segunda-feira, 8 de julho de 2019

FACHIN CONDENA OS MÉTODOS DA LAVA JATO E DEFENDE UM STF CONTRA A IRRACIONALIDADE, POR LUIS NASSIF

Trata-se de um discurso histórico que não absolve Fachin de todas as concessões aos abusos da Lava Jato. Mas demonstra que a frente inquisitorial, da qual Fachin era um dos expoentes, ao lado de Luis Roberto Barroso, se desfez.
Em discurso proferido no Tribunal Regional eleitoral do Paraná, o Ministro Luiz Robert Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou de forma eloquentes os processos judiciais baseados na convicção e no ódio. Defendeu os Tribunais Eleitorais, como aqueles capazes de julgar sem a polarização e o ódio que marcaram outros processos.
Alertou que os juízes julgam e também são julgados. Em uma possível alusão aos abusos do governo Bolsonaro, exortou todos a enfrentarem a falta de limites e as interpretações descabidas para que o país possa voltar a se encontrar na diversidade, na compreensão.
Trata-se de um discurso histórico que não absolve Fachin de todas as concessões aos abusos da Lava Jato nem devolve a fé no seu caráter. É relevante por demonstrar que a frente inquisitorial, da qual Fachin é um dos expoentes, ao lado de Luis Roberto Barroso, está se desfazendo por parte de quem sempre colocou a oportunidade à frente dos princípios.
Fachin voltou a ser o Fachin que a opinião pública achava que era, antes de assumir o STF. Mas terá que conferir na prática. As dúvidas sobre seu comportamento sao maiores que a conversão recente.
Do GGN

domingo, 7 de julho de 2019

PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA PARTICIPOU DA ESBÓRNIA DOS VAZAMENTOS, POR LUIS NASSIF

Na representação, os advogados da Odebrecht relacionaram as reportagens que já haviam sido publicadas, em cima dos vazamentos.
O vazamento da delação da Odebrecht para procuradores venezuelanos, que a Lava Jato supõe ter sido de responsabilidade da Procuradoria Geral da República, foi denunciado na época pela própria companhia.
Segundo matéria em O Globo, de 17/10/2017 (aqui), a Odebrecht entrou com uma representação junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) para apurar os responsáveis pelo vazamento da parte sigilosa da delação premiada.
Segundo os advogados da companhia, a responsabilidade por resguardar o sigilo deveria ser da PGR. O vazamento comprometeria as investigações e colocaria em  risco a segurança dos delatores e de suas famílias.
“Diante da constatação de que , por diversas vezes, documentos sigilosos e custodiados unicamente pela D. PGR estão sendo indevidamente compartilhados a terceiros e de que essas condutas, além de ocasionarem substantivos prejuízos aos colaboradores e à noticiante, amoldam-se a elementos típicos caracterizadores de infrações penais, requer-se a adoção das medidas cabíveis para elucidação desses fatos, com a identificação dos responsáveis pelos vazamentos de informações sigilosas, a efetiva punição deles e, ainda, a adoção de todas as medidas necessárias para que situações de tal jaez não se repitam”, argumentaram os advogados Rodrigo Mudrovitsch, Gustavo Teixeira Gonet Branco, Felipe Fernandes de Carvalho e Luíza Rocha Jacobsen.
Na representação, os advogados da Odebrecht relacionaram as reportagens que já haviam sido publicadas, em cima dos vazamentos.
Diz a matéria:
A primeira delas é do dia 3 de julho, no jornal panamenho “La Prensa”. Em 1º de agosto, foi a vez do argentino “La Nación”. Em 2 de agosto, foi publicada uma matéria no GLOBO sobre corrupção no Peru , que depois foi reproduzida pelo jornal “El Comercio”, do país vizinho. Em 13 e 14 de agosto, foi a vez respectivamente do jornal mexicano “Aristegui Noticias” e do espanhol “El País”. Em 16 de agosto, “El Financiero”, outro jornal mexicano, também publicou reportagem com informações sigilosas da delação da Odebrecht. Em 21 de agosto, foi seguido pelo venezuelano “Los Reportes de Lichi”.
Do GGN

