Sem
surpresa, o País recebeu a anunciada condenação de Lula, sentença que já estava
pronta antes mesmo da mal articulada denúncia do Ministério Público Federal,
antes mesmo do julgamento na 'República de Curitiba', pois, antes de tudo,
estava lavrada pelas classes dominantes – os rentistas da Avenida Paulista, as
"elites" alienadas, a burguesia preconceituosa, um empresariado sem
vínculos com os destinos do povo e de seu país. Uma "elite" movida
pelo ódio e pela inveja que alimenta a vendeta. Denúncia, julgamento,
condenação constituem uma só operação política, cujo objetivo é avançar mais um
passo na consolidação do golpe em progresso iniciado com a deposição da
presidenta Dilma Rousseff.
Tomado
de assalto o poder, cumpriria agora destruir eleitoralmente a esquerda, numa
ofensiva que lembra a ditadura instalada em 1964. Para destruir a esquerda é
preciso destruir seu principal símbolo, assim como para destruir o trabalhismo
caberia destruir o melhor legado de Getúlio Vargas. Não por mera coincidência,
o dr. Sérgio Moro decidiu dar à luz a sentença a ele encomendada no dia
seguinte em que o Senado Federal violentava a Consolidação das Leis do
Trabalho.
Desinformando
e formando opinião, exaltando seus apaniguados e difamando aqueles que
considera seus inimigos, inimigos de classe, a grande imprensa brasileira
promove o cerco político, e tece as base da ofensiva ideológica unilateral,
porque produto de um monólogo.
Essa
imprensa – um oligopólio empresarial, um monopólio político-partidário-ideológico
e na verdade o principal partido da direita – que exigiu e obteve a condenação
de Lula (e presentemente tenta justificá-la, embora carente de argumentos)
recebeu com rojões juninos a sentença encomendada, mas logo se enfureceu porque
Lula recusou o cadafalso político e anunciou sua candidatura à presidência.
Ora,
dizem os editoriais, os articulistas, os colaboradores, dizem os
"cientistas" políticos do sistema, Lula não pode ser candidato, o que
revela a motivação da sentença. Já há "cientistas" exigindo que o
TRF-4, em Porto Alegre, confirme sem tardança a condenação, e
"filósofos" anunciando que a candidatura Lula é um desserviço à
democracia (ela que lidera todas as pesquisas de intenção de voto) porque
"polarizaria" o debate e as eleições. Doria, não. Bolsonaro, não.
Caiado, não. Alckmin tampouco polariza. Mas Lula, sim; por isso precisa ser
defenestrado.
A
"vênus de prata" já começou a campanha visando à condenação de Lula
na segunda instância, e o Estadão (edição de 14 último) anuncia que o
"Supremo deve manter condenação de Lula".
Somos
testemunhas da tentativa de revanche da direita brasileira. Impedir a
candidatura Lula é a defesa prévia ante a ameaça de a população demolir o golpe
com as eleições de 2018.
O
fato de o libelo (e jamais sentença) de Moro ser obra conhecida, segredo de
polichinelo, não releva seu caráter mesquinho e iníquo, ademais de sua inépcia
jurídica, desnudada. Do ponto de vista do direito, a "sentença" é um
mostrengo e se fundamenta em ilações, presunções, talvez
"convicções", artifícios de raciocínio em conflito com a lógica.
Contrariando
o direito, que só conhece propriedade e posse, o juiz inventa a figura do
"proprietário de fato". A propriedade, segundo nosso Código Civil, se
prova mediante o registro em Cartório, mas para acusar Lula se aceita que uma
simples delação do proprietário real seja recebida como transferência, e como
esse proprietário supostamente doador, empreiteiro respondendo a processos, é
usufrutuário de falcatruas, conclui o juiz açodado que o apartamento deve ter
sido dado em retribuição a alguma facilidade propiciada pelo ex-presidente,
trata-se, portanto, de uma propina. E se é propina, Lula é agente passivo de
corrupção.
E
por tais caminhos sinuosos, mediante tal exercício de lógica pedestre, condena
à cadeia o ex-presidente, para puni-lo, evidentemente, mas para punir antes de
tudo com a decretação de sua inelegibilidade. É disto que se trata. Não cabe,
pois, discutir a gramática processualística, simples apoio formal de uma
decisão eminentemente política, e, do ponto de vista político, um golpe
preventivo em face das eleições de 2018, das quais previamente e precatadamente
se elimina o candidato que lidera as pesquisas de intenção de voto. É preciso
abater esse candidato, pelo que ele simboliza. E assim, e só assim, as eleições
poderão realizar-se, disputada a presidência entre Francisco e Chico.
