quinta-feira, 25 de junho de 2020

NOVA LEI DO SANEAMENTO PERMITIU PASSAR A BOIADA DA PRIVATIZAÇÃO DA ÁGUA, POR LUIS NASSIF

Nas próximas décadas, a água será a mais importante commodity do planeta. O Brasil possui água em abundância, aquíferos, rios. É um bem público. Por isso não pode ser propriedade nem de estados, municípios, menos ainda de empresas privadas.
Quando li as primeiras críticas ao projeto da Lei do Saneamento, mencionando a “privatização da água”, confesso que achei que fosse algum exagero de setores mais estatizantes.
Lendo o projeto, no entanto, um dos parágrafos era inusitado:
2º As outorgas de recursos hídricos atualmente detidas pelas empresas estaduais poderão ser segregadas ou transferidas da operação a ser concedida, permitidas a continuidade da prestação do serviço público de produção de água pela empresa detentora da outorga de recursos hídricos e a assinatura de contrato de longo prazo entre esta empresa produtora de água e a empresa operadora da distribuição de água para o usuário final, com objeto de compra e venda de água.
O projeto institui, de fato, essa figura esdrúxula da “empresa produtora de água”, um personagem diferente da empresa que cuidará do saneamento. Ela definirá o que fazer e como fazer com a água. A regulação será apenas sobre a empresa de distribuição da água.
Como assim? O bem público por excelência, a água, terá um proprietário, alguém intitulado de “produtor de água”?
Ora, a água serve para inúmeras finalidades. É um direito essencial, condição essencial de sobrevivência, garantidora da saúde. É geradora de energia, ponto central de saneamento, pesca, hidrovias. Nas bacias hidrográficas, o mau uso em uma ponta afeta o uso em outra. Essa complexidade e integração exige uma engenharia social complexa para a boa gestão. De repente, todo esse conjunto de direitos essenciais ficará sob a guarda de um “produtor de água”?
Aproveitaram o Covid-19 para passar a maior boiada da história recente do país. Nem mesmo a compra de grandes extensões de terras brasileiras por estrangeiros, é um risco maior do que essa loucura – endossada pela mídia.
Ora, há espaço para setor privado e público. Há setores em que o setor privado é mais eficaz. Outros em que o controle estatal é relevante. Entram aí os setores ligados ao conceito de segurança, cuja atividade afeta outros setores. E outros que são monopólio natural. A água cumpre todos os requisitos para não ser privatizada.
Hoje em dia, está em discussão no Congresso americano a Lei de Acessibilidade, Transparência, Equidade e Confiabilidade da Água, propondo US$ 35 bilhões por ano para revisar a infraestrutura de água no país.
Recentemente, a Sociedade Americana de Engenheiros Civis atribuiu à infraestrutura de água potável dos EUA o grau D (o último das agências de risco) e D+ para infraestrutura de águas residuais.
No país mais rico do planeta, 1,7 milhão de americanos não têm acesso a instalações hidráulicas básicas, como banheiro, chuveiro e água corrente básica. Cerca de 200 mil família não possuem sistema de esgoto. Em alguns locais da Carolina do Sul, famílias são obrigadas a viajar 30 km por mês para coletar água potável.
E está se falando de um país com renda média elevada, sem problemas de seca e sem problemas de miséria aguda.
Segundo Bernie Sander, candidato a candidato do Partido Democrata para as eleições, antes da Covid-19, quase 14 milhões de famílias não conseguiam pagar suas contas de água, devido ao aumento e preços de mais de 40% desde 2010.
Pelas projeções, dentro de cinco anos, a inadimplência poderia afetar um terço das famílias americanas.
O objetivo da Lei de Acessibilidade seria conceder subsídios às famílias e comunidades para reparos na infraestrutura hídrica, substituição das linhas de transporte de água e possibilidade de filtrar com segurança compostos tóxicos de sua água potável. Permitiria melhorar também poços domésticos e sistemas sépticos.
Nas próximas décadas, a água será a mais importante commodity do planeta. O Brasil possui água em abundância, aquíferos, rios. É um bem público. Por isso não pode ser propriedade nem de estados, municípios, menos ainda de empresas privadas. Municípios têm direito de dispor sobre os serviços de saneamento, opinar sobre o uso da água. Mas nem mesmo eles podem ser proprietários.
Do GGN

O “THE NEW YORK TIMES” E O MODO “COMO O VÍRUS VENCEU” NOS EUA (COMO AQUI), POR FERNANDO BRITO

A edição de hoje do The New York Times tem uma impressionante reportagem de capa – “Como o vírus venceu” – onde se rastreia a disseminação dos casos de infecção e morte pelo novo coronavírus nos Estados Unidos desde que o país tinha apenas 15 casos detectados e o presidente Donald Trump desdenhava do perigo, dizendo que em alguns dias estes seriam “reduzidos a zero“.
No mesmo briefing de imprensa – as semelhanças não são mera coincidência – ele desdenhava dos efeitos do Covid-19, dizendo que a gripe comum matava milhares de vezes mais e ninguém se preocupava com ela.
O trabalho da equipe do NY Times é precioso, analisando “padrões de viagem, infecções ocultas e dados genéticos para mostrar como a epidemia saiu de controle”.
E registra, com situações concretas, como as autoridades públicas deixaram de tomar as providências duras que poderiam ter salvo dezenas de milhares de vidas.
Rastreamos a disseminação oculta da epidemia para explicar por que os Estados Unidos não conseguiram detê-la. A cada momento crucial, as autoridades americanas estavam semanas ou meses atrás da realidade do surto.
As conclusões são duras e deveriam servir como advertências para nós, que tivemos a sorte de estarmos, em relação aos EUA, “atrasados” na disseminação da epidemia, basicamente porque lá é incomensuravelmente maior o movimento de viajantes internacionais e, claro, foram eles os vetores do que se transformaria em pandemia.
Os principais especialistas federais em saúde concluíram, no final de fevereiro, que o vírus provavelmente se espalharia amplamente nos Estados Unidos e que as autoridades do governo logo precisariam instar o público a adotar medidas de distanciamento social, como evitar multidões e ficar em casa.
Mas Trump queria evitar perturbar a economia. Por isso, alguns de seus conselheiros de saúde, por insistência de Trump, disseram aos americanos no final de fevereiro que continuassem a viajar no país e seguir suas vidas normais.
A história está toda ali, na primeira fase da expansão da doença. Mas a segunda fase ainda está por ser escrita, com o país voltando a registrar números recordes de contaminação (37 mil ontem, 47% a mais que há duas semanas). As mortes, ainda em queda (se é que se pode chamar quase 800 óbitos de “queda”) logo seguirão a mesma macabra tendência.
Estamos, outra vez, recebendo avisos, mas parece que, de novo, eles serão ignorados. Nossas autoridades públicas se amparam no fato de que, salvo em alguns casos, o sistema de leitos de internação não entrou em colapso – claro que por ter sido fortemente expandido – e acham que este perigo “já passou”, abrindo todo o comércio e os serviços e falando até em volta às aulas.
Serão atropelados pela realidade, como os norte-americanos foram e estão sendo.
Do Tijolaço

