quinta-feira, 13 de junho de 2019

XADREZ DO DOSSIÊ INTERCEPT, POR LUIS NASSIF

Dizia Vitor Hugo que nada é mais poderoso que uma ideia que chegou no tempo certo.
Tome-se o caso Lava Jato no seu auge e, agora, depois do dossiê Intercept. As mesmas cenas, o mesmo jogo político, as mesmas arbitrariedades, mas, agora, vistas de uma ótica diferente e produzindo reações completamente opostas.
O que se minimizava antes, ganha cores chocantes. As ilegalidades, antes aceitas, hoje ferem o sentimento de justiça da opinião pública mais esclarecida.
Tudo porque, sem a adrenalina das denúncias diárias, da narrativa única, proveniente do acordo Globo-Lava Jato, entra-se na normalidade. Há uma releitura geral e todas as impropriedades passam a ser julgadas pela ótica comum aos seres civilizados.
O dossiê Intercept apenas fura um balão prestes a explodir. Desde que Sérgio Moro aceitou integrar um governo de ultradireita e mostrou sua pequena dimensão política, sua imagem já sofria um processo de erosão junto à opinião pública efetiva – aquele que influencia empresas, poderes e corporações públicas.
Por isso mesmo, a grande batalha da Lava Jato se desenvolverá em três frentes.
FRENTE 1 – A MÍDIA
A Globo entrou na mesma armadilha dos anos 80, quando decidiu ignorar a campanha das diretas. Entrou tão profundamente no atoleiro da Lava Jato que terá dificuldades em sair. Sua reação ao Intercept, partindo para desacreditar o veículo, inclusive revelando acordos jornalísticos anteriores, comprova total falta de estratégia e de ética para lidar com o episódio. Com esse amadorismo, não haverá como se colocar na frente da maré que está se formando.
Em geral, há três tipos de jornalista.
O primeiro, o que percebe o movimento das ondas antes dos demais. Ele ajuda a criar a onda seguinte, mas correrá o risco do descrédito, por estarem sozinho contra o efeito-manada.
O segundo é o jornalista que consegue identificar o ponto de inflexão da última onda, e embarcar na nova onda que está prestes a explodir. Esse grupo, mais seleto, já entrou na nova onda, furando a blindagem imposta pela linha editorial – especialmente da Globo. O terceiro é o repórter que só entra na onda depois que está consolidada.
Em um país amortecido por décadas de manipulação da notícia, aparentemente a parte mais saudável do jornalismo começa a recobrar o senso de julgamento, o sentimento de indignação contra os abusos, contra os excessos do poder que se coloca acima das leis.
A cada dia que passar, portanto, mais a onda crescerá, tornando mais difícil a intenção da Globo de tentar desqualificar as denúncias.
Além disso, a Folha de S.Paulo parece ter acordado de um longo período de letargia e se espelhado na própria Folha dos anos 80 que, graças à campanha das diretas, tornou-se o maior jornal brasileiro. Foi o período de maior desgaste da Globo, por sua insensibilidade para perceber os novos tempos.
Aparentemente, está repetindo o erro.
Além disso, o Intercept dá as cartas do jogo. Tem uma mina inesgotável de dados. É um jogo de poker em que quem dá as cartas, o Intercept, consegue controlar o resultado. Principalmente quando sabe que o adversário não tem mais que um par de paus.
Frente 2 – Polícia Federal x Ministério Público Federal
O pacto da Globo foi com o MPF, a partir do combate à PEC 37, que visava tirar poderes de investigação do MPF. Colocou-se contra a Polícia Federal.
Durante a Lava Jato, o acordo foi fechado com procuradores, com o juiz Moro e com o Procurador Geral da República Rodrigo Janot. A PF ficou em segundo plano. No início, alguns policiais federais entraram no clima de deslumbramento. Depois, a própria corporação percebeu o desgaste que sofria, especialmente após o suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, e da operação que prejudicou as exportações brasileiras de carne. E se mancou, passando a agir com maturidade, ao contrário do que ocorreu com o MPF, com procuradores se expondo nas redes sociais como celebridades doidivanas, sendo aplaudidos pela maioria dos colegas.
Tudo isso ocorreu porque em época crítica, de ampla renovação do MPF com os concursos, o MPF estava sob comando de Rodrigo Janot, que se rendeu completamente ao brilho de neon da Lava Jato.
Por que essa disputa é relevante? Porque o único equipamento conhecido, capaz de realizar capturas maciças de conteúdo de celular, é o Guardião, sob controle da PF.
Frente 3 – o Supremo Tribunal Federal
Conforme já publicamos várias vezes, há pelo menos quatro ministros do STF sob suspeita de estarem sendo chantageados.
Luis Roberto Barroso – com dossiês sobre negócios seus e de sua família, difundidos por sites de ultradireita do Paraná.
Carmen Lúcia – devido à compra de um imóvel subavaliado, vendido por um parceiro de Carlinhos Cachoeira.
Luiz Edson Fachin – pelo apoio recebido da JBS em sua campanha para Ministro do Supremo.
Luiz Fux – acossado pelas denúncias de Jacob Barata, no caso do transporte público do Rio de Janeiro.
O jogo do STF fica assim, portanto:
Os garantistas – Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio de Mello e Celso de Mello.
Os comprometidos com a Lava Jato – Fux, Barroso, Fachin e Carmen Lúcia.
Os que fazem o jogo político do momento –  Rosa Weber, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli.
Moraes e Toffolli já se alinharam contra as arbitrariedades da Lava Jato. No episódio das denúncias dos fake news incluiram um procurador da Lava Jato, que havia escrito artigos com críticas ao Supremo. Foi a deixa para envolver toda a Lava Jato nas investigações. Rosa Weber é uma Ministra fraca, porém bem-intencionada, sem a malícia de Carmen Lúcia.
Em suma, há maioria folgada contra a Lava Jato, mesmo porque, depois da divulgação das conversas envolvendo Fux, os quatro Ministros alinhados pensarão duas vezes antes de se expor.
Não se sabe como será em relação a Lula. A reputação do quarteto Lava Jato focará entre a cruz dos dossiês levantados contra eles, e a caldeirinha do desnudamento de seu jogo político.
A reação intempestiva de Luis Roberto Barroso, criticando os vazamentos, foi um erro de cálculo memorável que expôs definitivamente sua participação no jogo. Foi um sinal nítido de desespero.
Aliás, é inacreditável que presidentes da República não tivessem submetido suas indicações a um teste mínimo de caráter. Constatava-se isso de maneira informal, com contemporâneos de faculdade, com quem acompanhou suas carreiras, com quem poderia avalizar ou denunciar suas fragilidades de caráter.
Foi de um amadorismo ultrajante com o próprio STF a indicação de vários dos Ministros, muitos sem notório saber, alguns sem reputação ilibada, outros irremediavelmente de caráter fraco.
Do GGN

