domingo, 10 de março de 2019

O ELO SUSPEITO ENTRE CURITIBA E EUA FOI EXPOSTO PELA DEFESA DE LULA EM 2016

A questão é que toda a jogada da Lava Jato para conquistar o fundo bilionário - que por si só é recheada de controvérsia e questionamentos jurídicos - pode ter nascido de cooperação irregular com os Estados Unidos. Pois, ao que tudo indica, a troca de informações não obedeceu aos trâmites formais e tampouco passou pela autoridade central brasileira, o Ministério da Justiça.
A falta de transparência e a possibilidade de existir ilegalidades na cooperação internacional entre a Lava Jato de Curitiba e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) foram denunciadas pela defesa do ex-presidente Lula, durante o julgamento do caso triplex, ainda no final de 2016.
No final daquele ano, o então juiz Sergio Moro, atendendo aos interesses dos procuradores da República que atuam na operação Lava Jato, começou a censurar a resposta de delatores premiados sobre cooperação, formal ou informal, em investigações dos EUA contra a Petrobras.
Dois anos depois, em setembro de 2018, a Petrobras teve de assinar um acordo com o DOJ para evitar um processo em solo americano. Para levar à estatal a concordar com o acordo, o Departamento formulou uma denúncia contra a empresa com ajuda da Lava Jato. O GGN apurou pelo menos 5 delatores emprestados da operação foram citados no documento das autoridades americanas, mas os nomes foram mantidos sob sigilo.
Em decorrência do acordo, a Petrobras depositou em conta ligada à Lava Jato cerca de R$ 2,5 bilhões, que agora os procuradores querem usar para financiar uma fundação de direito privado.
A questão é que toda a jogada – que por si só é recheada de controvérsia e questionamentos jurídicos – pode ter nascido de cooperação irregular com os Estados Unidos. Pois, ao que tudo indica, a troca de informações não obedeceu aos trâmites formais e tampouco passou pela autoridade central brasileira, o Ministério da Justiça.
Uma das provas de que a Lava Jato não quer esclarecer como se deu a cooperação contra a Petrobras foi o de Eduardo Leite, da Camargo Corrêa. Ele chegou a admitir que foi sondado por procuradores de Curitiba sobre o interesse em ajudar os EUA nas investigações. No mesmo instante em que começou a revelar os bastidores, o procurador Diogo Castor de Mattos pediu a Moro que interrompesse as perguntas.
À Folha, o advogado Cristiano Zanin, da defesa de Lula, disse que “a revelação feita em audiência de que o Ministério Público Federal estaria trabalhando junto com autoridades americanas parece não estar de acordo com o tratado que o Brasil firmou em 2001 com os EUA que coloca o Ministério da Justiça como autoridade central para tratar esse tipo de questão.”
Diante das suspeitas levantadas, a resposta do MPF foi silêncio. Os procuradores alegaram que a cooperação é “sigilosa” e não comentaram o caso.
A defesa de Lula entrou na Justiça para ter acesso a mais informações sobre o acordo com os EUA que beneficiou a Lava Jato.
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Do GGN

sábado, 9 de março de 2019

ANDRÉ LARA RESENDE FAZ AUTOCRÍTICA TARDIA DO REAL, POR LUIS NASSIF

Na sua autocrítica, faltou apenas incluir a questão das oportunidades de enriquecimento fácil dos seus formuladores como fator indutor das políticas monetária e cambial.