quarta-feira, 24 de junho de 2020

BEKWYJKÀ METUKTIRE, ESPOSA DO CACIQUE RAONI, PRESENTE!

A guerreira trilhou mais de oito décadas junto de Raoni, acompanhando, dando suporte, criando uma história conjunta.
Foto: Patrick e Sue Cunningham (Eke e Nhogogo)
A esposa do Cacique Raoni, Bekwyjkà Metuktire, morreu hoje, dia 23, após um infarto seguido por um acidente vascular encefálico. A guerreira trilhou mais de oito décadas junto de Raoni, acompanhando, dando suporte, criando uma história conjunta.
Instituto Raoni, através de seus colaboradores, soltou nota de pesar pela perda de Bekwyjkà. Leia a seguir.
“O *Instituto Raoni* vem, com imenso pesar e tristeza, comunicar o falecimento de Bekwyjkà Metuktire, esposa do Cacique Raoni.
Manifestamos nossa dor e os mais profundos sentimentos pela perda dessa nobre mulher, mãe, esposa, avó, guerreira e tantos outros adjetivos que são atribuídos a ela por toda sua história e trajetória de amor, carinho e companheirismo junto ao cacique Raoni.
Nascida na antiga aldeia Kapot, em 1930, filha do cacique Tapiete e Kokoyaumti Metuktire, Bekwyjkà conheceu o cacique Raoni ainda muito jovem.
Tanta história, tanta luta, tanta ternura e tanto companheirismo
“Olhei para o céu e de longe vi uma estrela, a mais bela de todas e na minha admiração, ela se aproximou e desceu aqui na terra. Então pude ver que ela era ainda mais linda… essa é a minha estrela”. Fala do Cacique Raoni em referência a sua esposa.
Um amor verdadeiro, o forte o bastante para estar do lado do cacique Raoni por mais de 8 décadas e com ele construir uma bela família, mãe de Kokonã, Bekwyjrày, Kokotô, Prejky, Atoronget, No`ôktire (em memória), Ymoro (em memória) e Tedjê (em memória).
Com a saúde já bastante comprometida e bem debilitada devido a idade avançada, Bekwyjkà teve complicações devido a um IAM – Infarto Agudo do Miocárdio, seguido por um AVE – Acidente Vascular Encefálico. A sua caminhada aqui na terra terminou hoje, 23 de junho de 2020, na aldeia Metuktire.
Hoje a estrela Bekwyjkà volta a brilhar no céu e nós continuamos a admirá-la, ainda que nossos corações estejam entristecidos, somos gratos pela oportunidade de tê-la conosco.
Siga em paz Bekwyjkà, que sua passagem seja iluminada, que sua família seja confortada e que nosso Cacique Raoni seja amparado por todo amor e carinho que sempre recebeu de sua amada esposa.
Uma homenagem de toda equipe do Instituto Raoni”
Do GGN

terça-feira, 23 de junho de 2020

AS LIGAÇÕES DE WASSEF COM EX-PROCURADOR LIGADO A SERRA, POR LUIS NASSIF

Saindo da procuradoria, Santoro continuou ligado a Serra e ao PSDB, tornando-se advogado do partido. É creditado a ele o mérito do fato de Serra ter passado incólume, até agora, de todos os inquéritos em que está envolvido. Atuou também junto ao jornal mineiro.
Os jornais tentaram localizar ações tendo Frederick Wassef como advogado. Não encontraram nenhuma. A explicação de Wassef é que gosta de atuar na retaguarda, montando as estratégias, sem aparecer.
Não é bem isso. No modelo americano de escritório de advocacia há a figura do investigador associado, o sujeito com familiaridade com delegacias, política, meandros do Judiciário. Era essa a função de Wassef. 
Até pouco tempo atrás ele prestava esse serviço no escritório de José Roberto Santoro – figura notória na vida política nacional. Santoro era procurador da República quando foi convocado pelo então Ministro da Saúde José Serra para trabalhar na Funasa (Fundação Nacional de Saúde).
Junto com ele, Serra convocou o delegado federal Marcelo Itagiba. E contratou a Fence, empresa especializada em escuta telefônica.
Esse grupo foi o responsável pela Operação Lunus, no escritório de campanha de Roseana Sarney, em uma manobra ruidosa que localizou financiamento de campanha, em dinheiro vivo. Os pacotes foram empilhados para servirem de fundo para uma reportagem no Jornal Nacional, que praticamente liquidou com as pretensões políticas de Roseana. De lá mesmo, um dos integrantes do grupo mandou um fax para o Palácio do Planalto, dando conta do sucesso da operação.
Santoro coordenou o inquérito sem ter competência ou ser responsável por ele.
Mais tarde, Santoro demonstrou sua familiaridade com o submundo, sendo flagrado em reunião secreta, de madrugada, na sede da Procuradoria Geral da República, tentando cooptar o bicheiro Carlinhos Cachoeira para alimentar o grupo com informações.
Esse esquema foi o principal alimentador de dossiês durante todo o período, todos a serviço de Serra, formando um dos grupos mais barras-pesadas da política brasileira. Foram dossiês contra o PT, contra concorrentes de Serra no PSDB (como o MInistro da Educação Paulo Renato de Souza), contra Aécio Neves.
Saindo da procuradoria, Santoro continuou ligado a Serra e ao PSDB, tornando-se advogado do partido. É creditado a ele o mérito do fato de Serra ter passado incólume, até agora, de todos os inquéritos em que está envolvido. Atuou também junto ao jornal mineiro Em Tempo, para embaraçar invesigações sobre o governador capixaba Paulo Hartung.
Essas vinculações podem explicar a indicação do ex-deputado tucano Júlio Semeghini para Secretário Executivo do Ministério de Ciência e Tecnologia.
Através de Wassad, sua companheira Maria Cristina Bonner conseguiu contratos milionários de Tecnologia da Informação.
Hoje em dia, Wassad é a parte mais vulnerável do esquema Bolsonaro, ao lado de Fabrício Queiroz.
Do GGN

