consiste em marginalizar jogadores importantes, como políticos de oposição, lideres empresariais simpáticos à oposição, meios de comunicação, figuras culturais que desfrutem de status moral público. Ou se impede sua participação ou se recorre a subornos, oferecendo cargos públicos favores e outras prerrogativas.
A compra dos “árbitros”
Para tanto, é relevante o que os autores chamam de “a compra dos árbitros”, no caso instituições jurídicas e policiais. Autoridades fazendárias podem ser acionadas para atacar políticos, empresas e meios de comunicações críticos. A polícia poderá reprimir violentamente manifestações de oposição ao governo, ao mesmo tempo em que tolerará violências perpetradas por assassinos pró-governo, dizem os autores.
(...) Enquanto ditadores da velha guarda costumavam prender, exilar ou até matar seus rivais, os autocratas contemporâneos tendem a esconder sua repressão debaixo de um verniz de legalidade. É por isso que capturar os árbitros é tão importante.
O suborno e da chantagem
Um dos casos relatados foi o do Peru, no período Alberto Fujimori, o presidente eleito em 1990 que, depois, se converteu em ditador.
Seu braço direito, Vladimiro Montesinos, do Serviço Nacional de Inteligência, se valeu de todos os expedientes para enquadrar recalcitrantes. Gravou vídeos de políticos, juízes, congressistas, empresários, jornalistas, pagando ou recebendo subornos. Antes da implantação da ditadura, filmou autoridades em bordéis e outras atividades ilegais. Em sua folha de pagamento mantinha três magistrados da Suprema Corte, dois membros do tribunal Constitucional e um número “inacreditável” de juízes e promotores públicos. No final dos anos 90, toda rede de televisão relevante, jornais diários e tabloides populares estavam na folha de pagamento do governo. Na superfície, o Peru parecia viver uma democracia.
No Brasil pré-impeachment, já havia suspeitas de tentativas de chantagem contra três Ministros do STF.
A perseguição aos adversários
Um resultado direto da “compra de árbitros” é o poder de condenar oposicionistas. A condenação e prisão de Lula não é um episódio isolado. No final dos anos 90, na Malásia, o primeiro-ministro Mahatir Moahamad usou força policial para prender e condenar o oposicionista mais relevante, Anawar Ibrahim, sob acusação de sodomia.
Na Venezuela, Leopoldo López, líder da oposição, foi preso e acusado de “incitação à violência” durante a onda de protestos contra o governo em 2014. Sem comprovação maior, alegou-se que a incitação havia sido “subliminar”.
As mudanças constitucionais
Outra maneira de implantar o estado de exceção é através de mudanças constitucionais, no sistema eleitoral ou nas cortes superiores.
Em 2002, na Malásia, para impedir a vitória da oposição, as autoridades redesenharam os distritos eleitorais, contrariando as tendências demográficas, reduzindo o número de cadeiras em regiões dominadas pela oposição.
Em 1999, o governo Hugo Chávez convocou eleições para uma Constituinte, concedendo a ela mesmo o direito de dissolver todas as demais instituições do Estado, incluindo a Suprema Corte. Ministros temerosos decretaram tentaram contemporizar a decretaram a iniciativa como constitucional. Dois meses depois, a Suprema Corte foi dissolvida e substituída por um novo Tribunal Supremo de Justiça.
A ação contra os carteis midiáticos
A parte mais vulnerável dos cartéis midiáticos são as ações fiscais. Gozando de plenos poderes no período que antecede as ditaduras, acabam se enrolando em manobras fiscais que, mais tarde, voltam-se contra eles próprios. É o caso das vulnerabilidades fiscais e penais (caso FIFA) das Organizações Globo.
Na Turquia, o conglomerado Doğan Yayin controlava 50% do mercado de mídia, o jornal mais lido do país, o Hurriyat, e vários canais de televisão. Em 2009, o governo o multou em quase 2,5 bilhões de dólares – mais do que o patrimônio líquido da empresa – por evasão fiscal. O grupo foi obrigado a vender grande parte de seus veículos, comprados por empresários favoráveis ao governo.
Na Rússia, Putin mandou prender Vladimir Gusinsky, dono de uma rede de TV independente, por “apropriação financeira indébita”. Foi-lhe oferecido a liberdade, em troca de abrir mão de sua rede, a NTV.
O mesmo ocorreu com o bilionário Boris Berezovsky, acionista controlador da emissora de televisão ORT. Quando passou a incomodar Putin, foi desenterrado um caso antigo de fraude e Berezovski foi preso, exilado, deixando o grupo nas mãos de um sócio minoritário, que “gentilmente os pôs à disposição de Putin”.
Na Venezuela, Chávez investigou as irregularidades financeiras cometidas por Guilhermo Zuloaga, dono da Globovisión. Precisou fugir do país para não ser preso e acabou vendendo a emissora a um empresário simpático ao governo.
Na Turquia de Erdoğan, as autoridades financeiras confiscaram o império industrial de Cem Uzan, o maior do país, por suas pretensões de lançar o Partido Jovem (PJ) e concorrer às eleições. Uzan fugiu para a França e seus grupo entrou em colpaso.