terça-feira, 11 de junho de 2019

LULA DEVE SER SOLTO E INDENIZADO, COM A CONTA PAGA POR MORO E DALLAGNOL, DIZ EUGÊNIO ARAGÃO

"A Constituição é muito clara ao dizer que todo erro judicial deverá ser indenizado. E eu ainda iria mais longe: eu pediria o chamamento ao processo do Sergio Moro e do Dallagnol para que a União pudesse depois ter a possibilidade da ação regressiva contra eles", avalia o ex-ministro da Justiça à TV 247; confira.
O ex-ministro da Justiça e ex-procurador federal Eugênio Aragão falou sobre a farsa judicial para prender o ex-presidente Lula e fraudar a disputa presidencial de 2018 e também sobre as consequências para o ex-juiz atual ministro do governo Sergio Moro e para o procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol, protagonistas da conspirata judicial.
Para Aragão, Lula tem que ser solto, indenizado e a União tem que processar Moro e Dallagnol para que eles indenizem a União pelos danos causados.
"A Constituição é muito clara ao dizer que todo erro judicial deverá ser indenizado. E eu ainda iria mais longe: eu pediria o chamamento ao processo do Sergio Moro e do Dallagnol para que a União pudesse depois ter a possibilidade da ação regressiva contra eles", opina o ex-ministro.
O jurista observa ainda, sobre a divulgação das mensagens privadas, "que essas autoridades não podem alegar em causa própria aquilo que eles negaram aos outros, como Dilma e Lula, quando eles ilegalmente captaram uma conversa entre eles e ainda por cima tornaram pública".
Para Aragão, Moro "não tinha imparcialidade para julgar", então a sentença que condenou Lula "está contaminada", o que torna o "processo nulo". O ex-ministro diz ainda não estranhar "se sair algo sobre os juízes do TRF-4, que confirmaram a toque de caixa essa sentença do Moro". Assista o vídeo:
Do 247

segunda-feira, 10 de junho de 2019

XADREZ DO INQUÉRITO DO STF E O THE INTERCEPT, POR LUIS NASSIF


Xadrez da investigação do STF e do dossiê do Intercept. Vamos montar um Xadrez bastante delicado.
Lance 1 – o volume de informações do dossiê Lava Jato
Pelas informações do The Intercept, o volume de dados do dossiê Lava Jato é superior ao do próprio caso Snowden.
Alguns dos diálogos divulgados, além disso, mostram que foram captadas conversas até entre duas pessoas – no caso, Sérgio Moro e Deltan Dallagnoll. O que comprovaria, em tese, que o vazamento não se deu a partir de uma pessoa infiltrada nos grupos de discussão, mas de hackeamento de vários celulares.
Lance 2 – o inquérito do STF
Houve a investigação de arapongas da Receita nas contas de Gilmar Mendes e Dias Toffoli e esposas, e vazamento posterior para a mídia. O fiscal envolvido já tinha participado das investigações da Lava Jato. O sentimento de impunidade seguiu os mesmos procedimentos de abusos anteriores:
1. Moro alegou engano ao vazar conversas de Dilma Rousseff e Lula grampeadas depois do final do prazo para o grampo autorizado. Foi desculpado.
2. No grampo ao escritório de advogados de Lula, alegou engano, que a intenção era grampear apenas a empresa de palestras de Lula. Novamente, foi desculpado.
3. No vazamento das investigações da Receita, alegou-se que o fiscal enviou o e-mail com os dados por engano para algumas pessoas.
Com seus métodos e falta de limites, a Lava Jato tornou-se uma ameaça, inclusive para o Supremo, que sabia estar enfrentando uma organização poderosa, armada de poder do Estado e com liberdade ampla para grampear, levantar informações e assassinar reputações, vazando para a imprensa. Com Sérgio Moro na Justiça, comandando a Polícia Federal, procurando influenciar a COAF, havia o risco concreto de criação de um estado de terror.
Em 14/03/2019, o presidente do STF, Dias Toffoli, anunciou a abertura de investigações contra a proliferação de fake news, especificamente contra ameaças a Ministros do STF.
Aproveitou críticas ao Supremo, da parte do procurador Diogo Castor, da Lava Jato, para estender as investigações aos procuradores.
O relator indicado foi o Ministro Alexandre de Moraes, ex-Secretário de Segurança de São Paulo e ex-Ministro da Justiça do governo Temer. Moraes colocou à frente da investigação delegados de confiança, tirando o poder de manipulação do Ministro da Justiça Sérgio Moro, a quem a Polícia Federal está subordinado.
Quatro dias depois, em 18/03/2018, na visita de Jair Bolsonaro aos Estados Unidos, em pleno vôo, Moro decidiu visitar a CIA e o FBI, um encontro fora da agenda.
Segundo o porta voz, o encontro não foi divulgado antes porque foi decidido durante o voo de Brasília a Washington, “embora nós já estivéssemos efetuando os contatos”.
Em 24/04/2019, o ex-procurador geral da República, Rodrigo Janot, divulgou a suspeita de que poderia ter sido grampeado.
Lance 3 – o inquérito do STF
Nada se sabe ainda dos resultados das investigações do STF. Apesar de claramente inconstitucional, teve apenas uma reação contrária de Raquel Dodge, Procuradora Geral da República, mas tudo ficou no esperneio. Afinal, depois de todos os abusos da Lava Jato, sustentados e apoiados por Ministros do STF, como Luiz Edson Fachin, Luis Roberto Barroso, estimulados por PGRs, como Janot, não questionados pela própria Dodge, quem teria moral para rebater as inconstitucionalidade do Supremo?
Ocorre que o inquérito do STF tinha como objeto os fake news e ameaças recentes. Tudo o que fosse levantado, além disso, não estaria no escopo do inquérito e não poderia ser utilizado.
Coincidentemente, é o material que The Intercept apregoa ter recebido.
Na única vez que conversei com Janot sobre vazamentos, especificamente o que gerou a capa da Veja, que quase decide as eleições, ele deu de ombros.
– Não podemos fazer nada porque quem vazou, provavelmente, foi o advogado do Yousseff.
Foi alguém do STF que planejou isso? Claro que não.
Certamente ocorreu o mesmo que nos vazamentos da Lava Jato. Deve ter sido um vazador comum, o mesmo que vazou a delação de Alberto Yousseff para Veja, as sucessivas delações de Antonio Palocci para a Globo, as de Léo Pinheiro para o Estadão.
Mas, certamente, o lance jogado foi xeque mortal: acertaram  a cabeça da jararaca.
Do GGN

