A
razão tem sido o posicionamento corajoso da jornalista contra medidas do
governo Bolsonaro.
Ontem,
na noite de autógrafos do meu livro, em Brasília, aparece um rapaz jovem,
simpático, me agradecendo “profundamente”. Por que? Pela defesa que fiz dele no
caso Wikipedia.
Em
agosto de 2014, em plena campanha eleitoral, Miriam Leitão denuncia o Palácio
do Planalto por ter manipulado de forma difamatória seu perfil na Wikipedia. O
escândalo explode em todo o país.
Segundo
descrição do jornal O Globo (aqui),
as alterações na Wikipedia incluíram o seguinte trecho:
“Míriam
Leitão fez a mais corajosa e apaixonada defesa de Daniel Dantas, ex-banqueiro
condenado por corrupção entre outros crimes contra o patrimônio público. A
forma como Míriam Leitão se envolveu na defesa de Dantas chamou a atenção de
Carlos Alberto Sardenberg, seu companheiro na CBN, para quem a jornalista
estava diferente naqueles dias. Para Míriam Leitão, apesar do vídeo que
flagrava o suborno a um delegado da Polícia Federal, a prisão de Dantas não se
justificava, posto que se tratava de coisas do passado”.
Provavelmente
se referia a um comentário de Miriam na CBN, apanhada de surpresa com a notícia
da prisão de Dantas. Não havia mentira, nem ilações, mas apenas permitia
ilações. Contra Sardenberg, a crítica era bobinha, atribuindo sua defesa dos
juros altos ao fato de ter um irmão economista da Febraban.
Descobriu-se
que a alteração saiu de um dos computadores da rede que servia o Palácio do
Planalto. É uma rede com centenas de computadores, do mesmo modo que as redes
que servem as Organizações Globo. No entanto, atribuiu-se ao Palácio.
A
intervenção na Wikipedia havia sido em 2013. Descobriu-se, depois, que tinha
sido o ato individual de um jovem de 29 anos, do interior de São Paulo,
concursado.
De
forma desproporcionalmente pesada, caiu o mundo sobre ele, como a pata de
elefante esmagando uma formiguinha.
Apelou-se
a uma das modalidades menos analisadas de fake news, que consiste em tratar
como grandes escândalos pequenos episódios irrelevantes.
Imediatamente
a oposição pediu a interferência da Procuradoria Geral da República. Espocaram
manifestações de solidariedade da ABI e da Fenaj, entidades que permaneceram
mudas e quietas ante todos os abusos cometidos contra jornalistas que não eram
da Globo.
A
presidente Dilma Rousseff caiu na esparrela e usou da palavra presidencial,
aquela que deveria ser empregada apenas para grandes temas institucionais, para
condenar a atitude e ordenar a instauração de um inquérito para apurar o
responsável pelo crime.
Tempos
depois, Mirian promoveu outro festival de solidariedade, ao denunciar que havia
sido moralmente agredida por petistas em um voo para Brasília.
“Sofri
um ataque de violência verbal por parte de delegados do PT dentro de um voo.
Foram duas horas de gritos, xingamentos, palavras de ordem contra mim e contra
a TV Globo. Não eram jovens militantes, eram homens e mulheres representantes
partidários. Alguns já em seus cinquenta anos. Fui ameaçada, tive meu nome
achincalhado e fui acusada de ter defendido posições que não defendo” (aqui).
“(…)
“Durante o voo foram muitas as ofensas, e, nos momentos de maior tensão, alguns
levantavam o celular esperando a reação que eu não tive. Houve um gesto de tão
baixo nível que prefiro nem relatar aqui. Calculavam que eu perderia o
autocontrole. Não filmei porque isso seria visto como provocação. Permaneci em
silêncio. Alguns, ao andarem no corredor, empurravam minha cadeira, entre
outras grosserias”.
Era
um fake News (aqui)
que foi desmentido no mesmo dia pelas redes sociais.
Segundo
depoimento do advogado Rodrigo Mondego, no Facebook, presente ao voo
(https://goo.gl/p6x7KH)
Cara
Miriam Leitão,
A
senhora está faltando com a verdade!
Eu
estava no voo e ninguém lhe dirigiu diretamente a palavra, justamente para você
não se vitimizar e tentar caracterizar uma injúria ou qualquer outro crime. O
que houve foram alguns poucos momentos de manifestação pacífica contra
principalmente a empresa que a senhora trabalha e o que ela fez com o país. A
senhora mente também ao dizer que isso durou as duas horas de voo, ocorreu
apenas antes da decolagem e no momento do pouso.
