Nas
próximas décadas, a água será a mais importante commodity do planeta. O Brasil
possui água em abundância, aquíferos, rios. É um bem público. Por isso não pode
ser propriedade nem de estados, municípios, menos ainda de empresas privadas.
Quando
li as primeiras críticas ao projeto da Lei do Saneamento, mencionando a
“privatização da água”, confesso que achei que fosse algum exagero de setores
mais estatizantes.
Lendo
o projeto, no entanto, um dos parágrafos era inusitado:
2º
As outorgas de recursos hídricos atualmente detidas pelas empresas estaduais
poderão ser segregadas ou transferidas da operação a ser concedida, permitidas
a continuidade da prestação do serviço público de produção de água pela empresa
detentora da outorga de recursos hídricos e a assinatura de contrato de longo
prazo entre esta empresa produtora de água e a empresa operadora da
distribuição de água para o usuário final, com objeto de compra e venda de
água.
O
projeto institui, de fato, essa figura esdrúxula da “empresa produtora de
água”, um personagem diferente da empresa que cuidará do saneamento. Ela
definirá o que fazer e como fazer com a água. A regulação será apenas sobre a
empresa de distribuição da água.
Como
assim? O bem público por excelência, a água, terá um proprietário, alguém
intitulado de “produtor de água”?
Ora,
a água serve para inúmeras finalidades. É um direito essencial, condição
essencial de sobrevivência, garantidora da saúde. É geradora de energia, ponto
central de saneamento, pesca, hidrovias. Nas bacias hidrográficas, o mau uso em
uma ponta afeta o uso em outra. Essa complexidade e integração exige uma
engenharia social complexa para a boa gestão. De repente, todo esse conjunto de
direitos essenciais ficará sob a guarda de um “produtor de água”?
Aproveitaram
o Covid-19 para passar a maior boiada da história recente do país. Nem mesmo a
compra de grandes extensões de terras brasileiras por estrangeiros, é um risco
maior do que essa loucura – endossada pela mídia.
Ora,
há espaço para setor privado e público. Há setores em que o setor privado é
mais eficaz. Outros em que o controle estatal é relevante. Entram aí os setores
ligados ao conceito de segurança, cuja atividade afeta outros setores. E outros
que são monopólio natural. A água cumpre todos os requisitos para não ser
privatizada.
Hoje
em dia, está em discussão no Congresso americano a Lei de Acessibilidade,
Transparência, Equidade e Confiabilidade da Água, propondo US$ 35 bilhões por
ano para revisar a infraestrutura de água no país.
Recentemente,
a Sociedade Americana de Engenheiros Civis atribuiu à infraestrutura de água
potável dos EUA o grau D (o último das agências de risco) e D+ para
infraestrutura de águas residuais.
No
país mais rico do planeta, 1,7 milhão de americanos não têm acesso a instalações
hidráulicas básicas, como banheiro, chuveiro e água corrente básica. Cerca de
200 mil família não possuem sistema de esgoto. Em alguns locais da Carolina do
Sul, famílias são obrigadas a viajar 30 km por mês para coletar água potável.
E
está se falando de um país com renda média elevada, sem problemas de seca e sem
problemas de miséria aguda.
Segundo
Bernie Sander, candidato a candidato do Partido Democrata para as eleições,
antes da Covid-19, quase 14 milhões de famílias não conseguiam pagar suas
contas de água, devido ao aumento e preços de mais de 40% desde 2010.
Pelas
projeções, dentro de cinco anos, a inadimplência poderia afetar um terço das
famílias americanas.
O
objetivo da Lei de Acessibilidade seria conceder subsídios às famílias e comunidades
para reparos na infraestrutura hídrica, substituição das linhas de transporte
de água e possibilidade de filtrar com segurança compostos tóxicos de sua água
potável. Permitiria melhorar também poços domésticos e sistemas sépticos.
Nas
próximas décadas, a água será a mais importante commodity do planeta. O Brasil
possui água em abundância, aquíferos, rios. É um bem público. Por isso não pode
ser propriedade nem de estados, municípios, menos ainda de empresas privadas.
Municípios têm direito de dispor sobre os serviços de saneamento, opinar sobre
o uso da água. Mas nem mesmo eles podem ser proprietários.
Do
GGN