O TRECHO DA VAZAJATO QUE PROVA QUE MORO AJUDOU A CONSTRUIR DENÚNCIA CONTRA LULA


Intercept também provou com as mensagens expostas que Dallagnol admitiu em conversa com Moro que a acusação por corrupção passiva contra Lula foi construída em cima de provas frágeis.
Imagem Mídia Ninja
Entre as mensagens divulgadas na noite de domingo (9) pelo site The Intercept estão trechos que provam que Sergio Moro atuou como assistente de acusação e abasteceu Deltan Dallagnol com informações contra Lula, cerca de um ano antes do caso triplex nascer.
O Ministério Público Federal em Curitiba formalizou a entrega da peça acusatória do caso triplex no dia 14 de setembro de 2016.
No dia 7 de dezembro de 2015, Moro chamou Dallagnol no aplicativo Telegram para enviar a seguinte pista:
“Entao. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodado por ter sidoa ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex Presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou entao repassando. A fonte é seria”.
Depois, acrescentou: “E seriam dezenas de imóveis.”
Dallagnol respondeu: “Obrigado!! Faremos contato.”
O procurador, então, buscou conversar com a fonte, mas não teve sucesso. Escreveu a Moro que estava pensando em fazer uma denúncia “apócrifa” para justificar uma intimação oficial e obrigar a fonte a depor.
Ou seja, Dallagnol indicou a Moro que estava buscando um meio controverso de esquentar aquela suposta “prova”. O ex-juiz da Lava Jato não repreendeu a ação. Ao contrário, disse que era melhor usar a estratégia de formalizar a denúncia apócrifa para constar nos autos.
As mensagens divulgadas pelo Intercept até o momento também expõem que Dallagnol, às vésperas de apresentar a denúncia do caso triplex, ainda tinha dúvidas a respeito da atribuição do apartamento no Guarujá a Lula, como propina paga pela OAS.
Essa dúvida só foi reduzida quando algum membro da força-tarefa encontrou uma reportagem de O Globo, em 2010, que indicava que Lula teria a propriedade de uma apartamento no Condomínio Solaris. À época, a Bancoop estava transferindo a conclusão do empreendimento para a OAS.
Dallagnol escreveu num grupo de procuradores no Telegram que a reportagem de O Globo era um “tesão”. Intercept deixou claro os procuradores distorceram o conteúdo da reportagem na acusação.
De fato, a família de Lula tinha uma cota naquele condomínio, mas não significava que era o famigerado triplex que os procuradores inseriram na denúncia como propriedade utilizada pelo ex-presidente para lavagem de dinheiro.
Intercept também provou com as mensagens expostas que Dallagnol admitiu em conversa a Moro que a acusação por corrupção passiva foi construída em cima de “provas indiretas” e delação premiada, apenas. E denotou que Lula foi implicado como chefe de uma organização criminosa que corrompia a Petrobras, na famosa apresentação do Power Point, como parte da estratégia necessária para justificar que o processo fosse julgado por Moro, e não pela Justiça de São Paulo, onde se localiza o triplex.
Em conversa com Moro, após a repercussão ruim da coletiva de imprensa em que o Power Point foi divulgado, Dallagnol escreveu: “Creio que isso [questionamentos sobre falta de provas] vai passar só quando eventualmente a página for virada para a próxima fase, com o eventual recebimento da denúncia, em que talvez caiba, se entender pertinente no contexto da decisão, abordar esses pontos.”
Leia as reportagens aqui aqui.
Do GGN

domingo, 9 de junho de 2019

O CEO GENÉRICO E O FIM DOS CAPITÃES DA INDÚSTRIA, POR LUIS NASSIF

No amplo processo de globalização registrado nas últimas décadas, um dos fenômenos menos analisados foi o predomínio dos CEOs à frente das empresas, substituindo o comando familiar. No caso do Brasil, significou o esvaziamento completo da representação empresarial, especialmente na indústria.
Quando Ernesto Geisel lançou o II Plano Nacional de Desenvolvimento, por exemplo, houve enorme grita das lideranças empresariais da época, Cláudio Bardella, Antônio Ermírio de Morais, Jorge Gerdau, das empresas Romi e Weg em relação a algumas condições da abertura da economia. A grita resultou na constituição de grupos de estudos que conseguiram definir a participação das empresas nacionais na definição dos programas públicos e em uma parceria vitoriosa com o governo.
Ao contrário do que é comumente propagado, o II PND foi um enorme sucesso, ajudando a completar a industrialização brasileira de primeira geração. Montaram-se grupos que pensaram em todas as condicionantes da industrialização, no financiamento, nas obras públicas, nas parcerias internacionais, na inovação, no conteúdo nacional.
A década perdida dos anos 80 se deveu a uma combinação fatal de juros internacionais elevados e explosão nos preços do petróleo. Quando o Brasil começou a sair do sufoco, a partir de 1985, tinha-se uma estrutura industrial completa, que permitiria caminhar para a chamada integração competitiva – abrindo-se gradativamente para o mundo. O que destruiu esse esforço foi a combinação de apreciação cambial com juros elevados, iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso e mantida nos governos Lula e Dilma. Aquilo que a mídia chamava de “tripé virtuoso”.
Essa política acabou mudando o foco de resultados das empresas, da parte operacional para a tesouraria, ao mesmo tempo em que a figura do capitão de indústria foi sendo gradativamente substituída pelo CEO genérico, o executivo com capacidade de implementação, sim, gerador de resultados, com boa capacidade de conciliar interesses. Mas com objetivos focados exclusivamente na geração de caixa e nos resultados de curtíssimo prazo.
O grande problema é o que a Fundação Dom Cabral identifica como paradoxos da gestão – diferente de dilema. O dilema é a escolha entre fatores que não podem coexistir. Paradoxo é a conciliação de fatores que precisam coexistir.
Por exemplo, o trabalho de um CEO deveria ser legitimado por três fatores:
Resultados imediatos.
Preparação da empresa para o futuro.
Resultados para a sociedade.
No caso brasileiro, o padrão de gestão consagrado por Jorge Paulo Lehmann e pelo indefectível consultor Vicente Falconi foi se concentrar obsessivamente no primeiro item, o dos resultados imediatos.
Não se pense apenas do lado ético e moral, mas da própria eficácia da gestão. Deixou-se de lado a preparação da empresa para o futuro, o que exige investimentos em inovação, em prospecção, que entra em conflito com o imediatismo dos resultados anuais. E também se perdeu o foco na legitimação dos trabalhos. Em vez do CEO com visão sistêmica de empresa e do setor, foram colocados no comando CEOs exclusivamente especializados em exterminar custos – conforme o jargão desse povo – e em aumentar a rentabilidade com jogadas financeiras irresponsáveis.
Foi o que levou à profunda crise da mineração brasileira, exposta nos desastres de Mariana e Brumadinho. E também ao abandono de qualquer veleidade de atuar proativamente nas políticas públicas, questionando medidas prejudiciais à indústria, por exemplo.
O CEO genérico passou a cuidar especificamente do caixa, a ser um exterminador de custos, para ter direito ao bônus anual e poder pular do barco da empresa para outro emprego, expondo como currículo apenas os resultados do último exercício.
E, por não ter fidelidade ao setor e à empresa, evita ao máximo se indispor com os governos. Esta é a razão da aceitação passiva de todas as políticas públicas, de 2015 para cá, que resultaram no mais prolongado processo de recessão da história, a única recessão feita com dinheiro em caixa, das reservas cambiais.
No caso da BRF, antes que se repetisse a tragédia da Sadia, acionistas trocaram a gestão ruinosa de Abilio Diniz e seus CEOs genéricos por gestores com conhecimento de mercado.
Depois dos últimos desastres, grupos de acionistas minoritários emplacaram no conselho da Vale o executivo José Luciano Penido. Ele foi presidente da Samarco até 2003. Em seu período, estimulava a responsabilidade social da empresa e gerava solidariedade entre os empregados através do estímulo a programas de voluntariado. Com ele, jamais teria ocorrido o desastre de Mariana.
Ao mesmo tempo, grandes grupos nacionais reuniram-se na FDC no chamado projeto Legacy, para discutir o legado: o que vou deixar para a empresa e para o país. Esse grupo trabalha questões ambientais, políticas de inclusão e de diversidade, responsabilidade social, como foco da própria empresa.
Mesmo assim, há um enorme vácuo no ar, que é a falta de lideranças empresariais que se façam ouvir. A maneira como aceitam as loucuras de Paulo Guedes, os bordões da Globo News, a lógica totalmente anti-investimento de sucessivas políticas públicas comprovam que a crise da indústria está umbilicalmente ligada à crise de representatividade.
É por aí que se deveria iniciar a luta pela reindustrialização do país.
Do GGN

