Notícia
de jornal e de hebdomadários é que nem jabuti em árvore. Não chega sozinho lá.
Alguém ali o coloca. Para entender noticiário é preciso conhecer a história por
detrás dele. Há sempre uma razão para ter este ou aquele título, este ou aquele
lead, esta ou aquela abordagem. Há uma intenção latente em cada palavra, em
cada frase, em cada parágrafo. O comunicador profissional é um formador de
opinião e usa de toda a técnica para atrair o leitor para seu conceito da
realidade.
O
problema é que o leitor comum é desavisado, distraído. Toma a notícia por seu
valor de face e, assim, não é difícil engambelá-lo. Engole qualquer coisa pelo
argumento de autoridade: “se foi a Veja que disse, então é verdade”.
Pois
bem. A tal revista Veja, do esgoto do jornalismo tupiniquim, que ajudou a
desgastar o governo Lula, que trabalhou intensamente com Demóstenes Torres,
Carlinhos Cachoeira para lançar estrume no PT e com quem o Ministro Gilmar
Mendes sempre pôde contar politicamente, resolveu atacá-lo, na contramão de sua
linha editorial. Acusa-o de fazer negócios com o grupo JBS, através do IDP,
faculdade de que é sócio. Foi seguida pela menor IstoÉ, apelidada no mercado
editorial de QuantoÉ, que, nesta semana apôs a foto do magistrado em sua capa,
para denunciar suposto escândalo que envolveria a venda de uma faculdade ao
governo estadual, em Diamantino, sua cidade natal, em Mato Grosso.
Onde Veja vai, IstoÉ costuma ir atrás.
O
noticiário contra Gilmar, embora cuide de graves denúncias, parece ser coisa
articulada. Veio de modo bem concertado na mídia reacionária. Um jabuti
colocado na coroa da árvore. Uma curiosidade que merece cuidadoso exame.
Não
dá para dizer que Gilmar é um magistrado padrão. Sua atuação fortemente
politizada não é um ponto fora da curva no STF. É uma curva torta, sem ponto. É
corajoso e até temerário. Ninguém pode lhe tirar isso. Dá a cara a tapa e tem
posições firmes na política partidária. Defende os seus com unhas e dentes e,
se precisa para criar precedente, beneficia também os do outro lado. Por isso
consegue, mesmo sendo na maioria das vezes implacável com o PT, tirar, aqui e
acolá, uns gritinhos de apoio entusiasmado por seu “garantismo penal”, até do
canto da esquerda política.
O
Ministro Gilmar faz uso da imprensa. Tem seus fiéis escudeiros em jornais e
blogs da direita empedernida. Aqueles que atacam a esquerda com discurso de
raivosa falsa indignação. O pouco sério Antagonista, por exemplo. Usou-o para
buscar instaurar investigação contra uma gráfica que prestara serviços à
campanha de Dilma Rousseff. A notícia de que serviria de lavanderia de ativos
logo se revelou insustentável e teve que amargar um despacho de arquivamento do
Procurador-geral Eleitoral. Não se conformou. Gritou, berrou, deu pulinhos na
cadeira do Plenário do TSE, mas fatos são fatos. A gráfica prestara serviços
não só para Dilma, mas também para seu amigo Aécio Neves, para Marina Silva e
até mesmo para o falecido Eduardo Campos.
Não
pede perdão por seus erros. Demonstrar fraqueza não é com Gilmar. Nega-os até a
morte, como o marido traidor encontrado pela esposa no motel. Por isso,
coleciona uma vasta grei de desafetos.
E
olha que Gilmar tem tudo para se impor como um jurista diferenciado no
indigente cenário jurídico nacional. Em terra de cego, quem tem olho é rei.
Tido como brilhante, consegue argumentar, é muito produtivo e aprendeu a boa
retórica argumentativa alemã. Conseguiu transmitir seu conhecimento e sua
cultura aos filhos e são poucos que conseguem competir com ele no debate
doutrinário, quando o pratica com honestidade, o que é raro, pois prefere, na
sua inteligência, usar a destreza para sofismar em favor deste ou daquele
aliado.