De André Lara Rezende, no artigo “André Lara Resende escreve sobre a crise da macroeconomia
“Uma vez feita a transição da URV para o Real, teria sido necessário manter uma âncora coordenadora das expectativas. Retrospectivamente, o correto teria sido adotar um regime de metas inflacionárias, para balizar as expectativas, que só veio a ser adotado no segundo governo FHC. A opção à época foi por dispensar um mecanismo coordenador das expectativas e confiar nas políticas monetária e fiscal contracionistas. Optou-se por combinar uma política de altíssimas taxas de juros com a austeridade fiscal. O resultado foram mais de duas décadas de crescimento desprezível, colapso dos investimentos públicos, uma infraestrutura subdimensionada e anacrônica, Estados e municípios estrangulados, incapazes de prover os serviços básicos de segurança, saneamento, saúde e educação”.
A autocrítica vem em cima de um questionamento das teorias tradicionais, que justificaram vinte anos do que a mídia chamava de “tripé virtuoso”, de FHC.
No artigo em questão, Lara Resende questiona o mainstream com os seguintes argumentos:
Rebate a ideia de que os juros são elevados porque a dívida pública é alta
A moeda é essencialmente uma unidade de referência para a contabilização de ativos e passivos. Sua expansão ou contração é consequência, e não causa, do nível da atividade econômica.
Moeda e impostos são indissociáveis. A moeda é um título de dívida do Estado que serve para cancelar dívidas tributárias. Como todos os agentes na economia têm ativos e passivos com o Estado, a moeda se transforma na unidade de contabilização de todos os demais ativos e passivos na economia. A aceitação da moeda decorre do fato de que ela pode ser usada para quitar impostos.
Não há restrições financeiras para o aumento da dívida pública
O Estado nacional que controla a sua moeda não tem necessidade de levantar fundos para se financiar, pois ao efetuar pagamentos, automática e obrigatoriamente, cria moeda, assim como ao receber pagamentos, também de maneira automática e obrigatória, destrói moeda.
A única razão macroeconômica para o governo cobrar impostos é reduzir a despesa do setor privado e abrir espaço para os seus gastos, sem pressionar a capacidade de oferta da economia.
Juros são a única forma de controlar a demanda agregada
Banco Central fixa a taxa de juros básica da economia, que determina o custo da dívida pública. Desde os anos 1990, sabe-se que os bancos centrais não controlam a quantidade de moeda, nenhum dos chamados “agregados monetários”, mas sim a taxa de juros. O principal instrumento de que dispõe o Banco Central para o controle da demanda agregada é a taxa básica de juros.
Endividamento público é fator de bem estar
Se a taxa de juros, controlada pelo Banco Central, for fixada sempre abaixo da taxa de crescimento, a dívida pública irá decrescer, sem custo fiscal, a partir do momento em que o déficit primário for eliminado.
(…) Será possível aumentar o bem-estar de todos em relação ao equilíbrio competitivo através do endividamento público. Em termos técnicos, diz-se que o equilíbrio competitivo não é eficiente no sentido de Pareto.
Sobre a inflação e a moeda
(…)  Os mais atualizados sabem ainda que, desde que não haja pressão sobre a capacidade de oferta, é possível criar qualquer quantidade de moeda remunerada sem provocar inflação. Trata-se de um poder tão extraordinário, que convém a todos, para evitar pressões políticas espúrias, continuar a sustentar a ficção de que o banco central deve controlar, e que efetivamente controla, a quantidade de moeda.
O equívoco de venda de ativos e aumento de impostos para reverter o déficit público
Desde o início dos anos 1990, a taxa real de juros foi sempre muito superior à taxa de crescimento da economia. Só entre 2007 e 2014 a taxa real de juros ficou apenas ligeiramente acima da taxa de crescimento. (…) Hoje, com a renda per capita ainda 5% abaixo do nível de 2014, com o desemprego acima de 12% e grande capacidade ociosa, a taxa real de juros ainda é mais do dobro da taxa de crescimento. Como não poderia deixar de ser, a relação dívida/PIB tem crescido e se aproxima de níveis considerados insustentáveis pelo consenso macro-financeiro
O velho consenso exige o corte a despesas, a venda de ativos estatais, a reforma da Previdência e o aumento dos impostos, para reverter o déficit público e estabilizar a relação dívida/PIB. É o roteiro do governo Bolsonaro sob a liderança do ministro Paulo Guedes. A partir de um novo paradigma, compreende-se que o equívoco vem de longe.
Minhas críticas ao plano Real
A partir do segundo semestre de 1994, estendendo-me durante todo o primeiro governo FHC, alertei para os estragos  permanentes que juros e câmbio trariam para a economia. Em maio de 1995, em artigo na Folha, André tentava rebater meus argumentos sob a alegação de que eram de analises empíricas, coisa de palpiteiro.
Recentemente, reconheceu que os economistas desprezaram as evidências empíricas e quebraram a cara. Na sua autocrítica, faltou apenas incluir a questão das oportunidades de enriquecimento fácil dos seus formuladores como fator indutor das políticas monetária e cambial – como explico em meu livro “Os cabeças de planilha”.
Sua autocrítica chega algumas centenas  de milhões de dólares a mais em seu patrimônio, fruto dos “erros de avaliação” cometidos.
Aqui, alguns trechos de artigos meus publicamos na época, e a íntegra do capítulo “Os juros do Real”, que consta do livro “O jornalismo dos anos 90”.
31/11/1994 – As sequelas do câmbio
Tenta-se copiar os processos de estabilização da Argentina e do México, julgando que, emulando as seqüelas, haverá eficácia no tratamento. A sobrevalorização das moedas de ambos os países constituem-se, hoje em dia, no calcanhar de Aquiles de seus programas.
Argentina e México produziram monumentais déficits comerciais, devido à valorização excessiva de sua moeda. Nos primeiros anos, esse déficit foi coberto pela venda de estatais e pelo grande afluxo de recursos externos que marca todo início de processo de estabilização.
Ocorre que, em todo processo de estabilização, o pico de recursos externos é nos primeiros anos, quando os ativos locais estão depreciados por anos de crise, permitindo ganhos maiores a quem os compra.
Depois que os preços atingem níveis internacionais—devido tanto à valorização interna quanto à valorização da moeda local—tornam-se menos interessantes para o capital de risco. Há o refluxo inicial na entrada de recursos financeiros, sem que a balança comercial compense—porque ficou-se preso à armadilha da ancoragem do câmbio.
