João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Luiz dos
Santos Laus, os três desembargadores do TRF4 que julgaram Lula, provavelmente
entrarão para a história do direito penal brasileiro.
A sentença proferida, as ginásticas processuais, expuseram de
forma definitiva o poder de manipulação de juízes descomprometido com a
seriedade da profissão. E, assim como receberam uma batata quente das mãos do
colega Sérgio Mouro, entregarão aos tribunais superiores – que irão analisar
sua sentença – um frankestein legal, capaz de consumar a desmoralização final
dos operadores do direito brasileiros perante a comunidade jurídica
internacional.
Partiu do ex-juiz federal, e atual governador do Maranhão
Flávio Dino, as análises mais objetivas sobre a pantomima de Porto Alegre.
Diz ele que milhares de páginas de direito penal foram
rasgadas.
Peça 1 – os crimes
indeterminados
Na falta de provas, o juiz Sérgio Moro havia criado, para
criminalizar Lula, a figura do ato de ofício indeterminado – isto é, algum ato
que Lula tomou, não se sabe como, onde, mas que existiu, existiu, e não se fala
mais nisso.
Seus colegas do TRF4 ampliaram a criatividade e criaram a
figura do “crime de corrupção complexo”, do qual ninguém sabe a data, o local,
as circunstâncias, mas que existiu, existiu.
Peça 2 – a lavagem de
dinheiro
A Lava Jato conseguiu uma criatividade inédita na
caracterização do crime de lavagem de dinheiro, diz Flávio Dino: a OAS lava
dinheiro dela mesma. Ou seja, para disfarçar a propriedade do tríplex,
mantêm-no em seu próprio nome. Moro criou; o TRF bancou.
Peça 3 – o crime de
solicitar
Como não se conseguiu provar que houve qualquer espécie de
recebimento, mudou-se o núcleo do crime de “receber” para “solicitar”. Para
"receber" teria que haver provas da transferência do bem. Para
"solicitar", bastou a palavra do delator Léo Pinheiro, cuja pena foi
reduzida de 16 anos para 3 anos por conta da contribuição ao processo.
Peça 4 – a tal teoria
do fato
De seus tempos de juiz, Flávio Dino se recorda de várias
acusações contra magistrados, indicando que assessores negociavam sentenças em
salas ao lado da sala do titular. Todos foram absolvidos sob o argumento de que
não podiam adivinhar o que ocorria na sala ao lado com auxiliares corruptos.
No entanto considerou-se que um presidente da
República, de um país das dimensões do Brasil, tinha que saber o que ocorria
com os contratos de uma das estatais.
Peça 5 – a competência
da Lava Jato
Não havia suporte para a competência da Vara de Curitiba e do
TRF4. Afinal, o apartamento em questão está em Guarujá e não havia correlação
nítida com nenhum ato ligado à Petrobras.
Para garantir o controle de Sérgio Moro, os procuradores
ligaram o tríplex a três contratos da OAS com a Petrobras.
Na sentença, Sérgio Moro diz explicitamente que não havia
relação com os três contratos. Seus colegas do TRF4 colocam a Petrobras de
volta no contrato, mostrando inconsistência generalizada das acusações.
Peça 6 – as sentenças
ampliadas
Aqui se entra na parte mais bizarra da sentença, mostrando
como um erro inicial, para ser mantido exige mais erros nas instâncias
superiores.
Confira a malha em que se enredaram os quatro juízes – Sérgio
Moro e os três desembargadores, mais os procuradores da Lava Jato.
Passo 1 - enquadraram
Lula no crime de corrupção passiva.
Depois, se deram conta do engano. Corrupção passiva só se
aplica a funcionário público, ou a quem estiver exercendo cargo público. Todas
as acusações – tríplex, reforma no sítio de Atibaia etc – foram em cima de
fatos ocorridos depois que Lula deixou a presidência.