Como
temos insistido, às forças do atraso não bastava o impeachment de Dilma
Rousseff, pois, o projeto em andamento é a implantação de um regime de exceção
jurídica voltado para a desmontagem de um projeto de Estado social, mal
enunciado. E um regime com tais características e com tais propósitos jamais
alçaria voo dependendo do apoio popular. Daí o golpe. À sua execução se
entregou o Congresso, sem ouvidos para as vozes das ruas, surdo em face dos
interesses do País e de seu povo, desapartado da representação popular, a
serviço do mercado, como tonitrua, sem pejo, o atual presidente da Câmara.
A
eliminação de Lula é, pois, a conditio sine qua non do novo sistema para manter
o calendário eleitoral, pois as eleições, para serem realizadas, não poderão
importar em risco. De uma forma ou de outra, trata-se de um golpe, afastando-se
uma vez mais do povo o direito de escolher seus dirigentes.
A
identificação de Lula como alvo da reação não é gratuita, nem fato isolado.
Lula de há muito transcendeu os limites de eventual projeto pessoal, é mais do
que um ex-presidente da República, e é muito mais que fundador e presidente do
PT. Independentemente de sua vontade e da vontade de seus inimigos, é, para
além de sua popularidade, o mais destacado ícone da esquerda e das forças
populares brasileiras. Lula é, hoje, e em que pesem suas contradições, um
símbolo, um símbolo da capacidade de nosso povo fazer-se agente de sua
História. É um símbolo das possibilidades de o ser humano vencer suas
circunstâncias, romper com as contingências e fazer-se ator. Simboliza a
potência do povão, do povo-massa, dos "de baixo", dos filhos da
Senzala como sujeitos históricos. Simboliza a possibilidade de o homem comum,
um operário, romper com as amarras da sociedade de classes, racista e
preconceituosa, e liderá-la num projeto de construção de uma sociedade em busca
de menos desigualdade social. Por isso é amado e odiado.
Símbolos
assim constituem instrumentos de importância capital nos confrontos políticos
por sua capacidade de emocionar e mobilizar multidões. Símbolos deste tipo não
surgem como frutos do acaso nem se multiplicam facilmente, nem se constroem da
noite para o dia. Emergem em circunstâncias especiais, atendendo a demandas
concretas da sociedade. São construídos ao longo de certo tempo de provação, de
testes dolorosos, como ocorre com os heróis clássicos, percebidos pela
comunidade como portadores de virtudes.
O
símbolo Lula não é produto do acaso, nem consequência de um projeto individual.
Trata-se do fruto histórico resultante do encontro do movimento sindical com as
lutas populares, construindo a primeira liderança política brasileira que
emergiu do proletariado, do chão de fábrica, para a Presidência da República.
Um feito de dificílima repetição, neste país aferrado ao autoritarismo
conservador.
É
contra esse instrumento da luta política de massa que se arma a prepotência das
classes dominantes brasileiras, filhas do escravismo, incuravelmente
reacionárias, incuravelmente atrasadas, presas à ideologia da Casa Grande,
desapartadas dos interesses do povo e da nação, descomprometidas com o futuro
do país.
Ao
abater Lula, pretende a direita brasileira dizer que o povo – no caso um
ex-imigrante do Nordeste profundo, sobrevivente da fome, um ex-metalúrgico, um
brasileiro homem-comum, um dos nossos –, não pode ter acesso ao Olimpo
reservado aos donos do poder. É um "chega prá-lá", um "conheça o
seu lugar", um "não se atreva", um "veja com quem está
falando".
A
condenação de Lula tem o objetivo de barrar a emergência das massas, barrar os
interesses da nação, barrar o avanço social, barrar o ideal de um Brasil
desenvolvido e justo. Visa a barrar não o lulismo, mas todo o movimento popular
brasileiro. Quer deter não apenas o PT, mas todas as organizações políticas do
espectro popular (que não se enganem a esse respeito aqueles que sonham em
crescer nos eventuais escombros do lulopetismo).
A
defesa de Lula, a partir de agora, não é uma tarefa, apenas, de seu partido e
dos seus seguidores. Ela representa, hoje, a defesa da democracia. É só a
primeira batalha, pois muitas nos aguardam até 2018.
GGN