Cria-se o pior dos mundos. Quanto mais aumenta o déficit em transações correntes, mais aumenta o risco do país. Quanto mais aumenta o risco, mais reduz-se o ingresso de capitais externos.
28/04/1995 – O governo vai quebrar o país
O catastrofismo só se justifica em uma circunstância: quando se está prestes a produzir uma catástrofe. Se não acordar a tempo, o governo Fernando Henrique Cardoso vai produzir uma recessão cavalar, um festival de inadimplência semelhante ao ocorrido com o Cruzado 2.
Repete-se a mesma leviandade da política cambial do ano passado. Desvalorizou-se o dólar em 15%, abriram-se as portas das importações, tendo em mente reduzir o superávit comercial para US$ 5 bilhões. Como se fosse possível ter esse grau de controle sobre os agregados econômicos. O país está há meses produzindo déficits mensais da ordem de US$ 1 bilhão. Como aprendizes de feiticeiros, apertaram um botão e produziram um terremoto.
(…) Há várias semanas há duas enormes vagas sendo formadas na economia, que se acentuaram agudamente na semana passada, e que ainda não entraram nas estatísticas.
A primeira, a onda da inadimplência das pessoas físicas. Um dos bancos grandes bancos de varejo do país, bastante conservador, detectou que 80% dos clientes que possuem cheque especial estão no vermelho.
A segunda vaga é a inadimplência nas empresas. Os índices de inadimplência já vinham crescendo de maneira acentuada desde janeiro. Grande parte da economia estava rolando suas dívidas no curto prazo. Ao estancar completamente o crédito, impedindo esse pessoal de rolar suas dívidas, e de financiar as suas vendas, o governo produziu um coquetel mortal. Tão mortal que não vai ser mantido.
A questão é que a equipe econômica só vai se dar conta do desastre depois que estiver consumado um estrago considerável na economia. E qual o objetivo dessa violência?
Varrer por mais alguns meses para debaixo do tapete os erros cometidos na política cambial. O problema do excesso de consumo é exclusivamente em relação a seus efeitos sobre as importações.
O pior da história é que essa recessão não vai resolver, por si, a questão do desajuste cambial. Vai ter que se fazer o ajuste mais à frente, e em cima de uma economia desorganizada.
(…) Solicito que, quando começar a quebradeira das empresas, e voltar o desemprego em doses violentas, que os senhores Ciro Gomes, Winston Fristch, Edmar Bacha e Gustavo Franco, ocupem uma rede nacional de televisão para apresentarem suas explicações para as loucuras que cometeram na política cambial.
Que tentem justificar seu experimentalismo, a politização do tema cambial, o jantar de comemoração pela volta dos déficits comerciais, as razões que os levaram a privilegiar o capital externo especulativo, em detrimento da segurança dos superávits comerciais.
De preferência, que as explicações sejam apresentadas no Maracanã, ou em local que consiga abrigar as centenas de milhares de desempregados, e de empresas quebradas por sua irresponsabilidade.
11/05/1995 – Uma Vale = 5 meses de juros
Cinco meses com as atuais taxas praticadas pelo Banco Central custam uma Vale do Rio Doce. Todas as participações no setor petroquímico equivalem a 15 dias de juros.
Esses números são eloqüentes para demonstrar a loucura que se está cometendo contra o país com a atual política de taxas de juros.
(…) Inventam-se verdades definitivas—e jamais comprovadas—sobre as excelsas virtudes das taxas de juros absurdas no combate à inflação. E para quê? Para perpetuar a ciranda, inviabilizar novamente a dívida pública, e mais uma vez jogar a conta para o conjunto da sociedade.
(,,,) A estabilidade é de curto prazo, porque basta os agentes econômicos analisarem as curvas de progressão da dívida pública para constatarem que essa maluquice não se mantém. Basta o especulador aguardar o governo perder o fôlego, para voltar matando.
Mantida essa política, permanecerá a inevitabilidade do ajuste cambial. Só que o ajuste terá que ser feito com uma ampla desorganização do setor real da economia, riscos de crise financeira, inviabilização da rolagem das dívidas estaduais e federais.
13/05/1995 – A ideologia dos juros altos
Há anos esse modelo concentra renda, condena a produção e impede a modernização e a renovação empresarial. Abortou sucessivos movimentos desenvolvimentistas, quebrou várias vezes o Estado, inspirou sucessivos calotes nos poupadores comuns, desviou recursos sem fim dos gastos sociais e da infraestrutura, sacrificou milhares de empreendedores, em nome de uma falsa ciência.
Os arautos da nova ideologia venderam a ideia de que, se os juros baixassem, a inflação estouraria. Os juros mantiveram-se estupidamente elevados, e a inflação nunca cedeu.
Nos anos 70 já se premiava com juros reais as aplicações de curtíssimo prazo, sob a alegação de que, se os juros baixassem, haveria fuga de recursos do sistema.
Quinze anos depois, o economista Ibrahim Éris criou os fundões, a taxa de juros negativa, e não houve um tostão de fuga de recursos do sistema.
Está na hora de erradicar essa hipocrisia da vida nacional e expor algumas verdades cruas: Papai Noel não existe, cegonha não traz recém-nascidos, e não existe isenção na política econômica, nem os economistas públicos são figuras tutelares.
15/05/1995 – Buraco à vista
Basta levantar esses números para constatar como são inconsistentes os argumentos do presidente do BC, Pérsio Arida, em favor dessa política monetária irracional.
Diz ele que o governo foi obrigado a adotar uma política monetária drástica para conter a demanda, pela falta de condições de implementar uma política fiscal restritiva (Arida se recusa a aceitar que o objetivo final da contenção da demanda é o equilíbrio da balança comercial, e o receio de se mexer na política cambial, após as trombadas de março).
Para que sua lógica fosse consistente, a seguinte equação teria que ser correta: aumento do passivo público + câmbio congelado – privatizações – receita fiscal futura = 0. E não é.
O preço das estatais é cotado em dólares—não em reais. Se 7 meses com esses juros—e sem ajuste cambial–, correspondem a uma Vale + toda a telefonia + petroquímica, onde se fecha a conta?
Também é inconsistente sua alegação de que o governo aumentou o compulsório dos bancos para permitir que parte da dívida pública fosse financiada com esses recursos. Os compulsórios bancários estão sendo remunerados por 100% da taxa do over, porque a regra anterior—de remuneração de 90% do over para parte do compulsório—estava derrubando as taxas dos CDBs.
21/05/1995 – Os gurus e a retórica da meia lógica