A
matéria da Veja
Cai
em contradição, mas não se importa. Forçou o andamento de três ações do PSDB no
TSE para a cassação da chapa Dilma-Temer. Rechaçou os fundamentos do voto da
então corregedora-geral eleitoral, Ministra Maria Tereza, que demonstrou
cabalmente a insustentabilidade das iniciativas do PSDB. Estas inovavam na
causa de pedir, para incluir acusações desconhecidas à época da propositura das
ações. Gilmar insistiu em que fossem consideradas delações da Operação
Lava-Jato, obtidas muito depois. Queria porque queria a cassação da chapa para
depor Dilma Rousseff.
Ocorre
que Dilma foi vítima de sórdido golpe parlamentar protagonizado por seu vice de
chapa, o Sr. Michel Temer. Gilmar tornou-se íntimo amigo do golpista e passou
já a não ter mais interesse na cassação. Deu um cavalo de pau na Avenida Brasil
às seis horas da tarde e passou a acolher a tese que antes rechaçara, da
Ministra Maria Tereza. Deixou na mão o corregedor que a sucedeu, Ministro
Herman Benjamin, que se esforçando por dar curso às ações do PSDB na linha
anterior de Gilmar, ficou, ao final, com a brocha na mão. O TSE, por maioria,
em apoio a seu presidente, julgou improcedentes as ações e preservou o golpista
Temer no cargo usurpado de presidente da república.
Este
é só um exemplo dos vários golpes de João-sem-braço do Ministro Gilmar.
Mas,
ultimamente passou a adotar tom cada vez mais crítico ao Ministério Público
Federal e seu festejado “Combate à Corrupção”. Sem dúvida, com razão. Não
poupou ninguém acometido pela sanha corporativa de perseguição, nem mesmo o
Procurador-geral da República, o trôpego Rodrigo Janot. Bateu com vontade e
passou a ser generoso nos mandados de habeas corpus em favor de
vários investigados, alguns desconhecidos seus; outras, pessoas de sua relação
e, até, aliados e amigos. Reforçou a fama maledicente no ministério público de
que era excelente laxante, pois relaxava até prisão de ventre.
Comprou
briga com a turminha tagarela e desaforada de Curitiba. O esgrimista mais
atrevido, o Dartagnan Carlos Fernando Lima, chegou a admoestá-lo de
público por diversas vezes, em suas narcisistas entrevistas cotidianas jornais
afora. E a turma da Lava-Jato, que foi essencial ao golpe parlamentar ao
destruir a reputação do governo com publicação criminosa de interceptação
telefônica ilegal da Presidenta da República, é a queridinha da mídia golpista.
Entre
Gilmar e Dallagnol, Veja e Isto É parecem ter optado ficar com o último. Querem
manter a Lava-Jato em fogo brando, sempre pronta a ser usada com este ou aquele
escolhido para ser o crucificado da vez.
A
Lava-Jato para a imprensa é “imexível”, já Gilmar parece que não mais. Este só
foi acolhido enquanto fez a cara de mau que forçou no processo do chamado
“Mensalão”. Atingindo o PT, o Ministro foi um ferrabrás implacável, no melhor
estilo curitibano. E, depois, quando Janot direcionou a metralhadora contra o
governo Dilma, contou com todo apoio de Gilmar.
Mas,
ao decidir o procurador-geral, nas suas xambreganças com seus auxiliares,
alvejar Aécio Neves e o golpista Temer – est’último, segundo dizem, para
garantir a permanência de seu grupo à frente do ministério público – o
magistrado se tornou crítico ferrenho da persecução penal destrambelhada e
adotou discurso garantista. Confirmou-se inimigo do Ministério Público Federal,
merecendo até notinhas de repúdio da Associação Nacional dos Procuradores da
República.
E
essa turma com quem passou a se atracar é muito midiática. São artistas da
conspiração com uso de pós-verdades. Gilmar, com as matérias de Veja e IstoÉ,
caiu na rede e virou o peixe da vez. Não pelo que fez de errado, mas pela
correção, embora interesseira, de seu rumo que não se amolda à ação dos jovens
procuradores ativistas e nem à linha editorial dos que os bajulam no
noticiário.
O
jabuti está no topo da árvore. Compete a Gilmar tirá-lo de lá e talvez aprenda
que, quem com ferro fere, com ele será ferido. A mídia – jornais e
hebdomadários – não é amiga de ninguém. Tem sua pauta com dinâmica
que não se confunde necessariamente com a desta ou daquela agenda de atores
políticos. Nem do governo, nem do judiciário e nem do ministério público.
Talvez esta lição também seja útil para o homilieiro e o esgrimista de
Curitiba.
GGN