quinta-feira, 6 de junho de 2019

O MITO DA “DESTRUIÇÃO CRIADORA” E DO RENASCIMENTO POLÍTICO, POR LUIS NASSIF

Em artigo na Folha de S. Paulo, Fernando Schüller esbanja uma segurança invejável em relação ao que vem pela frente.
Em relação ao modelo político há duas certezas: esgotou-se o modelo político pós-redemocratização; e ninguém consegue garantir o que virá no vácuo que se formou.
No entanto, em artigo na Folha de S. Paulo, Fernando Schüller esbanja uma segurança invejável em relação ao que vem pela frente.
Constata ele que o presidencialismo de coalizão se tornou disfuncional. Antes disso, diz ele, vingou porque era ao gosto da tradição centralizadora brasileira, que só concebe a dinâmica política a partir do mando presidencial.
Atribui ao modelo uma espécie de fracasso total do país pós-redemocratização. Ignora os avanços ocorridos na área de direitos sociais, de inclusão social, em alguns setores da economia. Ignora a enorme renovação proporcionada pelas sucessivas mudanças de governo – da abertura de Fernando Collor, à desregulação de Fernando Henrique Cardoso ao desenvolvimentismo social e econômico de Lula.
E ignora, sobretudo, que a ausência de grandes reformas sociais não se devia ao poder do príncipe, mas justamente à falta de poder de um presidencialismo claudicante – que derrubou ou inviabilizou quase todos os presidentes eleitos pós-redemocratização.
O Brasil teve uma pequena experiência parlamentarista, na qual o poder do Congresso significou a imobilização ampla do governo. Sugiro a leitura da biografia de Walther Moreira Salles, no capítulo referente ao governo Jango.
Diz ele que, agora, ocorre a destruição criadora e crava as fichas no novo modelo que emergirá: o sistema de co-responsabilidade, no qual o poder do presidente será dividido com o Congresso.  
“O governo permanece como propulsor mais relevante da agenda política, mas abre mão da tutela e cede espaço a novos atores. Forma maiorias, mas o processo deixa de ser automático. É assim que caminha a reforma da Previdência”.
Aí se entra em um enorme desafio intelectual, de tomar como o novo normal o quadro político atual, com todas suas extravagâncias.  O quadro atual tem um conjunto de condicionantes específicos do momento atual:
Um presidente sem a menor noção econômica, política ou social. Como seria com um presidente articulado, com ideias claras?
Um parlamento sem partidos políticos. Ou a “corresponsabilidade” se fará sem partidos políticos, como agora, e com bancadas temáticas.
O debate político interditado, com a prisão do principal porta-voz da oposição, Lula.
O grupo hegemônico reunido em torno da bandeira única do antilulismo. Até quando resistirá?
Ora, tem-se uma realidade dinâmica, com um enorme conjunto de variáveis imprevisíveis. Mesmo assim, o autor teima em definir o que ele chama de “novo modelo”. Recorre a um truque retórico comum aos acadêmicos: cria a caricatura de dois opostos, o governo e a oposição, e coloca a sua hipótese como centro virtuoso.
O novo modelo se afasta de duas visões comuns em nosso debate. Uma delas, comum no governismo, aposta no chamado “going public”, na ideia algo mística de que o líder popular possa, com a pressão social, derrotar o sistema (seja isto o que for).
Outra, popular na oposição, profetiza o abismo a cada deslize do governo e sugere que estejamos sob o risco de um presidencialismo plebiscitário, autoritário e destinado ao fracasso.
Não se tem a menor ideia de como se comportaria o sistema político com outro tipo de presidente, nem se tem a menor ideia de como irá se refazer o sistema partidário, com o advento dos YouTube e a desmoralização dos partidos tradicionais.
Mesmo assim, Schüller preconiza que o novo modelo será o “sistema de corresponsabilidade”, embora confesse que é “um sistema cujos contornos ainda não conhecemos exatamente”.
No trecho seguinte, substitui a certeza inicial por um “por ora”.
“O que ele faz, por ora, é abrir espaço ao protagonismo compartilhado, que por certo reforça a autonomia do Parlamento. Algo bem expresso na reiteração de Paulo Guedes, no Congresso: o poder é dos senhores, assumam a responsabilidade”.
Depois de todas essas certezas, Schüller recorre a um recurso jurídico conhecido, o SMF, “salvo melhor juízo”. SMJ, ele recorre ao salva vidas de todo teórico: o “suponhamos que”.
No mundo ideal, nosso presidente poderia combinar o pragmatismo de Angela Merkel com o charme intelectual de Obama. E a oposição, quem sabe, poderia ser liderada por Lord Anthony Giddens, direto da sala de chá do palácio de Westminster. 
Não temos nada disso. O presidente é Bolsonaro e a oposição é o que sabemos que é. Não voltaremos ao passado e não veremos um rolo compressor governista no comando do Congresso. Se isso é ruim ou não, cada um pode julgar. Digo apenas que, para quem imaginou que nos tornaríamos uma autocracia, pode não ser má ideia que o país avance sob um sistema bem estabelecido de freios e contrapesos e compartilhamento de responsabilidades.
Logo, SMJ, desconsiderem-se todas as hipóteses anteriores sobre a nova era que surgirá da destruição criadora.
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quarta-feira, 5 de junho de 2019

