Publicada original em 23/04/2017.
Talvez a rapaziada seguidora da novilíngua da Internet não
saiba o significado da palavra “marmelada” – não o doce. Significa combinar de
forma desonesta com o adversário o resultado final.
Entenda como se montou a marmelada do tríplex de Guarujá –
cuja propriedade é atribuída a Lula.
O maior abuso cometido hoje em dia contra o Estado de Direito
é o instituto da delação premiada. É escandalosa a sem-cerimônia com que a
delação é manipulada pela Lava Jato, pelo PGR Rodrigo Janot e pelo juiz Sérgio
Moro. É o maior argumento em defesa da Lei Antiabuso.
Em um processo, há os dois lados: a acusação e a defesa. E o
juiz arbitrando o jogo.
Na teoria, o procurador não é exclusivamente a pessoa da
acusação, mas o que busca a verdade. Só na teoria. Na prática, é como o
delegado que não quer estragar um grande caso descobrindo a inocência do réu,
ou o jornalista que não quer estragar a manchete com dúvidas sobre a culpa do
suspeito.
O MPF só aceita a delação de quem diz o que ele, procurador,
quer ouvir. O réu não pode dizer mentiras factuais. Mas nada impede que avance
em ilações falsas sobre fatos – que é uma forma mais inimputável de mentir – ou
afirmações não comprováveis e que, por isso mesmo, podem ser manipuladas ao seu
gosto. O melhor, ao gosto do procurador.
Vamos entender melhor esse jogo de Léo Pinheiro,
ex-presidente da OAS, com a Lava Jato-Procurador Geral da República. Esta
semana, Léo declarou que Lula é o verdadeiro proprietário do tríplex de
Guarujá, apesar dos advogados de Lula terem mostrado escrituras comprovando que
a OAS continua como única proprietária do tríplex
Lance 1 – a armação
para pressionar Pinheiro e mudar a versão
O lance Léo Pinheiro foi cantado no dia 29 de agosto do
passado ((https://goo.gl/Pt4xbA), quando o
Procurador Geral Rodrigo Janot intempestivamente suspendeu as negociações para
a delação com base em um motivo ridiculamente primário: uma denúncia anódina
contra o Ministro Dias Toffolli, publicado pela revista Veja, e imediatamente
atribuída por Janot a Léo – sem nenhuma comprovação.
A delação de Pinheiro comprometia fundamentalmente os
governos de Geraldo Alckmin e José Serra, relatando o sistema de propinas em
obras públicas estaduais. Até então, o que se sabia das delações da Odebrecht é
que se limitavam a relatar financiamentos de campanha por caixa 2 e que Léo
Pinheiro avançaria expondo sistemas de propinas.
Escrevi na época:
“Versão 1 – o PGR acusou advogados da OAS
de terem vazado parte do pré-documento de delação de Léo Pinheiro, com o
intuito de pressionar para que a delação fosse aceita. (...) A versão não se
sustenta porque, além de ser ilógica – é evidente que o vazamento comprometeria
a delação (...)
Versão 2 – imediatamente Janot suspendeu
as negociações para a aceitação da delação do presidente da OAS, Léo Pinheiro.
Para justificar a não tomada de decisão ante as 17 delações anteriores vazadas,
alegou que a de Toffoli era diferente, porque a informação não existia. Ou
seja, tratou drasticamente um vazamento irrelevante (porque, segundo ele, de
fatos que não existiam) e com condescendência vazamentos graves.
Na atual edição de Veja,
tenta-se emplacar uma nova versão: a de que o anexo (com o suposto vazamento)
existia, mas não constava da pré-delação formalizada. Como fica, então, o
argumento invocado para livrar os procuradores da suspeita de vazamento?
(...) No dia 11 de agosto
passado, a sempre atilada Mônica Bérgamo deu pistas importantes para entender
os últimos episódios (http://migre.me/uMCbH)”
“A revelação feita pela Odebrecht
sobre dinheiro de caixa dois para o PMDB, a pedido de Michel Temer, e
para o
tucano José Serra (PSDB-SP) tem impacto noticioso, mas foi recebida
com alívio por aliados de ambos. Como estão, os relatos poupam os personagens
de serem enquadrados em acusações mais graves, como corrupção e formação de
quadrilha.
