quarta-feira, 31 de maio de 2017

Lava jato: não é só uma operação, traz consigo uma carga ideológia destruidora dos anseios das classes populares

Sala de visitas: como a Lava Jato desnudou fragilidades da democracia brasileira. Luis Nassif entrevista o colunista do Jornal GGN e pesquisador da UnB Fernando Horta e pianista e cantor Breno Ruiz.
Nesta edição do programa Na sala de visitas com Luis Nassif você acompanha a entrevista completa do colunista do GGN, historiador e relações internacionais Fernando Horta fazendo uma análise do impacto da operação Lava Jato na crise política do país, e como todos os processos políticos que se desenrolaram em torno dela, incluindo o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, desnudam as fragilidades da democracia brasileira. 

Para o pesquisador da UnB, a Lava Jato é mais do que uma operação para desvendar um esquema de corrupção revelando, desde seu início, um viés de cunho ideológico para conseguir destituir do governo central do país um partido mais correspondente aos anseios das classes populares.


Em seguida, Nassif recebe o pianista, cantor e compositor paulista Breno Ruiz, que apresenta músicas do repertório do seu primeiro CD - Cantilenas Brasileiras, trabalho composto em parceria com o poeta Paulo Cesar Pinheiro. Breno é considerado hoje um dos melhores compositores jovens da atualidade no Brasil se tornando, nos últimos anos, referência entre os músicos do Rio Janeiro e de São Paulo.
Do GGN

Livros: Textos escolhidos (Os Pensadores), parte I – Denis Diderot

Tradução e notas: Marilena de Souza Chauí e J. Guinsburg

Editora: Abril Cultural
Tradução e notas: Marilena de Souza Chauí e J. Guinsburg
Opinião: muito bom
Páginas: 138

Carta sobre os cegos para uso dos que veem

     “Se vos prestardes por um instante a tal suposição, ela vos lembrará, sob traços supostos, a história e as perseguições dos que tiveram a desgraça de encontrar a verdade em séculos de trevas, e a imprudência de revelá-la aos cegos contemporâneos, entre os quais não deparavam inimigos mais cruéis do que aqueles que, por sua condição e sua educação, pareciam dever estar menos afastados de seus sentimentos.”
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     “Um meio quase seguro de enganar-se em metafísica é não simplificar bastante os objetos de que nos ocupamos; e um segredo infalível para chegar em físico-matemática a resultados defeituosos é supô-los menos compostos do que o são.”
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     “Tudo o que é do homem perece com o homem.”
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     “Vem um tempo em que o gosto dá conselhos cuja justeza se reconhece, mas que não se tem mais a força de seguir.”
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O sobrinho de Rameau

     “EU — Há uma eternidade que não vos via. Não penso muito em vós quando não vos vejo. Mas sempre me agrada rever-vos. Que tendes feito?

     ELE — O que vós, eu e todos fazem: o bem, o mal e nada. Depois tive fome e comi quando a ocasião se apresentou. Após ter comido, tive sede e bebi algumas vezes. Entrementes minha barba crescia, e quando ficou grande mandei raspá-la.

     EU — Fizestes mal. É a única coisa que vos falta para serdes um sábio.”
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     “(...) ELE — Se ajuda alguém é sem desconfiar. É um filósofo à sua moda. Só pensa em si próprio. O resto do mundo não lhe interessa. Sua filha e sua mulher poderão morrer quando quiserem; desde que os sinos da paróquia continuem a tanger a décima e a décima sétima badaladas, tudo estará bem, e é uma sorte para ele. O que prezo particularmente nas pessoas de gênio é que são boas só para uma coisa; fora esta, mais nada. Não sabem o que é ser cidadão, pai, mãe, irmão, parente, amigo. Cá entre nós: é necessário assemelhar-se a ele sob todos os aspectos, mas não querer ser farinha do mesmo saco. É preciso homens, mas não homens de gênio. Palavra de honra, não é preciso mesmo. São os reformadores da face do globo, e, como nas menores coisas a estupidez é tão habitual quanto potente, sua reforma não pode ocorrer sem confusão. Por isso, parte do que imaginaram chega a ser instituída, mas o resto fica como dantes. Resultado: dois evangelhos, um traje de arlequim. A sabedoria do monge de Rabelais é a verdadeira sabedoria, para seu repouso e o dos outros: cumprir mal e mal o dever, sempre falar bem do senhor prior e deixar o mundo ao sabor de seus caprichos. O mundo vai bem, pois a multidão está contente com ele. Se conhecesse história, eu vos mostraria que o mal sempre veio cá embaixo pelas artes de algum homem de gênio. Mas não conheço história porque nada sei. O diabo que me carregue se alguma vez aprendi alguma coisa, e se estou pior por não ter aprendido. Um dia, estava à mesa de um ministro do rei de França, cujo espírito vale por quatro. Pois bem, o ministro nos demonstrou, como um e um são dois, que nada era mais útil aos povos do que a mentira, nada mais nocivo do que a verdade. Não me recordo muito de suas provas, mas delas decorria com evidência que as pessoas de gênio são detestáveis. E se uma criança, ao nascer, trouxesse na fronte a marca desse perigoso presente da natureza, dever-se-ia sufocá-la ou lançá-la num antro de vagabundos.

     EU — No entanto, todas essas personagens, tão inimigas do gênio, estão certas de possuí-lo.

     ELE — Creio que no íntimo pensam dessa maneira, mas não creio que ousassem confessá-lo.

     EU — É por modéstia. Desde então concebeste um ódio terrível contra o gênio?

     ELE — Para nunca voltar atrás.