Para corrigir o cochilo, os procuradores puxaram as denúncias
para antes de 2010. E Sérgio Moro convalidou.
Passo 2 – as
prescrições
Ocorre que o artigo 109 do Código Penal diz o seguinte, a
respeito de prescrições de penas:
Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a
sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se
pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime,
verificando-se: (Redação
dada pela Lei nº 12.234, de 2010).
I - em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze;
II - em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito
anos e não excede a doze;
III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro
anos e não excede a oito;
IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos
e não excede a quatro;
V - em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou,
sendo superior, não excede a dois;
Significa o seguinte: se a pena máxima é superior a oito anos
e não excede a doze (como era a pena aplicada por Moro no item corrupção
passiva há prescrição se o prazo entre o malfeito e a sentença final superar 16
anos.
Mas há uma cláusula que não foi considerada pela
brilhantíssima equipe da Lava Jato. Para réus com mais de 70 anos, o prazo de
prescrição cai pela metade, ou oito anos.
Como a Lava Jato imputou a Lula fatos ocorridos em 2009, com
mais oito anos dá 2017. E a pena estaria prescrita.
Foi por isso que os três desembargadores fecharam questão em
torno da pena de 12 anos e um mês, comprovando definitivamente a marmelada. Com
a variedade de itens a serem consideradas na dosimetria (o cálculo da pena) a
probabilidade dos três fecharem questão em torno do mesmo valor seria mínima.
Passo 3 – das penas
máximas
O crime de corrupção passiva é de 2 a 12 anos. Como réu
primário e de bons antecedentes, não se poderia dar acima da pena mínima. O
Código Penal tem requisitos e STF (Superior Tribunal de Justiça) e o STF
(Supremo Tribunal Federal) já disseram várias vezes que, para se afastar o réu
primário da pena mínima, tem que apresentar fatos específicos.
No entanto, os três desembargadores se afastaram da mínima,
quase chegando à máxima de 12 anos, para impedir a prescrição, sem apresentar
nenhum fato específico.
Peça 7 – os tribunais
superiores
Para Flávio Dino, na força bruta empregada pelos três
desembargadores reside a fraqueza maior da decisão.
Diz Dino que na comunidade dos intérpretes das leis e
constituições reina maioria avassaladora que considera que o julgamento foi
“atípico”.
A única exceção são aqueles que acham que foi “atípico”
porque os colegas precisavam preservar Sérgio Moro. A intenção, para estes, não
seria condenar Lula, mas absolver Moro das excentricidades de sua sentença.
Dino considera que trata-se de leitura equivocada: o alvo era Lula, mesmo.
Segundo Dino, o julgamento significou um retrocesso de 300
anos no direito, porque assumindo feição inquisitorial, remetendo aos tempos da
Inquisição, nos quais definia-se primeiro a culpa, para depois encontrar o
crime.
Independentemente da linha política em jogo, Dino considera
que os tribunais superiores terão que dizer se garantem ou não dois direitos
fundamentais:
1. Permitir a prisão de Lula enquanto
tramitam recursos contra a decisão do TRF4. É preciso sublinhar diariamente,
diz Dino: prisão antecipada tem que ser justificada com razões concretas.
2. Buscar a aplicação da Lei da Ficha
Limpa. Ela não definiu de modo absoluto que qualquer julgamento colegiado induz
à inelegibilidade. Quando o direito de concorrer for plausível, com
demonstrações de parcialidade das instâncias inferiores, os tribunais
superiores deverão conceder liminar, por haver dano irreparável se a pessoa não
concorrer.
Sejam quais forem as consequências, Gebran, Paulsen e Laus
entram para a história política e do direito brasileiro, como três magistrados
que sacrificaram os princípios do direito, o respeito às leis e à sua
profissão, em favor de objetivos indignos.
A informação do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima,
de que não será possível abrir o sistema Drousy, da Odebrecht, é o ponto final
na pantomima da Lava Jato.
GGN