OS FAKENEWS DE PAULO GUEDES EM RELAÇÃO À CARGA TRIBUTÁRIA, POR LUIS NASSIF

Em relação a tributação sobre Renda, lucro e ganhos de capital, Brasil ocupa a 34ª posição, com apenas 6,5% do PIB, contra uma média de 11,4%.
O discurso do Ministro da Economia Paulo Guedes está despregando cada vez mais de qualquer veleidade de lógica econômica.
Há alguns meses, seu Secretário Executivo comemorou a queda do PIB com um argumento delirante. A queda foi maior no setor público. O que significa que o Estado está perdendo participação, permitindo um crescimento maior do PIB privado.
Trata-se de uma forma de analisar o PIB inedita na história da economia. Na medição do PIB, gastos do governo equivalem a receita do setor privado. Ou seja, os salários pagos a funcionários, a fornecedores, os investimentos públicos servem para irrigar a economia, através da compra de produtos do setor privado. Portanto, não há a menor lógica em separar PIB público de PIB privado.
Tempos depois, com a economia desbando, Guedes exercitava um discurso otimista sustentando que, quando passasse a pandemia, o Brasil seria o país que mais rapidamente recuperaria o crescimento, por ter sido menos afetado que os demais países. Todos os indicadores internacionais colocam o Brasil como a economia mais afetada e de pior desempenho no combate ao Covid-19.
Ontem, outra afirmação de Paulo Guedes chocou economistas em geral.
Em uma apresentação, Guedes inovou no cálculo da carga tributária. A conta correta consiste em comparar o volume de impostos arrecadados como proporção do PIB. Guedes resolveu somar a carga tributária com o déficit fiscal, resultando em um novo conceito de carga tributária inédita no mundo.
Com essa conta, o Brasil passou a ter a 8ª carga tributária do mundo.
Os dados de Guedes foram desmontados por David Dacache, economista e integrante da Rede MMT Brasil – os economistas que defendem o novo conceito de política monetária, com flexibilização da emissão de moedas pelo Banco Central.
Primeiro, Dacache mostrou os levantamentos da OCDE (o grupo de países desenvolvidos). Nele, o Brasil registra uma carga tributária abaixo da média, menor do que a de 22 países e acima de 9 países.
Quando se analisa a distribuição da carga, aparecem as iniquidades fiscais. Em relação à carga tributária sobre renda, lucros e ganhos de capital, por exemplo, a da Dinamarca é quatro vezes maior que a brasileira.
Para os ricos pagarem pouco, obviamente os pobres têm que pagar muito.
Dacache e Lucas Dicandia montaram uma tabela sobre as principais formas de arrecadação e o percentual da receita fiscal no Brasil, comparada com outros países.
Entre os 34 países analisados, o Brasil tem a 24ª carga tributária, como proporção do PIB.
Em relação a tributação sobre Renda, lucro e ganhos de capital, ocupa a 34ª posição, com apenas 6,5% do PIB, contra uma média de 11,4%.
Em relação à folha de salários, responde por 8,5% do PIB, contra média de 4,8%. E não é maior devido ao aumento da informalidade, com o desemprego e com a flexibilização da legislação trabalhista.
Nos impostos sobre a propriedade, o Brasil ocupa o 18º lugar, com 1,5% do PIB.
E em Bens e Serviços, a tributação indireta que incide maciçamente sobre a baixa renda, o Brasil tem a 3ª carga mais elevada, com 15,4%, contra a média da OCDE de 11,2%.
O trabalho de Dacache e Dicandi é um elemento precioso para espantar fake News frequentemente espalhados por Guedes e sua equipe.
Do GGN

