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sábado, 11 de maio de 2019

PERCEPÇÕES SOBRE A INFLUÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE ALGUNS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA: DURKHEIM, WEBER E MARX, POR FÁBIO LIMA

Apesar das diferenças teóricas, os três autores compartilham da ideia de que a educação é uma instituição social central no desenvolvimento da sociedade.
Entre os três pensadores citados, Émile Durkheim (2009) foi o único a produzir uma teoria própria para a educação. A sua teoria se desenvolve ao afirmar que a educação é um fato social específico, com natureza própria, e que, por conta disso, deve ser objeto de uma especificação da sociologia: a sociologia da educação. Para Durkheim, as práticas educativas não devem ser entendidas como isoladas de outras práticas sociais, sendo que elas se relacionam como um todo, integrando-se para um fim comum. Tal fim comum em que a educação se insere, como desenvolve o autor, está fortemente ligado ao que é comum à coletividade e a manutenção da estrutura social. Na constituição desse campo de pesquisa, principal contribuição de Durkheim, a educação deve ainda ser vista como uma instituição, onde existem regras socialmente partilhadas, recompensas e castigos, deveres e direitos, considerando ainda que existem pessoas que se beneficiam dessas regras (TURA, 2004).
Seguindo pelo pensamento durkheimiano, a ação exercida por um professor ou um sistema escolar sobre as gerações que ainda estão se formando tem por objetivo suscitar e desenvolver na criança certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial ao qual a criança, particularmente, se destina a ocupar (DURKHEIM, 2009). Seria então a educação a responsável por incutir os valores morais da sociedade e a responsável pela distribuição dos indivíduos no campo de trabalho segundo a necessidade dessa mesma sociedade, segundo escreve Félix Ortega (1999). Em tempo, vale destacar aqui, que os professores ou os pais não podem, segundo o pensamento de Durkheim, educar os seus filhos da maneira que quiserem, mas, por outro lado, devem apoiar a iniciativa pública da educação estatal em formar indivíduos de acordo os interesses da sociedade.
Max Weber, por outro lado, não produziu uma teoria sociológica específica sobre a educação. O pensamento sociológico do autor, de modo geral, parte do princípio de que a realidade é infinita e inesgotável e que, portanto, só é possível analisa-la a partir de ‘tipos ideais’ que tentam se aproximar da realidade. Para a educação, seu pensamento é identificado por seus leitores ao estudo de como as burocracias do Estado capitalista e da sociologia das religiões agem no sentido inculcação e legitimação de tipos de conduta para a manutenção de determinada estrutura social. Nesse sentido, a questão central na análise da função social da educação é que os bens educacionais existem para uns e são negados a outros, ou ainda de que os bens educacionais existem em formas diferentes para grupos sociais de status diferentes (WEBER, 1971). É possível também encontrar em sua sociologia uma perspectiva de defesa da meritocracia, pois segundo o autor, a educação é um fator de estratificação social, contribuindo para uma seleção social que acontece de uma forma permanente na sociedade (VILELA, 2004).
Conforme escreve Félix Ortega (2009), para Weber, a educação pode ser de três tipos: a carismática, orientada para despertar a capacidade considerada um dom puramente pessoal; a formativa, orientada para cultivar um determinado modo de vida que admita atitudes e comportamentos particulares; e a especializada, orientada a instruir o aluno em conhecimentos, em saberes concretos, necessários principalmente para o exercício de papéis sociais específicos nas sociedades racionalizadas. Podemos apontar ainda alguns temas que foram abertos para o estudo dentro da sociologia da educação como contribuição para a área de pesquisa, por exemplo, o tratamento da escola como aparato da manutenção da estrutura social ou o valor social dos diferentes tipos de diplomas e de culturas escolares ou o estudo dos sistemas escolares como sistemas de dominação (VILELA, 2004).
A teoria sociológica de Karl Marx, segundo escreve Gadotti (1984), baseia-se na ideia do conflito entre as classes, isto é, nas relações de poder presentes entre tais classes sociais. Para o filósofo Leandro Konder (2004), embora a escola seja uma instituição originalmente conservadora, o pensamento de Marx aponta a educação como a base de inculcação de valores com o propósito de mudar a sociedade no sentido de torna-la mais justa socialmente.
A educação é considerada por Karl Marx como parte da superestrutura que conserva o ordenamento social. Nesse sentido, conforme escreve Gadotti (1984), a educação, como uma das formas de socialização (como também é a família ou a igreja) continua a levar para as novas gerações as ideias e os valores da classe dominante como se fossem únicos. A classe dominante, por meio do controle material e da divulgação de suas ideias, torna o seu modo de vida a forma dominante, ao mesmo tempo em que encobre outras possibilidades de estruturação da sociedade, se tornando também dominante espiritualmente. Tal concepção é conceituada por Marx e Engels como Ideologia (MARX; ENGELS, 1994) e se reflete na escola de forma a manter o pensamento e o modus vivendi da classe dominadora de, ao menos, duas maneiras: o professor, se for um agente que não pensa as suas práticas, termina por disseminar as ideias e valores aos quais esteve submetido enquanto aluno; uma verdadeira divisão do trabalho é realizada pela diferenciação da educação empregada para as diferentes classes, isto é, educação intelectual para as classes dirigentes e educação técnica para as classes economicamente mais baixas, causando o que os pensadores chamaram de alienação.
Como saída desse modelo de educação dual e alienadora, as teorias educacionais baseadas no pensamento original de Marx afirmam que a escola pública deve preparar o homem para a emancipação e libertação (práxis libertadora) por meio de uma educação intelectual, ligada a instrução tecnológica, ou seja, uma educação unitária, completa, capaz de fazer o indivíduo compreender todo funcionamento do sistema (MARX, 1978). Esse ideário resume a grande contribuição para o campo da educação, quando educadores ligados a teorias progressistas, socialistas e construtivistas afirmam qual é o papel da educação quanto à sociedade e o indivíduo: fazer os indivíduos perceberem que são construtores da própria história e da história de sua sociedade. Trata-se de estimular o inconformismo, a inquietação, incentivar o desenvolvimento da capacidade questionadora e a disposição crítica, trata-se de desenvolver no indivíduo uma perspectiva de busca por melhores condições de vida para si e para a sua sociedade.
Apesar das diferenças teóricas, os três autores compartilham da ideia de que a educação é uma instituição social central no desenvolvimento da sociedade, havendo a necessidade de diálogo com outras instituições nacionais, como a cultura, a economia e a política, quer para entender como está estruturada a sociedade, quer para propor qualquer mudança para o seu futuro.
Durkheim, E. (2009). Educação e Sociologia. Lisboa: Edições 70.
GADOTTI, Moacir. Concepção dialética da educação: um estudo introdutório. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 1984.
KONDER, Leandro (2004). Marx e a sociologia da educação.
MARX, K. (1978). Crítica da Educação e do Ensino. Lisboa: Moraes.]
MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 1994.
ORTEGA, F. (1999). “La educación como forma de dominación: una interpretación de la sociologia de la educación durkheimiana” in M. F. Enguita, Sociologia de la Educación. Barcelona: Ariel.
TURA, Maria de Lourdes (2004). Durkheim e a educação.
VILELA, Rita Amélia (2004). Max Weber 1864 – 1920: Entender o homem e desvelar o sentido da ação social.  IN: TURA, Maria de Lourdes et. al (2004). Sociologia para educadores. Rio de Janeiro. Ed. Quartet.
WEBER, M. (1971). Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar.
Do GGN

