Luís Roberto Barroso é menor do
que a sombra que projeta (chamada original)
Ilustração
Em entrevista à Folha (http://migre.me/vuDiG) declarou o
Ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal):
“O nosso maior problema é a
mediocridade, é a escassez de pessoas pensando o país lá na frente”.
Sua entrevista é um belo exemplo
da dificuldade do país em desenvolver um certo pensamento de qualidade. E prova
maior de como os lugares-comuns da economia e da política entranham-se de tal
maneira no modo de pensar do leitor médio, a ponto de transformar juristas em
meros repetidores de slogans disseminados por essa fonte de conhecimento
mundano, que são os jornais.
Nem se avalie Barroso por seu
pouco conhecimento dos fatores de desenvolvimento, do papel da educação, da
inovação, das políticas sociais, das políticas regionais, das políticas de
estímulos às empresas, sua incapacidade de se aprofundar sobre os
desdobramentos da parceria Judiciário-mídia, o primarismo de não conseguir
tratar a corrupção além dos aspectos meramente penais. Mas por sua própria
estratégia de driblar as perguntas com amontoados de lugares-comuns.
Barroso se viu frente a
entrevistadores fora do padrão atual da mídia – Mônica Bergamo e Reynaldo
Turollo Jr. Em vez de cumplicidade, teve que enfrentar perguntas jornalísticas.
E o resultado final acaba mostrando que sua estatura é bem menor do que a
sombra projetada pelos holofotes da mídia ou por votos bem intencionados sobre
costumes.
O pensador econômico
Indagado sobre o maior problema
brasileiro, diz que não é a corrupção, mas a educação. Ótimo! E dá como exemplo
da perda de prioridade o fato de, com a entrada de Temer, a discussão se
restringir ao melhor nome para a área econômica (pelo visto, ele considera
Henrique Meirelles o crème de la crème) e não para a educação, apesar de
reconhecer a enorme simpatia do atual Ministro da Educação.
No entanto, indagado sobre a PEC
55, e os possíveis cortes que adviriam para a educação – aquele que é o maior
problema do país, apud Barroso -, o Ministro apela para a lógica do possível:
- A vida não é feita de tudo que
a gente quer. Ela é feita do possível. A responsabilidade fiscal não tem
ideologia.
E toca a despejar acriticamente
todas as opiniões medíocres (de leitor médio) sobre questão fiscal e juros:
- O Estado não pode gastar mais
do que arrecada porque os juros sobem, gera inflação, e isso penaliza os mais
pobres.
O Beto, do Bar do Alemão, outro
dia recorreu a esse argumento. Nem discuti, porque ele conhece bem a história
do samba e não vou exigir do Beto o domínio de conceitos complexos de economia.
Há toda uma discussão sobre o
papel dos gastos públicos no estímulo à economia, sobre o fato da maior parte
do orçamento ir para pagamento de juros, estudos e mais estudos mostrando a
inutilidade da política de metas inflacionárias, uma literatura secular sobre
as disputas entre bancos e Estados nacionais em torno dos orçamentos públicos.
Mas um Ministro do Supremo, que diz que nosso maior problema é a mediocridade e
a escassez de pessoas pensando o futuro, sintetiza toda a discussão em um
slogan de boteco!
Todas as discussões sobre limites
de políticas industriais, instrumentos de financiamento do longo prazo, são
resumidas pelo nosso brilhante jurista a refrãos tipo “é preciso diminuir o
Estado. Não há alternativa. Vamos precisar é de menos Estado, menos
oficialismo, mais República. E talvez até um pouco de capitalismo, que aqui
vive de financiamento público e reserva de mercado”.
Não tem a menor ideia sobre o
papel de instituições públicas no desenvolvimento dos países centrais. Fala em
cidadania e demonstra não ter lido absolutamente nada sobre a concentração de
renda trazida pela falta de regulação econômica.
Sugiro ao Ministro ir à página do
Eximbank (Export-Import Bank) dos Estados Unidos (http://migre.me/vuDYf).
Lá verá que o Eximbank funciona
como uma agência governamental, com o objetivo de facilitar o financiamento de
exportações de produtos e serviços americanos por meio da absorção de riscos de
crédito que estão fora do alcance dos bancos privados. Todas as obrigações do
Eximbank são garantidas por total confiabilidade e crédito do governo dos
Estados Unidos”.
E é protecionista:
“Pelo menos 50% dos produtos a
serem exportados devem ser produzidos nos Estados Unidos. Para financiamentos a
médio prazo, o Eximbank segurará até 100% dos produtos com conteúdo americano,
mas nunca mais de 85% do valor do contrato. O importador deverá efetuar um
pagamento inicial, a título de antecipação, correspondente a 15% do total”.