Em entrevista à edição de domingo da “Folha de S.Paulo”, conhecido guru econômico fez a defesa da atual política de juros altos. Acredita ele que seja precondição de todo plano de estabilização obter equilíbrio fiscal e equilíbrio da balança comercial.
A partir daí, parte para a defesa da atual política de juros, como se fosse o instrumento adequado para atingir esses objetivos. Diz ele:
1) Não se podem baixar as taxas de juros antes de um ajuste fiscal maior e mais profundo e da privatização.
2) Quebras de empresas são decorrências naturais de processos de estabilização. As classes produtoras reclamam porque gostam de economia aquecida.
3) Pode-se manter a atual banda cambial se o governo criar incentivos às exportações ou restrições às importações.
Releve-se, por vício de ofício, essa postura de deus ex machina, a arrogância de banalizar como choradeira a reação desesperada de milhares de pessoas que estão perdendo bens, empregos e vidas inteiras de trabalho por conta dessa irracionalidade.
A entrevista do guru é relevante por demonstrar a faceta menos percebida desse jogo antinacional: o aval técnico dado pelos gurus econômicos a aventuras inconseqüentes, a partir de uma retórica sutilíssima, onde jamais mentem, mas jamais contam a verdade por inteiro, para preservar para si o poder de definir decisões que deveriam ser compartilhadas com o conjunto da opinião pública.
Em pouco tempo a manutenção dessa taxas de juros inviabilizará definitivamente o ajuste fiscal do Estado. Rapidamente tornará o passivo público superior ao conjunto de estatais a serem privatizadas. E começará a se refletir rapidamente na arrecadação fiscal. É só conferir como será a arrecadação de maio e junho.
A médio prazo, essa política não só não resolve, como aprofunda e inviabiliza qualquer ajuste fiscal futuro.
23/05/1995 – A volta do messianismo
Foi a equipe do real que destruiu os superávits comerciais, exclusivamente para abrir espaço para o dinheiro especulativo. Depois, demorou no combate ao aumento da demanda. No novo governo, errou bisonhamente na mudança do câmbio, derrubando o teto do dólar de um real para 92 centavos.
Para não assumir seus erros, consumado o desastre na balança comercial, em vez de parar, analisar serenamente a situação, e preparar a próxima etapa do jogo, o Banco Central toma as rédeas nos dentes e resolve partir para o tudo ou nada. Este é o dado trágico.
(…) 1)  Taxas de juros estratosféricas jogam o país numa recessão.
2)  A recessão desestimula as altas de preços e quebra as resistências de empresários e trabalhadores.
3) Instituída a paz do cemitério, o governo consolida o plano.
E param por aí. O que significa consolidar o plano? Como vai ser o dia seguinte? Expliquem-se. Apresentem claramente seus objetivos. Desenhem com honestidade o cenário que estão perseguindo, para que a opinião pública possa avaliar se as medidas estão no caminho correto ou não. Como vão fazer para o ajuste fiscal, se com esses juros o mero crescimento da dívida interna consumirá tudo o que vier a ser apurado com a privatização? Como pretendem partir para a desindexação final, antes de resolver os desajustes da balança comercial?
Depois do desastre do Cruzado, o país não merecia de volta o messianismo na economia.
25/05/1995 – D Sebastião e a reunião de Carajás
Com apenas 18 meses com a economia de volta às mãos dos pacoteiros, e apenas com sua capacidade de brincar de fliperama com as políticas monetária e cambial, tem-se: 1) O país em nova crise cambial; 2) a volta de alíquotas super-protetoras em muitos setores; 3) crescimento exponencial da dívida interna, comprometendo o futuro ajuste fiscal; 4) e uma multidão de empreendedores arrependidos até a medula dos ossos por terem apostado no país e programado investimentos.
Mesmo assim, recebem olhares embevecidos de analistas rasos, que conclamam, com um frêmito nelsonrodriguiano: o plano é bom, porque faz doer.
Todo o ouro de Carajás não vai pagar o que o país ainda vai sofrer por causa da reunião de 1986.
16/07/1995 – O oportuno mea-culpa de FHC
Para não ser apanhado novamente no contrapé, seria conveniente que o presidente se valesse das lições aprendidas com a crise agrícola para prevenir desastres ainda maiores no futuro, principalmente em relação aos seguintes pontos:
1) Recessão: há sacrifícios decorrentes de ajustes inevitáveis, e sacrifícios provocados
por inabilidade na condução da economia. A opção de “errar por excesso” é um escapismo. Erra por excesso apenas quem não tem competência para encontrar o nível adequado de sacrifício a ser imposto ao país.
2) Dívida pública: a manutenção das altas taxas de juros está lançando as sementes de
uma crise fiscal que ainda vai estourar no próprio governo FHC. 20% de juros reais ao ano são mais que suficiente para atrair capitais externos. Não há nenhuma justificativa técnica para esses 45% ao ano, que apenas reforçam os receios de um calote mais à frente.
3) Câmbio e balança comercial: já se sabe que o problema existe. A maneira de
enfrentá-lo, através da criação desordenada e pouco seletiva de mecanismos de proteção setorial, ainda vai respingar sobre o governo FHC.
4) Saúde: a próxima marcha sobre Brasília vai ser dos mortos-vivos condenados à
morte pela falta de recursos oficiais.
5) Custo Brasil: a contrapartida oficial a essa política recessiva seriam as reformas extra-constitucionais, englobadas no tal projeto “Custo Brasil”. Delas, ninguém sabe, ninguém viu.
26/07/1995 – A crise da macroeconomia
A macro-economia, no país, virou ciência manca, administrada por especialistas sem nenhuma visão de conjunto, sem um plano estratégico. Em seu tabuleiro, não existem a pequena e a média empresa, o interior, a agricultura, a não ser quando seus problemas afetam o centro.
Cada crise que estoura, embora perfeitamente perceptível, apanha-os a todos—e sempre— de calças curtas, porque a análise econômica brasileira não conseguiu avançar além da observação dos setores tradicionais. Assim como com os gurus americanos, não se percebeu que a revolução gerencial e tecnológica desenhavam uma nova economia, que não podia ser englobada nas formas tradicionais de análise.
A evolução das modernas técnicas gerenciais—com a ampliação dos conceitos de terceirização—e a explosão das novas tecnologias, acabaram com a noção do grande conglomerado, que se bastava a si próprio. Cada vez mais é estratégica a montagem de um cinturão de pequenas e médias empresas especializadas, provendo as maiores de serviços e produtos.
Mas eles continuam ligados apenas a visão convencional e aos agregados monetários. Se Bill Gates tivesse nascido brasileiro, teria terminado sua vida como consultor de informática de uma repartição qualquer.