     EU — Mas lembro-me de uma ocasião em que o desespero vos dominava por serdes apenas um homem comum. Se o pró e o contra vos afligirem igualmente, nunca sereis feliz. É preciso tomar um partido e permanecer fiel a ele. Ninguém voltará atrás ao concordar inteiramente convosco, aceitando que os homens de gênio frequentemente são singulares, ou, como diz o provérbio, que não há grandes inteligências sem um grão de loucura. Desprezar-se-ão os séculos que não os produzirem. Serão a honra dos povos entre os quais tiverem existido. Cedo ou tarde, estátuas lhes serão erguidas. E serão encarados como benfeitores do gênero humano. Sem desagradar ao sublime ministro que me haveis citado, creio que a mentira pode servir um momento, mas a longo prazo é necessariamente nociva, e que, ao contrário, a verdade serve necessariamente a longo prazo, embora possa ocorrer que prejudique no momento. Por isso, eu me sentiria tentado a concluir que o homem de gênio, capaz de desacreditar um erro geral ou de empenhar-se numa grande verdade, é sempre um ser digno de nossa veneração. Pode acontecer que se torne vítima do preconceito e das leis, porém há dois tipos de leis: umas, absolutamente equânimes e gerais, outras, estranhas, cuja sanção provém apenas da necessidade ou da cegueira das circunstâncias. Se estas cobrem de ignomínia o culpado que as infringe, a ignomínia é passageira e o tempo se encarrega de revertê-las definitivamente sobre os juízes e as nações. Hoje, quem é o desonrado: Sócrates ou o magistrado que o obrigou a beber cicuta?”
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     “— Mas pesai o mal e o bem. Daqui a mil anos fará derramar lágrimas; será a admiração dos homens de todos os recantos da terra. Inspirará humanidade, comiseração, ternura. Perguntar-se-á quem foi, qual o seu país, e invejar-se-á a França. Causou sofrimento a algumas pessoas que já não vivem e às quais damos pouco ou nenhum valor. Nada temos a temer de seus vícios e de seus defeitos. Teria sido melhor, sem dúvida, se tivesse recebido da natureza as virtudes de um homem de bem com os talentos de um grande homem. É uma árvore que secou algumas outras, plantadas ao seu redor, que sufocou as plantas que cresciam aos seus pés; mas elevou sua copa até as nuvens e seus ramos se estenderam ao longe, oferecendo sua sombra aos que vinham, vêm e virão repousar à volta de seu tronco majestoso; produziu frutos de raro sabor e que se renovam incessantemente. Seria desejável que Voltaire tivesse também a doçura de Duclos, a candura do Abade Trublet, a retidão do Abade D’Olivet, mas, como isto não é possível, olhemos a coisa por seu lado verdadeiramente interessante. Esqueçamos por um momento o ponto que ocupamos no espaço e na duração, e estendamos nossa vista aos séculos por vir, às regiões mais afastadas e aos povos por nascer. Sonhemos com o bem de nossa espécie. Se não somos bastante generosos, pelo menos perdoemos a natureza por ter sido mais sábia do que nós. Se lançardes água fria sobre a cabeça de Greuze, extinguireis, talvez, seu talento com sua vaidade.”
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     “Apodrecer sob o mármore, apodrecer sob a terra, é sempre apodrecer.”
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     “A voz da consciência e da honra é muito fraca quando as tripas gritam.”
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     “Se ficar rico farei a devolução, e estou mesmo disposto a devolver de todas as maneiras possíveis: pela mesa, pelo jogo, pelo vinho, pelas mulheres.”
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     “ELE — Vós outros, filósofos, pensais de maneira diversa, pois acreditais que a mesma felicidade é feita para todos. Que estranha visão! Vossa felicidade supõe uma certa propensão romanesca que não temos, uma alma singular, um gosto particular. Enfeitais essa esquisitice com o nome de virtude, chamando-a, também, filosofia. Mas a virtude e a filosofia são feitas para todo mundo? Quem pode tem; quem pode conserva. Imaginai o universo sensato e filosofante. Que terrível chatice! Escutai. Viva a filosofia, viva a sabedoria de Salomão: beber bons vinhos, saborear petiscos delicados, rolar sobre belas mulheres, repousar em camas macias. O resto é vaidade.
     EU — Como? E servir à pátria?
     ELE — Vaidade! Não há mais pátria. De um polo ao outro só vejo tiranos e escravos.
     EU — Servir aos amigos?
     ELE — Vaidade! Quem tem amigos? E quem os tivesse deveria torná-los ingratos? Atentai e vereis que é sempre isso o que se recolhe dos favores prestados. O reconhecimento é um fardo e todo fardo deve ser sacudido.
     EU — Ter uma posição na sociedade e cumprir os deveres?

     ELE — Vaidade! Que importa que se tenha ou não uma posição, desde que se seja rico, pois só se arranja uma posição para isso. Cumprir os deveres? Aonde isso leva? Ao crime, à perturbação, à perseguição. É assim que se progride? Fazer a corte, raios! Fazer a corte! Ver os grandes, estudar seus gostos, prestar-se às suas fantasias, servir aos seus vícios, aprovar suas injustiças. Eis o segredo.
     EU — Cuidar da educação de seus filhos?
     ELE — Vaidade! É tarefa de um preceptor.
     EU — Mas, se o preceptor, convicto de vossos princípios, negligenciar seus deveres, quem deverá ser castigado?
     ELE — Palavra! Garanto que não serei eu! Talvez, um dia, o marido de minha filha, ou a mulher de meu filho.
     EU — Mas, se ambos caírem na orgia e no vício?
     ELE — Será uma consequência de sua posição.
     EU — Se se desonrarem?
     ELE — Faça o que fizer, o rico nunca se desonra.”
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     “Louva-se a virtude, mas é odiada e dela se foge.”
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     “Por que vemos frequentemente devotos tão duros, tão irritados, tão insociáveis? Porque impuseram a si próprios uma tarefa que não é natural; sofrem, e quem sofre faz os outros sofrerem também.”
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     “Só o ridículo e a loucura fazem rir.”
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     “O espírito e a arte têm seus limites, menos para Deus e para alguns espíritos raros que veem a estrada alongar-se à medida que avançam.”
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     “Os gênios leem pouco, praticam muito e se fazem por si próprios.”
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     “É melhor escrever grandes coisas do que executar pequenas.”
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     “Engolimos em grandes sorvos uma mentira que nos lisonjeia; bebemos gota a gota uma verdade que nos amargura.”
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     “Sentir-me-ia humilhado se aqueles que falam mal de tanta gente boa resolvessem falar bem de mim.”
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     “ELE — Não caio nunca, e por uma simples questão de proporção, pois, para uma vez que se deve evitar o ridículo, felizmente há cem outras em que é preciso lançar-se nele. Junto aos grandes não há melhor papel do que o de um louco. Durante muito tempo houve o título de louco do rei. Que eu saiba, nunca houve o de sábio do rei. Sou o louco de Bertin e de muitos outros, o vosso talvez, neste momento. Ou quem sabe se vós sois o meu? Aquele que fosse sábio não teria um louco; portanto, o que tem um louco não é sábio. Ora, se não é sábio talvez seja louco, e talvez, se fosse rei, o louco de seu louco. Além disso, lembrai-vos de que, num assunto tão controvertido como o dos costumes, nada há que seja absoluta, essencial e geralmente verdadeiro ou falso, mas que se deve ser aquilo que o interesse deseja que sejamos: bom ou mau, sábio ou louco, decente ou ridículo, honesto ou vicioso. Se, por acaso, a virtude tivesse conduzido à fortuna, eu teria sido virtuoso ou simulado a virtude como um outro qualquer. Quiseram-me ridículo, assim me fiz. Quanto aos vícios; a despesa ficou por conta da natureza. Quando digo vicioso, digo-o apenas para falar vossa língua, pois, se viéssemos a nos explicar, poderia ocorrer que chamásseis vício o que chamo virtude, e virtude o que chamo vício.”
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     “Os mendigos se reconciliam quando comem na mesma gamela.”
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    “Se há um gênero onde é importante ser sublime, este gênero é o mal. Cospe-se num pequeno gatuno, mas não é possível recusar uma certa consideração por um grande criminoso: sua coragem espanta, sua atrocidade arrepia. Estima-se muito a coerência do caráter.”
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     “Geralmente a grandeza de caráter resulta do equilíbrio natural de várias qualidades opostas.”
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     “A criança como o homem, o homem como a criança preferem divertir-se a instruir-se.”
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     “Os trouxas e os loucos se divertem uns com os outros. Procuram-se. Atraem-se.”
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     “Se ao chegar não tivesse encontrado já pronto o provérbio que diz que ‘o dinheiro dos trouxas é patrimônio dos sabidos’, eu o teria inventado.”
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Diálogo entre D’alembert e Diderot / O sonho de D’alembert / Continuação do diálogo