XADREZ DE COMO A LAVA JATO NÃO SEGUIA SEQUER A ÉTICA DOS BANDIDOS, POR LUIS NASSIF

Não há tergiversação possível: ou se é a favor da lei e das instituições, ou se é apenas um vociferante membro da torcida, da plebe ignara e inculta que ameaça invadir os palácios.
As novas revelações da Vazajato, pela Folha, reforçam os pontos centrais dos outros vazamentos (aqui):
1.     O não cumprimento dos acordos de delação.
O acordo de delação exige a mútua confiança de ambas as partes. O réu delata se houver o compromisso do procurador em cumprir o combinado. A legislação é clara sobre os termos do acordo.
Um trecho do acordo mostra que a Lava Jato não seguia nenhum princípio legal nem ético.  Tratava com bandidos e não obedecia sequer a ética dos bandidos, que é o cumprimento do combinado.
2.     O uso do vazamento como instrumento político.
Esse trecho é fantástico. Tema da maior gravidade – a crise política e humanitária da Venezuela -, na qual países mais responsáveis procuram fazer a mediação, potências globais interferem, a alta diplomacia internacional se digladia. E um procurador regional do Paraná, deslumbrado, messiânico, provinciano, imaturo a ponto de ser completamente controlado pelo juiz, tendo nas mãos um inquérito policial, decide o que é bom ou ruim para os cidadãos venezuelanos.
É a subversão total de toda ordem institucional e das atribuições dos poderes.
3.     Comando total de Sérgio Moro, exercido através de Dallagnol.
Depois das discussões, Dallagnol vai até Moro pedir a bênção. E volta com luz verde, comprovando mais uma vez quem chefiava o esquema.
4.     Cooperação informal ilegal com autoridades de outros países.
Fica claro na combinação dos procuradores, sobre como atual com a ex-Procuradora Geral da Venezuela, demitida por Maduro. Acolhem a procuradora, combinam compartilhar delações, atuações políticas. E ainda entregam o vazador mor do grupo, um tal de CF, que a Folha presume ser Carlos Fernando.
E aqui, a combinação para acolhimento clandestino dos venezuelanos.
5. Vazamentos praticadas pelas três instâncias do MPF.
Nesse trecho, planeja-se abertamente o vazamento. E mencionam-se fontes internas que poderiam estar por trás dos últimos vazamentos, tratando como se fosse algo natural. Não afirmam que a Cooperação Internacional da PGR vazou, mas apontam com naturalidade essa possibilidade.
Não há um advogado, juiz ou procurador sério que aceite endossar essas ilegalidades. Apenas um ou outro jurista ou Ministro, que abdicou do direito em favor do proselitismo político, ou que já entrou até o meio do pântano da Lava Jato, sem possibilidade de retorno, esboça alguma defesa desses absurdos.
Nesse momento, o silêncio é aval para a desmoralização final do Supremo, do Ministério Público, do Judiciário em geral. Não há tergiversação possível: ou se é a favor da lei e das instituições, ou se é apenas um vociferante membro da torcida, da plebe ignara e inculta que ameaça invadir os palácios.
Do GGN

UM PEQUENO TESTE PARA AVALIAR BARROSO, O MINISTRO ILUMINISTA, POR LUIS NASSIF

Defende com unhas e dentes a Lava Jato e o punitivismo, mas jamais levantou a voz para condenar o contra-iluminismo de seu fruto mais célebre, Jair Bolsonaro.
O Ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal) trata a si próprio como “iluminista”. O “iluminismo”, ou o que ele entende por tal, tornou-se a peça de resistência em sua elaborada estratégia de marketing pessoal.
Esta semana, mais uma vez tratou da divulgação dos diálogos da Lava Jato com a malícia de todo sofista: em vez de abordar o conteúdo, preferiu se ater às suspeitas sobre a origem do material. O mesmo Ministro que aprovou todas as irregularidades da Lava Jato, dentro do princípio de que os fins justificam os meios.
Em palestra no Instituto Fernando Henrique Cardoso, ele foi apresentado como “a vanguarda iluminista”.
Em suas preleções, enaltece o papel da Suprema Corte da Alemanha, em criminalizar a negação do holocausto. Mas não se conhece uma afirmação sua de condenação dos crimes da ditadura. Defende com unhas e dentes a Lava Jato e o punitivismo, mas jamais levantou a voz para condenar o contra-iluminismo de seu fruto mais célebre, Jair Bolsonaro.
Apresenta como avanço do iluminismo a possibilidade de aborto de fetos anencéfalos, mas nunca se pronunciou sobre a morte de pessoas, sobre o avanço das milícias nos governos do Brasil e do Rio, sobre as investidas genocidas do governador Wilson Witzel, as investidas contra reservas indígenas.
Aceita tudo como natural, escapando com um argumento safo: quando o velho morreu e o novo ainda não nasceu, há um período naturzal de transição. E, por natural, entenda-se a liberação das armas, a apologia à violência, a morte de lideranças populares, ao genocídio da periferia.
Abaixo, um conjunto de temas civilizatórios e um resumo do que foi a atuação de Barroso. Seria uma piada pronta, não fosse seu cargo de Ministro do STF e de principal estimulador da violência ilegal da Lava Jato.
Apenas comprovam que:
Barroso definitivamente não é um iluminista.
Ele de tornou um dos principais avalistas da ultradireita bolsonariana, por seu apoio ao principal estimulador da violência difusa, a Lava Jato.
Sua defesa pontual de alguns temas morais não caracterizam, de forma alguma, uma postura iluminista. São questões pontuais, nas quais ele próprio atuou como advogado, em uma estratégia de autopromoção vitoriosa, que o levou ao Supremo, a partir do qual pode exercer o papel de agente do punitivismo medieval que garantiu a ascensão política dos terraplanistas. 
Do GGn

sábado, 6 de julho de 2019

SERRA, O CULTIVADOR DO ÓDIO QUE FOI DESTRUÍDO PELO MEDO, POR LUIS NASSIF

Espalhava o terror nos adversários, pela cumplicidade com veículos de mídia dispostos a cometer assassinatos de reputação, alimentados pelos dossiês de Serra.