domingo, 30 de abril de 2017

Marx e Engels visitam Machado de Assis para falar de revolução, por Sebastião Nunes

Imagem: Reprodução

Corria o ano de 1882. Comodamente instalados numa velha otomana, dois alemães esperavam o dono da casa. Acabavam de chegar de Londres.

– Será que vai dar certo? – perguntara o mais velho, antes da viagem.

– Não tenho dúvida – respondeu o mais moço. – Um sujeito que escreveu uma novela como “O alienista” e um romance como “Memórias póstumas de Brás Cubas” deve compreender tudo desse país. Ou quase tudo.

Marx, o mais velho, duvidou:
– Sei não. Esses escritores são pouco confiáveis.
– Mas você não adora Balzac? – divergiu Engels, o mais novo. – Se gosta daquele janota maluco que parasitava mulheres ricas, pode gostar do brasileiro que, até onde sei, e pelo menos aparentemente, é o sujeito mais pacato do mundo.
– Veremos – disse o cético Marx. E embarcaram no Tâmisa rumo ao mar.

ANTECEDENTES
A visita fora acordada por telegrama, invenção recente e que só há 10 anos permitia mensagens da Europa para o Brasil. Entre chiados, estática e mal-entendidos, foi estabelecido que os visitantes se hospedariam num hotel do Catete.

Assim fizeram e ali estavam eles, na casa do Cosme Velho.

Alquebrado, Marx relutara bastante. No ano anterior escrevera a Engels: "Você sabe que há poucas pessoas mais avessas ao patético-demonstrativo do que eu; contudo, seria uma mentira não confessar que grande parte do meu pensamento está absorvida pela recordação de minha mulher, boa parte da melhor parte da minha vida".