     “Nosso verdadeiro sentimento não é aquele no qual jamais vacilamos; mas aquele ao qual mais habitualmente retornamos.”
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     “SENHORITA DE l’ESPINASSE. — Mas o que é a nossa duração comparada à eternidade dos tempos? Menos que a gota que peguei com a ponta de uma agulha, comparada ao espaço ilimitado que me rodeia. Sequência indefinida de animálculos no átomo que fermenta, a mesma sequência indefinida de animálculos no outro átomo que se chama Terra. Quem conhece as raças de animais que nos precederam? Quem conhece as raças de animais que sucederão às nossas? Tudo muda, tudo passa, só o todo permanece. O mundo começa e acaba incessantemente, está a cada instante no início e no fim; nunca houve outro e nunca haverá outro. “Neste imenso oceano de matéria, não existe molécula que se assemelhe a outra molécula, molécula que se assemelhe a si própria por um instante: Rerum novus nascitur ordo (Uma nova ordem de coisas nasce), eis sua inscrição eterna...” Depois ajuntou, suspirando: “ó vaidade de nossos pensamentos! Ó pobreza da glória e de nossos trabalhos! Ó miséria! Ó pequeneza de nossas concepções! Não há nada sólido exceto beber, comer, viver, amar e dormir...”
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     “A conformação original se altera ou se aperfeiçoa pela necessidade e pelas funções habituais. Andamos tão pouco, trabalhamos tão pouco e pensamos tanto, que não desespero que o homem acabe sendo (no futuro) apenas uma cabeça.”
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     “— É tão comum tomar qualidades naturais por hábitos adquiridos e quase tão velhos como nós.
     — E reciprocamente.”
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     “— Digo que o espírito monástico se conserva porque o mosteiro se refaz pouco a pouco, e quando entra um novo monge, encontra uma centena de velhos que o arrastam a pensar e a sentir como eles. Uma abelha vai embora, sucede-lhe no cacho outra que logo se põe a par.”
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     “D’ALEMBERT. — Vós o credes?
     BORDEU. — E sois vós quem me propondes semelhante pergunta! Vós que, entregue a especulações profundas, passastes dois terços de vossa vida a sonhar de olhos abertos e a agir sem querer; sim, sem querer, bem menos que em vossos sonhos. Em vosso sonho comandais, ordenais, sois obedecido; ficais descontente ou satisfeito, experimentais contradição, deparais obstáculos, vós vos irritais, amais, odiais, censurais, ides, vindes. No decurso de vossas meditações, mal vossos olhos se abriam de manhã quando, presa novamente da ideia que vos preocupara na véspera, vós haveis vos vestido, sentado à vossa mesa, meditado, traçado figuras, seguido os cálculos, almoçado, retomado vossas combinações e às vezes deixado a mesa para verificá-las; vós haveis falado a outrem, dado ordens à vossa criada, ceado, vós haveis vos deitado, adormecido sem ter praticado o menor ato de vontade. Não fostes senão um ponto; agistes mas não quisestes. Será que se quer, por si? A vontade nasce sempre de algum motivo interior ou exterior, de alguma impressão presente, de alguma reminiscência do passado, de alguma paixão, de algum projeto no futuro. Depois disso, dir-vos-ei sobre a liberdade apenas uma palavra, é que a derradeira de nossas ações é o efeito necessário de uma causa una: nós, muito complicada, porém una.

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — Necessário?

     BORDEU. — Sem dúvida. Tentai conceber a produção de outra ação, supondo que o ser atuante seja o mesmo.

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — Ele tem razão. Uma vez que eu ajo assim, aquele que pode agir de outro modo não é mais eu; e assegurar que no momento em que faço ou digo uma coisa, posso dizer ou fazer outra, é assegurar que eu sou eu e que eu sou um outro. Mas, doutor, e o vício e a virtude? A virtude, esta palavra tão santa em todas as línguas, esta ideia tão sagrada em todas as nações!

     BORDEU. — Cumpre transformá-la na de beneficência, e seu oposto na de maleficência. A gente nasce afortunada ou desafortunadamente; somos irresistivelmente arrastados pela torrente geral que conduz um à glória e outro à ignomínia.

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — E a autoestima, e a vergonha e o remorso?

     BORDEU. — Puerilidade fundada na ignorância e na vaidade de um ser que se imputa a si próprio o mérito ou o demérito de um instante necessário.

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — E as recompensas e os castigos?

     BORDEU. — São meios de corrigir o ser modificável que se denomina mau, e encorajar o que se denomina bom.

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — E essa doutrina toda nada tem de perigoso?

     BORDEU. — Ela é verdadeira ou falsa?

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — Creio que é verdadeira.

     BORDEU. — Isto quer dizer que pensais que a mentira tem suas vantagens, e a verdade seus inconvenientes.

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — Assim penso.

     BORDEU. — E eu também: mas as vantagens da mentira são momentâneas, e as da verdade são eternas; mas as consequências vergonhosas da verdade, quando ela as têm, passam depressa, e as da mentira só terminam com esta.”
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     “Quem mistura o útil ao agradável obtém todos os votos.” (Horácio, Arte Poética, v. 343)
*
     “BORDEU. — Senhorita, poderíeis informar-me que proveito e que prazer a castidade e a continência rigorosas produzem, seja ao indivíduo que as pratica, seja à sociedade?

     SENHORITA DE l’ESPINASSE. — Por Deus, nenhum.

     BORDEU. — Logo, a despeito dos magníficos elogios que o fanatismo lhes prodigalizou, a despeito das leis civis que as protegem, nós as excluiremos do catálogo das virtudes, e conviremos que nada há de tão pueril, de tão ridículo, de tão absurdo, de tão nocivo, de tão desprezível, nada há de pior, à exceção do mal positivo, do que essas duas raras qualidades...”