José Serra sempre foi um político que cultivava o ódio como forma de dominar o  medo. Era implacável nos bastidores. Inaugurou a era dos dossiês, cooptando procuradores, delegados da Polícia Federal e empresas de arapongagem. Não poupou ninguém, nem adversários, como Lula, nem competidores políticos, como Roseana Sarney, nem aliados como Paulo Renato de Souza.
Espalhava o terror nos adversários, pela cumplicidade com veículos de mídia dispostos a cometer assassinatos de reputação, alimentados pelos dossiês de Serra.
Ao mesmo tempo, era um político extraordinariamente inseguro. Nas crises políticas mais agudas, como no episódio das enchentes em São Paulo, ou na crise econômica de 2008, sumia.
Como governador, colocou a polícia para reprimir estudantes da USP. Quando a Polícia Civil cercou o Palácio dos Bandeirantes, pleiteando benefícios de aposentadoria, imediatamente chamou os líderes do movimento e concedeu muito mais do que pediam, ele que fez fama como fiscalista enérgico.
O mesmo ocorreu quando associações empresariais e de trabalhadores pediram audiência e ele se recusou a atender, em plena crise de 2008. Ambos ameaçaram acampar na frente do Palácio e imediatamente foram recebidos.
Fui uma das pessoas iludidas por ele. Voltou do exílio, ex-presidente da UNE, avalizado por um livro em parceria com Maria da Conceição Tavares. Em plena ditadura, um grupo de jornalistas econômicos conseguíamos superar os vetos dos jornais, inserindo reportagens e entrevistas com ele e outros economistas dito progressistas.
No poder, gradativamente foi revelando seu lado obscuro, os dossiês, os ataques implacáveis contra adversários, os sinais exteriores de riqueza, o pouco empenho no trabalho. E, ao mesmo tempo, demonstrando um incrível desconhecimento da economia e de temas relevantes para qualquer ministro ou governador, nos cargos que ocupou.
Saiu-se bem como Ministro da Saúde pelo bom senso de segurar no Ministério alguns personagens históricos do movimento sanitarista, que deram sequencia aos estudos para a implementação dos genéricos. Ao mesmo tempo, envolveu-se em casos malcheirosos, como o da inviabilização da Biobras para beneficiar um concorrente estrangeiro.
O primeiro a me apontar esse despreparo foi Gustavo Franco, que terçou algumas armas com ele na época do Real e se disse surpreso com o grau de ignorância de Serra.  Aí foi caindo a ficha sobre seus artigos e sobre os ghost-writers a quem ele recorria. E sobre sua estratégia ilusionista. Cada vez que um jornalista publicava algum artigo sobre tema novo, Serra telefonava e comentava o artigo como se fosse conhecedor do tema, mesmo sem ter a mínima noção alem do que saia publicado. Admito que era um recurso de retórica eficiente, ao qual recorria também Fernando Henrique Cardoso.
Na campanha de 2010, escancarou definitivamente sua falta de escrúpulos e de princípios. Foi o principal responsável pelo uso dos temas morais na política, ao acusar Dilma de “assassinar” crianças, por sua defesa do aborto em casos específicos, um discurso de ódio como ainda não se ouvira nas campanhas eleitorais, destruindo definitivamente a herança social-democrata do PSDB. E rasgou definitivamente a fantasia com o jogo de cena da bolinha de papel.
Dali em diante mergulhou em direção ao submundo. De seus aliados, passou a exigir provas de lealdade, que consistiam em perpetrar atos abomináveis para serem aceitos pelo cappo.
No impeachment, mostrou mais uma vez seu oportunismo, estimulando o golpe, as passeatas e aceitando o cargo de Ministro das Relações Exteriores, de Michel Temer.
Até que a Lava Jato atravessou seu caminho. E ali, o implacável Serra foi tomado de medo pânico, pavor mesmo, similar ao sentimento que acometia as inúmeras vítimas que deixou pelo caminho, fuziladas por dossiês e por manchetes de veículos inescrupulosos.
Sua vasta rede de alianças, no Ministério Público, no Supremo, conseguiu blindá-lo até agora. Mas não o livraram do terrível sentimento do medo, especialmente depois da informação que o Ministério Público suíço havia identificado depósitos na conta de sua filha. Não confiou na blindagem proporcionada por Raquel Dodge.
Somatizou o medo, passou a enfrentar problemas de coluna, atolou-se em remédios e mais remédios, foi se tornando cada vez mais ausente nas reuniões, nas sessões do Senado, nas reuniões sociais. Hoje é uma sombra que se desmancha irreversivelmente.
O político terrível foi destruído pelo medo. Mas deixa uma herança pesada, como um dos principais artífices das guerras viscerais que destruíram a democracia brasileira.
Do GGN

quinta-feira, 4 de julho de 2019

XADREZ DE LÉO PINHEIRO E DO JOGO POLÍTICO DE RAQUEL DODGE, POR LUIS NASSIF

A sina da politização do MPF e as semelhanças entre dois adversários que se detestam: Janot e Dodge.
Um dos pontos mais ostensivos da pantomima da Lava Jato, foi o aspecto claramente inquisitorial, de obrigar o pecador a abjurar de suas crenças e erros, e fazer profissão de fé pública na sua própria regeneração.

Em vários momentos, as sentenças mencionavam o “arrependimento” como peça central da regeneração, como prova de que o pecador finalmente viu a luz. Não se trata de processo de salvação das almas, mas do artigo 16 do Código Penal, que estipula:
  • Art. 16 – Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços.

É o caso de Léo Pinheiro, na carta que enviou à Folha de São Paulo (aqui), na qual diz que não mentiu nem foi coagido a mentir, mas apenas seguiu as recomendações de sua consciência.
Diz ele:
  • A minha opção pela colaboração premiada3 se deu em meados de 2016, quando estava em liberdade, e não preso pela operação Lava Jato. Assim, não optei pela delação por pressão das autoridades, mas sim como uma forma de passar a limpo erros que cometi ao longo da minha vida. Também afirmo categoricamente que nunca mudei ou criei versão e nunca fui ameaçado ou pressionado pela Polícia Federal ou Ministério Público Federal.