XADREZ DE CRISTINA BONER, WASSEF E O NEGÓCIO DO POUPATEMPO, POR LUIS NASSIF

Com o tempo, e a parceria com Wassef, Cristina refez sua influência em Brasília. Provavelmente, com a exposição trazido pelo companheiro, os processos aos quais responde devem se acelerar.
PEÇA 1 – O ENVOLVIMENTO COM A OPERAÇÃO PANDORA
Cristina Boner voltou ao noticiário através de seu companheiro Frederick Wassef, o “Anjo”, advogado da família Bolsonaro e pessoa que escondeu Fabrício Queiroz em sua casa.
Nos anos 90 Cristina se tornou a maior revendedora Microsoft para a América Latina, sempre vendendo para a área pública. Sua base de atuação era Brasília, governo federal e o Governo do Distrito Federal.
Cristina Boner chegou em São Paulo em 2005, quando, eleito prefeito, José Serra levou para lá várias empresas que atuavam com o governo do Distrito Federal. E alguns executivos do polêmico Banco Regional de Brasília.
No Distrito Federal, seu ponto de apoio era o empresário e vice-governador Paulo Otávio.
Em 2007 separou do marido Bruno Basso e tornou público seu relacionamento com o advogado Frederick Wassef, o “Anjo”. A partir dali, todos os passos de Cristina Boner foram acompanhados e apoiados por Wassef, inclusive nas ações interpostas por seu ex-marido.
Em novembro de 2009 explodiu o escândalo chamado de “mensalão do DEM”, o sistema de propinas do governador José Roberto Arruda, do Distrito Federal.
Logo depois, foi deflagrada a Operação Caixa de Pandora, do Ministério Público Federal, conduzido pela Procuradora Raquel Dodge, e tendo Cristina como um dos personagens centrais.
O escândalo abateu a TBA em pleno voo. Perdeu a representação da Microsoft, da Oracle e da indiana Tata. E decidiu se reinventar.
Em 2010 fundou a GlobalWeb e colocou em nome de uma filha. No anúncio do lançamento, a empresa nascia com mais de R$ 30 milhões em contratos em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e, segundo ele, nos Estados Unidos.
Por trás desses contratos, o mesmo estilo de Cristina Boner de atuar com o setor público. E, agora, tendo como carro-chefe o Poupatempo, com um modelo de consórcios que permitia, em cada estado, incluir empresas de interesse dos respectivos governadores.
PEÇA 2 – O MODELO POUPATEMPO
Em São Paulo, Cristina aproximou-se de Luiz Salles. Provavelmente já o conhecia de Brasília, por suas ligações com Paulo Otávio, o vice-governador e seu padrinho nos negócios com o Governo do Distrito Federal. Salles, Paulo Otávio e Fernando Collor eram tão únicos que acompanharam Collor à Argentina, em sua viagem de núpcias.
Por volta de 2007, Cristina e Luiz Salles iniciaram a parceria para o Poupatempo, com um modelo de consórcio que poderia ser transportado para todo o país. A porta de entrada foi Julio Semeghini, que desde o governo Mário Covas tratava das questões de tecnologia para o PSDB.
Consistia em montar um consórcio onde havia o formulador, Luiz Salles, o responsável pela TI (a TBA através de sua empresa B2BR) e parceiros indicados pelos governantes interessados no projeto.
Com base nesse modelo, em 2008 Luiz Salles criou o Shopping do Cidadão, para ser o integrante central dos diversos consórcios criados a partir de então.
Foi Luiz Salles quem apresentou Frederick Wassef à Cristina, para resolver um problema de um desfalque de 500 mil dólares na empresa.
Montada a parceria, entraram no mercado do Rio de Janeiro em parceria com George Sadalla, o empresário caixa do governador do Rio Sérgio Cabral.
Lá, o instrumento jurídico foi o Consórcio  Agiliza Rio, que tinha como principal agente George Sadalla, além de operador financeiro, responsável pelo Poupatempo.
O consórcio era integrado pelo Shopping Cidadão, de Luiz Salles, a CEI Shopping Centers, B2BBR Informática do Brasil, a Bequest Soluções, Vex Logística e Gelpar, Empreendimentos e Participações.
O dono da Gelpar era George Sadalas, que ficou com 25% do consórcio.
A Vex Logística era o novo nome da Facility, empresa de Arthur César de Menezes Soares Filho, Rei Arthur, outro dos parceiros de Cabral.
A quadrilha foi desbaratada pela Operação C’Est Fini, do Ministério Público Federal.
Em depoimentos na 7a Vara Criminal, Cabral admitiu:  “Houve uma determinação minha para que ganhasse o consórcio pertencente ao senhor Jorge Sadala”.
Em pouco tempo, portanto, Cristina Boner se tornou personagem central em dois dos principais inquéritos que correram no período, a Caixa de Pandora e o C’Est Fini.
Mesmo assim, prosseguiu incólume em sua caminhada.
PEÇA 3 – A ESTREIA COM SÉRGIO CABRAL
O modelo estreou no Rio em 2009, justamente quando implodia o esquema José Roberto Arruda, comprometendo Cristina Bonner.
Nas conversas com Durval Barbosa, o operador de Arruda, Cristina tentou convencê-lo a implantar o modelo no Distrito Federal. A conversa ficou registrada nos vídeos que serviram de base para as investigações da Caixa de Pandora.
Em 2010 o modelo foi para Minas Gerais, logo após Aécio se desincompatibilizar do governo para disputar as eleições, deixando como sucessor seu braço direito (administrativo) Antonio Anastasia.
O tema foi levantado em 2018 pela Agência Sportlight
Sadala era conhecido como o ponto de contato entre Sérgio Cabral e Aécio Neves. Aécio foi seu padrinho de casamento.
O Poupatempo mineiro era o projeto UAI, Unidade de Atendimento Integrado. Das seis empresas do Consórcio Agiliza, três estavam presentes na formação do vencedor da disputa mineira: a Shopping do Cidadão Serviços de Informática, a Gelpar Empreendimento e Participações, de George Sadala e a B2BR, de Cristina Boner.
O grupo tentou entrar em Mato Grosso, através do Consórcio Cidadão, formado pelas mesmas empresas.
Hoje, o modelo está espalhado por diversos estados e cidades do país.
Apesar de pessoas próximas ao negócio afiançarem que a empresa está desativada, em 2016 foi quinta empresa de tecnologia com mais contratos com o governo federal.
PEÇA 4 – A GLOBALWEB
A empresa foi criada em 2010, quando estourou o escândalo do mensalão do DEM inviabilizando a TBA.
No seu site, há uma página para o compliance da empresa:
“COMPLIANCE GLOBALWEB CORP
INTEGRIDADE, RESPEITO, RESPONSABILIDADE E COMPROMISSO COM A SOCIEDADE”
“A condução de negócios pela Globalweb Data Services Corp é pautada pelo devido comprometimento com seus valores de integridade, atuando de forma responsável, transparente, legal e ética. Este mesmo comprometimento é requerido de todos os terceiros que se relacionam com a Globalweb Data Services Corp, pelo que é constantemente apoiado e encorajado pela empresa”.
Com o tempo, e a parceria com Wassef, Cristina refez sua influência em Brasilia. Provavelmente, com a exposição trazido pelo companheiro, os processos aos quais responde devem se acelerar.
Do GGN