sexta-feira, 8 de março de 2019

SEGUNDO O DIEESE A PEC DE BOLSONARO PREJUDICA A TODOS. E MAIS AINDA ÀS MULHERES. POR FERNANDO BRITO

O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômico, que todos conhecemos como, divulgou hoje uma Nota Técnica em que analisa como as mulheres serão especialmente pela reforma da Previdência, tal como ela está agora para ser apreciada pela Câmara dos Deputados:
As mulheres serão (…)afetadas tanto pela elevação da idade mínima quanto pelo aumento do tempo mínimo de contribuição e, mais ainda, pela combinação desses requisitos. Para piorar o cenário, a reforma ainda as penalizará, sem distinção, com perdas significativas nos valores dos benefícios, em função de alterações nas regras de cálculo. Também as regras de transição impõem às mulheres maiores dificuldades para acesso aos benefícios quando comparadas com as regras atuais e com as regras de transição da PEC 287 [a reforma de Temer]. E isso não é tudo. Além das mudanças previstas na aposentadoria, a PEC 06/2019 também propõe restringir os valores e as atuais regras de acesso às pensões por morte, ao acúmulo de benefícios e ao BPC. Em todas essas situações, as mulheres são o público majoritário e serão, por isso, mais atingidas do que os homens.
O estudo traz dados devastadores sobre a formalização do trabalho feminino e sua proteção previdenciária: mais da metade (52,7%) não estava inserida na força de trabalho e, entre as que estavam, também a metade (47%) trabalhava sem carteira de trabalho ou por conta própria, o que reduz o índice de contribuições previdenciárias. Tanto que, entre 40,8 milhões de mulheres ocupadas, 14,5 milhões (35,5%) não contribuíam com o INSS ou Institutos de Aposentadoria públicos. Pior ainda entre as trabalhadoras domésticas (62% sem cobertura) e as que trabalham por conta própria (68% assim).
O estrago não é menor sobre a maioria feminina entre os beneficiários por pensão por morte ( 83,7% são mulheres) e os que percebem o Benefício de Prestação Continuada (mulheres são três quintos). Tanto no BPC, com o aumento da idade condicional a que se receba o salário-mínimo para 70 anos, quanto nas pensões por morte o efeito é terrível para as mais idosas: nada menos de um quarto das mulheres com 65 anos ou mais são pensionistas.
O estudo do Dieese traz, também uma simulação do que acontece com uma professora ensino básico público – a professorinha que muitos de nós tivemos. Elas são nada menos que 80% do total de 2,2 milhões de docentes deste país.
Olhe lá em cima a crueldade que é fazer alguém ter de trabalhar até 10 anos a mais para receber o que receberia pelas regras atuais.
Espero que ninguém acredite que a Professora Helena do exemplo da ilustração, seja uma “privilegiada”, como diz Bolsonaro.
A íntegra do estudo está aqui.
Tijolaço

quinta-feira, 7 de março de 2019

NOVA LARANJA CONFESSA EXTORSÃO E MINISTRO DO TURISMO TEM DE CAIR, POR FERNANDO BRITO

É insustentável a situação do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio.
Uma terceira candidata do PSL, Adriana Moreira Borges, contou hoje ao Ministério Público que Roberto Silva Soares,  assessor do hoje ministro dde Bolsonaro , ofereceu-lhe um repasse de R$ 100 mil do fundo partidário  para desde que ele lhe devolvesse R$ 90 mil ao partido, em nove cheques em branco de R$ 10 mil, cada.
O laranjal mineiro já passou de suspeita, tem elementos para a abertura imediata de processo e, claro, para o afastamento do ministro, não precisa nem da famosa “cognição sumária” do antigo Sérgio Moro.
Foi extorsão em série.
A menos que Bolsonaro queira ver seu primeiro ministro denunciado e réu, tem de demiti-lo.
Do Tijolaço

quarta-feira, 6 de março de 2019

LAVA JATO E EUA SE UNIRAM PARA INVESTIGAR PETROBRAS E TIRAR BILHÕES PARA FUNDO, POR CÍNTIA ALVES

Fundo de investimento que será gerido pelo Ministério Público é fruto da parceria nebulosa entre os procuradores de Curitiba e os EUA. Provavelmente a mesma que Sergio Moro tentou preservar dos holofotes da mídia durante o julgamento de Lula.
Conquistado por meio da Lava Jato, o fundo de investimentos bilionário que será criado em Curitiba, com gestão de membros do Ministério Público, só foi possível graças à parceria nebulosa entre os procuradores da República e autoridades dos Estados Unidos.
A turma liderada por Deltan Dallagnol emprestou ao Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) alguns dos delatores que tiveram passagem por diretorias da Petrobras, como Nestor Cerveró. A cooperação ajudou o governo americano a construir uma denúncia contra a estatal brasileira por prejuízos financeiros aos investidores.
A narrativa, muito similar ao que a Lava Jato vende em solo tupiniquim, está registrada no comunicado que o DOJ emitiu em setembro de 2018, ao anunciar a formalização de um acordo de “não-acusação” com a Petrobras.
No documento, o governo americano -que agradeceu o MPF e a Polícia Federal brasileiros pela parceria – acusa ex-diretores da Petrobras de terem recebido vantagem pessoal e facilitado o pagamento de propina a partidos e políticos. Os subornos teriam sido contabilizados em contratos e aditivos assinados com empreiteiras e fornecedores e, desse modo, balanços apresentados a investidores internacionais foram considerados contaminados.
Sujeita à jurisdição americana por vender ações na Bolsa de Nova York, a Petrobras aceitou pagar um total de 1,8 bilhão de dólares em multas (o equivalente a 2% da receita bruta da empresa em 2017) para evitar um processo em solo americano.
Especificamente com o Departamento de Justiça, o acordo de não-acusação – “Non-Prosecution Agreement” – estabeleceu o pagamento de 853,2 milhões de dólares.
Curiosamente, o governo americano abriu mão de 80% desse valor (ou seja, de mais de 682 milhões de dólares) em benefício das “autoridades brasileiras”.
É esse o montante que será injetado no fundo de investimento a ser controlado por membros do MP Federal e paranaense, entre outros assentos. Se não depositar o valor para o caixa conquistado pela Lava Jato, a Petrobras terá de pagar 100% da multa aos EUA, diz o acordo.
Com a SEC (Securities and Exchange Commission), que é a Comissão de Valores americana, a Petrobras assinou um “cease-and-desist” que demandou o pagamento de 933 milhões de dólares “em juros de desagregação e prejuízo”. Desse total será abatido o que a empresa tiver de pagar em acordo de ação coletiva movida por acionistas nos EUA – este e outros processos não serão suspensos em função do acordo intermediado pela Lava Jato com o DOJ.
O Conjur divulgou nesta quarta (6) o documento assinado pelos procuradores de Curitiba que apresenta as diretrizes para a criação do fundo de investimento em decorrência do acordo entre Petrobras e EUA (leia aqui). Apesar de ter tomado à frente e de não prestar contas a outras instâncias, o MPF não é a instituição beneficiada originalmente no acordo com o DOJ, que fala de transferência dos valores ao “Brasil” ou a “autoridades brasileiras”.
A Lava Jato alegou, no mesmo documento acima, que foi por “iniciativa” dos procuradores da República e da própria Petrobras que os EUA “consentiram” em abrir mão de 80% do valor da multa. A força-tarefa não explicou o que o governo americano ganhou sendo generoso ao ponto de ficar apenas com 20% dos valores envolvidos.
A COOPERAÇÃO NEBULOSA
O papel dos delatores da Lava Jato em investigações conduzidas nos EUA, com ajuda formal ou informal dos procuradores de Curitiba, foi alvo de polêmicas durante o julgamento de Lula no caso triplex.
Em diversas oportunidades, a defesa do ex-presidente tentou tocar no assunto, mas o então juiz Sergio Moro tolheu qualquer esclarecimento sobre o que os colaboradores premiados pela Lava Jato contaram às autoridades americanas.
Há ainda a informação de que uma parte do esforço de cooperação se deu à revelia da autoridade central brasileira para estes casos, que é o Ministério da Justiça.
O GGN apurou que o acordo da Petrobras com a SEC mantém o nome de ao menos 5 delatores da Lava Jato em sigilo, informando apenas que são “cidadãos brasileiros” com passagem pelas diretorias de Serviços, Engenharia e Internacional, por exemplo.
SOB O NARIZ DO SUPREMO
Não é a primeira vez que a Lava Jato de Curitiba tenta criar um fundo de investimento com recursos levantados a partir da devassa na Petrobras.
Em junho de 2016, o então ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki negou a hipótese de o MPF controlar um caixa com 20% dos valores resgatados pela operação com a repatriação de recursos ligados a Paulo Roberto Costa.
O STF indicou, na oportunidade, que não há previsão legal para que o Ministério Público desempenhe tal função.
Segundo o Conjur, menos de seis meses após a decisão de Teori, os procuradores se voltaram para a opção de ajudar os EUA em investigação contra a Petrobras. O resultado foi o acordão convenientemente homologado pela 13ª Vara Federal de Curitiba, que resultará num fundo privado com mais de 600 milhões de dólares.
Leia também:
GGN

