A homília do Papa
Francisco, ontem no Vaticano, é uma catilinária contra o pacto mídia-Justiça na
política.
Criam-se condições obscuras para condenar uma
pessoa. Esse método é muito usado hoje também na vida civil, na vida política,
quando se quer fazer um golpe de Estado".
A mídia começa a falar mal das pessoas, dos
dirigentes, e com a calúnia e a difamação essas pessoas ficam manchadas. Depois
chega a justiça, as condena e, no final, se faz um golpe de Estado”.
Essa instrumentalização do povo é também um desprezo
pelo povo, porque o transforma em massa. É um elemento que se repete com
frequência, desde os primeiros tempos até hoje. O que aconteceu? Fizeram
uma lavagem cerebral e mudaram as coisas. E transformaram o povo em massa, que
destrói."
Papa
Francisco
O papa só assistiu o
início do filme. Quando descobrir o filme completo, nem exorcismo e reza brava
para resolver.
O roteiro completo é o
seguinte:
Passo
1 – A besta contra as instituições.
Cria-se o discurso
anticorrupção e de ódio, visando destruir o adversário político. Por ser
instrumento de um futuro golpe, o discurso precisa investir contra a
Constituição e as prerrogativas dos poderes e impor o chamado direito penal do
inimigo, visando despertar a besta que habita a alma dos movimentos de massa.
Passo
2 – A besta contra os conceitos civilizatórios.
Toda a construção
democrática repousa em sistemas de freios e contrapesos, não apenas entre
instituições mas intra-instituições. E essa construção é cimentada por
princípios doutrinários que estão na base do processo civilizatório. Por isso,
o movimento precisa desqualificar, igualmente, o conhecimento jurídico,
substituindo pelas platitudes punitivistas de Luis Roberto Barroso e Deltan
Dallagnol.
Passo
3 – A besta desconstrói as instâncias de apelação
Depois de provar
sangue, a besta não quer voltar para a jaula. Amplia-se a busca da justiça
direta, com o atropelo da Constituição e a eliminação sucessiva das instâncias
de apelação, cujo clímax é a aprovação da prisão após sentença em segunda
instância. Consolida-se mais ainda o direito penal do inimigo, especialmente
depois que o STF acaba com o instrumento do habeas corpus.
Passo
4 – A besta rompe com a hierarquia do Sistema de Justiça
Ocorre que, no Sistema
de Justiça, as instâncias de apelação são um instrumento de controle da base
pela hierarquia, na parte positiva impedindo os abusos, na parte negativa se
expondo a arreglos políticos.
Em um primeiro momento,
a cúpula do Judiciário – em parceria com a mídia – controla o processo.
No entanto, a eliminação das instâncias leva, automaticamente, à redução
do poder da hierarquia sobre a massa de juízes e procuradores.
Quando se tem uma
cúpula do Judiciário dúbia, como o STF (Supremo Tribunal Federal), corporativa
ou intimidada, como o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o CNMP (Conselho
Nacional do Ministério Público) o quadro desanda e há uma perda total de
controle sobre a tropa.
A partir daí, a besta
se livra das amarras e todos os abusos são permitidos. E se tem esse espetáculo
dantesco do juiz de 1ª instância de Jundiaí investindo contra benefícios
concedidos a ex-presidente; a juíza substituta impedindo Prêmio Nobel de
visitar Lula; a perseguição implacável do juiz Sérgio Moro a Lula e a perda do
pudor, indo se confraternizar com atores políticos estrangeiros beneficiados
pelo golpe; juízes, procuradores e delegados alucinados invadindo
universidades, tentando impedir debates.
O que se tem, no
momento, é o velho Oeste. A tradição imemorial do jagunço brasileiro é
incorporada pelo sistema judicial. E passam a explodir justiceiros por todos os
cantos, enquanto os xerifes dormitam em algum canto da cadeia e pedem para não
serem incomodados.
Mas o jogo não acabou.
Passo
5 – A besta se volta contra suas chefias
Depois da perda de foro
dos políticos, o movimento se volta contra os privilégios dos Ministros e
desembargadores dos tribunais superiores, e dos próprios integrantes do
Ministério Público, com o movimento para retirar também deles as prerrogativas
de foro. A rebelião das massas vai chegando ao ápice.