Nos próprios diálogos dos procuradores (aqui) está nítida a tática de decretar a prisão de Léo Pinheiro para que abra o bico – isto é, diga o que a Lava Jato quer que diga. Ou seja, ele estava em liberdade e ameaçado de ir para a prisão se não se acertasse com a Lava Jato. O nome que se dá a essa possibilidade é ameaça ou pressão.
Só quando aceitou mudar a versão é que a delação foi aceita e ele foi ouvido pela autoridade, o juiz Sérgio Moro. Ou seja, o desmentido não desmente nada.
De qualquer modo, o episódio Léo Pinheiro permite montar um roteiro claro, sobre a influência político-partidária na Procuradoria Geral da República, com Rodrigo Janot e, agora, com Raquel Dodge, e a maneira simples como as invesitgações da Lava Jato eram condicionadas.
Peça 1 – a delação de Léo Pinheiro incluía políticos tucanos
Nos diálogos, Deltan confirma o que dizíamos na época, de que Léo Pinheiro incluíra muitos tucanos na delação.
Peça 2 – a armação com a revista Veja
De repente, antes da delação ser homologada, sai a capa da revista Veja, com supostos anexos da delação, em uma falsa denúncia contra Dias Toffoli, Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Os próprios procuradores comentam que não tinham visto aquelas informações nos anexos da delação.
Era matéria falsa, que se auto destruía (aqui). A própria matéria desqualificava a acusação contra Toffoli, mas deixava pairando no ar a suspeita de que, se a delação fosse adiante, pegaria peixe graúdo. Tudo com o óbvio objetivo de melar a delação de Léo Pinheiro:
  • Tal como está, a narrativa de Léo Pinheiro deixa uma dúvida central: existe algum problema em um ministro do STF pedir um favor despretensioso a um empreiteiro da OAS? Há um impedimento moral, pois esse tipo de pedido abre brecha para situações altamente indesejadas, mas qual é o crime? Léo Pinheiro conta que a empresa de im­per­mea­bi­li­za­ção que indicou para o serviço é de Brasília e diz mais: que a correção da tal impermeabilização foi integralmente custeada pelo ministro Tof­fo­li. Então, onde está o crime? A questão é que ninguém se propõe a fazer uma delação para contar frivolidades. Portanto, se Léo Pinheiro, depois de meses e meses de negociação, propôs um anexo em que menciona uma obra na casa do ministro Toffoli, isso é um sinal de que algo subterrâneo está para vir à luz no momento em que a delação for homologada e os detalhes começarem a aparecer.

Peça 3 – a armação atinge o alvo
Anna Carolina, a mais atilada dos procuradores – pelo que se depreende dos diálogos – mata a charada sobre a irrelevância da capa.
A partir daí, mela-se o acordo que dividiria o ônus da Lava Jato do PT com o PSDB, apesar dos lamentos de Deltan. Em parte, pela perda de confiança no que consideraram uma deslealdade do advogado de Léo – que, possivelmente, estava inocente nessa armação. Em parte, pelo receio da reação do STF, como se depreende na continuação do diálogo de Anna Carolina, respondendo a Deltan.
E, depois:
Com isso, o PSDB foi salvo e não precisou prejudicar a ofensiva política contra Lula. E os espertíssimos integrantes da Lava Jato Paraná, que julgavam ter desvendado o maior caso de corrupção da história por seus próprios méritos, continuaram sem se desviar do caminho que lhes foi traçado por espertos muito mais profissionais, acantonados em Brasilia, manobrando o chicote e a cenoura e induzindo totalmente o caminho que a operação deveria percorrer.
A reação imediata do PGR Janot à capa da Veja, anunciando a interrupção das negociações com Léo, deixaram suas impressões digitais na armação.
Peça 4 – o fator Raquel Dodge
O MPF desistiu de vez da delação de Léo Pinheiro, mas a Polícia Federal aceitou, em uma desmoralização completa de todas as bandeiras do Ministério Público, desde a PEC 37. Como se recordam, a PEC 37 pretendia restringir os poderes de investigação do MPF. Ali foi selado o pacto com a Globo, para derrubar a PEC. Afinal, não tinha lógica impedir que mais poderes pudessem aprofundar as investigações sobre crimes de impacto. E era atribuição constitucional do Ministério Público exercer o controle externo da atividade policial. Agora, ocorria o inverso, era a Polícia Federal exercendo o controle externo da atividade do MPF, impedindo que varresse parte da delação de Pinheiro para debaixo do tapete.
Antes, um pouco da biografia de Raquel.
Mesmo sem atuação política ostensiva, Raquel sempre foi considerada integrante do grupo tucano na PGR. Essas suspeitas nasceram de suas relações profissionais estreitas com dois procuradores envolvidos até a medula em jogadas com José Serra – alvo principal das delações de Léo Pinheiro.
São eles José Roberto Santoro e Marcelo Serra Azul. Juntos com Raquel Dodge, integraram a força tarefa criada pelo PGR Geraldo Brindeiro para desbaratar uma organização criminosa perigosa, comandada por Hildebrando Paschoal, o deputado da motosserra. Foi uma operação vitoriosa que levou à prisão de 80 pessoas (aqui) e ajudou a construir a reputação do grupo.
Logo depois, dois deles – Santoro, Serra Azul, mais tarde Mário Lúcio Avelar – se tornaram operadores tucanos barras-pesadas, se infiltrando em várias operações sob a coordenação de José Serra.
Tiveram participação direta na operação Lunus, armada para inviabilizar a candidatura de Roseana Sarney para a presidência. Foi feita uma armação no escritório de Roseana, onde foram apreendidos maços de dinheiro, com ampla cobertura de televisão. Estavam envolvidos na operação dois agentes de Serra, Santoro pelo MPF e Marcelo Itagiba, pela Polícia Federal (aqui). Depois do flagrante da TV, armou-se o cenário das notas empilhadas (recurso utilizado posteriormente no episódio dos “aloprados”), e a divulgação da foto foi atribuída a outro integrante do grupo, Mário Lúcio Avelar.
Nas investigações sobre o crime organizado no Espirito Santo, episódios que envolviam o governador Paulo Hartung,  também aliado de Serra, foram tratados por Santoro (aqui).
No episódio de maior repercussão, Santoro tentou cooptar o bicheiro Carlinhos Cachoeira para ofensiva contra o PT. Na época, um PGR sério, Cláudio Fontelles, denunciou os três procuradores por essas ligações espúrias: Santoro, Serra Azul e Avelar, acusando-os de afrontar o princípio do Promotor Natural, e de violarem o dever de lealdade para com a Instituição (aqui).
Atualmente, Santoro é advogado do PSDB. E depende de sua antiga companheira, Raquel Dodge, aceitar ou não a delação de Léo Pinheiro.
A aceitação ou não em nada interferirá no julgamento de Lula, já que o ex-juiz Sérgio Moro se contentou com declarações feitas por Leo Pinheiro na condição de réu. Nem reduzirá os estragos provocados na economia, na política, no nível da política pública e na imagem do MPF. Apenas reforçará a extrema partidarização ocorrida em agentes do Estado que desrespeitaram as responsabilidades para com o país e sua própria corporação. E, principalmente, a maneira como foram condicionados a agir, trilhando as linhas de menor resistência, aqueles em que as porteiras estavam abertas. E todos os caminhos desobstruídos levavam ao PT. Foi simples assim.
E o mais duro, a constatação que entre Rodrigo Janot e Raquel Dodge não passa nem um fio de linha.
Do GGN

