O papel da inteligência americana e da
mídia brasileira no desmonte de um projeto de nação no Brasil.
Como foi possível, em tão pouco tempo, o
Brasil passar de o país do futuro, aclamado em todas as análises
internacionais, para se tornar mais um país sem relevância? O jornalista Janio de Freitas
junta as pontas para responder essa questão em um artigo, mais uma vez, magistral,
começando pelo papel da CIA na invasão de dados, não só de governos, como
também de qualquer pessoa, a partir dos novos aparelhos domésticos de TV, que
hoje captam conversas no ambiente domiciliar.
Em seguida, Janio avalia o papel da mídia
brasileira em reproduzir as notícias de interesse internacional, deixando de
lado sua responsabilidade em investigar fatos verdadeiramente relevantes para o
desenvolvimento independente do país. O jornalista resgata, ainda, a discussão
sobre o interesse crescente dos Estados Unidos sobre os países africanos do
Atlântico Sul, justamente entre as nações que o Brasil dos governos Lula se
aproximou para trocar tecnologia, possivelmente pelas reservas de petróleo
naquela região de geologia semelhante ao pré-sal brasileiro.
A última novidade americana de que temos
notícia já não é uma Casa Branca manicomial, mas não foge à linhagem das
contribuições psicopáticas à cada dia mais desatinada "civilização
ocidental". Além de penetrar à vontade nas comunicações telefônicas mundo
afora, como aconteceu a conversas de Angela Merkel, Dilma Rousseff e outros
governantes, e de entrar nos computadores alheios, o serviço de espionagem e
sabotagem dos EUA – CIA – pode valer-se dos aparelhos domésticos de TV para
captar e transmitir-lhe as conversas no respectivo ambiente. Sem palavras
rastejantes, a CIA é uma Gestapo gigantesca, planetária, levada às últimas
possibilidades de invasão das mentes e da vida humana.
Diante desse poder cibernético, o que pode
o mundo, sua vítima, é repetir a divisão motivada pelo poder nuclear. De uma
parte, os países que desviaram imensas fortunas para entrar no círculo atômico;
de outra, os que se sujeitam à subalternidade ou preservam uma posição digna no
mundo por meio de uma posição independente e estrategicamente habilidosa.
Michel Temer falou há pouco da importância
reconhecida ao Brasil. Apenas três dias antes, o correspondente Henrique Gomes
Batista transmitira as palavras do brasilianista Peter Hakim, presidente do
Inter-American Dialogue: "Antes, toda vez que eu voltava do Brasil, as
pessoas queriam saber o que o país estava fazendo, se havia novidades. Hoje o
país perdeu a relevância". A palavra "hoje" define o que era o
"antes".
No "antes", talvez referente
sobretudo ao plano interno, a estratégia e a política internacionais do Brasil
foram fundamentais para as "novidades". Mas foi também nele que isso
começou a esvaziar-se, pelo plano secundário em que foi deixado por Dilma
Rousseff. Sem reclamações internas. Primeiro, porque a imprensa/TV no Brasil
faz jornalismo tipicamente periférico, repetidor de uns poucos (hoje em dia,
pouquíssimos) temas do jornalismo internacional dos centros mundiais de
decisão.
Além disso, porque interessar-se pela
virada que a "política exterior ativa e altiva" introduziu, em
seguida a um período caudatário dos ditames americanos até na política
econômica, fortaleceria um governo e várias políticas indesejados pelo poder
econômico. Por mais que estivesse beneficiado pela ação comercial incluída na
nova política externa.
A África representou muito nessa política.
Os Estados Unidos têm grande interesse na face africana voltada para o
Atlântico Sul: ali está o petróleo alternativo para previsíveis problemas com
sua fonte petrolífera na Arábia. Os americanos veem a África Ocidental como uma
espécie de reserva sua não declarada. Mas a costa atlântica da África está
voltada também para o Brasil. E em frente às jazidas e poços brasileiros,
inclusive do pré-sal. A busca de relações profundas com essa África,
importantes até para a soberania brasileira, levou a iniciativas que a Lava
Jato entende como picaretagem. Na cooperação militar, a Marinha brasileira tem
até presença expressiva na Namíbia.
Nessa política, as multinacionais
brasileiras tinham um papel e uma fonte de ganho, com igual relevância. Sua
atividade em quatro dos países africanos e em um sul-americano compõem os
capítulos de um livro que, afinal e quase inexplicavelmente, moveu o jornalismo
brasileiro para parte das iniciativas africanas do Brasil. É uma reportagem,
rara no tema e ótima na realização, que proporciona também uma visão social e
política, como um fundo que dá ao livro dimensão bem maior do que o indicado no
título, "Euforia e Fracasso do Brasil Grande". Jornalista de primeiro
time, Fábio Zanini deu uma leitura agradável e informativa a um tema desprezado
que vale a pena conhecer.
E quem quiser saber o que é diplomacia, e
o que nela foi a ação que por certo tempo incluiu o Brasil nas decisões
mundiais, as respostas estão dadas pelo ex-ministro Celso Amorim, em
"Teerã, Ramalá e Doha — memórias da política externa ativa e altiva".
Livro ótimo, para hoje e para o futuro. Mas que dá certa nostalgia, no Brasil
que "perdeu a relevância".
Do GGN, por Janio de Freitas