Um
segundo depoimento foi de Lúcia Capanema, professora de Urbanismo da UFF –
Universidade Federal Fluminense (https://goo.gl/JjWSSA)
“(…)
Fui a última a entrar no avião, e quando o fiz encontrei um voo absolutamente
normal. Não notei sua presença pois não havia nenhum tipo de manifestação
voltada à sua pessoa (https://goo.gl/KpX9P9).
Durante
as duas horas de voo nada houve de forma a ameaçá-la, achincalhá-la ou mesmo
citá-la nominalmente. Por duas ou três vezes entoou-se os já consagrados
cânticos “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” e “a verdade é dura, a Rede
Globo apoiou a ditadura”; cânticos estes que prescindem da sua presença ou de
qualquer pessoa relacionada a empresa em que você trabalha, como se pode notar
em todas as manifestações populares de vulto no país. Veja bem, estávamos a
apenas seis fileiras de distância e eu só fui saber de sua presença na aeronave
na segunda-feira seguinte, depois de ter escrito o relato publicado por várias
fontes de informação da mídia alternativa. (…)
Conforme
escrevemos na época (aqui)
Alguém
pode imaginar uma cena dessas, de duas horas de escracho, em um voo comercial
em uma das rotas aéreas mais frequentadas do país, passar em branco durante dez
dias, sem uma menção sequer nas redes sociais ou mesmo no próprio blog da
jornalista? Não teve uma pessoa para sacar de seu celular e filmar as supostas
barbaridades cometidas contra a jornalista. Não teve um passageiro para
denunciar os absurdos no seu perfil? E a jornalista disse que não filmou por
ter se sentido intimidada e estoicamente guardou durante dez dias as ofensas
que diz ter sido alvo.
Sinceramente,
como é possível a uma pessoa empurrar ostensivamente a cadeira de um
passageiro, de uma senhora, sem provocar uma reação sequer dos demais? Tivesse
sido alvo de um escracho real, teria toda minha solidariedade. Não foi o caso.
Mesmo
assim, imediatamente – como seria óbvio – a denúncia de Miriam provocou
manifestações de solidariedade não apenas de entidades de classe como de
jornalistas que não se alinham ao seu campo de ideias. De repente, foram
relevadas todas as opiniões polêmicas da jornalista, nesses tempos de
lusco-fusco político, de ginásticas mentais complexas para captar os ventos da
Globo, para que explodisse uma solidariedade ampla.
No
início do governo Dilma, houve episódio semelhante com Miriam, com a tal
manipulação de seu perfil na Wikipedia por algum funcionário do Palácio. As
alterações diziam que ela teria cometido erros de avaliação em alguns
episódios.
Não
existe um personagem público que não tenha sofrido com interferências em seu
perfil na Wikipedia. E tentar transformar em atentado político, por ter partido
de um computador da rede do Palácio, é o mesmo que acusar uma empresa por
qualquer e-mail enviado por qualquer funcionário.
(…)
E depois se diz que são as redes sociais que criam a pós-verdade.
Nos
dois casos era claramente um jogo político, o episódio do voo sendo denunciado
apenas dez dias depois da suposta ocorrência; o caso da Wikipedia sendo
denunciado um ano depois. Em ambos os casos, impactando o período eleitoral.
Agora,
enquanto Miriam enfrenta o ódio das milícias bolsonaristas, entendendo de fato
o que é o ódio, o jovem à minha frente conta que até hoje está respondendo a
cinco processos dela e de Sardenberg, promovidos por advogados da Globo. Não
foi demitido do setor público, por estável. Mas sua carreira morreu no momento
em que incluiu menções a Miriam na Wikipedia, sem se dar conta de que o
macarthismo já tinha se implantado no país.
Era
apenas um jovem do interior que cometeu a imprudência de conspurcar o Wikipedia
de uma jornalista notável e se tornou o álibi preferencial no grande teatro da
real politik, permitindo à jornalista despertar solidariedades e amenizar
as críticas contra ela, para a oposição e a Globo reforçarem as narrativas
sobre os exércitos bolivarianos, e a presidente se mostrar como uma grande
democrata.
Todos
eles sem se dar conta que estavam jogando carne fresca para a matilha de cães
ferozes que estavam sendo criados no cativeiro da mídia. Agora, com as grades
da jaula abertas pelo WhatsApp saem pelo mundo mordendo até as pessoas que os
alimentavam, instaurando o protofascismo no país.
Tenho
certeza que agora, depois de provar do fel amargo do macarthismo em estado
puro, e se tornar uma campeã da democracia, Miriam terá a generosidade de
suspender as ações. Afinal, era apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro
no banco sem parentes importantes, e vindo do interior.
Repito,
há um doloroso ajuste de contas a ser feito pela mídia com ela própria.
Do
GGN