E o que oferece? Taxas de juros
normalmente mais favoráveis que aquelas oferecidas pelas instituições
financeiras locais; taxas de juros fixa ou variável; financiamento concedido
diretamente ao importador sem a necessidade de garantia ou carta de crédito do
banco local; prazos de cinco anos ou mais; carência para a instalação de
equipamentos.
O que o Ministro taxa de “pouco
capitalismo, que aqui vive de financiamento público” nada mais é do que os
instrumentos globalmente utilizados pelo capitalismo mais avançado, mas que no
Brasil, por conta de um pensamento primário e ideológico, foi transformado pelo
senso comum em sub-capitalismo. E, pior, um discurso desse nível acabou
assimilado por um Ministro que diz que “nosso maior problema é a mediocridade,
e a escassez de pessoas pensando o país lá na frente”.
A Lava Jato e o Estado de Exceção
Barroso reitera sua defesa do
Estado de Exceção, ao enfatizar que “não se consegue mudar um paradigma
pervertido de absoluta impunidade fazendo mais do mesmo”. Nenhuma palavra sobre
a blindagem a políticos do PSDB, à própria Rede Globo – para quem advogou. É um
garantista no genérico e um juiz de instrução no particular.
“Tudo o que envolve
persecução penal deve ser olhado com cautela” diz o nosso garantista do
genérico.
Então há abusos na Lava Jato?
Responde nosso juiz de instrução do particular: “As decisões de Moro têm sido
mantidas pelos tribunais superiores. Olhando à distância, eu não acho que haja
‘Cinnas’ em Cutiriba”. Cinna é um poeta que, confundido com um conspirador, é
linchado pela multidão, em “Julio Cesar”, de Shakespeare.
Aí, os entrevistadores apertam a
enguia. Como analisar um juiz que divulga conversas privadas, como fez
Sérgio Moro com as da família de Lula, quando a lei diz que devem ser
destruídas”?
Responde o nosso garantista do
genérico: “Falando genericamente, vazamentos de conversas privadas não
associadas à investigação são reprováveis”.
E, aí, o xeque mate dos
entrevistadores no juiz de instrução do particular: “Um agente público à frente
de uma grande operação não tem responsabilidade redobrada? “.
Consumado o curto-circuito, a
resposta de Barroso foi o silêncio, devidamente registrado pelos entrevistadores.
Na sequência, perguntas sobre a
anistia ao Caixa 2, a maneira encontrada para livrar as principais lideranças
do PSDB. E o Ministro cheio de opiniões, não opina: “É uma questão de varejo
político sobre a qual eu não gostaria de me manifestar”.
Mas se diz contra uma
operação-abafa. Genericamente falando, é claro.
Os entrevistadores, implacáveis:
“Mas há uma operação-abafa no ar? “.
E Barroso, depois de um silêncio
de sete segundos: “Eu acho que não. (...) É uma possibilidade”.
Falando para a história
À pergunta seguinte, se o país
não perdeu a roda da história, cita um fantástico time de iluministas-padrão,
todos juristas, diz que o iluminismo chegou ao poder com Fernando Henrique
Cardoso e, com Lula, veio o “aprofundamento de coisas boas que já vinham
ocorrendo”, mostrando seu notável desconhecimento, nem se diga de história
brasileira do século, mas da própria história contemporânea.
Finalmente, indagado se Lula
sofre perseguição, o Ministro que aceita dar entrevistas e emitir opinião sobre
tudo e todos, pede que os entrevistadores respeitem seu recato.
- Tenho muitas opiniões, mas eu
vivo um momento em que não posso compartilhá-las todas. Peço que entendam a
minha situação”.
Embora polêmicos, os antecessores
“iluministas” mencionados por Barroso – José Bonifácio, Joaquim Nabuco, Ruy
Barbosa, San Tiago Dantas – tinham uma visão sistêmica de país, noção clara
sobre os rumos a serem seguido e a capacidade de entender os diversos fatores
de constituição da Nação.
Mas a história que Barroso
ambiciona é a superficialidade da mídia de massa nesses tempos de redes
sociais. Como disse, agora há pouco, uma juiza pela Twitter: "As pessoas
vão aprendendo qual é o discurso que dá mais popularidade, vão se adaptando e
ficando todas iguais".
A diferença entre o pensamento
dos clássicos e a superficialidade de Barroso é a prova maior da grande crise
nacional: a falta de figuras referenciais em todos os quadrantes institucionais
e a escassez de pessoas pensando o país lá na frente.
Do GGN