Nada mais adequado, portanto, que uma viagem longa para distrair e refazer as forças, decidiu Engels. Depois de resistir bravamente, Marx concordou.

Apesar de todos os esforços de Engels, a viagem foi preocupante. Sentado no convés horas e horas, Marx deixava o olhar se perder na distância. A força do velho combatente estava minada, sua imensa capacidade de trabalho e de luta parecia no fim.

Ao avistar a costa do Rio de Janeiro, contudo, recobrou o ânimo. “Bom sinal”, alegrou-se Engels. “Vamos ver se aqui ele volta à velha forma”.

O DONO DA CASA
Machado de Assis entrou, seguido por Carolina. Conhecia a fama dos visitantes e se orgulhava dessa visita, que considerava um privilégio. Só não entendia o motivo.

Machado estendeu a mão:
– Muito prazer em recebê-los – disse em inglês, que falava com desenvoltura. – Sintam-se à vontade. Espero que tenham feito boa viagem.
– Fizemos sim, obrigado – respondeu Engels. – Até o meu amigo Marx, que durante a travessia se mostrou macambúzio, se aninou na chegada.
– Carolina Augusta – pediu o escritor –, você poderia nos servir chá? E então, senhores, o que os traz à minha humilde residência?

OS MOTIVOS SÃO ÓTIMOS
– Embora distantes – começou Engels –, ficamos sabendo de seu prestígio entre os intelectuais brasileiros. Foi isso que nos trouxe aqui.

– Estamos cansados da Europa – emendou Marx. – Escrevemos muito e muito longamente debatemos nossas ideias com os mais variados públicos.

– Estou ciente – disse educadamente Machado –, embora soubesse pouco sobre os visitantes: sabia apenas que eram esquerdistas, que pregavam a luta de classes, que não eram bem vistos na maioria dos países europeus etc... Mas nada lera deles. Soubera do bombástico “Manifesto comunista”, mas não se interessou em ler.

– Em que país teria a revolução possibilidade de sair vitoriosa? – retornou Marx. – Este é o principal dilema. Pensamos na Alemanha e na Inglaterra em primeiro lugar, como países desenvolvidos que são. Pesando prós e contras, desistimos e passamos a mirar a Rússia, com seu imenso campesinato. Mas não tem operariado. Estados Unidos? Não serve. Caótico, individualista e arrogante. Foi assim que chegamos ao Brasil. Queremos descobrir se o Brasil está maduro para a revolução.

O ZERO E O INFINITO
Machado se espantou: “Revolução no Brasil? Como assim?”, mas logo se recompôs, guardando para si o pensamento.
Sorte que Carolina Augusta entrou com o chá naquele momento. Serviu aos três, perguntando com amável sorriso: – Mais açúcar? Uma gota de leite? Conhecem nossos biscoitos de araruta? As torradas estão fresquinhas, não querem provar?

O ambiente se tornou leve e descontraído; os visitantes, bem à vontade. Marx abriu o colete e até sorriu para a dona de casa:
– Obrigado – disse ele. – Aceito um biscoito de araruta. 
Mastigaram ruidosamente. As torradas, de fato, estavam fresquinhas.
Durou bastante o silêncio. Afinal, Machado de Assis reiniciou a conversa:
– Sinto desapontá-los, mas aqui será impossível. – Sorveu um gole de chá, mordiscou um biscoito e continuou: – Não temos operariado, apenas artesãos que, quase sempre, trabalham por conta própria em pequenos cubículos. Não temos camponeses, pois a mão de obra na roça é toda ela escrava.
 – E quanto à administração pública?
 – Desculpem ser tão direto, mas são todos uns ladrões, descendentes dos ladrões portugueses que colonizaram este país. Passam rasteira uns nos outros durante o dia e, à noite, encontram-se nos salões como se nada tivesse acontecido. São uns cínicos.

E os fazendeiros?
 – Uns broncos, todos eles. Fazem-se chamar de coronel e capitão, mas os títulos são comprados junto à corte. Analfabetos e ignorantes. Mal assinam o nome.
 – Quer dizer que não podemos pensar num Brasil revolucionário?
 – Nem sonhando – concluiu Machado. – E daqui a 100, 200 anos será pior.

Foi convivendo com as nossas elites que garimpei matéria para meus livros. Se querem uma opinião sincera, sugiro que tentem o Paraguai, aqui pertinho. Quem sabe lá?
 E foi assim que a revolução comunista não aconteceu no Brasil.

Do GGN