domingo, 21 de junho de 2020

NOS 16 ANOS DA MORTE DE BRIZOLA, A FALTA QUE ELE FAZ AGORA, POR FERNANDO BRITO

Hoje se completam 16 anos da morte de Leonel Brizola, de quem este blog toma emprestado o nome, pelos 20 anos em que partilhamos ideias e atitudes, tempo grande da vida de quem agora, sem a menor pretensão de ser seu porta-voz tardio, aprendeu com duas décadas diárias de convívio com um dos grandes da história das lutas populares.
Nunca digo, diante de fatos políticos do dia-a-dia, o que pensaria ou diria Brizola. Não me cabe, a mim ou a ninguém, pretender substituir quem é insubstituível.
A pedido de minha caríssima amiga Juliana Brizola, doce e combativa neta de Leonel, gravei um vídeo onde me aventuro a dizer o que, em cada corda da saudade que tenho, que Brizola, nestes dias de dor, seria um leão no país em que, diante da tragédia que vivemos, miam como gatos medrosos.
E divido com os leitores.
Do tijolaço

sábado, 20 de junho de 2020

WEINTRAUB, O SENHOR DOS ANÉIS QUE PERDEU OS DEDOS, POR LUIS NASSIF

E o pobre Weintraub despediu-se da vida pública tentando desesperadamente abraçar Bolsonaro que manteve-se frio, calado e inerte que nem uma bóia furada, com receio de afundar com o náufrago.

A imagem mais significativa nesses tempos de balbúrdia foi a foto do Ministro da Educação Abraham Weintraub agarrado a Jair Bolsonaro, como quem segura uma bóia em alto mar. E Bolsonaro inexpressivo e calado como uma bóia.
Os olhos súplices de Weintraub pareciam dizer: não me abandone, não me abandone. O pedido não era em relação a Bolsonaro, mas à fé cega de que poderia cometer todas as impropriedades impunemente e que agora se esboroa, a ponto de ter que fugir do país com receio de ser preso.
É o mesmo sentimento avassalador que coloca em pânico  Youtubers bolsonaristas, arruaceiros, brigões de rua, especializados em se reunir em bando e agredir os mais fracos, mas temerosos da ação da polícia.
De repente, foram alçados a uma posição em que o chefe do chefe da polícia se tornou o chefe do bando, liberando geral para promover badernas impensáveis sem serem incomodados. E eles, os valentões de rua, passaram a replicar o estilo baderneiro na política nacional, sem receio de serem incomodados pela polícia.
Xingando, arregimentaram seguidores; xingando, alguns se tornaram parlamentares. Eleitos, continuaram moleques de rua, sempre confiando no guarda-chuva protetor do chefe do chefe da policia.
Weintraub fez caminho inverso. Trabalhou por décadas no Banco Votorantim. Lá, tentava se destacar dos colegas exibindo uma mini-erudição que, em todo caso, era superior a dos colegas, que só se importavam com números. O banco quebrou, sim, por erros enormes cometidos no financiamento de veículos. Foi salvo por uma sociedade providencial com quem? Com um banco público, o Banco do Brasil. Com a crise do banco, a auto-estima de Weintraub foi para o ralo. E, para levantá-la, recorreu ao mago dos egos, Olavo de Carvalho, cuja pregação tem o condão miraculoso de convencer qualquer imbecil que sua imbecilidade, no fundo, é uma genialidade incompreendida.
Entrando no Ministério da Educação, Weintraub seguiu uma estratégia comum aos que sofrem de baixa auto-estima. Aplicou o estilo  que Joaquim Barbosa – muito mais erudito e sério que ele, saliente-se –  praticava no meio jurídico: quando estiver com os amigos de praia, mostre sua erudição; quando estiver com os eruditos, exponha seu estilo de garoto de praia. Um juiz formal, ou um especialista em qualquer tema sério, dificilmente terá equilíbrio para discutir no campo destinado aos garotos de praia.
Foi assim que Weintraub decidiu aplicar a retórica de rua no MEC. Lá, poderia enfim ter sua revanche da vida. Não precisaria mais puxar o saco de chefes, se submeter às regras de convivência com colegas, perder o sono com sua falta de competência, com sua incapacidade de entregar resultados. Bastaria cultivar uma pessoa – Jair Bolsonaro – e atender ao seu baixíssimo grau de exigência:  entregar bazófias, ataques ao marxismo cultural, extravagâncias e ataques à mídia, e nada mais lhe seria cobrado.
A reunião ministerial do dia 22 de abril foi a grande celebração nacional do puxa-saquismo. Houve uma disputa surda entre os inacreditáveis Onyx Lorenzoni, Pedro Guimarães, presidente da Caixa Econômica Federal, e Weintraub, para ver quem melhor agradaria o chefe, quem levaria o troféu puxa saco de ouro.
Guimarães usou um discurso imbatível.
Primeiro, atacou com a ira dos justos os PMs cariocas que estavam prendendo pessoas que desrespeitavam o isolamento, um dos temas preferenciais de seu chefe. Depois, trouxe um fato patético, o amigo cuja filha foi transportada no camburão, o lado familia contra o Estado, outro tema preferencial do chefe. Finalmente, chegou ao cerne do discurso que sensibiliza as bestas-feras do supremacismo branco: mexeu com minha família, leva tiro. Alguém mexeu com sua família? Ninguém. Mas poderiam ter mexido. E se poderiam ter mexido, eu poderia pegar uma de minhas 19 armas e poderia sair à rua atirando, sem me importar com minha vida. A chamada bazófia sem risco, típica do Barão de Munchausen.
Pode declaração maior de amor a Bolsonaro? Família, anti-isolamento, armamento contra as instituições.
Inferiorizado pelo versão tupiniquim de “os brutos também amam”, Weintraub precisava de uma saída de maior rompante. E aí o diabo lhe soprou no ouvido e ele saiu com a frase célebre dizendo ser necessário prender “aqueles vagabundos” do Supremo. Falou, blasfemou e olhou indagativo para Bolsonaro, perguntando com os olhos: “me saí melhor que o Pedro?”.
Aí, descobre que o chefe do chefe da Polícia estava blefando, que não tinha o poder que alardeava, por isso não poderia oferecer a proteção que prometia.
E o pobre Weintraub despediu-se da vida pública tentando desesperadamente abraçar Bolsonaro que manteve-se frio, calado e inerte que nem uma bóia furada, com receio de afundar com o náufrago, e imaginando que os próximos presos poderão ser seus filhos.
Do GNN