segunda-feira, 4 de março de 2019

XADREZ DE COMO O SISTEMA JUDICIAL ALIMENTOU O FASCISMO À BRASILEIRA, POR LUIS NASSIF

A semente da politização e início da escalada fascista no Judiciário nasceram e foram alimentados na Procuradoria Geral da República, com a parceria entre o PGR Antônio Fernando de Souza, seu sucessor Roberto Gurgel e seu colega, ex-procurador, e Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa no caso conhecido como “mensalão”.
Nos últimos anos foram publicados diversos livros traçando uma radiografia do fascismo na história, identificando os pontos de partida, a incapacidade da sociedade de se dar conta da escalada até o movimento se tornar irreversível e promover tragédias nacionais.
Esse padrão aconteceu nitidamente no Brasil, no período que antecedeu a ascensão dos Bolsonaro ao poder.
As etapas principais desse processo têm como protagonistas o sistema judicial.
Peça 1 – a desorganização dos sistemas de informação
Antes do advento do rádio, a informação e a opinião eram organizadas em torno de partidos políticos, sindicatos, Igrejas. A chamada opinião pública difusa se expressava através de jornais, de posições políticas claras e com corpo restrito de opinadores.
Com o rádio, houve uma explosão de novas formas de opinião. A velha ordem se esboroa e, em seu lugar, entra o caos abrindo novas possibilidades políticas, das quais se valem novas lideranças e novos atores.
Assim como nos anos 20, a recente onda fascista global foi precedida pela desorganização do mercado de opinião com as novas tecnologias de informação e a explosão das redes sociais.
Peça 2 – o papel da Veja e de Roberto Civita
No caso brasileiro, há um fenômeno que acelerou a radicalização: o papel da mídia, liderada por Roberto Civita e pela Veja que, a partir de 2005, inaugura o jornalismo de esgoto, a guerra implacável contra um inimigo fabricado, com uso recorrente de fakenews embalados pelo discurso de ódio, seguindo o modelo do australiano Rupert Murdok.
As bestas das ruas começam a ser alimentadas pela própria cobertura midiática.
Nesse início de processo, o grande modelo do novo-velho jornalismo que emerge foi Olavo de Carvalho. É nele que os primeiros cultivadores de ódio da mídia vão se espelhar, na adjetivação virulenta, nos bordões, nos alvos da esquerda, nos métodos de manipulação dos argumentos.
Nao adianta pretender minimizar sua atuação. Desde os anos 90, ao lado das igrejas evangélicas, foi o único agente político com visão de futuro, percebendo os movimentos subterrâneos que se formavam e entendendo o papel fundamental da formação política para o enfrentamento de ideias. Algo do qual PT, PSDB, Igreja Católica abdicaram. Sem recorrer aos recursos da salvação divina, Olavo conseguiu dar vida a um mundo anti-científico, supersticioso, vingativo que, cooptando um exército de zumbis, o transformou no brasileiro mais influente do seu tempo
Peça 3 – o ovo da serpente do mensalão
A semente da politização e início da escalada fascista no Judiciário nasceram e foram alimentados na Procuradoria Geral da República, com a parceria entre o PGR Antônio Fernando de Souza, seu sucessor Roberto Gurgel e seu colega, ex-procurador, e Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Joaquim Barbosa no caso conhecido como “mensalão”.
Ali inaugura-se a aliança Judiciário-mídia que aniquila com os limites impostos pelos códigos e pelos princípios de direito individual, que sustentavam o pacto democrático pós-Constituinte de 1988. Nos anos seguintes, essa invasão dos bárbaros, demolindo qualquer vestígio de civilização, encontraria sua mais perfeita tradução no corneteiro Luis Roberto Barroso anunciando o novo Iluminismo, a refundação do país, enquanto bigas selvagens esmagavam direitos, rasgavam a Constituição e demoliam o custoso trabalho de reconstrução social pós-Constituinte.
Com todas suas manipulações, a Lava Jato chegou a fatos concretos, de corrupção e de financiamento de campanha. Já o “mensalão” se baseou em provas falsificadas, manipuladas pelo trio Souza, Gurgel e Barbosa: o suposto desvio de R$ 75 milhões da Visanet, que nunca ocorreu, e a manipulação da chamada teoria do domínio do fato, provocando a indignação do seu próprio autor, o alemão Claus Roxin.
Antes da Lava Jato, um parecer da Pinheiro Neto, dos maiores escritórios de advocacia do país, atestou que a verba da Visanet havia sido totalmente aplicada nas campanhas do cartão. Posteriormente, um relatório técnico da Polícia Federal confirmou o fato.
Em determinado momento, tentou-se centrar o desvio na chamada “bonificação de volume” – sistema criado pelos grupos de mídia para remunerar agências de publicidade pelas campanhas divulgadas. Quando se constatou que o maior beneficiário das campanhas da Visanet eram as Organizações Globo, voltou-se ao mote original.
Ali ficavam claras as intenções da própria cúpula do Ministério Público Federal de começar a manipular investigações e denúncias para se firmar como poder político de cunho conspiratório. E conferia-se a falta de tradição democrática e institucional do país. A semente do golpismo já estava entranhada na corporação, e não apenas nos Ailton Beneditos da primeira instância.
O ovo da serpente foi gestado naquele julgamento. Uma leve exceção no punitivismo do Supremo, a discussão dos embargos infringentes, fez com que a mídia direcionasse o ódio do populacho contra o Ministro Ricardo Levandowski
Todo o know futuro de parceria com a mídia, do discurso diuturno do ódio, da sincronização da escandalização com eventos políticos, visando interferir nas eleições municipais, de manipulação das leis, das teorias jurídicas, do código penal, de intimidação dos recalcitrantes, foi testado naquela julgamento. Tudo isso potencializado pela cobertura intensiva das audiências do STF, revelando personagens toscos e deslumbrados, como o então presidente do STF Ayres Brito, e a  submissão da corte aos urros da rua. Ali se formatava o direito penal do inimigo.
Antônio Fernando de Souza aposentou-se da PGR ganhando um mega contrato de advocacia com a Brasil Telecom, de Daniel Dantas, personagem que ele livrou do “mensalão”, ao atribuir o financiamento de Marcos Valério aos desvios da Visanet. Abria-se, pelo exemplo e pela blindagem, um caminho que seria seguido no futuro por outros colegas: o de se valer do trabalho no MPF para abrir novas oportunidades profissionais.