Do GGN/Blog de Doney

Antonio Dornas: Revisita a Hobbes explica o avanço da Direita

De volta a Hobbes

No mundo em geral, os movimentos de direita avançam sobre as instituições. No Brasil, especificamente, naquilo que se relaciona ao modus operandi, nada de novo. Uma intervenção do sistema judiciário na política, um aparelhamento do estado a serviço da elite, que, em muitos aspectos, retoma práticas políticas da velha república. Práticas estas que nunca deixaram de se fazer presentes, mas cujo grau se intensifica absurdamente. Interesses de natureza corporativos se organizam no poder judiciário, tradicionalmente o menos aerado dos poderes, em conchavos e conluios que alimentam os folhetins. Apresenta sua versão como fato e, ao serem confrontados, adotam máximas do tipo: “Todo político é corrupto” para justificar atitudes abusivas.

Nisto, o sistema judiciário assume um papel semelhante ao dos antigos coronéis. Interpõem-se entre os interesses da elite e a revolta do povo para servir de uma forma muito mal disfarçada aos primeiros e conter à base de logro quando possível, do porrete quando necessário, aos últimos. 

Mas o país hoje é muito mais complexo!

É fato. A urbanização em particular alterou a estrutura social, acelerando a reação às tramas da elite. Assim, a resposta tarda, mas não falha, haja visto a recente greve geral.

A classe política se vê, desta forma, emparedada. Atende o esquema que sustenta a lava-jato, o povo reage. Atende o povo, o judiciário morde seu calcanhar. Assim, o golpe é um movimento que somente se sustenta no curto prazo. Daí a ferocidade com que avança sobre os direitos sociais.

Em algum momento, é o que se espera, o lobo saciado, “estanca a sangria”. Já foi o impeachment, cassação e prisão de Eduardo Cunha, prisão de Sérgio Cabral, uma lei draconiana que congela os gastos públicos por vinte anos, Aécio Neves, o governo Temer prestes a cair. Até mesmo a poderosa Rede Globo, com toda sua estrutura e organização, se vê arrastada para o redemoinho, tendo que improvisar uma mudança de rota, um verdadeiro “cavalo de pau” no programa do golpe, que parecia tão bem encaminhado para o desmanche das estruturas sociais, assumindo Temer para si o papel de carrasco e se dizendo satisfeito com a baixa popularidade. Seria hilário, se não fosse trágico.

A classe política tradicional esperava que, acendendo ao interesse da elite, estaria abrindo portas para o “grande acordo nacional”. E realmente, esta seria a tese mais ponderável seguindo a tradição política do país. Na velha república, por exemplo, uma vez vencida a pauta progressista, o sistema se acomoda para manter tudo como sempre foi. Hoje, ao contrário, o sistema cria o impasse sem formular saídas, o que margeia o imponderável. É evidente que o imponderável é a antítese da manutenção do status.

Toda esta circunstância do momento político brasileiro faz lembrar um processo recente, também inédito e surpreendente, a que se denominou primavera árabe. Naquela oportunidade o que aconteceu? Nações ricas em recursos naturais, sociedades caracterizadas pela injustiça social secular imposta à maioria de seus cidadãos, se veem diante de uma revolta popular que desestabiliza o sistema político tradicional. Como lá, existe aqui uma estrutura política frágil e uma classe política corrompida e vulnerável. Até então a estabilidade era garantida pela apatia. De uma hora pra outra somos transportados para uma realidade que remete àquela vivida pela Inglaterra ainda do século XVII com duas grandes diferenças:

1.    Lá, tal circunstância correspondia a um momento histórico típico, o fim da idade média, a ascensão da burguesia, etc... Aqui não há como identificar tais relações.

2.    Lá a ausência de um sentido de nação não carregava como peso a pressão dos interesses externos com a organização e ferocidade que vivenciamos aqui.

Conclui-se que tal processo não é natural. É possível identifica-lo a partir de um novo agente de natureza efêmera, característico da era digital. Este político sem rosto, este partido sem partido, pode ser tudo, menos identitário do interesse nacional. Seu DNA é externo e trata-se de um fenômeno internacional promovido pela direita, haja vista a trama russa nas eleições americanas. Sua demanda é a instabilidade política para apropriação das riquezas nacionais pelas potências estrangeiras.

E, estando correto este raciocínio, Síria, Afeganistão, Líbia, Egito e Iraque, são as referências mais apropriadas para nosso futuro se algo não for feito de imediato. Destruição, guerra civil, caos, ditaduras ferrenhas, e acima de tudo a perda da soberania. E as potências externas fazendo a festa, é claro.

Ainda preciso dizer quem, de fato, esta por trás de toda esta trama?

Do GGN

Tereza Cruvinel: Temer pode virar réu ainda em junho

A defesa de Temer fez as contas e concluiu que Rodrigo Janot pode denunciá-lo ao STF ainda em junho, o que determinaria seu afastamento do cargo antes mesmo do julgamento da chapa Dilma-Temer pelo TSE. Por isso pediu hoje ao ministro-relator Luiz Fachin para adiar o depoimento por escrito que ele prestará à Polícia Federal para depois da conclusão da perícia no áudio da conversa entre Temer e o empresário Joesley Batista, da JBS. Fachin, que autorizou o depoimento ontem, decidirá nas próximas horas sobre o pedido de adiamento. A perícia está sendo feita pela PF.

Na autorização dada ontem, dia 30, para que Temer preste depoimento por escrito, Fachin determinou também à Polícia Federal que conclua em dez dias as investigações pedidas pela Procuradoria Geral da República. Neste prazo, estão incluídas as 24 horas concedidas a Temer para responder às perguntas do interrogatório por escrito. Se o prazo de dez dias for cumprido, o inquérito estará concluído em 10 de junho. Depois disso será encaminhado a Janot, que já disporá dos elementos para denunciar ou não Michel Temer ao STF. Supondo-se que Janot leve cinco dias para elaborar e apresentar a denúncia, estaremos em 15 de junho.

Mas aí, tudo estará nas mãos do Supremo. Temer só se tornará réu quando o tribunal apreciar a denúncia, decisão que, por sua gravidade, deve ser tomada pelo plenário, e não apenas pelo relator. O Supremo não tem prazo para acolher ou rejeitar denúncias, havendo casos em que foi célere e outros em que levou até dois anos sem se pronunciar. A gravidade da crise política faz supor que a decisão viria a curto prazo, podendo até mesmo acontecer no curso do julgamento da chapa Dilma-Temer pelo TSE.  A confluência dos dois processos seria um poderoso vetor jurídico e político a favor de seu afastamento.