quarta-feira, 3 de julho de 2019

A MÍDIA E A MALDIÇÃO DA LAVA JATO, POR LUIS NASSIF

Calando-se, ante a investida de Moro, revelará toda sua impotência, sua fragilidade, na defesa de suas próprias prerrogativas.
Primeiro, incutiram o ódio. Foram anos e anos de campanha negativa, criminalizando todos os atos, criando versões conspiratórias de todas as políticas.
Depois, trataram de jogar a autoestima brasileira no seu nível mais baixo, naquele que deveria ser o momento mais alto de celebração nacional, uma Copa do Mundo.
Antes disso, tinham levado a disputa política para outro campo, o da Justiça, embriagando o Ministério Público com o porre da celebrização, transformando jovens imaturos em heróis nacionais, entregando o poder a um juiz ambicioso, inescrupuloso até a medula, e pressionando um Supremo temeroso a ponto de esquecer de suas obrigações constitucionais.
Depois, convocaram as multidões para as ruas, bradando discursos de ódio. Cometeram, contra si próprios, a pior das autoimolações: desacreditaram a essência do seu trabalho, as informações, os conceitos, os pactos que regem sociedades civilizadas, a própria Constituição e as leis, valores que legitimavam sua missão em ambientes democráticos.
Apelaram para fakenewssem fim, as invasões das FARCs, os dólares em garrafas de rum, os lobistas com narrativas improváveis. Aliaram-se a organizações criminosas, como a de Carlinhos Cachoeira, montaram parcerias com grampeadores e procuradores inescrupulosos. E recorreram ao jogo recorrente de manipulação da informação, juntando informações verdadeiras – o vasto e histórico esquema de corrupção política que existia -, como âncora para toda sorte de teorias conspiratórias e de ataques seletivos aos adversários. Ao usar a corrupção como instrumento político seletivo, foram corruptos, e eles sabem disso. Esse é o drama.
E os céus amaldiçoaram a mídia e os que implantaram o terror, o ódio fratricida e abriram as jaulas para a selvageria, julgando que, com o chicote e as cenouras, com os quais influenciavam o país institucional, manteriam o país selvagem sob controle.
Os bárbaros ajudaram a trucidar o governo deposto e não mais pararam. Primeiro, tomaram da mídia o controle sobre as informações, com suas redes de WhatsApps, e estratégias de viralização montadas por consultores internacionais, muito mais eficientes.
Criaram seu próprio público, cortando o cordão umbilical com a mídia, se apropriando do discurso de ódio com muito mais propriedade do que a geração inicial de cronistas do ódio, uma mescla de cronistas culturais, novos e velhos jornalistas tentando se reciclar, atendendo à demanda da mídia, visando atrair e instrumentalizar o sentimento de ultradireita que emergia globalmente. Com todas as regras civilizatórias e sociais revogadas, os almofadinhas da mídia, que fingiam falar duro, os cronistas-ternura que ocuparam a demanda por discursos de ódio foram rapidamente destronados por bestas-feras autênticos, daqueles que coçam o saco, arrotam em público, batem em velhinhas vestidas de vermelho.
Finalmente, os hunos conquistaram o poder político, elegendo um capitão da reserva, deputado baixo clero, com vinculações claras com as milícias e um ódio visceral à mídia. Só aí caiu a ficha da mídia, de que seu poder derivava diretamente da democracia, do respeito às regras do jogo, da credibilidade das informações e, especialmente, das narrativas. Ao colocar em xeque as instituições, expunha-se a si própria a qualquer autoritário de plantão. E, especialmente, perdia o controle para outros praticantes de fakenews e de teorias conspiratórias, desses que acreditavam que o Jornal Nacional e a Veja eram instrumentos das esquerdas.
Ali, rompeu-se o pacto com Satanás e o jornalismo tentou o duro regresso, a recuperação dos valores jornalísticos, a defesa, ainda que tímida, de bandeiras legitimadoras. Colunistas foram liberados, então, para criticar Bolsonaro e se concentrar na defesa de temas sociais, de meio ambiente, retomando a crítica à ditadura, mas poupando a Lava Jato. Os jovens jornalistas foram apresentados a uma biografia repaginada dos seus ídolos, da qual foi apagada não a história passada, mas a história recentíssima. E poupando a Lava Jato.
Mas o passado recente sempre voltava para atormentar e ele atendia pelo nome de Sérgio Moro e da Lava Jato.
Como justificar, para seu público, que tudo não passou de uma enorme armação, na qual a bandeira legítima do combate à corrupção serviu de escada para golpes políticos, onde o prêmio final foi o cargo de Ministro da Justiça conferido ao campeão da moralidade?
Teve início, então, um malabarismo de Houdini: criticar Bolsonaro e poupar Moro, como se ambos não fossem da mesma natureza, disputando o mesmo projeto de poder autoritário.
Não escaparam da maldição que acompanha todos os que brincam com a democracia. Arrumaram álibis para a nomeação do seu campeão para Ministro da Justiça. Ele seria a âncora de racionalidade do governo, o que não permitiria que o arbítrio se fizesse ao largo das leis.
Calaram-se quando o campeão passou a aceitar todas as irracionalidades do seu padrinho presidente, em uma subserviência chocante, especialmente se confrontada com o estilo anterior, do juiz implacável, inclemente, que executava adversários feridos no campo de batalha.
Depois, quando alvo de ataques, o campeão se encaixou debaixo da asa protetora do seu presidente, que o exibiu como um troféu em jogos de futebol, mostrando que, agora, ele havia se tornado o avalista da âncora. E ainda balbuciou palavras de agradecimento à confiança, não da opinião pública, não da mídia, mas a confiança que lhe foi depositada por Bolsonaro. E se agarrou ao que imaginou ser sua boia de salvação, as manifestações de rua, que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo.
Agora, a mídia entra na sua escolha de Sofia. Sérgio Moro é acometido pela síndrome do escorpião e atravessa o Rubicão, valendo-se do COAF para retaliar o jornalista que divulga suas falas. É o mais grave atentado à liberdade da imprensa desde a redemocratização, porque se valendo do poder de Estado, do comando da Polícia Federal, para interromper a divulgação de notícias de interesse público. E eles sabem disso. Pior: eles sabem que os leitores também sabem disso.
E agora? O Globo esconde a informação, o Estadão esconde, a Folha caminha sozinha para recuperar a aura das diretas, perdida nos últimos anos.
Em parceria com a Globo, a Lava Jato tenta de todas as maneiras criar uma contra narrativa. Desenterra as delações de Palocci,  sustentando que Lula era o comandante, tudo isso depois do The Intercept revelar como eram feitas as salsichas das delações premiadas.
A reconstrução da mística jornalística ficará pela metade. Os jovens repórteres, inebriados com congressos em que os colegas mais velhos discorrem sobre as virtudes do jornalismo, apagando uma história de infâmia muito recente para ser esquecida, não terão nem o consolo da hipocrisia para manter a chama acesa.
Esta é a maldição final, terrível, dolorosa, o desafio final a ser enfrentado pela mídia. Calando-se, ante a investida de Moro, revelará toda sua impotência, sua fragilidade, na defesa de suas próprias prerrogativas. E o país está coalhado de inimigos, à esquerda, mas, principalmente, à direita, esperando o primeiro sinal de fraqueza para avançar. 
Do GGN