GUEDES VAI IMPLODIR O FUNDAMENTALISMO DE BOLSONARO, POR LUIS NASSIF


Aliás, o pecado fatal de Bolsonaro não é acreditar no terraplanismo, mas em Paulo Guedes.
Trata-se do mais expressivo depoimento de autoridade econômica de que tenho notícia, uma transparência ingenuamente exemplar, comprovando que a prioridade de Paulo Guedes jamais foi a de tirar o país da recessão, mas valer-se da destruição criadora da economia para impor suas preferências ideológicas..
Os desdobramento da recessão estão aí, aos olhos de todos: índices explosivos de desemprego e desalento, crescimento não apenas da economia informal mas do poder econômico das organizações criminosas, ampliação do ódio, exacerbação da intolerância, e todos os sintomas das doenças graves que germinam em economias sem perspectiva. No plano político, queda acentuada de popularidade do governo, crise fiscal, desmantelamento da educação, saude, meio ambiente.
Mas o que diz o ilustre neto do ilustre Campos
1. O avião tem duas turbinas, uma do setor público, outra do setor privado. Queremos parar a turbina do setor público para o setor privado ocupar o espaço.
2. Aí descobrimos que a recessão é decorrente da paralisação da turbina do setor público.
3. Mas, em vez de reativar os gastos públicos, vamos manter o aperto, manter as taxas reais de juros elevadas porque a maneira do setor privado ocupar o espaço público é ter segurança no desemprenho futuro da inflação. Se houver confiança, automaticamente o capital privado ocupará o espaço do setor público.
E emendo: se o avião cair, Bolsonaro que se vire.
Ou seja, tenho o diagnóstico sobre a crise, o caminho óbvio para destravar a economia – aumentando os gastos públicos -, mas vou manter tudo onde está porque meu objetivo final não é recuperar a economia, mas tirar o Estado definitivamente do jogo.
Qual o mérito da entrevista de Campos Neto? Expor de maneira crua a irresponsabilidade e os objetivos finais do modelo Guedes. Guedes não está minimamente interessado em recuperar a economia. Seu objetivo final é aproveitar a crise para destruir da maneira mais rápida o “inimigo”, o Estado. Pouco importa o custo econômico, social e político.
Aliás, o pecado fatal de Bolsonaro não é acreditar no terraplanismo, mas em Paulo Guedes. Seu governo será abreviado pelas estratégias de Guedes que, ao final, voltará para seu habitat, o mercado. E é até possível que, nas noites mais alegres, conte histórias escabrosas sobre a maneira como engabelou um presidente fundamentalista e e fundamentalmente ignorante.
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GGN