A segurança nacional
Há vários gatilhos que podem ser acionados para legitimar momentos de exceção. Em 1969, depois de reeleito presidente das Filipinas, Ferdinand Marcos passou a estudar situações que seriam propícias para prorrogar seu mandato. Em julho de 1972, Manila foi sacudida por uma série de atentados a bomba sem autoria definida.
Em seguida, houve uma aparente tentativa de assassinar o Secretário de Defesa, sendo responsabilizados “terroristas comunistas”. Implantou a lei marcial com palavras vãs: “Meus compatriotas … [isto] não é uma tomada militar do poder.” Garantiu 14 anos de ditadura.
Depois do 11 de setembro, dos atentados às torres Gêmeas, 93,55% dos norte-americanos aceitavam abrir mão de algumas liberdades civis para conter o terrorismo. Da mesma maneira que, na Segunda Guerra, o ataque contra Pearl Harbor levou a opinião pública a apoiar o confinamento de nipo-americanos em campos de concentração internos.
Depois que seu partido, o AKP, perdeu maioria parlamentar em junho de 2015, uma série de ataques terroristas do Estado islâmico permitiu a Erdoğan antecipar as eleições e retomar o controle do Parlamento, expurgando 100 mil juízes e funcionários públicos, fechando vários jornais e ordenando mais de 50 mil prisões.
Movimento 4 – as ameaças imediatas
Como se viu, um Presidente antidemocrático tem inúmeras possibilidades de atacar a democracia. E a estratégia usual é o desgaste diário, a soma de pequenas medidas, aparentemente irrelevantes, que acabam levando a desfechos autoritários.
Há alguns movimentos nítidos em direção ao arbítrio.
O Decreto nº 9.527, de 15 de outubro de 2018, assinado por Michel Temer, foi o passo mais ousado em direção à criminalização dos oposicionistas. Ele passa a tratar o crime organizado como uma questão de segurança nacional. E constitui uma força presidida pelo general Sérgio Etchegoyen, do Gabinete de Segurança Institucional, constituída pelos serviços de inteligência da Marinha, do Exército, da Aeronáutica, com o apoio da COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Fazenda), Receita, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Segurança Pública; Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Segurança Pública.
Entre causas relevantes, como os crimes cibernéticos e o terrorismo, o PNI (Plano Nacional de Inteligência) relaciona as seguintes ameaças à segurança nacional:
Interferência externa, que é a atuação deliberada de governos, grupos de interesse, pessoas físicas ou jurídicas que possam influenciar os rumos políticos do País com o objetivo de favorecer interesses estrangeiros em detrimento dos nacionais;
Ações contrárias à soberania nacional, que atentam contra a autodeterminação, a não-ingerência nos assuntos internos e o respeito incondicional à Constituição e às leis.
Utilizar essas definições para enfrentar ameaças externas reais ou criminalizar movimentos populares, ou manifestações de críticos, dependerá apenas dos limites que forem impostos pelo STF.
Esta semana, o senador Magno Malta (não reeleito) apresentou proposta para ampliar a Lei Antiterrorismo, incluindo na definição de crimes “coagir governo” a “fazer ou deixar de fazer alguma coisa, por motivação política, ideológica ou social”.
O superministério de Moro
O juiz Sérgio Moro é um ativista político que já demonstrou várias vezes pretender ultrapassar os limites da legalidade – como ocorreu com o vazamento das conversas de Dilma Rousseff e Lula, a detenção de jornalista crítico e liberando depoimentos de Antônio Palocci nas vésperas das eleições. E, agora, aceitando o convite para ser Ministro do candidato beneficiado por suas ações.
Indicado Ministro, terá sob sua supervisão a Segurança Pública (e a Polícia Federal), a Secretaria de Transparência e Combate à Corrupção, a Controladoria-Geral da União (CGU) e Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). 
Se, de fato, acredita poder mudar o mundo com o direito penal, em pouco tempo terá embates grandiosos com Bolsonaro.
Se, ao contrário, embarcou no projeto de poder de Bolsonaro, se verá investido de um formidável poder intimidatório, valendo-se do poder do Executivo para disseminar denúncias contra críticos, ações contra Universidades (escudados nos pareces da CGU), investidas contra movimentos sociais.
Movimento 5 – a tolerância zero contra o arbítrio
Nas últimas semanas, três instituições acordaram para os riscos da escalada do arbítrio: a Procuradoria Geral da República e o Ministério Público Federal, o Supremo Tribunal Federal e a mídia mainstream. Há sinais de que o Alto Comando das Forças Armadas tem preocupação em relação aos riscos para a disciplina militar desse liberou geral de Bolsonaro, que tem muita ressonância nos escalões de baixo.
STF e PGR poderão agir apenas nos temas coletivos. Na base, haverá uma escalada de violência, em denúncias judiciais ou, pior, em violência explícita contra movimentos populares e contra pobres e negros de periferia.
Mais que nunca, a informação passa a ter uma função civilizatória, alertando não apenas a opinião pública informada, mas os organismos internacionais, a imprensa internacional, os tribunais superiores.
É hora de ver se o jornalismo e os tribunais se mostram, finalmente, à altura de suas responsabilidades.
GGN