COM A PF INVESTIGANDO GLENN, MORO ATRAVESSA O RUBICÃO, POR LUIS NASSIF

Antes, eram convicções fundadas em indícios fortes. Agora, se tem a comprovação. Não duvide se, nos próximos meses, universidades e associações que o premiaram comecem a requisitar de volta as honrarias concedidas.
O Ministro Sérgio Moro se rendeu à síndrome do escorpião. É a velha fábula do escorpião que pede carona para um sapo, para atravessar o rio. O sapo reluta:
– Não vou te levar, porque você vai querer me picar.
– Bobagem, sapo. Se eu te picar, você morre e eu morro junto.
O sapo concorda. No meio do caminho, o escorpião pica o sapo. E ele, antes de afundar:
– Por que você fez isso, se vai morrer também?
– É da minha natureza, sapo.
É da natureza de Moro o uso de toda sorte de expedientes contra os réus, e de violência imprudente contra os críticos.
A síndrome do escorpião o fez ordenar condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães. A razão foi uma representação feita contra ele junto ao Conselho Nacional de Justiça. O efeito foi tão negativo, inclusive na mídia aliada, que Moro recuou e não seguiu adiante.
Agora, com Glenn Greenwald, a natureza do escorpião aflora novamente. Ao colocar a Polícia Federal e o COAF (Conselho de Cobntrole das Atividades Financeiras) para investigar Greenwald, Moro coloca contra ele não apenas a imprensa nacional, mas a própria imprensa global, que foi decisiva para a disseminação de sua falsa imagem de juiz comprometido na luta contra a corrupção.
Razão tem o procurador Luiz Lessa que, em um dos diálogos divulgados, trata Moro e os colegas curitibanos de provincianos deslumbrados. Aparentemente, até hoje Moro não se deu conta da dimensão de Greenwald no universo jornalístico mundial. Trata-se de um vencedor do Prêmio Pullitzer, e autor do maior feito jornalístico da era da telemática, com as denúncias de Snowden.
Com a medida, agravada pelo apoio a manifestações que pediam fechamento do Congresso e do Supremo, Moro confirma o que sempre afirmamos aqui: ele é completamente alinhado com os grupos de ultra-direita, instrumentalizaria a Polícia Federal e tentaria instituir uma república policialesca no país.
Antes, eram convicções fundadas em indícios fortes. Agora, se tem a comprovação. Não duvide se, nos próximos meses, universidades e associações que o premiaram comecem a requisitar de volta as honrarias concedidas.
GGN

domingo, 30 de junho de 2019

XADREZ DA GRANDE ARMAÇÃO DA DELAÇÃO DA OAS, POR LUIS NASSIF

Apagão jornalístico da época, impediu Folha e The Intercept de contextualizar os diálogos capturados sobre a delação de Leo Pinheiro.