Mas, como já dito acima, a transformação de Temer em réu, condição que o impediria de exercer a Presidência, dependerá do STF e de seu tempo. Por toda a sua omissão no processo de impeachment, que como admitiu esta semana o ministro Roberto Barroso, “deixou uma cicatriz e ainda divide o país”,  é provável que no caso de Temer o tribunal deixe de lado a postura de Pilatos e tome as decisões que lhe compete, por mais delicadas e graves que sejam.

247

Ministro Marco Aurélio STF joga para o plenário prisão do Senador Aécio Neves, no caso da delação JBS

O ministro Marco Aurélio, que foi sorteado hoje (31) como novo relator do mais recente inquérito contra o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) no Supremo Tribunal Federal (STF), disse, poucos minutos após ser escolhido, que a decisão sobre a prisão do parlamentar deve sair do plenário da Corte.

O relator anterior do caso, ministro Edson Fachin, já havia indicado que levaria o tema para deliberação do plenário, e não para a Segunda Turma, colegiado onde se costuma deliberar as questões referentes a inquéritos contra parlamentares.

"Eu jamais reconsideraria uma deliberação de um colega. E não reconsiderando, não atuando nesse campo individualmente, eu traria ao colegiado. Deve ir ao plenário em termos de agravo", afirmou Marco Aurélio Mello, referindo-se aos recursos interpostos pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pela defesa de Aécio, um a favor e outro contra a prisão do parlamentar.

Nesse caso, Aécio Neves (PSDB-MG) é investigado pelo suposto recebimento de R$ 2 milhões em vantagens indevidas do empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo JBS que assinou acordo de delação premiada com a Justiça. O senador foi gravado pela Polícia Federal em conversas suspeitas com o executivo.

A pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Fachin afastou Aécio do exercício do cargo, mas negou a prisão do senador, decisão contestada pela PGR. A defesa também entrou com recurso no sentido de garantir a liberdade do parlamentar.

O ministro Marco Aurélio Mello também será responsável pela condução do inquérito sobre a irmã de Aécio, Andrea Neves, presa há duas semanas na Operação Patmos. A troca de relator foi realizada após decisão do antigo relator, Edson Fachin, que atendeu a um pedido feito pela defesa de Aécio e determinou a redistribuição do inquérito.

A escolha de Marco Aurélio foi feita eletronicamente por sistema processual eletrônico do Supremo. "Parece que o computador, no que opera a distribuição, não gosta de mim", brincou o ministro.

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CCJ do Senado aprova Diretas JÁ, comemora o relator da PEC senador Lindbergh Farias PT/RJ

Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou por unanimidade nesta quarta-feira (31) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelece eleições diretas se a Presidência da República ficar vaga nos três primeiros anos do mandato.

Agora o texto, de autoria do senador Reguffe (sem partido-DF) e relatado por Lindbergh Farias (PT-RJ) será enviado ao plenário do Senado. Caso a PEC seja aprovada neste ano, a saída Michel Temer ainda em 2017 levaria a uma eleição direta, já que o mandato do peemedebista terminaria em 31 de dezembro de 2018

Atualmente, a legislação prevê que, na hipótese de presidente e vice deixarem o comando do país nos últimos dois anos do mandato, deve ser realizada eleição indireta, em até 30 dias, pelo Congresso Nacional.

A PEC, apresentada pelo senador Reguffe (sem partido-DF) em 2016, altera o artigo que trata da vacância da Presidência. O texo aprovado nesta terça pela CCJ prevê que, na ausência definitiva do presidente e do vice, o Congresso elege indiretamente o chefe do Executivo federal se a vacância ocorrer no último dos quatro anos de mandato.

90,6% da população quer eleições diretas

Segundo levantamento da Paraná Pesquisas divulgado nesta terça-feira, 30, nada menos que 90,6% dos brasileiros querem diretas-já. A pesquisa também traz dados impressionantes sobre a impopularidade de Temer, que chegou ao poder por meio de um golpe parlamentar. Ele é aprovado por apenas 6,4% dos brasileiros. 73,5% dos entrevistados disseram ainda que não dariam um voto de confiança a Temer nem se sua permanência no poder fosse a garantia de melhorias na economia (leia mais).

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Santana e Mônica mentiram, Dilma apresenta provas

O advogado de defesa da presidente deposta Dilma Rousseff, Flávio Caetano, vai explicar a estratégia de defesa no julgamento do processo aberto pelo PSDB que pede a cassação da chapa Dilma-Temer, vitoriosa nas eleições presidenciais de 2014.

O Tribunal Superior Eleitoral retoma o julgamento do caso no próximo dia 6.

Em entrevista coletiva nesta quinta-feira, 1º, a partir das 10h30, no Itaim Training Center, em São Paulo, Flávio Caetano vai apresentar as provas de que o casal João Santana e Monica Moura prestaram falso testemunho à Justiça Eleitoral e mentiu ao apontar o uso de caixa dois na campanha de reeleição de Dilma Rousseff.

A defesa quer a nulidade do acordo de delação premiada celebrado pela Justiça Federal, que beneficiou o casal e colocou João Santana e Monica Moura em liberdade, mesmo os dois tendo mentido em juízo.

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Delegado Federal que investigava morte do Ministro Teori Zavascki do STF é assassinado em Florianópolis

Dois delegados da Polícia Federal foram assassinados na madrugada desta quarta-feira, 31, em Florianópolis. Elias Escobar, 60 anos, e Adriano Antônio Soares, 47 anos, estavam em uma casa noturna quando houve um desentendimento e os tiros foram disparados. Uma pessoa ficou ferida no tumulto.

Adriano Antônio Soares era o responsável por investigar as circunstâncias da queda do avião que matou o ministro Teori Zavascki, então relator da operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, e outras quatro pessoas em Paraty (RJ) janeiro deste ano. Soares, que atuava como chefe da Polícia Federal de Angra dos Reis desde 2009, havia sido designado para investigar o caso ainda em janeiro.

Fernando Horta: In dubio pro democracia!

O professor Pedro Serrano acredita que emenda pelas “diretas já” seria inconstitucional. Serrano, é uma potente voz neste assunto. O professor afirma que a emenda viria de um “casuísmo”, uma legislação ad hoc, feita para um momento extraordinário, diferenciado. Serrano tem se pautado pela negação de qualquer ato de exceção, buscando fortalecer as instituições ao invés de solapá-las. A lei serve para os momentos ruins e para os bons. Sem distinção.
Já o professor Yuri Carajelescov acredita que as eleições indiretas não estão previstas no nosso ordenamento. A lei que regula este tipo de situação é de 1964 e não teria sido recepcionada pela constituição de 1988. Recepcionar uma lei é um termo técnico que os juristas usam para quando os legisladores aceitam absorver uma lei originada anteriormente à constituição. Aproveita-se a positivação anterior desde que não em tensão com o novo ordenamento. Carajelescov também cita o fato de não ter havido posse correta de Temer, eis que o impeachment que deu origem à vacância não seria legítimo. E em não havendo posse legítima não há vacância que enseje a lei de 64. Estaríamos num limbo e bem viria uma PEC para eleições diretas.