Passo
6 – o grande final
O fim da prerrogativa
de foro abriu espaço para um zorra geral e irrestrita. Tornou-se um chá de ipê
roxo, que se presta para todas as jogadas. Permite blindar amigos, acelerar
punição aos inimigos, sem nenhuma espécie de ordenamento.
O que se tem, agora, é
a balbúrdia final, expressa nos seguintes episódios picarescos.
O
caso Aécio
Aécio Neves estava
prestes a ser julgado pelo STF. Seus advogados sugeriam até que renunciasse ao
cargo de Senador, para o caso ser remetido para a 1ª instância e ter o mesmo
longo final do mensalão tucano. Aí o Ministro Alexandre Moraes remete o caso
para a 1ª instância, livrando Aécio do sacrifício final.
O
caso Geraldo Alckmin
O vice-procurador Geral
Luciano Maia remete o processo de Geraldo Alckmin, de financiamento de
empreiteiras, para o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de Sâo Paulo. Não viu
nenhuma contrapartida do governo Alckmin, apesar das empreiteiras em questão
terem conquistado todas as grandes obras do Estado.
Depois de livrar
Alckmin, resolveu fechar correndo a porta, denunciando a composição dos TREs
como ilegítimas.
O
caso Gilmar Mendes
O algoritmo amigo do
STF jogou no colo de Gilmar Mendes todo o alto tucanato apanhado pela Lava
Jato: José Serra, Aloysio Nunes, Aécio Neves, Cunha Lima.
Gilmar montou uma
estratégia para aparentar isenção. Tentou reduzir a pena de Lula apenas à
inabilitação para as eleições. Ou seja, Lula livre, mas sem se candidatar. Com
isso reforçaria a imagem do garantista isento, podendo livrar os amigos
aplicando o mesmo peso.
Não deu certo. Toca,
então, a distribuir HCs para livrar Paulo Preto, o cúmplice do Paulo Preto,
visando blindar os chefes de Paulo Preto. Como observou a arguta Maria Cristina
Fernandes, do Valor, com esse movimento Gilmar tornou-se o principal cabo
eleitoral do PT, ao comprovar a seletividade do direito brasileiro.
A
prerrogativa de foro dos procuradores
A brava Raquel “Janot”
Dodge foi uma guerreira incansável contra a prerrogativa de foro dos políticos.
A onda criada voltou-se contra o próprio MPF.
O próximo passo
provavelmente seria os Airton Beneditos da vida – o inacreditável Procurador
Federal dos Direitos Humanos de Goiás – denunciando como “subversiva” a própria
Raquel, por requerer a revisão da Lei da Anistia. Toca a colocar o pobre Luciano
Maia a discursar no STJ contra a perda dos privilégios de foro do MPF.
Ao mesmo tempo, o CNMP
tenta enquadrar procuradores falastrões da Lava Jato, enquanto a ANPR
(Associação Nacional dos Procuradores da República) defende o que ela chama de
“direito de expressão” – o ato de um procurador, com poderes de Estado, fazer
proselitismo político nas redes sociais.
Passo
7 – o fator Ernesto Geisel
Geisel enfrentou
descontrole similar dos porões quando assumiu a presidência da República. A
diferença é que os porões da época matavam fisicamente os adversários; os de
agora limitam-se a assassinar a imagem pública e a tirar a liberdade dos
inimigos. Mas ambos se tornaram poderes autônomos e anárquicos.
Tendo como estrategista
militar o irmão Orlando, a estratégia de Geisel para domar a besta foi,
primeiro, convalidar a matança, mas com a condição de prestar conta aos chefes.
Depois, foi
gradativamente as enquadrando. Na investida final, a reação foi a sucessão de
atentados, culminando com o caso Riocentro e a morte da secretária da OAB. Mas,
aí, ele já tinha o controle da situação para demitir Silvio Frota e Hugo Abreu.
O quadro que se tem
agora é similar, mas sem Ernesto(s) Geisel(s) no Judiciário e no Ministério
Público Federal, e sem OABs, que se tornaram cúmplices do arbítrio do
Judiciário.
De qualquer forma,
mostra o enguiço institucional desse liberou geral.
Enquanto não for
recomposto o poder do Executivo, em mãos firmes, o caos irá se ampliando.
Do GGN