terça-feira, 4 de junho de 2019

DEZ TRUQUES DO MERCADO PARA JUSTIFICAR O FRACASSO DE SUAS POLÍTICAS, POR LUIS NASSIF

O mesmo ocorrerá com a reforma da Previdência. O Congresso vai entregar uma parte da reforma e a economia continuará em profunda recessão. A alegação futura do mercado será a de que a reforma não foi suficientemente radical.
Para Platão, os sofistas rejeitavam a verdade e relativizavam a realidade resumindo o universo a partir, somente, de seus aspectos fenomenais.
Truque 1 – o conceito de interesse nacional.
Trate como antinacional toda medida econômica que não beneficie seu grupo. Esse truque existe desde a República Velha. O custo das políticas de sustentação do café era tratado como benefício para o país. O custo de políticas econômicas para outras regiões, como sendo contra o interesse nacional.
Truque 2 – o conceito de populismo.
Com todos seus equívocos, a vantagem da democracia é permitir que o interesse geral se sobreponha aos interesses particulares. É a única força que induz governantes a implementarem políticas universais em áreas essenciais.
Historicamente, populismo se referia a medidas de alcance imediato visando conquistar eleitores, sem nenhuma preocupação com a construção do futuro.
Com o tempo, todas os recursos que voltam ao cidadão, na forma de serviços, mesmo os essenciais, passaram a ser tratados como populismo.
O ápice dessa manipulação foi o brilhantíssimo ex-Ministro da Educação Cristovam Buarque afirmando que Lula abriu inúmeras universidades federais com propósitos eleitorais.
Truque 3 – o sucesso e o truque da defasagem.
Um governante adota uma série de medidas desastrosas, que impede a economia de crescer. Entra outro governante que toma uma série de medidas reativando a economia. O discurso passa a ser que o primeiro se sacrificou, trabalhando com responsabilidade, para que o segundo levasse a fama.
É histórico. Campos Salles renegociou a dívida externa brasileira, irresponsavelmente ampliada por Ruy Barbosa, em condições ultrajantes. Com o país quebrado e, portanto, em condições de negociar deságios, aceitou todas as imposições da Casa Rotschild. E ainda levou na comitiva de beija-mão jornalistas que reportaram os elogios do banqueiro à seriedade do futuro presidente. Ou seja, no seu beija-mão a Donald Trump, Bolsonaro teve antecedentes ilustres.
Depois, Rodrigues Alves fez um governo vitorioso. A história, segundo o mercado, foi de que a virtude maior foi de Campos Salles, preparando o terreno para seu sucessor.
Do mesmo modo, Fernando Henrique Cardoso implementou uma política monetária ruinosa, que jogou o nível de endividamento público e privado nas nuvens, provocou a estagnação da economia, comprometeu o ganho de mercado obtido com a estabilização da moeda. No período em que adotou uma política econômica pró-ativa, Lula conseguiu índices de crescimento inéditos, em plena crise global.
Mas o sucesso de Lula é atribuído ao trabalho prévio de FHC.
Truque 4 – o fracasso e o truque da defasagem
O segundo governo Dilma Rousseff foi um desastre. O pacote Joaquim Levy afundou ainda mais a economia, quebrou as pernas políticas do governo que, a partir dali, foi sufocado pelas pautas-bombas do Congresso. Ponto.
Entre Henrique Meirelles, pelo governo Temer, Paulo Guedes, pelo governo Bolsonaro, e mantem as mesmas políticas restritivas anteriores. Ou seja, tudo passou a ser de sua estrita responsabilidade, mesmo tendo apoio expressivo do Congresso.
Depois de quedas do PIB, a recuperação costuma ser rápida, porque há capacidade instalada a ser ocupada. No entanto, até hoje não ocorreu a recuperação da economia brasileira, configurando o mais longo período sem recuperação da história.
Mas a culpa continua sendo da Dilma.
Truque 5 – o golpe da lição de casa.
Foi aplicado sistematicamente, de Pedro Malan a Henrique Meirelles, com a contribuição luxuosa de Antônio Palocci e Joaquim Levy.
Consiste em impor um conjunto de medidas amargas – para os outros -, acenando com o pote de ouro no final do arco íris. Se tirar o leite das crianças, a aposentadoria dos idosos, se reduzir os direitos trabalhistas, se reduzir os gastos com saude e educação, a economia voltará a ser pujante e todos ganharão.
Começa o ano com tais promessas. Chega-se ao final com os sacrifícios impostos e nada de aparecer o pote de ouro. Alega-se, então, que o sacrifício foi insuficiente e toca a apertar mais ainda o torniquete em cima da rapa.
Como garantia o sábio Ministro Luis Roberto Barroso: se a legislação trabalhista tirar os torniquetes sobre as empresas, haverá abundância de emprego. Mudam-se as regras, o emprego cai por conta da recessão e a informalidade explode, por conta da nova legislação.
Truque 6 – o golpe do fim do mundo.
Utilizado desde tempos imemoriais. Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil. Ou o Brasil acaba com esses velhinhos que sugam a Previdência, ou esses malandros que teimam em ficar doentes para conseguir o auxílio-doença, ou eles acabam com o Brasil.
Imposto sobre grandes fortunas? Não, porque é de difícil aplicação. Sobre ganhos financeiros? Não, porque irá desestimular os investimentos. Contenção da engenharia fiscal dos grandes grupos? Não, porque embotará o empreendedorismo.
Truque 7 – a impossibilidade do impossível
Analise-se o pacote Joaquim Levy-Dilma. Aplicou simultaneamente choque tarifário, choque monetário, restrição de crédito, corte drástico de despesas prometendo a quadratura do círculo: se cortar toda a demanda, haverá o equilíbrio fiscal e instantaneamente os investimentos voltarão para a economia.
O resultado óbvio seria: se cortar toda a demanda, com a economia em queda, acelerará a queda do consumo. Com isso não haverá a volta do investimento, mas a queda vertiginosa da atividade econômica.
Alegação do mercado: o ajuste não foi suficientemente severo.
O mesmo ocorrerá com a reforma da Previdência. O Congresso vai entregar uma parte da reforma e a economia continuará em profunda recessão. A alegação futura do mercado será a de que a reforma não foi suficientemente radical.
Truque 8 – o truque do denominador
O país tem uma receita fiscal de 100 e uma dívida pública de 50. Aí, implemento uma política recessiva que derruba a receita em 10%. E uma política de juros que custa 6% ao ano. Mantidos todos os demais fatores, em apenas dois anos a relação dívida/PIB passará de 50/100 = 50% para 56/90 = 62%. Mas, aí, explico que a culpa do déficit foi das despesas.
É o que acontece com todos os cálculos de déficit primário e déficit da previdência. O déficit seria menor se as políticas econômicas não tivessem derrubado a receita.
Truque 9 – o truque da relação causal no déficit
É primo irmão do Truque 7. O país tem 100 de receita e 100 de despesa primária, portanto orçamento primário equilibrado. Aí derruba a receita que cai para 90. As despesas continuam as mesmas. Dir-se-á que a causa do desequilíbrio são as despesas.
Truque 10 – o golpe da identidade contábil
Os manuais de economia costumam recorrer a identidades contábeis para medir os fatores econômicos. Uma das identidades consiste em estimar que o gasto privado corresponde ao total produzido, menos o gasto público. É apenas uma medida.
Por ser apenas uma conta não leva em consideração, por exemplo, que gasto público significa ganho privado. Se o governo paga salários, ou contrata serviços, ou adquire bens, esse dinheiro será injeção na veia das empresas privadas, que produzem bens de consumo, bens de investimento e serviços. Se corta o gasto público, automaticamente diminui a renda privada.
Mas os cabeções sacam impavidamente a identidade contábil e garantem que bastará cortar o gastos público para o lugar ser imediatamente ocupado pelo setor privado.
Truque 11 – a falsa eficiência
Parte do pressuposto de que se um gasto é mal aplicado, basta corta-lo para melhorar a eficiência do serviço. O SUS (Sistema Único de Saúde) é um milagre brasileiro, porque consegue determinado nível de universalização pagando merreca pelos procedimentos médicos. A lógica dos cabeções é simples. O aumento da eficiência de qualquer serviço, especialmente os serviços públicos, depende de modelos gerenciais, implementação eficiente, criação de indicadores. Para os cabeções a lógica é outra. Se um serviço não é suficientemente eficiente, basta reduzir seu orçamento que a eficiência aparece.
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GGN

