A lógica de Bolsonaro é
ser anti-sistema, o representante do país sombrio, da maioria silenciosa que
nunca se viu representada na política. No parlamento, é o baixo clero. Na
mídia, é personagem secundário, restrito aos veículos regionais. Ou
limitando-se a ver o país através das lentes dos programas policiais e do
filtro dos jornais nacionais, sempre na posição passiva.
Os bolsonaristas são
cidadãos de um país anacrônico, que acompanhava, passivamente, o cosmopolitismo
provinciano do Rio e de São Paulo, mas não se sentia politicamente integrado.
É o valentão da moto,
que só consegue se impor fisicamente sobre os nerds, esses moleques exibidos
que querem falar chic. São os grupos, as gangs que se formaram em torno de
temas não-políticos, colecionadores de motos, de veículos antigos, valentões de
bar, grupos religiosos, colegas de bar, irmãos de maçonaria. Ou apenas cidadãos
classe-média que escondiam preconceitos e ódios, comuns à pré e a
pós-modernidade e que, graças às redes sociais, se descobriram maioria em seus
redutos.
Junte-se a esse grupos
empresários que aprenderam apenas a ganhar dinheiro, sendo submetidos dia após
dia ao liberalismo superficialíssimo do sistema Globo, condenando qualquer
forma de regulação e de atuação do Estado.
Quando a Globo decidiu
levar o povo para as ruas, para atropelar a Constituição, e o STF (Supremo
Tribunal Federal) convalidou o golpe, esse Brasil soturno emergiu com toda
força. Pensaram repetir as maiorias silenciosas de 1964 que, depois de usadas,
foram deixadas de lado. Não se deram conta do poder de aglutinação das redes
sociais. Eles, agora, têm voz própria e se valem da desorganização total no
sistema, da quebra de todas as regras e leis, para ocupar espaços, trazendo consigo
agentes oportunistas de todas as espécies. -derrotados políticos, economistas,
lideranças que foram sucessivamente derrotadas no jogo eleitoral e que, agora,
se julgam em condições de cavalgar o leão sem ser devorado.
Tudo isso ocorre no
país de Macunaíma. Aproveitam-se do jogo Ministros do Supremo, ministros de
tribunais, economistas de mercado, mais abaixo um pouco, promotores liberados
para prender, juízes liberados para condenar, fazendo acertos de contas em cada
canto do país. Abrem a jaula achando que vão parlamentar com o leão faminto.
E aí acontece o
paradoxo.
O Brasil que saiu às
ruas no sábado, nas históricas manifestações das mulheres, é o país civilizado,
defendendo bandeiras adequadas aos tempos modernos. O Brasil anacrônico dos
grandes meios de comunicação, segura a informação. A reação da maioria
silenciosa é aumentar a adesão a Bolsonaro – se a pesquisa IBOPE foi
efetivamente séria, captando um soluço ou uma tendência.
A cada jogada de cena
combinada, nos debates de presidenciáveis, mais se esboroa o Brasil
institucional. A cada autodesmoralização do Supremo, mais gás para a besta.
O antipetismo
desvairado da mídia, o oportunismo de presidenciáveis, de explorar o fantasma
do suposto autoritarismo do PT tem efeito multiplicado nas redes sociais.
Revive as maluquices do “comunista-comedor-de-criancinhas” e é tiro nos dois
pés. Não demoniza apenas o PT, desmoraliza as instituições, o “sistema” – que
Bolsonaro, mais uma vez, anunciou que irá destruir. E até Ciro Gomes, o
presidenciável com melhores propostas, embarca nessa aventura que, em vez de
levá-lo para o segundo turno, poderá levar Bolsonaro ao poder.
O PT tem defeitos
enormes. Mas o oportunismo do país institucional, de atribuir ao partido
propósitos ditatoriais, para navegar nas águas fáceis do anticomunismo mais
primário, tem um efeito multiplicador terrível na base, nos escaninhos das
redes sociais de onde se alimenta o bolsonarismo.
E fica o Brasil
institucional aguardando o momento em que FHC descerá do seu ego e engrossará a
frente contra o atraso. Sabe o que vai acontecer? Nada. Será anulado com um pum
que Bolsonaro reteve no hospital.
GGN