ADVOGADO QUE ABRIGOU QUEIROZ DIZ QUE NÃO ABRIGOU QUEIROZ, POR FERNANDO BRITO

Atenção terraplanistas e adeptos de discos-voadores: Frederico Wassef, o advogado de Jair Bolsonaro que Bolsonaro diz que não é seu advogado diz, na Folha, que não deu abrigo a Fabrício Queiroz em sua casa em Atibaia, onde Fabrício Queiroz estava abrigado.
É o samba do causídico doido!
Parece brincadeira, mas é sério: falando à repórter Cátia Seabra, Wassef falou exatamente isto:
“Nunca telefonei para Queiroz, nunca troquei mensagem com Queiroz nem com ninguém de sua família. Isso é uma armação para incriminar o presidente.” (…)” Não escondi ninguém”(…)”Estão me atribuindo coisas que não fiz. O escritório estava vazio. Os móveis estavam do lado de fora da casa. Tudo estava fora do lugar.”
Nunca antes na história deste país viu-se tamanho espetáculo de cara-de-pau.
Daqui a pouco Queiroz vai perguntar, candidamente: “mas quem é Flávio Bolsonaro? Não conheço!”.
O caso Queiroz é, agora, também o caso Wassef.
Bolsonaro negou que ele seu advogado, mas Wassef respondeu que tem uma procuração do presidente, assinada no dia 21 de setembro.
Ainda hoje, o Ministério Público aponta que o ex-capitão Adriano da Nóbrega, o miliciano fuzilado na Bahia, integrava o núcleo político do filho 01 de Bolsonaro, Flávio.
Os fatos vão se precipitar.
A história de que Queiroz se materializou em Atibaia, sem que ninguém o tivesse escondido lá não se sustenta nem durante a tarde modorrenta de um sábado.
Tijolaço

O XADREZ DA ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA DE BOLSONARO, POR LUIS NASSIF

A semana terminou com a cena humilhante - para Bolsonaro - de enviar três Ministros da área jurídica até a casa de Alexandre de Moraes, em São Paulo, para negociar o armistício.
PEÇA 1 – OS CUIDADOS NA ANÁLISE
Para analisar o cenário atual, é fundamental tentar entender o contexto. Opiniões de parlamentares de oposição ou situação, de militares das Forças Armadas e militares de Bolsonaro, de Ministros do Supremo, só importam se vistas dentro de um contexto maior. São peças cujo funcionamento depende da maneira como a máquina é montada. E o funcionamento da máquina depende dos movimentos da opinião pública, não só a opinião da mídia, mas também das redes sociais, conferindo o devido peso a cada um.
Se a opinião pública que conta – aquela que impacta a cúpula dos poderes – endossa jogadas de impeachment, impeachment haverá. As razões, arrumam-se depois.
Com Fernando Collor foi o Fiat Elba; com Dilma Rousseff, as pedaladas; com Eduardo Cunha o fato de ter escondido contas no exterior. Se não houver motivos sólidos, o Supremo tratará de dar a interpretação necessária, desde que haja o movimento da opinião pública. 
Afinal, no Brasil, os poderes são todos pró-cíclicos, da mídia ao Supremo.
PEÇA 2 – O INQUÉRITO DAS RACHADINHAS DE FLÁVIO BOLSONARO
O inquérito sobre as rachadinhas, do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro, é devastador. Já houve casos de parlamentares cassados por recolher parte dos salários de seus assessores. Flávio Bolsonaro foi além: criou assessores laranjas que recebiam sem trabalhar e repassavam a parte do leão para ele.
Há fortes indícios de que Fabrício Queiroz pagava mensalidades das escolas dos filhos de Flávio Bolsonaro, e outras despesas, com dinheiro vivo. Há indícios fortes de lavagem de dinheiro em operações com imóveis e na loja de chocolates.
O inquérito ainda apurou troca de dinheiro entre Queiroz e Adriano da Nóbrega, o miliciano chefe do Escritório do Crime, morto pela Polícia Militar da Bahia. E provas robustas de que o advogado e conselheiro pessoal da família Bolsonaro, Frederick Wassef, escondeu Queiroz em sua casa.
Mais: Bolsonaro saiu em defesa de Queiroz afirmando que seu exílio em Atibaia se devia a tratamento médico. E foi desmentido pelo hospital local, que jamais tratou Queiroz.
Todos esses dados são relevantes para a Justiça, mas muito mais relevantes para a opinião pública. Com Bolsonaro popular, haveria a multiplicação de narrativas inocentando Flávio e minimizando as acusações, com argumentos padrão primário, tipo “fez, mas quem não fez?”.
Mas, depois que o Ministro Alexandre de Moraes colocou o pé na porta e impediu Bolsonaro de continuar blefando com anúncios de endurecimento político, de chamamento ao golpe, abriram-se as comportas do Judiciário. As reações de Bolsonaro, de enfrentamento com bravatas, ameaças vãs, conflitos permanentes, ajudaram a consolidar a convicção dele joga poker e que com par de paus e apenas tenta ganhar tempo para um golpe no futuro.