domingo, 2 de junho de 2019

UMA GRANDE MENTIRA AINDA SUSTENTA O GOVERNO BOLSONARO, POR JANIO DE FREITAS

Com a perspectiva cada vez mais clara do fracasso no crescimento, bolsonaristas do poder econômico começam a se assustar.
Bolsonaro entre os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (direita), e Senado, Davi Alcolumbre (esquerda). Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.
O governo Bolsonaro, e outras estruturas de poder que lhe dão algum apoio, segue para a derrocada. O silêncio do eixo olavista dentro do governo, por toda a última semana, representa a primeira dissensão verdadeira “entre os generais reformados do governo e Bolsonaro”. Estas são avaliações de Janio de Freitas na coluna deste domingo (02), na Folha de S.Paulo.
Até antes da semana passada, a tolerância do presidente Bolsonaro em relação aos insultos de Olavo de Carvalho feitos contra os generais Villas Bôas, Santos Cruz, Hamilton Mourão e mesmo aos militares em geral era explícita. Nos últimos sete dias, porém, finalmente houve um silêncio por parte da trupe olavista, incluindo do próprio presidente.
“Não podendo ser um dos limitados à comunicação privada, Bolsonaro refluiu as suas provocações e a falta de senso, também como efeito das cobranças e conversas afinal mais responsáveis no Planalto”, destaca Janio.
“Passou a semana buscando eventos em que se mostrasse simpático, quis entrevistas, culminando com o espetáculo do enlace a que atraiu dois incautos”, completa o articulista se referindo ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, e ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Na terça-feira (28), o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, articulador do governo no Congresso, disse que os presidentes da República, Câmara, Senado e STF, após uma reunião, haviam concordado em assinar um pacto pela governabilidade do país. Mas ao longo da semana, a proposta gerou mal-estar entre os representantes dos poderes e seus representados.
“O primeiro [Dias Toffoli] não tem como comprometer por sua conta, em pactos ou no que seja, os demais magistrados do Supremo Tribunal Federal. Até os desvalorizou no tal pacto político com Bolsonaro em nome do tribunal. O outro [Rodrigo Maia], sonhando sempre com a Presidência, pensou subjugar às pretensões do Executivo a independência do Legislativo ditada pela Constituição. Ambos demonstraram mais presunção pessoal do que noção dos limites de suas funções”, analisa Janio.
O colunista pontua que o silêncio da trupe bolsonarista ligada à Olavo de Carvalho, cessando os ataques contra os militares, e o anúncio do Planalto em construir um pacto com os demais poderes, apenas buscaram “falsificar a índole do governo”. Mas, quando o cenário parecia apontar para a harmonização das forças, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, protagoniza episódios revelando o real caráter do governo bolsonarista: autoritário e néscio.
“A construção ou, no nosso caso, a salvação do regime medianamente democrático precisa de quem o defenda. À falta de oposição organizada e incisiva, estudantes coadjuvados por professores entregam-se com altivez a esse papel. Weintraub é quem os incita”, reforça Janio se referindo à última nota oficial publicada pelo MEC, no dia 30 de maio, ameaçando professores, estudantes e pais por participarem e divulgarem manifestações contra o governo.
Nesse cenário, Janio destaca a postura dos meios de comunicação. Todos “clamam sem cessar por melhor sistema de ensino, sua única ou maior bandeira de benefício com amplitude absoluta”, porém, ao mesmo tempo, “recorrem a métodos conhecidos para depreciar as manifestações contra o corte de 30% dos recursos do ensino superior público”.
“É o famoso tiro no pé. Há informações sobre esforços de organização para manifestações várias, já em junho, de outros segmentos prejudicados”, completa o articulista. A tendência de novos atos contra o governo, prossegue, “é o esperado de um país que se degringola”.
“Ao se completar apenas o quinto mês de governo, os 3% de crescimento neste ano, previstos antes da posse pelo novo ministro da Economia, já estão reduzidos à faixa do zero vírgula”, continua.
Enquanto isso, o governo e setores financeiros aponta as mudanças da Previdência como a grande chave para retomar o crescimento da economia. Nada mais descaradamente enganos que isso, dada a complexidade da economia.
“Estamos vivendo dentro de uma grande mentira. Não há sinal de que os militares do governo se inquietem além das bagunças da trupe bolsonara”, pontua Janio. Os bolsonaristas econômicos já começam a demonstrar preocupação.
“Por ora, pacificam-se na sua catedral, a Bolsa. Não falta muito, porém, para que se sintam premidos a liberar as palavras ainda retidas em ambientes restritos, como fizeram em ocasiões passadas. Sem que isso permita, necessariamente, vislumbrar uma saída saudável de dentro da grande mentira”, conclui Janio. Para ler sua coluna na íntegra, clique aqui.
Do GGN

NO EPISÓDIO DA CAMPANHA DO BB, A PEQUENA ESTATURA DA EQUIPE DE GUEDES, POR LUIS NASSIF

Mede-se a dimensão do chefe, aliás, pela qualidade de seus subordinados. Chefe que se cerca de “yes, man” demonstra insegurança e incapacidade de comando.
Mede-se o caráter e a dimensão de uma pessoa pública por seu comportamento no exercício do cargo. Há pessoas com biografia – e caráter –, cujo zelo pela própria imagem impede a pusilanimidade. E aqueles que nada têm a perder, apenas os cargos, que se curvam a qualquer pressão.
Mede-se a dimensão do chefe, aliás, pela qualidade de seus subordinados. Chefe que se cerca de “yes, man” demonstra insegurança e incapacidade de comando.
No governo Temer, Paulo Rabello de Castro assumiu a presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) exposto ao tiroteio abusivo do Ministério Público Federal. Assumiu corajosamente a defesa do banco e da corporação.
Nomeado presidente do BNDES, no governo Bolsonaro, Joaquim Levy fez o mesmo, protegendo a instituição e a corporação.
Independentemente de se concordar ou não com suas posições, são pessoas de caráter.
Já os homens de confiança do Ministro da Economia Paulo Guedes não permitem avaliações positivas sobre ele, o chefe.
Todos sabem que seu chefe não tolera não. E todos sabem que o chefe de seu chefe é um tremendo ignorante, sem compreensão dos fatos mais banais, e que não gosta de ser contrariado. No entanto, cada pum de Bolsonaro é tratado, por essa corte de fracos, como se fosse perfume francês ou um “insight” divino.
Foi vergonhosa a maneira como o presidente do Banco do Brasil, Rubens Novaes, rifou seu diretor de marketing. O banco decidiu montar uma campanha para atrair jovens. Foi uma campanha brilhante, mostrando a diversidade e a abertura que marcam a nova geração de filhos da classe média – os bancarizáveis – muito melhor, aliás, que seus pais. Além da campanha de TV e redes sociais, montaram-se eventos nas principais agências do banco, com a rapaziada espalhando alegria e o discurso da diversidade, trazendo um sopro de juventude para o banco.
Ai, Bolsonaro chiou. Como o universo de jovens que conhece são apenas os filhos da milícia, viu na campanha o marxismo cultural. Imediatamente, Novaes endossou as críticas do chefe do chefe e rifou o diretor de marketing – a ponto de ele pedir demissão do banco. E se tornou um guerreiro contra o marxismo cultural, seja lá isso o que for.
Disse ele, parafraseando o grande pensador Bolsonaro: “Durante décadas, a esquerda brasileira deflagrou uma guerra cultural tentando confrontar pobres e ricos, negros e brancos, mulheres e homens, homo e heterossexuais etc, etc.  O ’empoderamento’ de minorias era o instrumento acionado em diversas manifestações culturais: novelas, filmes, exposições de arte etc., onde se procurava caracterizar o cidadão ‘normal’ como a exceção e a exceção como regra”.
A regra, de fato, não é o questionamento, é o puxa saquismo. É só conferir a quantidade de indicados, ou candidatos a indicação, que se tornaram crentes desde criancinhas.
 Do GGN

NÃO É JUSTO, NÃO É DECENTE E NÃO É LEAL À CONSTITUIÇÃO!, POR EUGÊNIO ARAGÃO

"Entristeço-me com o pouco caso que se faz com o heroico apoio de forças democráticas ao STF, quando seu presidente pactua sorridentemente com aqueles que querem seu ocaso".
Participação de Toffoli em pacto conduzido por Bolsonaro gerou críticas de juristas que defenderam o STF de ataques de seguidores do presidente - Marcos Corrêa/PR.