A Folha colocou repórteres experientes para se juntar à jovem equipe do The Intercept na cobertura do dossiê sobre a Lava Jato. A dificuldade que enfrentam é a ausência de acompanhamento anterior sobre tema, tanto por parte da Folha como do The Intercept, o que impede de contextualizar devidamente os diálogos (aqui).
Essa é uma das grandes dificuldades do dossiê. Cada capítulo expõe, ainda que de forma indireta, o grande apagão da mídia no período.
Tome-se o episódio de hoje, publicado pela Folha, sobre a delação de Léo Pinheiro, da OAS (aqui) As implicações são bem maiores do que foi sugerido pela reportagem. Foi a primeira evidência efetiva de que o Procurador Geral da República Rodrigo Janot havia entrado de cabeça nas armações da Lava Jato.
Expliquei o jogo no artigo “Xadrez de Toffoli e o fruto da árvore envenenada” (aqui), de 22 de agosto de 2016, em plena efervescência do episódio.
Simplificadamente, ocorreu o seguinte:
  1. Havia evidências de que Léo Pinheiro, presidente da OAS, entregaria tucanos, especificamente o governador José Serra, em sua delação.
  2. De repente, há o vazamento de um falso escândalo para a revista Veja.
  3. Com base nesse factoide, o Procurador Geral da República Rodrigo Janot ordena a interrupção das negociações com Pinheiro.

Vamos entender esse jogo em detalhes.
Peça 1 – Leo Pinheiro e o buraco do Metrô
Antes da delação de Leo Pinheiro, circularam informações, entre advogados de São Paulo, que ele seria decisivo nas denúncias contra políticos do PSDB, especialmente José Serra.
Em duas operações que, de alguma forma, envolviam Serra, a Justiça acatou a tese do “fruto da árvore envenenado” para anular o inquérito. Foi assim na Satiagraha e na Castelo de Areia – na qual há acusações graves contra o Ministro do Superior Tribunal de Justiça que anulou o inquérito. Ou seja, pegava-se qualquer irregularidade (no caso da Castelo de Areia não havia) e se recorria ao conceito do fruto envenenado para anular toda a operação.
A Castelo de Areia, por sua vez, permitiria comprovar uma das grandes suspeitas de crime do então governador José Serra, no episódio do buraco do Metrô, que deixou 7 mortos.
O trabalho era executado por um consórcio formado pela Norberto Odebrecht, CBPO, Construtora Camargo Correia, OAS Construção, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão.
Quando houve o acidente, as empreiteiras foram colocadas no corner por duas ações simultâneas. A primeira, as declarações do Secretários dos Transportes José Luiz Portella, de que eles sabiam do problema (aqui), portanto, haveria dolo. E o Ministério Público Estadual pretendia indiciar os próprios presidentes das empreiteiras.
Houve uma dura negociação, com participação direta de Serra, ao cabo da qual o MPE teria concordado em indiciar engenheiros indicados pelas próprias empreiteiras. Na época, havia suspeita de pagamento de R$ 15 milhões. A Castelo de Areias identificou pagamentos de R$ 5 milhões, da parte da Camargo Correia, que poderiam estar ligados ao acerto. Mas o caso acabou anulado.
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Aliás, uma das figuras-chave para a anulação da Castelo de Areias foi o intimorato Ministro Luis Roberto Barroso (aqui).
Tudo indicava que, sem ter como atender a Lava Jato, no caso do tríplex, Pinheiro ofereceria as provas contra o PSDB no episódio do Metrô.
Há uma conversa de Deltan Dallagnol comprovando essa suspeita.
Peça 2 – a jogada do falso vazamento
Aí veio a grande jogada, que consistiu em um vazamento de um episódio anódino para a Veja, envolvendo o Ministro Dias Tofolli, do Supremo Tribunal Federal (STF). Era uma denúncia falsa, conforme descrevi na época:
Fato 1 – já era conhecido o impacto das delações de Léo Pinheiro sobre Serra e Aécio (http://migre.me/uJKsj). Tendo acesso à delação mais aguardada do momento, a revista abre mão de denúncias explosivas contra Serra e Aécio por uma anódina, contra Toffoli.
Fato 2 – a matéria de Veja se autodestrói em 30 segundos. Além de não revelar nenhum fato criminoso de Toffoli, a própria revista o absolve ao admitir que os fatos narrados nada significam. Na mesma edição há uma crítica inédita ao chanceler José Serra, pelo episódio da tentativa de compra do voto do Uruguai. É conhecida a aliança histórica de Veja com Serra. A reportagem em questão poderia ser um sinal de independência adquirida. Ou poderia ser despiste.
Era em tudo similar ao famoso grampo de Demóstenes Torres, que serviu para afastar o delegado Paulo Lacerda da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência). Era um grampo a favor, no qual o
Ministro Gilmar Mendes e o senador Demóstenes Torres trocavam elogios entre si. Havia em tudo o mesmo estilo, uma versão tupiniquim do mesmo padrão do incêndio do Reichstag, recurso utilizado desde tempo imemoriais.
No mesmo domingo, Janot acusa os advogados da OAS de terem vazado o episódio e ordena a anulação das negociações com ele. Não tinha pé nem cabeça. Como observei na ocasião.
  • A alegação dos procuradores, de que o vazamento teria partido dos advogados de Léo Pinheiro, visando forçar a aceitação da delação não têm o menor sentido. Para a delação ser aceita, os advogados adotariam uma medida que, na prática, anula a delação? Contem outra.