Como instituição que defende a revisão da Lei da Anistia e a Justiça de Transição, aguarda-se ansiosamente o momento em que a PGR e o MPF joguem luz sobre esses episódios em uma futura comissão da verdade. O MPF foi peça central no desmonte da democracia brasileira. E o STF o convalidador, ao abrir mão de sua responsabilidade de defender a Constituição e as leis.
Peça 4 – a trégua do sucesso de Lula
A crise mundial de 2008 promoveu uma trégua na guerra interna. Paradoxalmente o Brasil foi beneficiado. A crise promoveu uma desvalorização cambial que segurou a escalada desastrosa de apreciação do real no segundo governo Lula. Pelo rumo dos déficits comerciais, não fosse a crise, a crise externa explodiria antes do final do ano
Ao mesmo tempo, eclodiu em toda intensidade uma até então impressentida genialidade política de Lula. A condução que deu ao combate à crise, a maneira como se conduziu nas negociações internacionais, lideradas por Celso Amorim, o pacto social que juntou grupos empresariais, mercado e movimentos sociais, deram ao país um protagonismo inédito no mundo e transformaram Lula no estadista mais respeitado do planeta. Durante algum tempo, passou-se a ilusão de que o país finalmente se civilizara, que a política se equilibraria entre a centro-esquerda e a centro-direita, sem movimentos radicais, como nas democracias europeias (que se supunha) consolidadas.
Mas o antipetismo crescia e estava claro, para quem tinha olhos para ver – não foi o caso nem de Lula, nem do PT, nem de Dilma – que, ao primeiro sinal de crise, se colocaria em marcha, novamente, a máquina de desestabilização política inaugurada pelo “mensalão”.
De certo modo, o “mensalão” foi uma benção, um alerta sobre as vulnerabilidades jurídicas e políticas do governo e do PT. Mas o sucesso posterior do governo Lula cegou o governo.
Peça 5 – a Lava Jato e o impeachment
A Lava Jato já foi suficientemente esmiuçada nos últimos anos. Desde as manipulações de delações, de sentenças, como foi o caso do TRF4 aumentando a pena de Lula para impedir a prescrição.
Nesse ponto, o fascismo encontrou sua mais perfeita tradução na bandeira anticorrupção. O antipetismo foi tão virulento e cego que permitiu o desmonte da engenharia brasileira, a eliminação de centenas de milhares de empregos, o aprofundamento visceral da crise, que já vinha sendo alimentada pela queda nos preços das commodities e pela gestão econômica desastrosa de Dilma Rousseff, e na implantação da chamada democracia mitigada – uma imagem suave para o estado de exceção implantado no país. O impeachment arrebentou definitivamente com a ordem constitucional, tendo como pontas de lança cristãos novos do estado de exceção, como Luis Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, um PGR, Rodrigo Janot, que lisonjeava o PT, enquanto poder, e que se tornou rapidamente seu algoz quando os ventos mudaram.
Àquela altura, o Judiciário já tinha mostrado sua verdadeira cara. A proliferação de novos partidos e a radicalização nas redes sociais ganharam adeptos em todo o sistema judicial. Assim como nos movimentos de rua, o proselitismo, as redes sociais, os grupos de WhatsApp desnudaram uma corporação com instintos tão primários quanto as massas ululantes.
Uma pesquisa, ainda hoje, mostraria uma maioria assustadora de juízes, desembargadores e procuradores alinhados com o bolsonarismo, mesmo com as demonstrações diárias de um movimento moralmente doentio, politicamente ameaçador, como foi o fascismo italiano e as primeiras movimentações do nazismo.
A pá de cal na democracia veio com o esvaziamento programático do PSDB e sua adesão ao discurso de ódio, através das manifestações, especialmente, de Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Aécio Neves e Aloysio Nunes. Ali ocorreu um processo de autodestruição da segunda perna na qual se sustentava o sistema partidário.
Peça 6 – a custosa redenção
Por outro lado, a visão da bocarra sinistra do bolsonarismo, suas sucessivas declarações de guerra à mídia, o corte nas verbas publicitárias e o hálito peçonhento, imoral, doentio, somado à derrota do petismo – esvaziando o álibi do antipetismo – permitiu um relaxamento na ordem unida.
A extrema crueldade com que a mídia tratou o casal Lula, com a casa invadida, a cama revirada, a condução coercitiva, a própria morte de Mariza Silva, de repente foi substituída por uma reação contra as manifestações indignas dos bolsonaristas, a começar do filho Eduardo, no recente episódio da morte do neto de Lula.
Antes disso, a mídia de opinião começou a permitir gradativamente manifestações progressistas de alguns jornalistas. A razão era simples. O público viciado em violência, que ela ajudou a construir, estava definitivamente nas mãos das redes sociais. Restava-lhe voltar ao público mais seletivo, consumidor de opiniões plurais e civilizatórias.
Aliás, é curioso como se dá esse endosso tácito a uma opinião relativamente mais plural. Os jornais começam a se permitir notas críticas, em relação ao pensamento selvagem dos Bolsonaro, manifestações tímidas em relação aos abusos contra direitos humanos. Os primeiros jornalistas saem da toca e passam a inovar no discurso da última década – defendendo temas civilizatórios. A repercussão motiva outros jornalistas. E, assim, tenta-se voltar ao pluralismo dos anos 90, em um momento em que o modelo jornal está em crise mundialmente.
O que virá daqui por diante é uma incógnita.
Não haverá saída fora da pacificação da sociedade brasileira. E a pacificação passa pelo fim da perseguição implacável a Lula. Trata-se de questão central, que jamais será abraçada pelo bolsonarismo.
O movimento civilizatório é crescente. Não se sabe se a ponto de encorajar o STF a colocar um fim na perseguição a Lula. Recorde-se que na reunião de Bolsonaro com os chefes de outros poderes, para discutir a crise venezuelana, os dois únicos endossos partiram do inenarrável David Alcolumbre, presidente do Senado, e de Dias Tofolli, presidente do STF. Nem os militares, nem Rodrigo Maia, presidente da Câmara, apoiaram a aventura.
Não se tenha dúvida de que o país precisará bater no fundo do poço, antes de começar o rearmamento moral – assim como a humanidade só encontrou um período de paz relativamente mais duradouro depois do desastre da Segunda Guerra e do nazismo.
A dúvida é sobre o tempo para se atingir o fundo do poço. Os Bolsonaro parecem uma cloaca sem fundo.
PS – Devido ao seu comportamento recente, de defensor relevante e corajoso do estado de direito e das garantias individuais, deixo de mencionar o papel central de Gilmar Mendes no período anterior.
GGN