O atual governo é chefiado por um cidadão que ganhou as eleições presidenciais na base da mentira, da agressão e da recusa de debater. Seus correligionários promoveram, ao longo de sua campanha, ataques virulentos ao Tribunal Superior Eleitoral, sua presidente e seus ministros. Colocaram sob suspeita a imparcialidade da Corte e sua capacidade de organizar um pleito sem fraudes. Depois, empossado Jair Bolsonaro, meteram-se – inclusive a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann – a pedir o fechamento do STF, a exigir o impedimento de seu presidente e, dentre outros, do ministro Gilmar Mendes. Acusaram-nos de corrupção, sem qualquer prova robusta e vilipendiaram a reputação do judiciário.
As forças democráticas do país reagiram de pronto na defesa das instituições. Juristas, esforçados em preservar a Constituição e o Estado Democrático de Direito, subscreveram documento de apoio à Corte Suprema e o entregaram solenemente a seu presidente, demonstrando repúdio aos ataques covardes dos que, circulando em torno do chefe do governo, queriam a destituição de seus magistrados.
Vemos com surpresa, agora, o mesmo presidente do STF, que foi atacado, aceitando “pactuar” com o cidadão eleito pelo engodo, comprometendo-se com a pauta mui controversa de seu governo. E ainda chamam isso de “Pacto Republicano”, quando o eleito não tem pejo de dizer que se sente feliz ao ver a Corte estar “de seu lado” e posa a fazer “coraçãozinho” com as mãos, juntamente com a mesma Joice Hasselmann que queria o fechamento do Supremo, ao lado… pasmem…! sim, do presidente do STF, tão arduamente defendido pelos juristas democratas!
O “elogio” do chefe de governo, a atribuir descaradamente parcialidade ao tribunal mais alto do país, não sofreu qualquer nota de crítica ou de desmentido por sua assessoria de comunicação social. Pelo contrário: no dia seguinte, a imprensa divulga amplamente a fotografia com um presidente do STF risonho em tal deplorável companhia. E, para não deixar dúvida de que a conversa com o presidente do país foi muito produtiva, anuncia-se a retirada de pauta da discussão, em controle concentrado de constitucionalidade, da descriminalização do uso de cannabis sativa – maconha – exigida por parte da sociedade e combatida pelo governo atual, em sua agenda conservadora e moralista.
Encerrada a peça de teatro de mau gosto, noticia-se, mais, que Jair Bolsonaro recebe visita do Corregedor Nacional de Justiça na companhia de seu filho investigado na justiça do Rio de Janeiro, senador Flávio Bolsonaro. Por certo, não para trocarem receitas de bolo ou para conversarem sobre como anda o tempo em Brasília.
Essas atitudes tornam inevitável, também, lembrar de episódio protagonizado pela ex-presidente do STF, em que, ao charlar com empresários num almoço, avisara que não pautaria as ações de controle concentrado sobre a extensão da presunção constitucional de inocência, porque o ex-presidente Lula “não deveria receber tratamento diferenciado”. A declaração assume renovado significado quando o juiz que o condenou sem provas, apenas por convicções,  se torna ministro da Justiça do governo do presidente que ficou feliz de ver a Corte Suprema “de seu lado”, ao mesmo tempo em que o relator de habeas corpus impetrado em favor de Lula no mesmo tribunal não vê razões para declarar a suspeição do juiz governista, mesmo diante de tanta evidência de parcialidade.
Lembremos que o ex-presidente Lula, prospectivamente vencedor das eleições presidenciais de acordo com todas as pesquisas de voto, foi impedido delas participar pelo TSE, única causa que permitiu Jair Bolsonaro ser vitorioso e nomear ministro de estado, o juiz que condenou seu adversário, para excluí-lo do pleito.
O que pensar desse imbroglio todo? Será que os protagonistas judiciais não percebem o quanto de sua credibilidade está em jogo com suas encenações públicas? Não seria mais aconselhável, nos tempos tão conturbados que experimentamos, com tanta hostilidade à Constituição Cidadã de 1988, atitude mais discreta, mais soberana dos magistrados?
Confesso-me, como jurista, como professor de direito, como membro aposentado do Ministério Público e, hoje, como advogado, perplexo com o papel a que pessoas que nos devem conduta ilibada se prestam. Entristeço-me com o pouco caso que se faz com o heroico apoio de forças democráticas ao STF, quando seu presidente pactua sorridentemente com aqueles que querem seu ocaso.
Esses tempos de pós-verdade são estranhos demais para alguém como eu, que tem orgulho de ter valores claros como a justiça, a lealdade, a decência e a fidelidade à Constituição e ao Estado Democrático de Direito que esta fundamenta.
É curioso que Lula, hoje preso (sim, hoje preso, Sr. Ciro Gomes, injustamente preso – e não me chame de “babaca” por isso), quando presidente da República, nunca foi personagem desse tipo de tentativa (bem sucedida?) de cooptação do Poder Judiciário; cooptação, esta, que promove um verdadeiro “golden shower” sobre a Constituição brasileira. Tratou as instituições com o respeito, com o decoro que lhes é devido, zeloso por submeter-se à sua independência e por preservar a harmonia entre os poderes.
O que consola é estar do lado certo da história. Nós democratas, ainda acreditamos no Brasil e na sua resiliência para superar tantos cruéis desafios. Louvamo-nos na carta do Santo Padre que, reconhecendo a profunda injustiça que se promove contra um condenado sem provas, encoraja Lula – e a todos nós – a resistir. Resistir com a Lei do nosso lado. Resistir com a esperança que não esmorece. Resistir com a certeza de que lutar é preciso para garantir a nossos filhos e netos um país melhor, mais livre, mais democrático, mais tolerante, mais plural e, sobretudo, mais consciente de seu papel histórico e de seu lugar no mundo.
Não há “papelão” de magistrados que nos fará perder a fé nessa luta. E, como acreditamos no ser humano, acreditamos, também, que magistrados, que todos respeitamos e defendemos no seu papel constitucional, saberão por a mão na consciência e mudar de atitude. Para o bem do Brasil e de todas e todos nós!
Eugênio Aragão é subprocurador geral da República aposentado, professor de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Foi ministro da Justiça e integra a equipe do escritório Aragão e Ferraro Advogados.
Do GGN