Na última terça um grupo de juristas da UFRJ (doutores, José Ribas Vieira, Vanessa Batista Berner, Lilian Balmant Emerique, Carolina Machado, Cyrillo da Silva e Fabiano Soares Gomes) escreveram artigo informando que a Lei de 64 (a que fala de eleições indiretas) está em desacordo com a constituição de 88 (notadamente o artigo 14 que fala da soberania popular e do sufrágio universal). Afirmam que o correto seria eleições diretas.

Longe de mim dar pitaco nestas discussões aí. É como criticar corrida de Ayrton Senna, Alain Prost e Nelson Piquet. Eles que são grandes que se entendam. Meu caminho é outro, é o da política, é o da história.

A lei de 64 vai muito bem com a cara do regime militar. Aquele que gostava de democracia sem povo. O povo, afinal, atrapalha o bom andamento da democracia. Em tudo o que os militares podiam, eles afastavam o povo. Trocavam participação por uma espécie de tutoria. O povo era uma criança que precisava ser cuidada, carregada no colo, alimentada, levar umas palmadas, mas jamais decidir por si ou caminhar sozinha. Muito perigoso. Me parece que a lei de 64 não se adequa ao momento atual, usá-la seria a velha solução de exclusão da população do cenário decisório. Isto é chamado na História brasileira de “decisão pelo alto”. O impeachment fez isto. Os em posição mais alta nos grupos econômicos e nas burocracias, aqueles que “sabem melhor do que o povo”, decidem o que é melhor. O resto segue como boiada.

Eleições indiretas consagrariam também outra conhecida máxima da história brasileira: a de mudar as coisas para que continuem todas iguais. Tivemos várias reviravoltas institucionais durante nossa história. Tiramos imperadores, colocamos regentes, tiramos regentes para colocar imperadorezinhos, tiramos a monarquia colocamos militares, tiramos os militares para assumirem cafeicultores ... e assim foi ... chegaram os ditadores, voltaram os militares e nesta dança das cadeiras não foi mudado o grupo social que sempre se aproveitou do Estado para enriquecer e sempre decidiu. Nunca houve uma revolução social no Brasil. O que de mais próximo tivemos foram a inclusão dos trabalhadores pelas leis trabalhistas de Vargas e a inclusão das classes baixas nos espectros de consumo e nas universidades feita por Lula.

Nem se pode dizer que foram “revoluções”, mas definitivamente mudaram a cara da nossa sociedade. Não é por acaso que ambas são alvos dos grupos que querem eleições indiretas. Não é por acaso que se tenta acabar com educação, leis trabalhistas e tudo mais que poderia garantir algum tipo de ascensão social às populações mais pobres deste país. Eleições indiretas agora seria mudar para continuar tudo na mesma. Os nomes ventilados assustam. Ou é o jurista-coringa que trabalhou para todos, menos para o povão. Ou é o multimilionário nordestino, que está em silêncio para fazer parecer que nada se tem contra ele ou algum outro nome de ocasião que cheira a perfume importado, fala um português “escorreito” e tem “entrada” com as elites. Bem ao gosto daqueles que mandam no país desde 1500.

A mim, parece claro que não é constituição que recepciona a democracia. Que o povo não precisa de alguma autorização que os mortos deixaram numa capenga carta. Carta esta que anda sendo desautorizada desde as questões do anatocismo (juros bancários), lembram? É a democracia e o pacto entre nós que permite qualquer constituição. Não há Carta sem pacto democrático anterior. Ando bem ressabiado porque leio os artigos da nossa constituição, especialmente do primeiro ao quinto, e não reconheço o país que ali está descrito. Não sei mais, efetivamente, para que serve aquele amontoado de incisos, leis, artigos se não para tolher o pobre, afastar o povo e proteger os ricos e poderosos. Se tudo pode ser mudado por PEC, na calada da noite, com votações surpresa ou decisões do nosso tão ativo STF, então não há motivo para usar-se como camisa de força uma lei de 1964.

No mínimo, in dubio pro democracia. E os que tem medo de povo, medo de voto e medo de sufrágio que tenham a coragem de vir à público explicarem-se.

Não se pode aceitar menos do que eleições diretas. Penso ainda que o povo deveria exigir renúncia de todo parlamento e junto votar um novo parlamento constituinte. Se é para passarmos a limpo tudo que tomemos a nossa história nas mãos. E que se diga mais adiante, em caso de tudo dar errado, que o erro foi do povo. Pela primeira vez, em 500 anos.

Do GGN

Palocci pode ter prisão domiciliar se delatar Lula são as exigência da força tarefa da lava jato em Curitiba

Para fechar seu acordo de delação premiada e passar para a prisão domiciliar, o ex-ministro Antonio Palocci terá de focar seus depoimentos  em banqueiros e empresários, além do ex-presidente Lula.

Preso desde setembro de 2016, o petista tem se dedicado, no último mês, à elaboração de sua proposta de acordo com a Procuradoria-Geral da República e a força tarefa da Lava Jato em Curitiba.

Para ter sua delação aceita pelos investigadores, Palocci decidiu revelar os detalhes de operações supostamente irregulares cometidas pelo ex-presidente e um dos donos do BTG Pactual, André Esteves, e o ex-dono do Pão de Açúcar Abílio Diniz.

As informações são de reportagem de Bela Megale e Marina Dias na Folha de S.Paulo.

"Até o momento, Palocci se reuniu apenas uma vez com os procuradores. Na conversa, mostrou-se reticente a entregar políticos com foro privilegiado. No entanto, a atitude foi revista depois que investigadores disseram que, sem isso, não haveria acordo.

Depois que foi preso, Palocci colocou um prazo de seis meses para sua defesa antes de começar a negociar uma delação. Como até abril não houve nenhuma decisão de tribunais superiores a favor de sua soltura, deu início às tratativas, comandadas hoje pelos advogados Adriano Bretas e Treacy Reinaldt.

A defesa de Lula afirmou que a Lava Jato "não conseguiu apresentar qualquer prova sobre suas acusações contra o ex-presidente'."