Não havia nenhum indício de autoria do vazamento. Mais ainda: em nenhum momento a delação mencionava o episódio narrado por Veja, como se comprova, agora, nos próprios diálogos dos procuradores. Mas havia uma estratégia nítida por trás.
  • “Sem comprometer Toffoli, o vazamento estimula o sentimento de corpo do Supremo, pela injustiça cometida contra um dos seus.
  • Aomesmo tempo, infunde temor nos Ministros, já que qualquer um poderia ser alvo de baixaria similar”.
  • Era evidente a armação. Só não se conheciam os autores intelectuais.
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  • De qualquer modo, trata-se de um ponto de não retorno, que ou consagra a PGR e o Ministério Público Federal, ou o desmoraliza definitivamente.

Afinal, quem toca a Lava Jato é uma força tarefa que, nas eleições presidenciais, fez campanha entusiasmada em favor do candidato Aécio Neves. Bastaria um delegado ligado a Serra e Aécio vazar uma informação anódina contra um Ministro do STF para anular uma delação decisiva. Desde que o PGR aceitasse o jogo, obviamente.
Era esse o contexto central, onde deveriam entrar os diálogos revelados pela Folha e pelo The Intercept.
Peça 3 – o fator Janot
Janot sempre foi uma figura menor no MPF, que se destacava apenas na política interna menor, tratando dos micro temas da corporação. Enquanto o PT era poder, aproximou-se de lideranças do partido, como José Genoíno, em um esquema bajulatório que incluía jantares em sua casa, regados a vinhos caros, nos quais atuava como cozinheiro e garçom. Seu principal padrinho para a PGR, e melhor amigo, procurador Eugênio Aragão, narrou em detalhes a atuação bajulatória de Janot, depois que ele mudou de lado.
No artigo em que analisamos o episódio, levantamos as suspeitas sobre a armação.
  • Afinal, quem toca a Lava Jato é uma força tarefa que, nas eleições presidenciais, fez campanha entusiasmada em favor do candidato Aécio Neves. Bastaria um delegado ligado a Serra e Aécio vazar uma informação anódina contra um Ministro do STF para anular uma delação decisiva. Desde que o PGR aceitasse o jogo, obviamente.
  • Será curioso apreciar a pregação dos apóstolos das dez medidas, se se consumar a anulação da delação.

E colocava foco em Janot:
  • A incógnita é o PGR Rodrigo Janot. Até agora fez vistas largas para todos os vazamentos da operação mais vazada da história. E agora?
  • Se ele insiste na anulação da delação, a Hipótese 1 é que está aliado a Gilmar na obstrução das investigações contra Aécio e Serra. A Hipótese 2 é que está intimidado, depois do tiro de festim no pedido das prisões de Renan, Sarney e Jucá. A Hipótese 3 é que estaria seguindo a lei. Mas esta hipótese é anulada pelo fato de até agora não ter sido tomada nenhuma providência contra o oceano de vazamentos da Lava Jato.

Os diálogos revelados pela Folha servem para comprovar que a armação, nesse caso, não partiu da força tarefa.
Peça 4 – o apagão do jornalismo
Na época, toda a imprensa se calou ante uma manobra escandalosa. Aliás, seria um bom tema para ser abordado no evento da ABRAJI (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). A própria Veja, que, agora, se esmera em retomar os caminhos do jornalismo, poderia esclarecer melhor o episódio.
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A reportagem de hoje, na Folha, esclarece muito mais pelo que não revela.
A Lava Jato estava empenhada, sim, em anular a delação de Pinheiro, por não trazer elementos que incriminassem Lula.
Isso já era nítido na época:
  • Na semana passada o procurador Carlos Fernando dos Santos lima já mostrava desconforto com a delação da OAS, ao afirmar que a Lava Jato só aceitaria uma delação a mais de empreiteiras. Não fazia sentido. A delação depende do conteúdo a ser oferecido. O próprio juiz Sérgio Moro ordenou a suspensão do processo, sabe-se lá por que. E nem havia ainda o álibi do vazamento irrelevante.

  1. A Lava Jato sabia que a delação de Pinheiro incriminaria os tucanos, como revelou a fala de Dallagnol.
  2. Mesmo assim, foram apanhados de surpresa pelo vazamento, indicando que a estratégia partiu de Brasília, mas especificamente de Rodrigo Janot.

A extraordinária incompetência política do PT, e de Dilma Rousseff, orientada pelo arguto Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso, levou à recondução de Janot ao cargo de PGR, preterindo Ella Wiecko. Seguramente ali selou o destino do seu governo. Janot foi elemento central para o impeachment.
Os episódios narrados ocorreram em pleno apagão jornalístico. E é essencial para desnudar de vez as armações e comprovar que não se limitavam aos provincianos de Curitiba, mas ao próprio centro de poder.
De qualquer modo, Folha e The Intercept poderão retomar o tema em futuras reportagens.
Do GGN