(...) Neste final de
semana, Veja traz o conteúdo total da pré-delação de Léo Pinheiro.
Há informações seguras de pelo menos
um depósito na conta de Verônica Serra. Esse depósito não aparece na
pré-delação da OAS divulgada pela Veja. Talvez apareça mais à frente,
quando se avançar sobre os sistemas de offshore”.
Há a necessidade de ler a íntegra da próxima delação de
Pinheiro, para uma avaliação melhor sobre a maneira como relatará os esquemas
de São Paulo. Mas é fora de dúvida de que, para conseguir se livrar da prisão,
Léo Pinheiro teve que se propor a entregar Lula.
Esta semana, as informações sobre o tríplex de Guarujá foram
prestadas por ele ainda sem constar do acordo de delação. Mas, antes do início
do depoimento, fontes da Lava Jato já antecipavam seu conteúdo, o que significa
que já haviam chegado a um entendimento, visando o objetivo central da
operação: inviabilizar a candidatura de Lula para 2018.
Lance 2 – a ideia fixa
do tríplex
No depoimento prestado a Moro, Pinheiro faz um relato
inverossímil das ligações com Lula.
Dizer que financiou o PT é verossímil, assim como o apoio
dado ao Instituto Lula. É verossímil também que teria aceitado assumir o
edifício do tríplex, por saber que o casal Lula tinha uma cota em seu nome. Afinal,
quem não gostaria de ter um edifício tendo como um dos proprietários de imóvel
um ex-presidente da República. É igualmente verossímil que tenha convidado o
casal Lula-Marise a visitar o edifício, para ver se se interessavam pelo
apartamento.
A partir daí, não há um elemento sequer que comprove que Lula
ficou com o tríplex. Lula declarou ter visitado o edifício, não ter gostado do
apartamento e não ter ficado com ele.
Há uma montanha de testemunhas e documentos comprovando que a
OAS permaneceu como proprietária do edifício.
Mas os brilhantes Sherlocks da Lava Jato transformaram o
tríplex em questão de honra. Como é um caso mais ao alcance do chamado
telespectador comum, a comprovação da posse do tríplex tornou-se uma obsessão.
Por conta dessa obsessão, já quebraram a cara ao descobrir
que estava em nome de uma conta do escritório Mossak Fonseca. Promoveram o
maior alarido, invadiram o escritório da Mossak, acessaram seu banco de dados e
levaram duas pancadas simultâneas. A primeira, a constatação de que a offshore
dona do tríplex era da OAS mesmo; a segunda, ao descobrir uma offshore de
propriedade da família Marinho, da Globo.
Numa só tacada inocentaram o alvo e comprometeram o aliado.
Foi um custo varrer o elefante para baixo do tapete.
Lance 3 – a encomenda
entregue por Pinheiro
Agora, Léo Pinheiro aparentemente cedeu e entregou a
encomenda pedida.
Mas há um jogo curioso montado.
De um lado, deu declarações que, sem provas, não têm o menor
valor penal. As provas, segundo antecipou o jornal O Globo, são
terrivelmente ridículas: comprovações de reuniões com Lula, de telefonemas a
funcionários do Instituto Cidadania. Junto, as delirantes provas colhidas pelos
Sherlocks da Lava Jato que identificaram quatro (!) viagens em um ano de carros
do Instituto até Guarujá.
Fica-se assim, então:
1. As
declarações de Pinheiro garantem alguns dias de cobertura intensiva no Jornal
Nacional, preparando o ambiente para uma próxima condenação de Lula.
2. Mas
Pinheiro não entrega nenhuma prova comprometedora contra Lula, nem no caso do
tríplex (que não deve ter mesmo), nem em nenhum outro caso relevante.
Além disso, o Código Penal proíbe que uma pessoa seja julgada
duas vezes pela mesma acusação. E o caso do tríplex já foi julgado e anulado
pela Justiça estadual de São Paulo, apresentada pelos procuradores estaduais.
Ou seja, a grande armação visando ou a prisão ou acelerar a
condenação de Lula é ridiculamente frágil.
GGN