PEÇA 3 – AS ESTRATÉGIAS PENSADAS PELOS BOLSONARO
Peças isoladas, enviadas pela cobertura de Brasília, indicam as seguintes alternativas de reação de Bolsonaro, pensadas por seu grupo próximo para evitar a cassação da chapa.
ESTRATÉGIA 1: invocar as Forças Armadas
Blefe. Ninguém acredita mais. Desde que Alexandre de Moraes pagou para ver, ficou cada vez mais nítido que o dispositivo militar de Bolsonaro se resume aos militares que levou para o governo – e que hoje amargam a parceria no fracasso sanitário, econômico e político do governo.
ESTRATÉGIA 2 – parar de falar de Queiroz, deixar a bomba explodir no colo do filho e deixar a guerra diária de lado.
É a chamada política de redução de danos, ou de entregar os anéis para poupar os dedos.
Inimaginável em uma mente bruta e primária como Bolsonaro. 
Primeiro, porque, calando-se, perderá a única base que lhe resta: os fanáticos de redes sociais.
Segundo, porque a única estratégia que conhece é a do confronto. Não é capaz de elaborar estratégias políticas, discursos elaborados, gestos expressivos em direção à pacificação. É vítima da síndrome do escorpião.
Terceiro porque, calando ou não, é incapaz de se dissociar da figura de Queiroz e dos milicianos cariocas. Menos ainda de seus filhos.
ESTRATÉGIA 3 – Montar frente com o Centrão
O Centrão é fundamentalmente oportunista. E oportunista que se preze não se prende apenas aos benefícios do presente, mas ao cenário futuro. E o futuro de Bolsonaro depende fundamentalmente dos julgamentos do Tribunal Superior Eleitoral.
Aliando-se ao Centrão, haverá uma desidratação maior do que restou de sua base de apoio, e um aumento das pressões pela cassação.
ESTRATÉGIA 4 – montar um Ministério de notáveis
Na fase final do seu governo, Fernando Collor montou um ministério de notáveis. Até conseguiu bons nomes, especialmente do universo carioca, que ele frequentava há tempos como membro da elite dourada carioca – o pai foi sócio de Roberto Marinho, ele se casou com uma Monteiro Aranha.
Que notável aceitaria trabalhar para um governo que tem à frente Jair Bolsonaro, ainda mais sabendo-se que ele jamais aceitaria o papel de rainha da Inglaterra – aliás, a expressão é indevida para um sujeito de tão má catadura como ele.
PEÇA 4 – A DEBANDADA DAS HOSTES BOLSONARISTAS
Como previmos aqui, a partir do momento que o STF se apresentou como poder moderador, enfrentando Bolsonaro, sua estrutura se desfez como um castelo de cartas.
Aquela tropel de selvagens que invadiram as redes sociais, o parlamento, as ruas, estão refluindo com tal rapidez que surpreende.
Abraham Weintraub, a figura mais caricata do governo, é demitido e nomeado para um trabalho fora do país, ao qual ele adere rapidamente, deixando claro sua pressa em se afastar da rinha e seu medo de ser preso.
Youtuber agressivos expressam, agora, o medo da prisão, como se, só agora, tivessem despertado da viagem lisérgica a que foram levados por Bolsonaro, para um mundo no qual todos os abusos eram permitidos. Voltaram a ser os provocadores de rua, que saem correndo assim que aparece a polícia.
Os financiadores se recolheram, a ponto de evitarem até a ajuda ao seu guru maior, Olavo de Carvalho.
O círculo próximo a Flávio Bolsonaro tenta arrumar outro advogado, sabendo que Wassef também poderá ser preso.
A semana terminou com a cena humilhante – para Bolsonaro – de enviar três Ministros da área jurídica até a casa de Alexandre de Moraes, em São Paulo, para negociar o armistício.
Desapareceu a arrogância ignorante dos filhos. Eduardo, para quem bastaria um sargento e um cabo para fechar o STF, apareceu em uma live como se fosse um pobre defensor da democracia (dele), perseguido pelos poderes.
Não se lê mais as mensagens de Carlos Bolsonaro, o copydesk do pai, nem de Flávio, o representante comercial da família.
A grande aposta é sobre qual filho será o primeiro a ser preso.
Nesse quadro, torna-se mais premente do que nunca as forças democráticas começarem a discutir a transição, sabendo-se que, no Brasil, inclinações democráticas, responsabilidade social, solidariedade com os oprimidos – como expressos hoje pela maioria da mídia – não são valores consolidados, mas meros modismos, que podem se desfazer ao primeiro vento contrário.
Do GGN