Em nota, o BTG Pactual negou envolvimento na compra do banco Panamericano. "O BTG Pactual esclarece que não foi parte ou teve qualquer envolvimento na compra de participação do Banco Panamericano pela CAIXAPAR em 2009. A transação do BTG Pactual foi feita em 2011 com o então controlador, Grupo Sílvio Santos, cuja venda foi definida no contexto das dificuldades enfrentadas pelo Banco Panamericano à época", disse o banco por meio de sua assessoria de imprensa.

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Temer participa de evento da faculdade do Gilmar

Seminário terá patrocínio do governo. Ministro nega conflito de interesses.

Faculdade de Gilmar anuncia Temer em evento patrocinado pelo governo.

Uma faculdade que tem como sócio o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), anuncia a presença do presidente Michel Temer em um seminário patrocinado pelo governo. Gilmar é presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), corte que começa a julgar no dia 6 uma ação que pode cassar Temer.

De acordo com a programação do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Temer participará da cerimônia de abertura do seminário, marcado para os dias 20 e 21 de junho, pouco mais de dez dias após a retomada do julgamento do TSE.

O evento é chamado de "7º Seminário Internacional de Direito Administrativo e Administração Pública - Segurança Pública a Partir do Sistema Prisional". O anúncio no site da faculdade de Gilmar estampa propaganda da Caixa Econômica Federal e o logo oficial do governo federal.

(...) Gilmar Mendes tem refutado nos últimos meses que sua relação com Temer terá influência no julgamento do tribunal. O ministro já esteve em reuniões privadas com o presidente no Palácio do Jaburu e chegou a pegar carona num avião presidencial para Lisboa para participar de um evento em janeiro.

Na ocasião, negou conflito de interesse, afirmando que "se fosse para combinar uma coisa espúria, obviamente, pode fazer isso em qualquer lugar. Não precisa ir a Portugal".

(...) Sete ministros do TSE vão participar do julgamento da ação que pede a cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer por abuso de poder político e econômico na eleição de 2014. Como presidente, Mendes é quem comanda a sessão. (...)

Do Conversa Afiada

Joaquim de Carvalho: a empresa fantasma de Perrella que lavava dinheiro sujo de Aécio, segundo a PGR

No pedido para que o ministro Edson Fachin, do STF, reconsidere sua decisão e mande prender o senador afastado Aécio Neves, a Procuradoria Geral da República diz que uma das empresas da família de Zezé Perrella era usada com frequência para lavar dinheiro do presidente licenciado do PSDB.

O procurador geral Rodrigo Janot escreveu em seu recurso:

“Há fortes indícios de que a empresa ENM AUDITORIA E CONSULTORIA e a empresa TAPERA PARTICIPAÇÕES E EMPREENDIMENTOS AGROPECUÁRIOS LTDA fazem parte do esquema para lavar recursos recebidos ilicitamente pelo Senador AÉCIO NEVES.” (as maiúsculas estão no original).

terça-feira, 30 de maio de 2017

Lenio Streck: A coerência na defesa da Constituição à beira de um Estado policial

 Foto: Thiago Melo

Estado policial: é que de há muito começou a chover na serra!

Se a concepção de racionalidade histórica de Hegel sobre a importância do Estado fosse correta para a evolução do Estado (ou da teoria do Estado), no Brasil esta(ría)mos a um passo de uma ditadura ou fragmentação total do país. Espero que não seja assim.

Por isso sou um insistente. Peço desculpas por ainda acreditar na tese de que a saída deve ser pela Constituição, e não fora dela. Portanto, a saída é “via Estado” (o próprio Hegel dizia, na aurora do século XIX, que a Alemanha já não era um Estado – Deutschland ist kein Staat mehr). Peço até desculpas por falar em Direito. Aliás, como já não se ensina Direito nas faculdades, o professor tem de pedir licença e desculpas aos alunos para falar um pouco de... Direito, já que o que se vem “ensinando” é a (má) teoria política do poder. Resultado: não se respeita o CPP, o CPC e a CF. Por todos os resistentes, cito Pedro Serrano, Salah Khaled Jr, Dierle Nunes e Rosivaldo Toscano: para eles — e acompanhei suas postagens no Facebook (ler aqui) —, defesa de direitos e garantias não deve e não pode ser de ocasião.

Muitas colunas já escrevi aqui na ConJur sobre a necessidade de se preservar a Constituição em qualquer circunstância. Constituição é um remédio contra maiorias. A democracia dos séculos XX e XXI apenas se consolidou porque o Direito foi um instrumento fundamental para filtrar a política e os juízos morais. E não o contrário. Quer dizer, se é a moral que filtra o Direito, então não há mais Direito. Esse é o ponto com o qual, acredito, Pedro e Salah concordam comigo.

Historicamente venho trazendo, hebdomadariamente, exemplos metafóricos acerca do valor da lei. Um deles, lembro, é sobre o que aconteceu no seriado House of Cards, quando o presidente dos EUA é ferido e necessita de um transplante de fígado. Ele é o segundo da fila de transplantes. Chega ao hospital e, como surge um fígado, a assessoria quer furar a fila. O médico-chefe apenas diz: “Ele é o segundo da fila” (“It's the law”). Também criei o “fator stoic mujic”, que conta a história do advogado Sandoval defendendo um espião russo no auge da Guerra Fria, em plena Washington (filme A Ponte dos Espiões). Contra tudo e contra todos, ele defende seu cliente. Até seu filho lhe questiona. Ele diz: "Estou apenas fazendo o meu trabalho".

Poderia trazer inúmeros exemplos para mostrar o valor da lei e da Constituição. Tenho passado perrengues epistêmicos por adotar uma linha de ortodoxia constitucional em defesa das garantias e do devido processo legal. Há anos denuncio que o Direito está cercado de predadores. Os predadores externos tradicionais são a política, a economia e a moral (esta é o mais perigoso, porque também atua como predador interno). Terrível. Os internos, além dos juízos morais e moralizantes — os piores —, são todos os elementos que fragilizam o grau de autonomia que o Direito deve ter (daí o perigo de coisas como “os fins justificam os meios”, “decido conforme minha consciência”, “não importa a forma, vale mesmo é o conteúdo”, “decido primeiro e depois fundamento e coisas desse gênero”).

Há uma fábula que bem mostra como se comporta parte considerável da comunidade jurídica. O cordeiro tomava água no riacho e aparece o lobo para tomar água na parte mais elevada[1]. E diz: “Cordeiro, você está sujando a minha água”. Este responde: “Isso é logicamente impossível. Estou à jusante, e você, à montante”. Então o lobo diz: “Então foi seu pai”. E o cordeiro, triste, responde: “Sou órfão. Meu pai e minha mãe foram comidos por lobos”. “Então foi seu irmão”, diz o lobo. “Igualmente impossível”, diz o cordeiro. “Todos os meus irmãos foram devorados por uma alcateia de colegas seus.” Então o lobo diz: “Não importa nada disso. Faço raciocínios teleológicos. Primeiro, decidi que comeria você. Depois busquei um fundamento qualquer. Mesmo sem o fundamento válido, tenho o poder de decidir”. E arrematou: “Cordeirinho gostosinho: para você que não estudou Kelsen, isso se chama vontade de poder, quer dizer, devorarei você por um ato de vontade”. E, bingo, devorou-o.