sexta-feira, 1 de março de 2019

LAVA JATO CRIA FUNDAÇÃO PARA DESVIAR PARA SI R$ 2,5 BI DA PETROBRÁS, POR J. CARLOS DE ASSIS

Viram tanta corrupção na Petrobrás que decidiram inventar sua própria corrupção? Isso à luz do dia, com a naturalidade de um punguista na 25 de março!
O princípio básico da  homeopatia se traduz por uma frase em latim: “similia similubus curantur”. Em português, os semelhantes curam-se pelos semelhantes. Entende-se com isso  que a doença é curada pelos agentes que a provocam. Foi provavelmente tendo isso em mente que a Lava Jato, isto é, os promotores e os juízes de Curitiba que avocaram a tarefa de limpar o Brasil de corrupção, querem se apossar pessoalmente de dinheiro de corrupção para combaterem a corrupção, com amplas possibilidades de se locupletarem no processo.
Para essa gigantesca operação de assalto a cofres públicos a Lava Jato criou uma fundação “de combate e de educação” contra a corrupção que receberá de doação da Petrobrás, já na primeira  tacada, 2,5 bilhões de reais. É evidente que a Petrobrás e outras empresas seriam achacadas pelos promotores com ameaças de mais investigação. Por outro lado, nada impede que o resultado da extorsão vá por algum caminho tortuoso – palestras, por exemplo – para os bolsos de juízes e promotores. Quando li essa notícia, veiculada por Luís Nassif, fiquei estatelado. Então os supostamente honrados homens da Lava Jato perderam completamente o pudor? Viram tanta corrupção na Petrobrás que decidiram inventar sua própria corrupção? Isso à luz do dia, com a naturalidade de um punguista na 25 de março!
Quem propõe uma safadeza desse porte – 2,5 bilhões de reais é muito dinheiro! – ou está acometido por um delírio de poder ilimitado, incomensurável, ou tem na gaveta fatos comprometedores que mantêm a alta cúpula do Judiciário como refém, na esperança de que acoberte o assalto proposto contra o povo. Sim, porque dinheiro da Petrobrás, pelo menos a parte correspondente às ações do governo, é dinheiro público. E achaque de dinheiro privado não é crime menor. O fato é que de tanto falar em organização criminosa dos outros, os promotores e juízes de Curitiba decidiram estabelecer a sua, nas barbas da Nação.
É fato que essa insolência, essa verdadeira infâmia, só vale se passar pelo crivo dos órgãos superiores da Justiça. Entretanto, só o fato de ter sido pensada é um acinte contra o povo. Seus proponentes querem substituir os órgãos normais de investigação do Estado, assim como os de educação, a Polícia Federal e a própria Procuradoria Geral, as Corregedorias, etc,  por sua infalível fundação, que será uma espécie de Estado paralelo ditatorial, pior do que uma ditadura comum porque revestido de legitimidade de apostilas e de diplomas.
Senti ânsias de vômito ao ler a notícia. É a  isso que nos levou a dimensão espetacular, cheia de vícios, que a grande imprensa conferiu aos poderosos primatas jurídicos da Lava Jato, que derrubaram as fundações do direito objetivo, o habeas corpus, a presunção de inocência e o direito ao devido processo legal. Eles se apresentam agora, perante a Nação, como aquilo que são realmente, protótipos de ladrões comuns. E o pior é que todas as instituições da República estão derretidas ou falidas, portanto sem condição moral de reagir a essa pretensão infame. A nós, enquanto esperamos o desfecho desse esbulho, resta torcer para que haja verdadeiros juízes em Brasília. Ou temos que pedir licença às pessoas que estão na sala e sair para vomitar!
Do GGN