Luiz Carlos Mendonça de Barros é um dos principais
porta-vozes do mercado. Seu artigo, no jornal O Valor de hoje, é a demonstração
cabal da miséria da análise econômica mercadista. Diz ele:
O ambiente de negócios de hoje é o resultado de 30 anos de
uma experiência democrática com forte participação da sociedade. O desenho
final que temos hoje foi fruto da interação entre problemas criados por uma
Constituição utópica e a realidade social e política que sempre acaba se
impondo em uma democracia.
(…) Por isto, as dificuldades para se chegar ao modelo ideal,
que certamente está na cabeça da equipe econômica, serão muito maiores do que
os previstos.
Entenderam? O modelo ideal é aquele que não leva em conta a
realidade social e política do país.
É extravagante ler no principal jornal econômico brasileiro
tamanha estupidez, muito mais adequada a um pensador bolsonariano do que a um
formador de opinião. Mas é a demonstração cabal dos efeitos da falta de
democracia no jogo da política econômica.
Mendonça de Barros foi desenvolvimentista, quando o Cruzado
era. Foi financista, quando o Real se impôs. Tentou recriar uma
socialdemocracia do PSDB, quando o partido se exauriu. E, tudo isso, porque na
ponta havia uma realidade social e política do país, uma diversidade de
interesses, que obrigava até céticos-pragmáticos (alguns diriam: cínicos) como
ele a legitimar seu lobby com propostas que visassem o interesse geral.
Sem o jogo político, não há nenhuma preocupação em dourar a
pílula dos interesses pessoais com propostas visando o interesse público. Basta
repetir o discurso tosco-bolsonariano. E dirigir palavras carinhosas ao Paulo
Guedes – que, em seus melhores momentos, Mendonça batizou de Beato Salú.
Desenvolvimento é
sistema
Ora, o desenvolvimento é um sistema, integrado. Tem que haver
clima para os negócios, sim. Mas tem que existir oferta de mão de obra educada,
um mercado de consumo interno, espaço para a expansão dos pequenos negócios,
das cooperativas, dos movimentos, políticas de educação, saúde, segurança, o
combate à miséria e às desigualdades, visando criar uma sociedade equilibrada.
Há medidas que, beneficiando o mercado, favorecem o
desenvolvimento. E medidas que comprometem o desenvolvimento. Como
governar é fazer opções, a maneira eficaz de se procurar o equilíbrio virtuoso
é através do jogo democrático, representando a realidade social e política, com
vários setores se manifestanco.
É o grande problema do particular e do agregado, do curto e
do longo prazo, dos interesses particulares e de país. Visto no particular,
direitos sociais significam custo para cada empresa. No agregado, são
fundamentais para o conjunto de empresas, por impulsionar o dinamismo da
economia, da oferta de mão de obra e de consumo. Mas quem defende o conjunto?
A submissão ao mercado, que marcou a política econômica do
governo Collor, acentuada no governo FHC, para cá, é um exemplo nítido. Ano a
ano foi sufocando o setor industrial, o setor produtivo, essenciais para a
geração de riqueza, de emprego e de dinamismo econômico. A política dos
campeões nacionais, nos governos Lula e Dilma, concentrou todos os setores
dinâmicos da economia nas mãos de poucos supergrupos, em geral empreiteiras.
Havia um imenso campo de empreiteiras médias que poderia ter sido desenvolvido,
novos setores que poderiam ter nascido, mas o fator político falou mais alto. E
o sucesso inquestionável do segundo governo matou a sensibilidade para as vozes
da sociedade. Bastou o tiro Lava Jato para liquidar o modelo e a engenharia
nacional.
As virtudes da
democracia
Com todos os problemas gerados, no entanto, o período da
redemocratização permitiu a consolidação de grupos de interesse em áreas
vitais. Criou-se um partido da saúde, um partido da educação, um partido da
inovação, políticas sociais relevantes, modelos de políticas
científico-tecnológicas, todas elas compostas por defensores da mesma bandeira,
que deixavam de lado idiossincrasias ideológicas para abraçar as mesmas
bandeiras, garantindo a sua continuidade.
Tudo isto está indo por água abaixo. A cada dia que passa a
estupidez do novo Ministro da Educação vai desmontando instrumentos importantes
de educação, que demandaram anos de desenvolvimento. A estupidez do Ministro
das Relações Exteriores desmonta uma tradição diplomática centenária. O
Ministro astronauta não sai das nuvens. Tudo vai sendo jogado fora, porque,
como bem constatou o Mendonça de Barros, não se tem mais a realidade social e
política para pressionar governantes. Portanto, é o momento de se buscar o
modelo ideal. Para ele.
Democracia e economia
Lembro-me no fim do regime militar, no jornalismo econômico
defendíamos a democracia sob a ótica da melhor eficiência econômica. Certa vez
entrevistei um cientista social do Instituto John Hopkins, do Partido
Democrata. E procurei extrair dele argumentos em favor da maior eficiência
econômica das democracias.
Ele me olhou como se fosse uma curiosidade e me passou a
lição fundamental:
- A democracia é um valor em si. Não precisa de álibi
econômico.
Do GGN