Qual é a diferença do “raciocínio” do lobo com o que faz hoje a maioria das pessoas que lidam com o Direito? Comportam-se como o lobo. Respondem segundo seu apetite (ou melhor, suas opiniões morais, políticas, ideológicas), fazendo soçobrar a Constituição. Há um vaivém de opiniões. Quem apoiou o grampo em Dilma agora se queixa da prova no caso Temer. Esqueceram que “pau que bate em Chico bate em Francisco”. Pau é... Pau! Por outro lado, quem criticou os vazamentos e a intercepção ilícita da conversa Lula-Dilma agora diz que não há ilegalidade-inconstitucionalidade no flagrante preparado no caso Temer (Cesar Bitencourt demonstra, em texto na ConJur, que houve flagrante preparado); veja-se o quase silêncio acerca da flagrante ilegalidade no caso da divulgação da conversa entre Aécio e o ministro Gilmar (ou entre Aécio e seu advogado Toron); e, embora a indignação de juristas (advogados e professores) e ministros do STF (Gilmar Mendes, Cármen Lúcia e Celso de Mello — foram os que li; a coluna foi fechada no início da tarde desta quarta-feira, dia 24), penso que deveria ter mais gente protestando contra a vergonhosa violação do sigilo da fonte e do artigo 9º da Lei 9.296, em que foi vítima o jornalista Reinaldo Azevedo (imagine-se o tamanho do dano moral — e quem vai pagar?). E assim por diante.

Ilegalidade é ilegalidade. Não tem cor, sexo, sabor, ideologia. Se aceitarmos que o Direito seja substituído por juízos morais ou políticos, não mais teremos Direito. Um turbilhão de ilegalidades e inconstitucionalidades está colocando em risco a democracia brasileira. Estamos à beira de um Estado policial (se já não estamos). Há uma tempestade perfeita para uma ditadura judicioministerial (que pode redundar em outro tipo). Volto a Hegel, do qual falei no início.

Não preciso falar aqui da violação das garantias de juiz natural — institucionalizamos uma pamcompetência. E que as violações da lei da delação são de A à Z. Dezenas de juristas apontam para isso. E o que dizer da divulgação de depoimentos, de forma seletiva ou não? E jornalistas que recebem informações privilegiadas de agentes públicos? Por que, a não ser este escriba, ninguém criticou a ex-ministra do STJ por dizer que, mesmo sabendo de vazamentos, nada fez, porque sabia do bom propósito... E o que dizer de agentes que saem no meio de uma operação e se transformam em advogados e passam a atuar nos feitos?

Na verdade, formou-se uma “bolha especulativa” no e sobre o instituto da colaboração premiada. E pouca gente protesta contra o uso abusivo das prisões preventivas... Porque se trata de “bom propósito” (afinal, as prisões são de pessoas das quais não gostamos). Só que bolhas costumam estourar. Aliás, o caso dos irmãos Batista (os irmãos Uesleis) parece ter sido o primeiro grande estouro. Há que se cuidar com a reação em cadeia.

Minha coluna de hoje é singela. Tinha tanta coisa para escrever. Mas me bate uma melancolia. Uma tentação de “deixamento” (minha tradução para Gelassenheit, que muitos traduzem como “serenidade”, outros por “melancolia”). Mas temos de resistir a essa “deixação”.

Manter coerência no discurso de defesa da Constituição por vezes soa antipático. Quando a violação é contra os inimigos, elas não são violações. Quando são contra nossos amigos ou nós mesmos, tornam-se robustas violações. Bom, talvez por isso a guerra de opiniões continue. Mas são apenas opiniões. Afinal, como o país está dividido, sempre haverá em torno de 50% que estarão contra as violações e 50% a favor. Depende sempre de quem for o atingido pela ilegalidade (aliás, qual será a próxima?). Só que a democracia não é o resultado de somas de percentuais. Isto é: 50% mais 50% pode, por vezes, resultar em soma zero. Eis o perigo.

Insisto com Eraclio Zepeda: quando as águas da enchente cobrem a tudo e a todos, é porque de há muito começou a chover na serra. Nós é que não damos conta. Desenhando: quando não nos importamos com a primeira violação, criamos a tempestade perfeita. Retomo à pergunta já feita em outro texto: quanto queremos investir na democracia? Não há grau zero de poder. Não há grau zero na política. Escrevi há quase 30 anos a seguinte frase: a Constituição deve constituir-a-ação. Fora dela, é o caos. E o conceito de caos é: “Depois do primeiro tiro, ninguém mais sabe quem está atirando”.

[1] Homenagem a Georges Abboud, que contou a fábula esopiana no congresso em minha homenagem em João pessoa. Apenas fiz adaptações.

Do GGN

Juristas reunidos na Capital Federal denunciam uso crescente de medidas de exceção, por meio da Carta de Brasília

É preocupante “o uso excessivo da excepcionalidade jurídica por membros do Ministério Público e do Judiciário, fraturando a essência constitucional e convencional das garantias do Justo Processo e dos princípios elementares que o acompanham em qualquer sociedade democrática”.

Esta é a essência da “Carta de Brasília”, assinada nessa segunda-feira,  29, por juristas,  advogados e lideranças políticas que participaram, na UnB,  do seminário " Estado de Direito ou Estado de Exceção? A Democracia em Xeque ".

O seminário foi organizado pelas Lideranças do PT no Senado e na Câmara, pela Fundação Perseu Abramo e a Frente Brasil de Juristas pela Democracia. Dele participaram, como palestrantes, luminares do direito como Pedro Serrano (PUC/SP), Antônio Pedro Melchior (UFRJ), Maria José Fariñas Dulce (Universidad Carlos III - Madrid/Espanha), Eugênio Aragão (UnB), Marcelo Neves (UnB) e Beatriz Vargas Ramos (UnB), além de Claúdio Fonteles (ex-Procurador-geral da República), Roberto Requião (Senador da República), Benedita da Silva (Deputada Federal), Gleisi Hoffman (Senadora da República), Carlos Zarattini (Deputado Federal) e Flávio Dino (governador do Estado do Maranhão) que discursaram na parte final do seminário.

Leia a íntegra da Carta de Brasilia: AQUI

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