sexta-feira, 19 de junho de 2020

XADREZ DE FREDERICK WASSEF, O ADVOGADO DOS BOLSONARO, POR LUIS NASSIF

A familiaridade de Wassef com o mundo político, empresarial e policial de um lado, o empreendedorismo invencível de Flávio Bolsonaro, de outro, certamente abriu espaço para muitas parcerias, ainda não visíveis.

PEÇA 1  – A MICROSOFT SE LANÇA NO SETOR PÚBLICO
No início dos anos 90, a Microsoft lança o Windows 3.1 e entra no mercado de redes sociais. O setor público torna-se um mercado promissor.
Mostrando a prioridade dada ao setor, a Microsoft cria a vice-presidência da área de governo e indica para o cargo o empresário Bruno Novo, dona de uma empresa de tecnologia baleada pela crise do governo Fernando Collor.
Em Brasilia, começa a se destacar Cristina Bonner, dona da TBA, uma empresária ambiciosa que, em pouco tempo, tornou-se a maior revendera da Microsoft na América Latina. Foi saudada pela imprensa especializada como a grande empreendedora, apareceu em fotos ao lado de Bill Gates, fundador da empresa.
Teve início um relacionamento profissional que acabou se tornando pessoal em 1996 e resultou em um casamento em 1998.
A Microsoft pensava em promover Bruno para vice-presidente para a América Latina, mas tendo que se mudar para São Paulo.
Ele acabou pedindo demissão da empresa e assumindo uma sociedade na TBA. Tornou-se, depois, diretor estatutários de várias outras empresas abertas pelo grupo, na medida em que passavam a representar não apenas a Microsoft, mas outros gigantes, como a Oracle e a indiana Tata.
Juntos, construíram a casa no lago, para onde a imprensa se deslocou hoje, atrás do advogado Frederick Wassef – em cuja casa-escritório em Atibaia foi encontrado Fabrício Queiroz.
Frederick entra na vida do casal para resolver um problema específico, um desvio de 500 mil dólares feito por um funcionário. Eles tinham fax, mensagens como indícios de golpe, mas provas consideradas frias pelos advogados Tecnólogos, sem experiência no mundo jurídico, aceitam a indicação de Luiz Salles, controvertido sócio da OAS, que indica Wassef como um faz-tudo. Em pouco tempo ele conseguiu melhorar as provas, mostrando um relacionamento invejável com autoridades judiciárias e policiais.
Ali começou a parceria de Fredy com Cristina, em um momento em que o casamento com Bruno ia degringolando.
PEÇA 2 – O ENVOLVIMENTO COM O MENSALÃO DO DEM
Bruno acabou se assustando com os acordos políticos fechados pela esposa, especialmente com o governo José Roberto Arruda, do Distrito Federal, e decidiu sair da empresa e do casamento, aceitando uma partilha de bens inferior ao que pensava merecer, mas mais rápida.
Tinha razão. Logo depois estourou o escândalo dos esquemas do governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, no que ficou conhecido como o “mensalão do DEM”. E, nas investigações aparece o nome de Cristina Bonner.
Foi uma bomba ampla. Imediatamente ela perdeu a representação da Microsoft, da Oracle e da indiana Tata. E começa a voltar os olhos para o mercado de São Paulo.
PEÇA 3 – O ENVOLVIMENTO COM O PSDB PAULISTA
Antes do escândalo, ela havia se aproximado de políticos paulistas do governo Fernando Henrique Cardoso.
Com o Ministro da Educação Paulo Renato de Souza, acertou um esquema pesado de legalização das cópias piratas de produtos Microsoft nas universidades. Passou a pressioná-las enquanto oferecia oportunidades de legalizar as cópias piratas.
Percebendo o espaço aberto, a IBM entrou na competição. Ela havia adquirido a Lotus, que possuía um Office similar ao da Microsoft. Ofereceu, então, a cada universidade uma licença de R$ 4,00 com direito a uma cópia do Office e do Lotus Notes, o sistema de rede da Lotus.
Um representante do MEC tentou demover os reitores, dizendo que o Ministério já tinha um contrato guarda-chuva com a Microsoft. Bastaria informar o número do computador para a cópia ser legalizada, sem sequer o custo de envio do CD com os programas. Para as universidades, nada custaria. Para o MEC, o custo de R$ 250,00 por licença.
Denunciei o episódio na época e a operação não se concretizou.
Com a eleição de José Serra na prefeitura, várias empresas envolvidas com Arruda se mudam para São Paulo, passando a operar com a prefeitura e, depois, com o governo do Estado.
Naquele período, a Secretária da Educação Maria Helena Guimarães lança um projeto de venda de computadores para professores da rede escolar, com financiamento da Nossa Caixa. Em cada computador, um Office da Microsoft, ao custo de R$ 250,00, em plena ascensão do software livre.
Ai explode a Operação Pandora envolvendo diretamente Cristina Bonner, nas famosas gravações de Durval Barbosa.
Decidiu reinventar a empresa, aí fortemente alicerçada em Aref, que transitava por um universo de bilionários enrolados em São Paulo.
A ponte foi com Julio Semeghini, que ela conhecera quando Secretário da Comissão de Inovação e Tecnologia da Câmara Federal.
A TBA consegue espaço no Poupatempo de São Paulo. Depois, consegue ligações com o PSDB de Minas Gerais, e passa a administrar projeto similar ao Poupatempo. Faz o mesmo com a gestão gaúcha de Yeda Crusius.
Ao mesmo, tenta fincar pé no novo governo que surgia, com a eleição de Lula. Ela faz a mediação da Microsoft com o PT, através de Delúbio Soares, arrancando de Lula a afirmação de que a Microsoft não seria prejudicada em seu governo, apesar do programa do PT defender o software livre.
Com a eclosão da Operação Pandora, a TAB se muda definitivamente para São Paulo, alugando três andares na avenida Paulista, no edifício Sumitomo.
Os negócios começam a murchar com a saída de Semeghini. Ele tinha facilidade em montar consórcios, inibindo a competição e abrindo espaço para grupos conhecidos. Com sua saída, passa a haver uma disputa mais acirrada e, sem a saída dos consórcios, a TBA teve que enfrentar competidores muito mais preparados do que no Distrito Federal.
Mesmo assim, a TBA teve que reduzir os escritórios na Avenida Paulista e se instalou em um escritório modesto em Santo Amaro. Àquela altura, ela e Wassef já se preparavam para retornar a Brasilia.
PEÇA 4 – O AMIGO BOLSONARO
O caminho encontrado por Wassef foi o ex-capitão Jair Bolsonaro, deputado obscuro, mas que, à luz das mudanças ocorridas na opinião pública, passa a ter possibilidades eleitorais.
Rapidamente se aproxima de Flávio Bolsonaro, o representante comercial da família.
Passa a ser um dos mais ardentes propagadores do discurso contra a corrupção. Em entrevista à Globonews sustentou que o que o abriu a Bolsonaro foi o discurso contra a corrupção .
Para evitar críticas, simulou uma separação de Cristina Bonner. Ontem, os jornalistas foram atrás dele justamente na casa de Cristina Bonner.
Torna-se o pau para toda obra dos Bolsonaro. Quando Adriano Nóbrega – o chefe do Escritório do Crime – é caçado pela polícia, seu advogado é Paulo Emilio Catta Preta. Quando Queiroz é preso na própria casa de Wassef, o advogado que surge, dizendo-se contratado pela filha de Queiroz, é o mesmo Catta Preta.
O advogado é estreitamente ligado a Wassef e foi seu advogado pessoal em uma dezena de ações com as quais liquidou o ex-marido de Cristina Bonner.
Bruno Novo não conseguiu receber os R$ 200 milhões a que tinha direito com o fim da sociedade. Foi preso ou detido pela polícia por quatro vezes, mostrando a incrível influência de Wassef sobre o universo das polícias.
Wassef mora na casa em que construiu junto com a Cristina, mas que está embargada por ações propostas por Wassef.
Bruno foi literalmente massacrado pelas ações de Assef. Hoje em dia mora em Goiânia, em apartamento emprestado, com sua defesa sendo feita de graça por advogados que se solidarizaram com ele
PEÇA 4 – OS PRÓXIMOS CAPÍTULOS
A familiaridade de Wassef com o mundo político, empresarial e policial de um lado, o empreendedorismo invencível de Flávio Bolsonaro, de outro, certamente abriu espaço para muitas parcerias, ainda não visíveis.
Com o amadorismo indesculpável de ter abrigado Queiroz, Wassef se expôs definitivamente. O fato de estar ligado aos Bolsonaro e do advogado de Queiroz ser seu advogado particular permite desconfianças sobre a forma como Queiroz será defendido.
Além disso, jogará mais luzes sobre a Operação Pandora e as aventuras de Cristina Bonner.
Do GGN